Cansada. Era assim que eu me sentia. Estagiar numa grande empresa não era nada fácil. Muito trabalho, muita preocupação... E ainda tinha o fato de não ser paga.
Eu pensava em tudo isso enquanto saía da empresa ao lado de um amigo, que sempre me esperava para irmos juntos para casa, mesmo quando eu demorava muito para terminar meus afazeres. A gentileza dele foi um dos principais motivos para eu ter...
― Estagiar é um saco! ― Eu disse ao meu melhor amigo, Reiji
.
― Não seja assim tão pessimista, Hiruka-chan. Pense que você será efetivada assim que concluir a faculdade. Sabe quantas pessoas querem isso e não tem? ― Falou, com seu típico sorriso de canto.
― Nesse ponto você tem razão, Reiji-kun. ― Admiti, pois ele realmente estava certo, como sempre ― Eu devia ser mais grata.
Não é como se eu fosse uma ingrata, eu sabia perfeitamente a sorte que tinha. O cansaço estava me fazendo agir assim.
― Já passa das 23hrs30min e você precisa estar na faculdade às 08hrs30min. Que tal pegarmos o metrô?― Sugeriu, como quem não quer nada, olhando para o lado direito e fingindo observar as pessoas que passavam por nós ― Assim chegará mais rápido.
― Pode pegar se quiser, Reiji-kun. ― Respondi quase que imediatamente. Estava muito cansada, física e mentalmente, não seria uma boa companhia para ele ― Eu prefiro ir andando, tenho que pôr os meus pensamentos em ordem.
― Nesse caso, eu te acompanho. ― Reiji abriu um sorriso de orelha a orelha, no fundo eu sabia que ele só queria uma desculpa para poder estar mais perto de mim ― Não é nada educado deixar uma dama andar por aí sozinha. Ainda mais à essa hora.
― Deixe de coisa! ― Disse, num tom brincalhão para não magoá-lo ― Sua casa é numa direção diferente da minha. Não quero te dar trabalho.
― E não dará. ― Insistiu, o que me deixou um tanto irritada. Eu sabia que ele só estava sendo gentil, mas eu queria um tempo ― Deixe que eu te acompanhe...
― Não, Reiji-kun, eu realmente prefiro ir sozinha. Preciso ficar um pouco só. ― Fiz o possível para não soar ríspida, mas acredito que não tenha funcionado.
― Já que você quer tanto... ― Ele não mascarou a tristeza em sua voz e isso me fez sentir um pouco mal ― Mas me ligue assim que chegar em casa, ficarei preocupado com você.
― Não há com o que se preocupar. ― Enlacei seu braço esquerdo num gesto carinhoso, afinal, eu precisava compensá-lo pela minha grosseria, não é mesmo? ― À essa hora, até mesmo os bandidos devem estar dormindo.
Nós dois não tivemos como conter a risada. Era isso que Reiji mais gostava em mim, meu bom humor. Ele sempre dizia isso.
― Talvez você esteja certa, mas, mesmo assim, me ligue.
― Pode deixar, eu ligo. ― Eu lhe sorri de forma doce.
― Certo... Até amanhã.
― Até. Tenha uma boa noite.
― Você também.
Nos despedimos com um abraço rápido e então Reiji seguiu para a estação de metrô, enquanto eu continuei andando.
Eu não era estúpida, sabia perfeitamente o que Reiji sentia por mim. Esse era o motivo de eu afastá-lo sempre. O estágio, a faculdade, os meus pais... Não tinha tempo para manter um relacionamento. Mas isso não significava que não queria um, pelo contrário. Eu gostava dele tanto quanto ele gostava de mim, mas as circunstâncias não permitiam.
Não poderia dar esperanças a ele sabendo que não teria tempo para que ficássemos juntos e fizéssemos coisas de casal.
Essa decisão doía, mas, se Reiji fosse paciente, eu ficaria com ele assim que terminasse a faculdade e fosse efetivada.
Talvez devesse ter dito isso à ele, não é? Sim, eu devia ter dito! Eu havia decidido dizer a ele na amanhã do dia seguinte, assim que o visse. Não queria correr o risco de esperar e acabar perdendo a coragem.
"Espere por mim, Reiji. Só mais um pouquinho."
Com esse pensamento, eu sorri enquanto caminhava para casa. Não pude evitar fantasiar sobre como seria quando contasse a ele que estava apaixonada.
Será que ele ficaria feliz? Ou será que ficaria surpreso? Ele vai me abraçar ou me beijar? Sinceramente, eu estava esperando pela a segunda opção.
Mas, em meu íntimo, eu sabia que ele não faria isso. Ele sempre foi um rapaz muito educado e respeitoso, não tomaria essa atitude ― para o meu azar.
A ansiedade era tanta que eu só queria chegar em casa logo.
Com isso em mente, resolvi cortar caminho pela velha estação de trem, assim chegaria mais rápido ― e falaria com Reiji mais cedo.
Estava tão feliz que demorei um pouco para notar o som atrás de mim. Mas, depois de me concentrar, pude ouvir claramente.
"Teke-teke, teke-teke"
Achei estranho e olhei para trás, não vi nada.
"Nossa, que estranho..." lembro-me de ter pensado.
O som parou e eu continuei a andar. Poucos segundos depois o som recomeçou, e eu comecei a ficar um tanto assustada. Apertei o passo mas não olhei para trás novamente. Seja lá o que fosse aquilo, eu não queria mais saber.
À medida que meus passos ficavam mais rápidos, o som também ficava. Foi aí que lembrei de uma lenda urbana que a minha avó contava...
Há muitos anos, antes mesmo que minha avó nascer, uma mulher caiu naqueles mesmos trilhos ― ou se jogou, ninguém nunca soube ao certo ― e não conseguiu se levantar a tempo de escapar do trem, e este a dividiu ao meio.
A morte foi horrível e dolorosa pois, apesar de ter sido dividida ao meio, ela não morreu de imediato. Ela agonizou por longos minutos até que finalmente tivesse o descanso da morte ou, pelo menos, era nisso que se acreditava.
A morte violenta e agonizante acabou transformando-a num espírito vingativo, que assombrava os trilhos ― ou as ruas do Japão, como também ouvi em outras versões ― usando os cotovelos para se locomover, o que emitia o característico "teke-teke", e com uma tesoura enorme nas costas. Ela usava a tesoura ― ou uma foice ― para dividir as pessoas ao meio, tamanha a sua raiva. Em outras versões, dizem que ela arrasta as pessoas e as joga nos trilhos, para que sintam a mesma dor que ela sentiu.
Lembrar dessa lenda fez com que eu me desesperasse. Eu nunca acreditei nessas coisas, nunca dei muita importância, mas naquele momento fiquei apavorada.
Num surto de pânico, eu comecei a correr, correr como se a minha vida dependesse disso ― e de fato dependia.
Depois de correr tanto que fiquei exausta, acabei olhando para trás. Me surpreendi quando não vi nada.
Fiquei me sentindo uma estúpida. Corri como uma louca, nunca senti tanto medo em toda a minha vida e, no fim das contas, não era nada.
Mexi no meu cabelo e ri de mim mesma por ser tão medrosa.
Me virei para continuar o meu caminho, e foi aí que eu a vi... Pálida, cabelos longos e negros, parecia ter um rosto bonito, mas ele estava contorcido numa expressão de ódio.
Eu não consegui correr, estava paralizada de tanto medo. Eu assisti, impotente, cada movimento dela. A vi tirar a grande tesoura de suas costas e preparar o corte. Ouvi o som das lâminas se chocando, após me partirem ao meio, senti uma dor aguda, insuportável, mas não morri. Fiquei ali, sofrendo.
Num último ato, peguei o meu celular na bolsa que estava caída ao meu lado, liguei para Reiji. Dois toques e então ele atendeu.
―Alô, Hiruka-san. Já chegou em casa? Você é rápida, hein.
― Reiji... ― Não sabia de onde estava tirando forças para falar, mas eu precisava dizer a ele antes que fosse tarde de mais ― Reiji... Eu te amo... Me perdoe...
―Hiruka, o que houve? Onde você está? Está tudo bem?― Eu não conseguia dizer mais nada, e o meu silêncio estava deixando ele desesperado ―Hiruka, fala comigo! Hiruka?!
Aquela foi a última coisa que eu ouvi antes de tudo ser consumido pela escuridão.
Eu estava morta.
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