Vocês já visitaram a igreja Galee hoje?
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Com os braços cruzados em xis o ruivo tentava se defender dos golpes que miravam seu rosto, sola atrás de sola, os pés masculinos não paravam até que Gaara desse algum sinal alarmante de dor.
Se haviam pessoas nesse mundo que o odiavam, essas pessoas eram os Uchihas, e o pobre menino nem sequer sabia o motivo para tal. Desde que começara o ensino médio e cruzou seus olhares com Sasuke, sua vida se transformou num verdadeiro inferno.
—Tsc...esse...esse maluco!—Sasuke cospiu as palavras e Gaara teve de controlar sua boca irônica para não perguntar se aquele foi o melhor adjetivo que o moreno poderia ter arranjado para si. Sabia que seus comentários tornariam o Uchiha ainda mais hostil e o que menos queria era tornar sua sessão de tortura ainda pior.
—P-Pare... Já chega...—Ele tentava suplicar entre uma ou outra vez em que suas costelas eram atingidas, ele sinceramente duvidava se conseguiria ficar de pé depois daquela surra. Tudo o que queria era uma única vez conseguir se defender, e em meio a seus gritos viu ao longe surgir um rapaz que gritava desesperado, atraindo a atenção de um monitor do colégio para a agressão que ali ocorria. Os movimentos espalhafatosos foram prontamente atendido, mesmo que o monitor em questão mal o tivesse olhado, e Sasuke foi puxado pra longe de si.
—Eu posso caminhar até a enfermaria sozinho.—Murmurou quando o senhor Kakashi tentou ajudá-lo, antes de ver Sasuke lançar um olhar mortal em direção a si enquanto se afastava e o garoto misterioso, aquele que alertou o monitor do colégio, lançava ao Uchiha uma careta que foi prontamente ignorada.
Gaara pôs as mãos nas costelas, ofegante, e se levantou numa lentidão tortuosa enquanto o moreno de cabelos escorridos e sobrancelhas grossas se aproximava.
—Você está bem?—O menino parou bem a sua frente, arqueando as sobrancelhas e destacando ainda mais os olhos arredondados. Gaara o fitou pelo canto dos olhos um tanto receoso, era raro que alguém do colégio o tratasse cordialmente, e sempre que o faziam a ação era seguida de alguma pegadinha maldosa. No entanto, o estranho garoto não parecia ter nenhuma intenção oculta, apenas a preocupação por ver o jovem naquele estado.
—Eu...estou.—Murmurou tirando a poeira da calça, os lábios ainda tremiam pela adrenalina e os braços doíam pela tentativa de defesa. O moreno fecha a cara.
—Como aquele idiota pôde fazer aquilo com você, hm?! Aquele Sasuke...se acha o dono do mundo!—A reação do sobrancelhudo era ainda mais escandalosa que a de segundos atrás, e aquilo parecia ser um costume.
Como Gaara nunca o havia notado antes?
—Não deixe que ele te ouça dizendo essas coisas...—Com o material em mãos, Gaara começa a caminhar devagar, sendo seguido pelo garoto cabelo de tijela.
—Por que não? Acha que ele vai me bater?—Um sorriso convencido brota nos lábios do moreno.—Ele não é louco o suficiente para isso!
O ruivo arqueia as sobrancelhas, desacreditado, fazendo com que o moreno deixasse outro sorriso escapar. Aquilo também parecia ser um costume.
—Não está acreditando né? Vem, vamos pra enfermaria enquanto eu te conto sobre o dia em que ganhei uma luta de Uchiha Sasuke...
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Sentado no fundo da sala, cercado por cadeiras vazias que nunca eram preenchidas, Gaara observava a paisagem da janela. Dali podia ver a pista de corrida da escola e o ginásio, sua turma se aquecia para a aula de educação física enquanto ele fugia desta.
Os olhos verdes vagavam pelos gramados bem aparados até onde sua vista alcançava, pousando na criatura que corria em voltas incansáveis ao redor da pista enquanto os outros alunos montavam times de vôlei. Teria ele chegado atrasado?
Rock Lee, ele havia descoberto seu nome na semana anterior ainda na enfermaria, corria fazendo caretas determinadas para manter o ritmo, usando aquele short engraçado de educação física e deixando os cabelos em formato de tigela lhe grudarem na testa.
Rock Lee, o garoto que bateu em Uchiha Sasuke.
Aquela história ficou grudada em sua mente, Gaara perdeu noites inteiras imaginando como teria sido aquele momento e desejou entrar na escola pelo menos um ano antes para poder presenciar tal coisa. Era como sua vingança antecipada.
—Ei!—Ouviu um chamado um tanto alto atrás de si, o susto foi tamanho que os joelhos bateram contra a mesa em que se apoiava. Gaara pôs a mão no peito.
—Está louca, Ino?—Virou com uma expressão irritada, a loira exibia um sorriso maroto.
—Você não me escutava...
Ela se sentou despreocupada em estar perdendo aula ou não, era um ano mais nova do que si e estudava em outra sala, e começou a tagarelar sobre alguma coisa da qual o ruivo não estava disposto a prestar atenção no momento. Sua mente viajava entre as histórias que ouvira na tarde da última semana.
A única pessoa que se dignava a falar consigo naquele colégio era Ino, que nunca se preocupou com os olhares estranhos que lançavam em direção a eles quando estavam juntos e sempre tinha um assunto diferente para contar, o que acabava distraindo Gaara de todo e qualquer aluno idiota no colégio. Mas agora seus assuntos pareciam irrelevantes enquanto o ruivo tentava descobrir como o tal Rock Lee conseguia lidar com aquele cabelo lhe grudando nas faces. Talvez o perguntasse uma outra hora e...
“Não, de jeito nenhum. Ele só foi gentil com você uma vez, não fique achando que são amigos.” Se auto bronqueou enquanto balançava a cabeça, a loira ao seu lado logo notou sua mudança de comportamento e tratou de querer desvendar o motivo.
—Você está diferente...—Os olhos azuis se estreitaram em sua direção, Gaara a olhou desentendido.—O que tanto olha nessa janela...?
—Uh? Nada! Nada mesmo!—Os olhos são desviados em outra direção, Ino arqueia as sobrancelhas e se estica até a janela.
—Estava olhando o Lee?—Ela não disfarça a expressão maliciosa, Gaara revira os olhos com as bochechas assumindo um tom rosado.—Oh, sim! Você estava.
—Você o conhece?—O ruivo disfarça a curiosidade enquanto puxa alguns materiais de desenho da mochila. Aquele era seu hobby durante quase todas as aulas, junto com o desvio de bolinhas de papel que lhe eram arremessadas.
—Só de vista...—Ela alterna os olhares entre o garoto lá embaixo e o amigo na sala.—Você estão...—Ela junta os polegares enquanto solta um ou outro risinho. Gaara nega.
—Ele me ajudou com o Sasuke semana passada.—O lápis começa a deslizar no papel, rabiscando qualquer coisa que o fizesse não pensar nas palavras de Ino.
—E você já agradeceu?
O ruivo levanta o olhar, como se uma luz piscasse em sua mente.
—Acho que não.
—Pois de-vi-a!—Ino sai da sala aos risos, pulando entre cada passo em direção a sua própria sala.
O ruivo fez um bico descontente com o tom insinuante da amiga, mas não discordou totalmente de sua ideia.
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Como o agradeceria?
A mente de Gaara dava voltas e mais voltas em busca de uma forma de iniciar uma conversa com o tal Lee sem que fosse um incômodo para o moreno, e assim permaneceu até a hora em que todos os alunos voltaram da quadra, carregando suas coisas num falatório insuportável.
As cadeiras foram preenchidas aos poucos, mas como sempre as que cercavam Gaara foram deixadas de lado. Ele revirou os olhos, ignorando a situação como sempre fazia, e tentou manter os olhos fixos no desenho de paisagem que fazia. Seu sucesso teria sido muito maior, se uma enorme aranha não acabasse sendo jogada em meio a seu caderno.
—Arg!—O susto foi imediato, a cadeira rangeu com a força posta sobre si para ir para trás, Gaara sentiu todo o corpo arrepiar e seu estômago embrulhou imediatamente com a visão do aracnídeo repugnante. Seu coração podia ser ouvido a uma milha de distância.
—O que foi, cabeça de fósforo? Tem medo de um bicho de pelúcia?—Sasuke zomba pouco atrás de si, indo até sua mesa e resgatando o animal falso. Com o coração acelerado, mesmo a certeza de que o bicho não era real não é suficiente para apaziguar o suor frio de Gaara.
As risadas ecoam na sala, e somente cessam quando Lee entra na sala acompanhado do professor, o moreno olha torto para o Uchiha enquanto o senhor Asuma manda que a turma se sente. O mais jovem caminha na direção de Gaara, deixando algumas mesas vazias pelo caminho e somente para ao se instalar exatamente a seu lado.
—Bom dia!
O ruivo sente o rosto esquentar diante do sorriso que Lee abrira em sua direção, exibindo duas fileiras de dentes alinhados e brancos, sua expressão calorosa o acolheu de uma forma que até então desconhecia, e ele não fazia ideia do porquê de ter gostado tanto daquele sorriso.
As mãos de Gaara tremem ao voltar para a mesa, somente a memória da aranha que esteve ali, mesmo que o pavoroso ser não fosse real, o arrepiava dos pés a cabeça e o fazia querer vomitar. Seus punhos se apertam com a irritação, Sasuke nunca se cansava de importuná-lo.
—Esse Sasuke...—Murmura entredentes, mesmo depois daquela surra, da qual ele ainda se recuperava, ele parecia não estar satisfeito e continuava a lhe importunar. Agora usando seu maior medo contra si. As pontas de seus dedos formigavam ao imaginar serem corridas pelas patinhas asquerosas do aracnídeo, Gaara sente o estômago revirar e os olhos quase se encherem de água, sentindo-se a mais estúpida das criaturas por ter medo de algo tão pequeno.
Seus batimentos aceleram, mais e mais... até que sua atenção é desviada para uma bolinha jogada pela lateral em sua mesa. Do lado o qual foi arremessada, Lee o olhava ansioso alternando a direção das grandes orbes entre a mesa e o ruivo.
Gaara passou por uns instantes de confusão, encarando o pequeno papel de olhos desconfiados sem saber se deveria ou não desamassa-lo–veja bem, da última vez que o fizera acabou por ler uma mensagem pouquíssimo agradável—mas a ansiedade e o quase sorriso presente nos lábios de Lee o deram alguma coragem positiva e a certeza de que ele não era como os outros.
Alguns alunos viraram-se para trás e até mesmo cochichavam enquanto ele se embolava nas próprias mãos para abrir o papel, cujas folhas finas e barulhentas eram tão leves que mal conseguiam ser sentidas nas pontas dos dedos, o professor chamou a atenção de volta para o quadro mas não disfarçou que notou a situação.
“Peça para ir no banheiro” As letras eram alinhadas e corridas, com uma carinha feliz desenhada ao lado. Gaara olhou para o lado com uma expressão duvidosa mas Lee apenas moveu as mãos numa fala muda para que lhe obedecesse.
—Professor...eu...vou ao banheiro.—Murmurou ainda sem tirar os olhos de Lee, que sorria divertido ao perceber seu nervosismo infundado. O professor assentiu, olhando-o desconfiado, e pôs a mão sobre seu ombro, olhando para onde a Lee se sentava.
—Está...tudo bem?
Gaara assentiu com as bochechas vermelhas, imaginando que tipo de coisas seu professor estaria pensando a seu respeito. Kami-sama! Com a cabeça abaixada, ele correu dali tão rápido que o sensei mal teve tempo de abrir a boca novamente, deixando para trás uma sala bastante desconfiada.
Os corredores do colégio eram grandes, enormes até demais na concepção do ruivo, não importa o quão longe ele fosse sua sensação era a de infinito, e ele não podia evitar olhar para trás a cada cinco segundos para verificar se não estava sendo seguido. Trauma de suas perseguições, talvez?
De qualquer forma, aqueles corredores lhe causavam arrepios incômodos dos quais não gostava de lembrar, e por isso tentava mentalizar qualquer outra coisa que não fossem os armários de metal subindo e se curvando sobre si, enrolando-se ao seu redor e prendendo-o sufocado no fundo da escola. Kami, ele estava sem ar.
—Gaara.—Seus devaneios foram interrompidos por Lee, que pôs a mão em seu ombro o olhando com preocupação, os olhos grandes o analisavam nos mínimos detalhes, tão intensos que pareciam ler todos os seus pensamentos e observar as batidas de seu coração.
—Oh, desculpe Lee...—Ele murmurou desconcentrado pela situação em que fora pego, recebendo um sorriso amável do outro.—Eu mal o vi chegar.
—Não se preocupe!—Os cabelos balançam quando ele se mexe desajeitadamente antes de lançar um dedão positivo no ar, sorrindo no maior estilo “nice Guy”, era tão patético que Gaara poderia facilmente revirar os olhos e ignorar, mas tão adorável que o fazia querer apertar as bochechas redondas de Lee ali mesmo.
E diante daquelas faces amigáveis, o ruivo viu um momento perfeito para dizer seu “obrigado”.
—Oh, eu não sei se o agradeci por semana passada mas...—Gaara se perde nas palavras, tentando não ser tomado pela vergonha nem gaguejar.—Obrigada por chamar um monitor, e por me acompanhar...—Ele listou as coisas que o outro fez por você de forma contida, os dedos se levantavam cada vez que o ruivo lembrava de uma outra boa ação, realizando uma contagem desengonçada que combinava com suas bochechas infladas e vermelhas. No fundo, sentia-se um pouco frustrado por seu grandioso pedido de desculpas não passar de meras palavras.
—Não precisa agradecer...—Lee moveu os ombros, como se não fosse muita coisa.—Mas vamos falar sobre o agora...você não parecia muito bem na sala...—A expressão muda da água para o vinho, os olhos escuros se tornam foscos e rudes e a boca curvada forma uma linha reta.
—Ah, isso...—Na companhia de Lee, os corredores parecem não querer absorvê-lo por inteiro, e os armários se tornam consideravelmente mais baixos. O moreno guia a caminhada devagar em direção ao pátio, como se soubesse que Gaara tinha preferência por lugares abertos.—Eu não gosto muito de aranhas e bem...Sasuke sabe disso. Preciso dizer algo a mais?
Lee franze o cenho.
—Você não pode deixar que ele faça isso com você...precisa aprender a se defender! Ou pelo menos revidar as provocações dele...ou...eu não sei!—Eles finalmente chegam no pátio aberto, Gaara se escondia dos monitores enquanto Lee parecia realmente não ligar para isso. Na verdade, o moreno acenava para os mais velho que nem sequer pareciam se incomodar com sua presença.
—Você fala como se fosse fácil!—O ruivo rebate, eles se sentam em um dos bancos dispostos na escola, e Lee ousa se aproximar mais do que o esperado. Foi o mais próximo que Gaara já chegou de outra pessoa.
—Vou te ajudar, como seu novo guardião, minha obrigação agora será te proteger e ensinar!
—C-Como é que é?!—As orbes esmeraldinas se arregalaram de forma súbita, enquanto Lee mantinha suas atividades normais.
—Isso mesmo! Vou ensinar você a lutar, e enquanto não aprende não vou deixar que te façam mal!
—Por que faria isso por mim?—A confusão em seu rosto é notável.
Lee novamente move os ombros.
—Eu não sei, fui com a sua cara.—Seu hálito quente acaricia o rosto de Gaara, e pelo ritmo estranho de seu coração ele teve certeza que algo estava errado consigo.
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—Guardião? Uau! Ele está bem afim de cuidar de você não é?—Ino o cutuca com um sorriso ladino, estreitando os olhos azuis sem nenhum pudor. Gaara cora até o último fio de cabelo.
—Kami-sama, sua pervertida! Não dá pra acreditar em você, Ino...
O falatório atraía alguns olhares no corredor, especialmente com a loira jogando os cabelos de um lado para o outro, como se estivesse em algum desfile de moda, e deixava o ruivo um tanto desconfortável. Era como ter dezenas de olhos de serpente fixados em si, amarelados e hostis prontos para lhe encurralar como uma presa. O veneno dos observadores parecia escorrer entre os lábios, e Gaara teve de piscar pelos menos duas vezes para ter certeza de que um dos alunos não avançou sobre ele.
Retornou a realidade com o falatório de Ino, ela discursava alguma coisa sobre Lee que, incrivelmente, não foi o suficiente para prender sua atenção.
—Tsc, ele só vai até minha casa e assistimos algumas aulas de luta online, ele corrija alguma coisa que eu erro e depois ficamos falando besteira.—Gaara apertou a alça da mochila e desviou o olhar quando o tema de sua conversa passou ao longe, distraído olhando para um relógio de pulso.—Não há nada demais. E essa coisa de guardião ocorreu a muito tempo, ele não fala mais isso.
—Um mês.—A loira pontuou.—Um mês inteiro e você só deixa pra me contar agora! Nós quase não nos vemos mais, Gaara-kun. Estou ficando com ciúmes.—Ela cruza os braços fazendo bico.—Não acredito que estou perdendo você pra esse...esse...hunpf! Mal consigo odiá-lo.
Gaara sorri.
—Vocês deveriam se conhecer.—O ruivo se dá por vencido, sabendo que aquela era a frase que a amiga queria ouvir.—Ele vai adorar você.
—Yay!—A loira se levanta dando pulinhos de satisfação, batendo as mãos incansavelmente.
Gaara manteve aquele pensamento na cabeça durante o resto do dia, gostaria muito que ela e Lee se dessem bem, daquela forma, quem sabe, conseguiria seu primeiro grupo de pessoas próximas em muito tempo.
É claro, que também era muito importante para si que Ino aprovasse Lee como pessoa, uma vez que a loira era sua amiga mais antiga e eles eram inseparáveis. Especialmente depois do acidente...
Um arrepio correu sua espinha enquanto picava alguns legumes, já durante a noite, fazendo com que a faca quase escorregasse de sua mão. De todos os assuntos de sua vida, aquele era o que menos gostava de lembrar.
Tudo aconteceu durante uma excursão a quase dois anos atrás, o ônibus capotou e por pouco Ino não foi a única a permanecer ali antes que a caixa metálica explodisse, Gaara nunca sentiu tanto desespero na vida e desde aquele momento tornaram-se mais grudados do que nunca.
—Maluca...Graças a Kami está bem...—Encarou uma antiga foto exposta na sala–graças ao modelo americano da cozinha podia ver a sala com clareza–com um sorriso no rosto. Mostrava ele e Ino ainda crianças na praia, ele fazia castelinhos de areia enquanto ela fazia uma pose desajeitada para a foto.
Se se esforçasse um pouco, podia claramente ouvir sua voz dizendo que era a princesa do castelo.
Seu sorriso foi interrompido por uma pequena aranha de cozinha, que se atreveu a subir em sua mão e se arrastava em sua pele sem a mínima cerimônia. Gaara largou os utensílios imediatamente e correu para a pia da cozinha, deixando que a água varresse o bicho para longe de si, e ainda permaneceu ali somente para ter certeza de que já havia ido embora. O coração lhe batia na boca quando ele finalmente liberou a mão do jato d'água, e notou uma marca chamativa no mesmo lugar onde a maldita aranha havia estado.
—Kami-sama!—Ele esfrega a própria mão incansavelmente, mas a marca parece se alargar mais e mais, até que a própria pele se encontra diferente. Um relevo surge em seu torço, sob a pele, se mexendo de forma suspeita e causando câimbras em si, o ruivo paralisa sem sequer respirar, com os lábios abertos e olhos arregalados, o coração bombeando todo oxigênio que lhe restava.
Da pele, uma aranha tão minúscula quanto a que acabara de descer pelo raio da pia surge, subindo pelo mesmo caminho que a outra e causando no ruivo uma sensação de pavor nunca experimentada.
Ela estava ali, havia saído de dentro de si.
Com um tapa ela é jogada para longe, deixando em Gaara o buraco pelo qual havia saído, este é tomado por uma vermelhidão intensa até começar a sangrar, o líquido quente escorre em abundância queimando sua pele e deixando em carne viva, a sensação de queimação persiste até causar-lhe lágrimas espessas que não cessam por nada.
Novamente, a pele se mexe, junto com o sangue, outra aranha, maior, mais assustadora, outro grito ensurdecedor preenche o cômodo, a sensação se espalha e todos os cantos da pele do ruivo se elevam como se borbulhassem. Gaara deixa a cozinha sem rumo, arranhando os próprios braços na tentativa inútil de remover as criaturas nojentas de si.
—Vão embora...vão embora!—Nada funciona, as unhas cravam na carne e machucam, mas só servem para abrir espaço para a passagem dos seres malditos que aos poucos lhe consomem por inteiro. Os olhos piscam diversas vezes, e a luz do ambiente parece piscar até que ele cai no sofá e o blackout se torna permanente.
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No instante em que abre os olhos, Gaara é tomado por um súbito desespero que o faz pular do sofá e olhar ao redor como se estivesse num filme de terror. Sem acreditar que havia pego no sono e ainda tido um pesadelo, ele corre para tirar o arroz queimado do fogo e tenta normalizar sua respiração sem muito sucesso.
Os olhos estão cheios de lágrimas, as mãos tremem e tudo que ele quer fazer é se encolher num canto e chorar, seu âmago se revira incontáveis vezes e ele quase põe a própria bile para fora no meio da cozinha. Era como se a pele fosse mais fina e a casa estivesse graus mais fria, ele se sentia desprotegido e acuado diante do desespero que sentia.
E talvez aquele desespero o tivesse levado a pegar o telefone naquela noite.
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—Desculpe por te ligar a essa hora, Lee.—Ele murmura quando o moreno atravessa a porta da sala com um semblante preocupado, de sobrancelhas franzidas e os lábios comprimidos ao inspecionar a casa e o próprio Gaara algumas vezes. Só então o ruivo percebeu o caos em que o ambiente se encontrava: panelas queimadas, utensílios no chão e parte da sala virada do avesso.—Kami-sama! Sinto muito pela bagunça!
O moreno virou-se com uma expressão um tanto mais suave, quase aliviada, e cortou as palavras de Gaara com um abraço apertado. A respiração de Lee relaxou e os músculos deixaram-se soltar ao redor do corpo miúdo do ruivo, que estancou no lugar com os olhos arregalados, sem saber o que fazer diante da tão súbita demonstração de afeto.
—Gaara...quando você me ligou daquele jeito eu...eu...—A lembrança da voz trêmula e assustada do menor fazia Lee tremer.—Kami-sama, não me dê outro susto desses!
Lee não havia levado nada, nem celular, nem dinheiro, somente tinha consigo as chaves de casa e os chinelos que usava no interior de sua moradia, tendo nem sequer trocado por sapatos próprios para se usar na rua. Ele havia largado tudo para ir ao encontro de Gaara, e aquilo o deixava com uma estranha sensação de alegria por dentro. Algo que o aquecia como uma lareira em noites frias.
—Eu tive um sonho ruim.—Ele murmurou com os olhos cheios de lágrimas, fechando os olhos aos poucos.—Eu tive um sonho horrível...!
—Shhhh, eu estou aqui agora.—Lee se afastou brevemente para segurar o rosto do ruivo entre as mãos, conectando seus olhos aos dele. Era como o infinito sem estrelas, como fechar os olhos em uma noite fria embaixo do cobertor, como sorver de sua bebida preferida depois de muito tempo sem fazê-lo...
Era como estar em casa.
—Lee...—O murmuro saiu como brisa fresca, e o moreno sorriu colando as duas testas, de olhos fechados, aproveitando um pouco mais a calmaria que lhes havia acometido. Era do que eles precisavam naquele momento.
—Eu estou aqui, nada de mal vai acontecer com você.—O moreno murmurou, acariciando com o polegar as bochechas masculinas.—Eu prometo.
O coração de Gaara falhou em uma sequência de batidas, e ele quase não teve forças para se manter de pé após aquelas palavras, todas as extremidades de seu corpo ficaram dormentes e ele se tornou como um boneco nas mãos de Lee, maleável. Quase derretido.
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Enquanto assistiam um filme qualquer, Lee massageava os arranhados do braço de Gaara, embora este já o houvesse dito que provavelmente os fizera durante o pesadelo, o moreno continuava a lhe encher de perguntas e com aqueles enormes olhos preocupados que estavam fazendo com que Gaara perdesse a pouca estabilidade emocional que ainda tinha.
O relógio da sala desmentia Gaara, que sentia que o tempo estava parado enquanto desfrutava daquele momento tão novo, e dizia que já era tarde, e, embora ele não desejasse aquilo do fundo do coração, ele teve de agradecer a Lee por tudo e dar-lhe carta branca para ir embora.
—Você realmente espera que eu vá?—O moreno brincava com seus dedos, suspirando.—Não sei se vou dormir bem com você aqui sozinho...depois disso tudo...
—Vo...Você quer ficar?—Gaara engasga com o ar, se afastando de Lee em um pulo, com os olhos tão arregalados que poderiam saltar das orbes.
—Qual é o problema?—Ele levanta os ombros em descaso.—Já fiquei aqui antes, enquanto praticávamos luta e...
—ERA DE TARDE!—O ruivo engole em seco, tremendo dos pés a cabeça. Kami, o que estava acontecendo?
—Ora...e o que tem uma noite?—Lee continua sem entender as reações exageradas do outro, arqueando a sobrancelha.
Gaara está encolhido no outro canto do sofá, imóvel, apavorado demais com as próprias borboletas no estômago para falar.
—Então que seja!—Na opinião de Lee, quem cala consente.—Ficarei aqui por essa noite!—Ele se levanta como se estivesse na própria casa, livrando-se dos sapatos e blusa tranquilamente enquanto Gaara sentia-se mais perto de uma síncope do que nunca.
—Por...que está tirando as roupas?—As palavras saem roucas, quase nenhuma voz lhe sorbrara.
—Essas são um pouco desconfortáveis...—Ele aponta para a camisa jogada em qualquer lugar do chão.—...E as suas não cabem muito bem em mim.—Um sorriso sapeca desenha os lábios do moreno, fazendo referência aos próprios músculos que eram ainda mais gritantes quando comparados ao corpo magro de Gaara.
E falando em Gaara, seu espírito estava perto de deixar o corpo
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—Kami-sama...como as coisas chegaram nesse ponto?—O ruivo murmurou ao analisar as expressões serenas de Lee ao dormir. Ao seu lado. Em sua cama. De cueca verde.
Ele simplesmente havia se liberado das roupas e se jogado na cama sem sua permissão, ele nem sequer se importara com tal. No fundo Gaara também não se importava, mas a vergonha lhe consumia em proporções absurdas.
Lee continuou a dormir enquanto ele surtava, o sono de pedra não fez com que acordasse nem durante os resmungos de Gaara, quanto a este último, somente conseguiu relaxar quando o moreno o enlaçou durante o sono e trouxe para bem perto do peito. Naquele momento Gaara teve a certeza de que aquele era o único lugar em que se sentia plenamente seguro, e que não importa o quão abusado fosse, Lee sempre seria seu único guardião e porto-seguro.
E foram exatamente essas coisas que fizeram Ino ter um ataque assim que soube do ocorrido, no dia seguinte.
—Que casal! Que casal senhoras e senhores!
—Pare de gritar, Ino! Vai chamar a atenção dos outros!—Ele se exaltou tanto quanto ela, e de repente todos olhavam em sua direção.—Droga, Ino!
—Eu preciso conhecê-lo!—Ela levantava o dedo indicador.—Se eu não aprovar, ele não vai poder te namorar!
Hoje em dia, quando Gaara se lembra dessa frase, sorri com um misto de amargura e nostalgia pelos fatos que a sucederam e antecederam.
Depois daquilo, Ino se levantou as pressas e saiu pulando pelos corredores, quase tropeçando em Uchiha Sasuke no caminho. O moreno nem sequer parou seu trajeto por isso, foi direto na direção do ruivo e lhe agarrou pelo colarinho do uniforme, levantando-o do banco em que sentava.
—Não cansa de ser esquisito?!—O rugido não faz nenhum sentido em sua mente, Sasuke o olha com tanta fúria que Gaara sente a morte lhe acariciar os cabelos. Em pouco tempo ele é chacoalhando no lugar e cai de volta em seu assento.
Os alunos formam uma roda em volta dos dois, e Gaara pode observar Lee tentando se espremer desesperadamente entre outros alunos afobados enquanto o Uchiha o puxa novamente pra cima e o acerta no olho.
Dói, dói como o inferno, mas não chega nem perto do que sentiu ao ouvir o grito doloroso de Lee em meio a multidão, chamando seu nome sem que pudesse realmente chegar até si. Aquela foi a primeira vez que esteve sem seu guardião, e embora realmente quisesse que o moreno aparecesse ali para lhe salvar, conseguiu senti-lo através daquelas palavras e isso lhe deu forças para se levantar pela primeira vez diante do Uchiha para por em prática o pouco que conseguira aprender com Lee.
Aquela foi a primeira surpresa de seu dia, quando conseguiu se levantar e ter energia vital o suficiente para revidar as agressões sofridas por si só, sentindo a adrenalina correr nas veias como nunca na vida ele finalmente foi capaz de acertar um soco em Uchiha Sasuke, além de ver o brilho de orgulho e satisfação nos olhos de seu guardião. Lee o encarava com adoração enquanto ele finalmente conseguia se por de pé e proteger a si mesmo.
Mas ele não pode aproveitar muito daquele olhar, pois logo em seguida dois monitores apareceram para separar a briga e levar os dois para a diretoria, separando Gaara de Lee e deixando-o novamente desprotegido e indefeso para encarar uma diretora Senju extremamente furiosa.
—O que os dois pensam que estão fazendo? Sasuke, eu disse que não queria vê-lo mais por aqui...! E Gaara...isso não é típico seu!
—Eu...—O ruivo engole em seco, imaginando que Lee estava ali consigo para se sentir um pouco menos exposto e, então, conseguir falar alguma coisa.—Eu só estava me defendendo! Ele me atacou sem motivo e...
—Ele fica chamando o nome de pessoas mortas pela escola!—Sasuke bateu as duas mãos na mesa da diretora, se levantando de supetão.—Fica assustando os alunos todo santo dia, pro inferno com ele!
A reação do Uchiha só não consegue deixar a diretora mais assustada do que o próprio Gaara, que se levanta com as mãos no peito dolorido sem entender do que se tratava.
—Do... do que você está falando?—As palavras se assemelham a miados, o Uchiha praticamente espuma de raiva enquanto pequenas lágrimas se formam nos cantos dos olhos do ruivo.
—De você, seu...seu...lixo! Fica chamando a Ino como se ela estivesse com a gente! Acha que os outros gostam disso? Acha que eu gosto disso?! Eu gostava dela! Ela...—Sasuke se perde nas próprias palavras, dando tempo para que a mente de Gaara entrasse em completo colapso.
—Não...isso é mentira, isso...—Ele ri com um semblante quase desesperado.—Ino não está morta, do que você está falando?!
—Pare de dizer besteiras!—Sasuke torna a gritar.—Todo mundo sabe que ela morreu naquele maldito acidente e desde então você age como um... um...
—Já chega!—Tsunade, a diretora, põe um basta naquela discussão, enquanto Gaara perde totalmente o brilho dos olhos e Sasuke deixa algumas lágrimas escaparem. Aos poucos uma barragem na mente de Gaara começa a desmoronar, inundando-o com imagens que sua mente lutará para esquecer e substituir, e tudo que ele consegue sentir é o cheiro de carne humana queimada enquanto ouve os gritos de sua melhor amiga em agonia enquanto ele próprio estava paralisado, com medo demais para reagir.
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"Duas turmas escolares misturadas em dois ônibus para passeio, não havia nada melhor para os alunos que chegavam perto de completar o fundamental II e se inserir no ensino médio. Aquele era o último passeio de Gaara como “criança” no meio escolar, embora ele avançaria uma classe e seria oficialmente um membro do ensino médio, e ele foi feliz por poder compartilhar aquele momento com sua melhor amiga. Naquel época ele ainda fazia parte de um pequeno círculo de pessoas, Sakura, Chouji, Karui...sempre estavam ao redor um do outro fazendo brincadeiras e planejamento seu futuro.
—Eu vou ser muito popular, vocês vão ver!—Ino fazia pose sorrindo como uma atriz de cinema no fundo do ônibus, enquanto Karui reclamava sobre ela estar “vendo muitos filmes”. A loira queria ser líder de torcida, membro do clube de natação, e ainda se lançar em uma carreira de modelo ou atriz. Ino queria o mundo e mais um pouco, mas quando a roda do ônibus estourou em uma subida íngreme...tudo o que ela quis foi sair dali o mais rápido possível.
Gaara se lembra dos gritos, da perda de controle, da descida violenta ladeira a baixo, do desespero que sentiu ao sair e do cheiro de gasolina que o ônibus tinha quando quase todas as crianças estavam do lado de fora, e ele puxando Ino pelo pulso.
Gaara se lembra dela o empurrando para a frente quando torceu o tornozelo, e se lembra de paralisar em frente a explosão enquanto os sonhos de Ino eram carbonizados junto a si.
Gaara se lembra dos gritos.
Gaara se lembra de tudo.”
—Não...—As mãos vão diretamente a cabeça enquanto mais e mais imagens tortuosas povoam sua mente, substituindo as que tinha como referência. Não haviam mais conversas no refeitório, ou fofocas durante as aulas cabuladas, só havia o fogo, o medo, e a culpa.—Não pode ser...
As paredes novamente se esticam, cheias de olhos acusadores que esperam para engoli-lo por inteiro, as vozes dos cantos de sua mente finalmente se liberam, sussurrando palavras maldosas e fazendo-o lembrar de que ele poderia tê-la ajudado naquele dia, mas foi covarde demais pra isso.
Os olhos ardem, ficam úmidos, molham o rosto e tremem diante da verdade, Gaara é acometido por um milhão de sentimentos ruins e quase perde as forças para se manter de pé, chegando a cair de joelhos com as mãos tampando as orelhas para tentar não ouvir os sussurros que insistiam em aparecer em sua mente.
E então, num surto de adrenalina, enquanto a diretora tentava inutilmente chamar por si, ele finalmente conseguiu se impulsionar para longe dali, quase quebrando a maçaneta da porta em seu processo desesperado de libertação, sentindo o sangue evaporar de suas veias enquanto derrubava todos os alunos que via pela frente. Sua mente se viu em completo estado de caos, como se não conseguisse diferenciar o real do imaginário.
—Gaara...!—Ele ouve uma voz conhecida quando já estava distante de todos os outros alunos, próximo ao muro da escola, e encara a imagem de Lee com o rosto desesperado. A cor de suas faces havia se perdido, concentrando-se nas pontas dos dedos espremidos em punho e nos lábios que eram mordidos pelo nervosismo.—Gaara, o que houve?
Gaara sentia o pouco de sangue que lhe fora arrancado na briga escorrer em seu rosto, a saliva se acumulava dos lábios sem que pudesse passar pela garganta, esta se fechara completamente, sua pele estava gélida e parecia uns bons centímetros mais fina.
—P-preciso de você...—Ele murmurou, se encolhendo no próprio canto, desprotegido, frágil, enquanto Lee se aproximava devagar e contornava seu rosto com as mãos.
—Eu estou aqui.—O mero murmúrio o fazia com que o ruivo se sentisse acolhido.—Estou bem aqui.
Naquela tarde, Gaara chorou ao explicar o ocorrido na diretoria, enquanto conseguia ver e ouvir Ino atrás de si aos berros pedindo para que olhasse em sua direção. Ele a ignorou, pois sua imagem agora era a mais horripilante possível, um amontoado de carne escurecida e pele derretida que parecia ter vindo diretamente de um filme de terror, e aquela não era sua amiga.
Sua amiga estava morta.
—Gaara! Pare de fazer isso comigo!—Com os olhos cheios de lágrimas, a loira se debatia incansáveis vezes, o ruivo se escondia no peito de Lee buscando algum conforto.—Eu estou aqui! Olhe pra mim!
—Ela não é mesmo real não é? Você não consegue ouvi-la, não é?—O moreno negou com pesar.—Será que eu estou louco?
Lee deixou uma pequena risada escapar.
—Talvez. Mas você é um louco adorável.—Ele mexeu nas bochechas do ruivo, beliscando-as. Gaara esqueceu sua guerra interna por alguns segundos para corar e afastar as mãos grandes de si, ainda com os olhos repletos de lágrimas.
—Pare de dizer essas coisas!
•••
—Você ainda a vê com frequência?—A psiquiatra, Shizune, perguntou numa tarde chuvosa de domingo. Faziam alguns meses desde que a escola havia contatado seus pais, e estes vieram de Suna para ampará-lo e iniciar um tratamento.
Gaara não quis deixar Konoha, não queria ter de deixar Lee para trás e seguir para longe sozinho. Meses após o início do tratamento, mesmo com toda família se mostrando solidária, ele ainda se sentia conectado e dependente do moreno de uma forma que jamais imaginou ser com alguém. Gaara, que sempre foi acostumado a ser sozinho, aprendeu a depender de seu guardião quando tinha que espantar uma maldita aranha, ou não ter medo de um filme de terror.
Aprendeu a gostar de sua companhia, e de seus sorrisos bobos, de seu humor amável e comportamento abusado.
Gaara apreendeu a gostar de Lee.
—Algo está interrompendo seu tratamento...—A mulher anotava cuidadosamente alguma coisa na prancheta.—Você tem tido mais alguma alucinação? Pulou alguma dose do remédio?
O ruivo nega.
—As de sempre, paredes, aranhas, Ino...—Era estranho para ele falar daquele assunto. Não gostava de tais conversas, tudo o que esperava ao chegar ali era uma nova receita para seus remédios.
Shizune estreita os olhos por um segundo
.
—Depois de todas as nossas conversas, você aprendeu a distinguir o real do imaginário não é, Gaara?
—Sim senhora.—Ele apertou a palma da mão com o polegar. As mãos suavam como nunca.
—Pois bem...—Ela finalmente o entrega a receita, marcando mais algumas sessões para o futuro.
O ruivo suspira, relembrando a frase da médica:
“você aprendeu a distinguir o real do imaginário não é, Gaara?”
As gotas de água faziam barulho ao bater em seu guarda-chuva, o som lhe era irritantemente agoniante e por isso ele optou por guardar o objeto e se molhar no caminho de volta pra casa, não ligando para a receita dada. Ele não precisaria dela.
—Isso não lhe faz mal?—Ino, que retornara a sua aparência humana saudável, comia um sorvete enquanto lhe acompanhava, diferente de si, ela preferia usar um guarda-chuva para não molhar os cabelos impecáveis. Mas o dela não lhe incomodava, as gotas não faziam nenhum barulho ao tocar no tecido.—Mentir dessa forma para a Shizune-sama...ignorar os remédios.
Gaara suspirou.
“—Faz muito tempo que eu não o vejo...—Gaara apertava nervosamente a barra da própria blusa, buscando vencer o próprio constrangimento para iniciar aquela conversa.—É por causa da minha doença?
Lee sorriu de canto, havia alguma tristeza em seu olhar.
—Você esqueceu de tomar seu remédio, está boicotando seu tratamento...—Ele pôs as mãos no bolso, mirando em algum ponto qualquer do quarto de Gaara, sem coragem para encará-lo diretamente nos olhos.
—Como sabe disso?—O ruivo engoliu em seco. Faziam dois meses que havia começado a se tratar devidamente, tomava remédios, conversava com a psiquiatra e até mesmo frequentara grupos de apoio. Conheceu pessoas diferentes, com as mais variadas histórias e até mesmo ia a uma pizzaria com seus novos conhecidos todas as sextas feiras.
Sua vida estava finalmente começando, tudo o que lhe faltava era Lee mais perto.
Ele vinha sumindo aos poucos, passou a aparecer menos em sua casa, e depois só lhe restaram ligações até que ele ficasse duas semanas inteiras longe de si. Aquilo fazia o peito de Gaara doer.
—Gaara... você está se tornando uma nova pessoa, não está?—Havia um misto de orgulho e melancolia na voz do moreno.—Tem amigos reais, e aquele Sasuke nem te persegue mais na escola. Até mesmo sabe se defender quando alguém o perturba...ontem matou uma aranha sozinho.—Uma risada seca preencheu o quarto.—Você está melhorando...
Lee atravessou o quarto, parando na escrivaninha onde um potinho cheio de pílulas repousava, o dedo indicador encostou na tampa deste...Lee o pegaria se conseguisse mover algo material.
—...Já está na hora de me deixar ir.”
—Eu estou bem desse jeito, Ino.—Ele finalmente respondeu, quando a chuva cessara e ele conseguiu avistar ao longe a figura sorridente de Rock Lee. Ele acenava para ele e para Ino, agora Gaara conseguia fazer com que ambos se vissem, com seus habituais movimentos espalhafatosos.
Mesmo que tivesse que lidar com um monte de aranhas ou paredes sufocantes, ele não se importava muito.
Enquanto seu guardião estivesse consigo, tudo estaria bem.
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