invisibilecoccinella Mary

A vida segue em frente, mesmo que eu não siga, que o caminho por baixo dos meus pés tenha sido apagado, que apesar de ter um arquivo extenso do meu passado, não saiba ser quem fui, não consiga mais encarnar aquele personagem, nem tentar resgatar ainda que simbolicamente aquele riso de menina que eu costumava dividir com as paredes, com as pessoas, com o mundo sem muros.


Drama Todo público.

#escritora-mary #depressão #coração-partido #solidão #prosa-poética
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Verbo Vazio


Desfragmentado do sentido.

Desprogramado do objetivo comum.

Desorientado, apesar dos acordos previamente assinados.

Descompensado por excelência.

Um corpo resistente ao frio, a dor, às desilusões.

Um coração disposto a bater até não suportar mais os ruídos da sua própria loucura.

Viver é um verbo vazio.

Sem objeto, sem direção, sem complemento.

Bate, bate, acelera, desacelera.

A existência prossegue, mas os frutos da emoção traduzem melhor o olhar descontente que forja um sorriso e até domina a situação.

Se felicidade estivesse à venda ou pelo menos pudesse ser baixada pela internet. Não tem nada a ver com prazeres efêmeros, seria o equivalente a encontrar um portal para voltar à infância e fazer às pazes com os dias de sol.

Metáforas disputaram ferrenhamente uma vaga para definirem ainda que simbolicamente o que se passa, porque na prática uma simples explicação não sacia.

O vazio carece de alimento, mas retroalimenta a dúvida.

A incompreensão é apenas início, o ponto em destaque de uma reta apagada pelo próprio infinito.

A raiva enrijece a expressão, tem sido a minha resposta a tudo e todos.

Não excede em mais do que cansaço, um desapontamento crônico frente a falta de esperança.

O ser desprovido de motivos.

A incerteza do futuro.

A angústia de ser uma mentira, de tudo ao redor ser também.

As relações, os deleites, as expectativas.

Nada parece ser real.

Não haja dúvidas de que eu me sinta realmente sem rumo.

As peças não se encaixam.

Nessa partida sádica, alguém gritou "xeque-mate" antes que eu pudesse entender o que estava acontecendo.

Pode ser que o mundo continue girando no mesmo ritmo de sempre, mas que eu esteja devagar, porém tenho a impressão de que quanto mais eu tento me situar, mais e mais eu me afasto do eixo, vou perdendo o pouco que restava de mim.

O pouco que hoje significa muito.

Um pouco de alegria hoje seria uma velha amiga vindo comer bolo ao meu lado.

Um pouco de sorte onde há somente desgosto vale um dia de sol.

Tudo que eu tinha de bom a rejeição matou e quem me tratou como se eu fosse de brinquedo anda por aí como se não se importasse, decerto não teme a colheita.

A vida segue em frente, mesmo que eu não siga, que o caminho por baixo dos meus pés tenha sido apagado, que apesar de ter um arquivo extenso do meu passado, não saiba ser quem fui, não consiga mais encarnar aquele personagem, nem tentar resgatar ainda que simbolicamente aquele riso de menina que eu costumava dividir com as paredes, com as pessoas, com o mundo sem muros.

Tenho discutido o amor. Leio o que escrevo sobre ele e procuro dentro dessa criatura repulsiva de hoje um punhado daquela jovem romântica e cheia de sonhos que um dia eu fui.

As manhãs cinzentas reacendem o que deve ser esquecido.

Não é tão cedo, ainda resta um pouco de luz, não o bastante para me convencer de que o sol voltou, mas uma dose razoável para não perder o hábito de localizar as estações.

Contabilizo o passar dos dias de modo mecânico, sem entusiasmo.

Sou indiferente, não por vontade, e sim por obrigação.

Simplesmente existindo, temendo.

Simplesmente deixando que as coisas percam o sentido, é realmente mais fácil do que lutar contra os fatos que já se concretizaram.

Essa metáfora me serve demais: meu coração está quebrado, em mil pedaços partido, desmantelado.

Um coração refeito, mas destruído.

Ele bate, é verdade.

Mas não vive.

Um coração cheio de raiva e sem amor está fadado a morrer de dor mais cedo ou mais tarde.

Morrer de alívio num instante.

Para fugir dos ruídos de um mundo cão, buscar o alívio que o tédio mandou para os ares.

Rabiscar versos mórbidos amortece o impacto ausente de rimas.

Verbo vazio não rima.

3 de Enero de 2020 a las 21:24 3 Reporte Insertar Seguir historia
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Fin

Conoce al autor

Mary uma joaninha itinerante que atende por Maria, Mary, Marisol, que ama previsão do tempo e também contar histórias. na maior parte do tempo, invisível.

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Artemísia Jackson Artemísia Jackson
Não consigo criar um comentário realmente decente, qualquer adjetivo vai ser vazio e incapaz de projetar os sentimentos que senti lendo. Tão profundo que toca na alma.
January 03, 2020, 21:34

  • Mary Mary
    Oi. Obrigada por estar aqui. Suas palavras já são como um abraço. Hoje estou triste, mas vai passar. Queria agradecer pela sua leitura, fez a diferença receber um comentário tão legal que fez valer o dia. Obrigada. January 03, 2020, 21:54
Artemísia Jackson Artemísia Jackson
Caralho, me sinto tão impactada...
January 03, 2020, 21:33
~