O velho caminhou com dificuldades até a varanda da casa em que morava sozinho e sentou-se em sua poltrona preferida. Começou a observar a rua e viu dois jovens garotos brincando alegremente. Ficou ali observando por alguns minutos e logo sentiu seus olhos pesarem.
Ao adormecer, começou a sonhar que era criança novamente e brincava na rua com seus primos. No sonho, podia correr novamente, sentindo a adrenalina, o vento no rosto e o coração batendo mais forte. Percebeu que aquele sonho, na verdade, eram lembranças. Nesse momento, sentiu um leve formigamento na ponta dos dedos.
A lembrança mudou para outra cena: ele ainda era criança, só que jogando videogame. Lembrou de como gostava de fazer isso quando era jovem, passando horas na frente da TV jogando. Se perdeu naquelas lembranças por um tempo e logo se deu conta de que aquele tempo havia passado, e o formigamento subiu até sua mão.
Quando se deu conta, estava lembrando de seus pais, e foi então que sentiu vontade de chorar. Lembrou-se de tudo que os dois fizeram por ele e do pouco que ele fizera pelos dois. Tinha consciência de que faltou dizer e demonstrar mais que os amava, e principalmente faltou um “Muito Obrigado por tudo”. A primeira lágrima escorreu quando percebeu que o tempo para fazer isso já tinha passado. O formigamento, então, subiu por seu braço naquele momento.
Logo em seguida, viu-se na adolescência. Lembrou das paixonites que teve naquela época e sorriu ao ver como eram rápidas e rasas. Mas, no meio dessas lembranças, havia a lembrança de sua primeira paixão, e sabia que essa era diferente, pois ainda lembrava com detalhes da voz e do rosto da garota. Sorriu ao pensar que, atualmente, ela não devia mais ter a mesma pele de décadas atrás. Foi então que refletiu: “Se eu tivesse me declarado, eu teria alguma chance? Nunca saberei, pois o tempo de ter feito isso já passou”. Neste momento, reparou que seu coração estava mais acelerado.
Pensar na adolescência o fez lembrar de amigos. E pensando em amigos, recordou-se do mais importante, seu irmão. Lembrou que brigavam muito, mas minutos depois estavam juntos novamente. Reparou que, apesar de admirá-lo muito, jamais havia dito isso a ele. Suspirou e pensou: “Preciso fazer isso antes que o tempo acabe”. Neste instante, sentiu calafrios pelo corpo.
Agora, lembrou-se de seu filho, e foi aí que as lágrimas desceram com intensidade. Conseguiu lembrar-se com detalhes da primeira vez que o pegou no colo, de como ele era pequeno e frágil, das primeiras palavras dele, dos primeiros passinhos, até mesmo da primeira vez que precisou repreendê-lo e de como fazer isso cortou seu coração. Lembrou dos conselhos, das brincadeiras e de como se sentia feliz junto de seu filho. Em relação ao seu garoto, só lamentou não ter tido mais tempo, mas sentiu alívio ao perceber que o tempo que teve com ele fez o seu melhor. Nesta ocasião, começou a sentir falta de ar.
Foi então que pensou na sua amada. Todo homem teve, tem ou terá a sua, e com o velho não foi diferente. Mais uma vez lembrou de todos os momentos bons e marcantes que passou com ela e sorriu ao lembrar de como esses momentos foram felizes. Com esta lembrança, ele sentiu paz, sabia que sempre fez o seu melhor para ela e que isso o fazia bem e feliz. Então respirou fundo e pensou: “Foi bom enquanto durou”.
Por último, viu sua vida adulta, os trabalhos que teve, a faculdade que cursou e tudo que conquistou. Viu que tinha feito mais do que costumava se lembrar e sentiu orgulho de si. Por outro lado, viu que deixou de realizar muitas coisas que teve vontade, por insegurança e medo. Entristeceu-se ao sentir que o tempo para realizar tais coisas havia acabado.
Neste momento, o formigamento já estava em todo o corpo, o coração batia extremamente acelerado, ele quase não conseguia respirar, as lembranças de sua vida passaram como um foguete por sua mente, começou a sentir milhões de sensações ao mesmo tempo. Medo, culpa, felicidade, ansiedade, tristeza, saudade, remorso, tudo de uma só vez, mas no segundo seguinte não sentia mais nada, absolutamente nada. As lembranças foram desaparecendo até não restar mais nada, foi então que o velho percebeu que agora não mais existia, pois era o seu próprio tempo que havia acabado.
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