O som do trepidar das rodinhas de minha mala na calçada esburacada era a única coisa que me acompanhava por aquela rua fria, escura e assustadora. O medo de ser assaltado era real e assustador, afinal aquele era um bairro perigoso, mas eu conseguia manter a calma e a compostura ao caminhar rapidamente.
O relógio em meu pulso marcava onze e quarenta e cinco da noite, as ruas com pouca iluminação seguiam até onde minha vista alcançava, não havia carros transitando pela estrada de pedra ao meu lado, nem mesmo uma viva alma passeando pela calçada.
Que bela hora eu fui escolher para ter aquela conversa com os meus pais, não é mesmo? Porém eu não esperava tal reação deles, caso contrário eu teria me preparado melhor. Se eu soubesse que isso ia acontecer, eu teria conversado com eles de manhã, assim eu teria a tarde inteira para me instalar em outro lugar.
Expulso... Eu fui expulso de casa quase à ponta pés. Por sorte eles me deixaram ao menos pegar uma mala com meia dúzia de roupas, se não agora eu teria apenas as roupas do corpo e um celular barato com a tela arranhada no bolso traseiro.
Ser expulso de casa, ouvindo da boca dos meus próprios pais que sou a vergonha da família e, que a partir de agora eles não possuem mais um filho doeu. Doeu muito, eu só não estava chorando feito um bebê agora, porque possuía um namorado incrível e também porque eu precisava focar em seguir em frente com a minha vida.
Um friozinho de ansiedade e nervosismo atingia o meu estômago e a vontade de vomitar era grande, afinal hoje minha vida tomava um novo rumo. E uma mudança grande como essa era realmente assustadora.
Eu estava indo morar com o meu namorado e estava animado com isso. Eu já tinha tudo planejado para o nosso futuro juntos. Eu começaria a procurar um emprego logo pela manhã, dividiríamos as contas e teríamos uma vida calma. Seria difícil no início, eu sei, mas aposto que isso só iria fortalecer a nossa relação e também iriamos nos divertir juntos.
A briga que tivemos semana passada serviu para muita coisa. A briga me fez ter certeza de que ele queria um compromisso sério, afinal ele queria que eu assumisse minha sexualidade. Sim, ele foi o motivo de eu ter conversado com meus pais, mesmo ainda não estando pronto para isso.
Ele queria que eu assumisse o relacionamento e parasse de me esconder dentro do armário, ele queria dar um passo adiante em nosso relacionamento. Ele insistiu que eu deveria parar de ter medo e vergonhar por ser o que sou.
Ele é um cara incrível que está querendo me ajudar nessa longa jornada de aceitação.
Eu amo ele!
Finalmente cheguei a sua casa, ela era simples e velha, não tinha nada mais que um quarto, uma sala, uma cozinha minúscula e um banheiro com azulejos soltos, mas apesar disso, ela era perfeita para duas pessoas que estavam começando a morar juntos.
Arrumei melhor minha camiseta amarrotada, não tive tempo de passa-la, afinal fui expulso às pressas. Passei os dedos nos cabelos rebeldes que possuíam um tom castanho claro em uma vã tentativa de ajeita-los. Endireitei meus óculos de armação quadrada na fonte do nariz e respirei fundo antes de dar o primeiro passo na estreita estradinha que ia da calçada até a porta da frente.
Parei diante da porta de tinta desbotada e rachada, respirei fundo mais uma vez e então bati.
Já era quase meia noite agora, mas eu sabia que ele estaria acordado, ele costumava jogar vídeo game até mais tarde nas sextas e nos fins de semana.
Demorou um pouco, mas logo a porta se abriu e um jovem de vinte um anos de cabelos negros e um corpo definindo trajando apenas uma bermuda de Tactel surgiu.
— Ah... Oi Gabriel. — Ele pareceu surpreso ao abrir a porta, e mais surpreso ainda por ver a mala azul que eu arrastava junto comigo.
— Olá Ricardo, posso entrar? — Questionei com um sorriso enorme, meu coração até acelerou de ansiedade. Minha vida iria mudar completamente agora, eu enfim ia começar a minha vida adulta.
— Bem... eu... — Ele coçou a nuca do mesmo modo como ele fazia quando estava desconfortável com alguma coisa.
Ele deve estar assim por causa da briga que tivemos semana passada. Qual será a reação dele ao descobrir que eu fiz o que ele me pediu? Aposto que vai ficar feliz, pois eu fiz isso por ele, fiz porque o amo.
— Ricardo, eu fiz o que você me disse, eu contei para os meus pais que sou gay. — Contei com entusiasmo, sem conseguir conter a ansiedade para ver a reação dele.
— Ah, que legal, cara! — Ele sorriu, mas não foi como os sorrisos que ele sempre me dava quando estava realmente feliz, foi mais um sorriso amarelo e educado. Isso me desestabilizou por um momento, mas prossegui mesmo assim.
— É... legal, mas fui expulso de casa. — Falei apontando para a mala de rodinhas ao meu lado.
— Poxa! Que barra! — Ele exclamou isso com uma expressão que lembrava a alguém com pouca paciência, ou alguém que estava tendo de aturar um papo muito chato.
Aposto que ele está louco para voltar ao seu jogo. Talvez eu devesse deixa-lo ir se divertir com seu vídeo game, enquanto isso eu posso preparar um lanche para nós dois... É, isso é algo que casais fazem quando moram juntos, não é?
— Então eu... eu posso ficar? — Questionei voltando a me entusiasmar.
— Ficar? — Ele ficou sério de repente e sua pose endureceu.
— Na sua casa? Posso ficar aqui com você? — O encarei com expectativa.
Ele fez uma expressão de que não estava gostando do rumo das coisas. Meu coração acelerou com isso. Porque ele não parecia feliz?
— Bem... — Ele hesitou, talvez por pensar que teria de me sustentar, afinal ele sabe que ainda não trabalho.
— Não se preocupe! Eu vou procurar um emprego amanhã de manhã, eu vou pagar metade das contas e despesas da casa, eu juro que não pretendo ficar de favor aqui. Então? Vai ser bom morarmos juntos, não? — A esperança transparecia de cada poro do meu corpo agora.
Ele voltou a coçar a nuca e agora até mordeu o lábio inferior, isso não era bom, ele parecia bastante desconfortável.
— Gabriel, cara, não sei como te dizer isso, mas... Não vai rolar. — Ele começou hesitando, mas terminou de falar de modo firme e decidido.
— Não vai rolar? Como assim? — Um buraco começava a se abrir embaixo dos meus, e no fundo eu só implorava para que o chão me engolisse inteiro de uma vez.
— Olha... Eu sinto muito por você ter sido expulso, mas eu não quero morar junto com ninguém no momento. — Ele deu um passo atrás e segurou a porta como se estivesse preparando-se para fecha-la na minha cara.
Meu estômago e minha cara foram parar no chão, mas me mantive sério e calmo.
— Ah... t-tudo bem, eu posso ficar só esse fim de semana e depois... — Gaguejei tentando encontrar as palavras certas. Se ele ao menos me tirasse dessa situação por agora, se ele me desse abrigo essa noite, eu poderia pensar em uma solução amanhã de manhã.
— Cara... eu conheci outra pessoa, é isso. — Ele resmungou como se quisesse se livra logo de mim. E com isso ele me destroçou de várias formas, meu coração foi arrancado do meu peito e jogado ao chão.
— Mas... Nós estávamos namorando. Você... você me traiu? — Minha voz saiu engasgada no fundo da garganta. Droga! Eu não posso chorar agora, não na frente dele depois de ter sido tão idiota e ingênuo.
— Tecnicamente ainda não, a gente só deu uns pegas em uma festa ontem, mas eu ia te mandar uma mensagem. — Ele deu de ombros como se isso não importasse. Espera! Quer dizer que dar uns pegas não é traição para ele? Quantas vezes ele me traiu desde que começamos a namorar então? E ele disse mensagem?
— Mensagem? Você ia terminar comigo por mensagem? — Um misto de raiva e tristeza me sufocava agora.
— Ah, não faça essa cara, a gente nem tinha nada muito sério, quero dizer, você estava fazendo cu doce, acha mesmo que eu ia ficar esperando você largar dessa frescura pra sempre? — Ele questionou isso com um tom irritado, como se eu fosse o culpado por tudo. Como se a culpa por ele me trair fosse o fato de eu ainda não estar pronto para o sexo.
— Então era isso que você estava se referindo ao sugerir que déssemos um passo à frente no nosso relacionamento? Só sexo? — Merda! Não posso chorar, não agora, por favor!
— O que você esperava que fosse? — Ele zombou de mim e eu me senti um verdadeiro asno por pensar que ele estava insistindo que eu assumisse minha sexualidade para que então pudéssemos ter um relacionamento de verdade, e não aquela coisa às escondidas que tínhamos.
— Eu falei com meus pais porque você insistiu... fiz isso por você. — Baixei a cabeça sentido meu rosto corar. Por quê? Porque ele insistiu tanto nisso mesmo sabendo que meus pais possuíam uma mente muito fechada?
— Não tinha como eu prever que isso ia acontecer... Foi mal. — Foi mal? Ele me fez agir precipitadamente e me cobrou coisas mesmo não estando interessado em ter um relacionamento sério comigo, e tudo o que ele me diz é um... Foi mal? É sério?
— Você é um babaca! Em pensar que eu estava planejando dormir com você esta noite, estava planejando perder minha virgindade com você. — Agora as lágrimas realmente ameaçavam a cair, pois eu realmente planejava fazer isso. Eu queria que nossa primeira noite morando juntos fosse especial e por isso planejava me entregar a ele.
Mas que bom que eu disse não para ele tantas vezes, porque eu não me perdoaria agora, não depois de conhecê-lo de verdade.
— Ainda podemos transar se você quiser. — Ele escancarou completamente a porta ao dizer isso. E isso foi a gota d’água pra mim.
Ele não estava disposto a me abrigar por uma noite, mas se envolvesse sexo... ele escancarava a porta na hora.
— VOCÊ É UM CAFAJESTE NOJENTO! — Minha vontade agora era de acerta-lo com a minha mala. Eu só não fazia isso, pois ela era tudo o que eu tinha agora e eu não queria quebra-la.
— Calma, fala baixo! Os vizinho... — Ele olhou ao redor com uma expressão de pânico.
— QUE SE FODA! EU QUERO MAIS É QUE VOCÊ SE FODA! ESPERO QUE UM CAMINHÃO DE LIXO PASSE PARA TE LEVAR! SEU LIXO! — Berrei ao dar as costas para ele, fiz questão de ir até a calçada da rua fazendo um sinal obsceno com o dedo do meio.
— Gabriel... — Ele me chamou, mas eu o ignorei e desatei a correr com minha mala saltitando loucamente nas padras atrás de mim.
— ADEUS! — Gritei antes de chegar à esquina e segui correndo, sem nunca olhar para trás, afinal as lágrimas banhavam o meu rosto e eu não queria me humilhar mais do que já tinha feito esta noite.
Corri e corri até chegar a uma praça fedida à urina e toda depredada. Procurei pelo banco mais inteiro e me joguei nele com a minha mala.
Agora eu não via outra opção se não ficar ali, dormir na praça, deitado no banco como um sem-teto, afinal agora eu era um deles, não é mesmo?
Nunca pensei que minha vida fosse chegar a esse ponto, mas aqui estou eu, me preparando para dormir no banco de uma praça suja... Sozinho, humilhado e completamente ferrado na vida.
Minha vida acabou! Acho que agora posso me deixar chorar como o idiota que sou.
Abracei-me na mala e finalmente me deixei chorar
para valer, chorei como um condenado.
Gracias por leer!
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