g_machado Gustavo Machado

Westin trabalha com empréstimo de dinheiro, mas quando ofereceram-lhe dinheiro sem nada em troca — exatamente a quantia que precisava para resolver o principal problema de sua existência — sua vida começou a ir ladeira abaixo. Ele toma as rédeas do destino e sai em busca do porquê de sua família abandoná-lo aos quatro anos de idade. Sorte — ou não — que ele tem o confuso amor de Dialita ao seu lado, a doçura da recém-conhecida Tansy e a incompreensível amizade de Blue Ivory. Ele redescobre seu passado apagado, participa do funeral de suas próprias respostas e sente o cheiro da liberdade ao ter oportunidade de redesenhar o destino. Pode ter sido tarde demais para ele, mas não para o que ele deixou no mundo.


Drama Contemporáneo Todo público.

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A Navalha de Hanlon

Ele desejava que aquele dinheiro fosse para sua conta. Um milhão de reais. Era muito dinheiro! Ele não desistiria de tê-lo. Aquele desgraçado cobrou um milhão de reais por algo que ele tinha direito.

Westin terminava de explicar o contrato do empréstimo de dinheiro para a senhora. Se ele não olhava para ela, olhava para aquele homem de aura negativa e gelada sentado no banco de espera. Ele carregava uma tempestade e nublava a atenção de Westin, que por pouco não perdia a linha de raciocínio.

Assim que o assento a sua frente vagou, Westin pegou uma folha de um contrato inválido sobre a mesa e simulou a leitura — na verdade sobre a borda superior da folha ele observava o homem, que também o observava com aquela expressão atormentada. Westin conseguia imaginar trovões partindo dele.

O homem levantou-se. Afinal, chegou a sua vez desde que o assento vagou. Westin ajeitava-se na cadeira, fingindo normalidade enquanto o homem se aproximava. Ao sentar-se, o homem deixou sobre a mesa um pedaço de papel amarelo amassado e de escrita de punho forte com grafite de grosso traço; e uma bolsa preta em seu colo.

O cheiro de cigarro rapidamente preenchia o ambiente. As rugas enalteciam o aspecto apocalíptico daquele rosto que portava olhos invasivos e lábios rachados — mas ele não parecia muito velho.

— Bom dia! Em que posso ajudá-lo? — perguntou Westin.

O homem demorava para inspirar o ar antes de falar, promovendo uma incômoda pausa já no início da conversa.

— Quer ser meu cliente? Podemos fazer um bom negócio — disse o homem, cruzando as pernas.

Ele terminou sua pergunta com uma tosse carregada. A voz rouca e lenta do homem combinava perfeitamente com seu rosto franzido e com a barba de fios grisalhos ao redor da boca.

— Perdão, senhor, mas eu que faço negócios aqui na financeira. Empresto dinheiro — disse Westin.

— Você gostará de ver o tanto de dinheiro que eu guardo nesta bolsa preta.

O homem abriu o zíper da bolsa, mostrando o farto conteúdo. Ele inclinou o corpo para frente e sussurrou, falando cada palavra separadamente. O bafo chegava às narinas de Westin.

— Um milhão de reais.

O tamanho dos olhos arregalados do homem comparava-se ao tamanho da fortuna. Westin tentava desviar o olhar e, por mais que trabalhasse com dinheiro, seu olhar involuntariamente voltava à bolsa. O homem abriu um pouco mais o zíper e os outros colaboradores passaram a notar o que acontecia porque Westin se inclinava para frente, pouco a pouco até além da mesa.

— Se o s-senhor não deseja fazer um empréstimo, peço que se retire — disse Westin, retornando rapidamente à posição adequada na cadeira, mas batendo os pés no chão.

— É fácil.

Disse o homem, sorrindo com aqueles dentes amarelos. Um sorriso que flertava com a malevolência.

— E eu sei que você quer. É tudo o que você precisa neste momento.

A profundidade do olhar daqueles olhos também amarelados desconsertava Westin. Direto. Certeiro.

— Retire-se, senhor, p-por favor — disse Westin, virando o rosto para o lado e fazendo força para manter os olhos fechados.

O homem empurrou com o dedo indicador em direção a Westin o papel que deixou em cima da mesa e, em silêncio, retirou-se. Westin esperou dezenas de segundos e voltou o olhar para frente. O homem desapareceu das redondezas como um sopro de vento.

“Estrada do Crucifixo, número quinhentos e sessenta e dois, apartamento duzentos e oito.” No final do papel constava a assinatura de “Fletcher IV”.

Fletcher IV... nunca ouviu falar desse nome antes.

Westin memorizou o endereço que o papel continha para... bom, talvez eles pudessem conversar mais tarde e resolver o principal problema de sua vida. O dinheiro naquela forma, naquela hora, naquela bolsa preta... um tanto estranho. Ele deixou o papel no canto da mesa ao alcance de seus olhos caso esquecer de alguma informação.

— Blue, o que faria com um milhão de reais? — perguntou Westin a seu colega na mesa ao lado, Blue Ivory.

— Outro cliente maluco?

— Este foi o mais maluco.

Westin pegou o telefone para ligar para sala do gerente e resolver umas pendências de um contrato, mas interrompeu na metade da sequência de dígitos ao ver que o homem estranho não havia se retirado do escritório. Ele entrava na sala do gerente sem bater na porta — atitude que o gerente odiava.

A relação entre Westin e o gerente estremecia a cada centímetro de proximidade entre eles. Westin nunca se sentiu à vontade com pessoas carrancudas. Ele preferiu pagar para ver o que o gerente faria com o homem estranho, já que ele desafiou as maneiras do gerente.

Passou-se um minuto sem gritaria. Dois minutos e nenhum soco na mesa — pela força podia-se ouvir além das paredes. Cinco minutos e o estranho ainda não saiu de lá. Dez minutos e o telefone da mesa de Westin tocou.

Wefin! Wefin! Um cliente reclamou que você recusou um empréstimo para tratamento de saúde — gritou o gerente.

— O quê? Esse homem é um... — Westin pensou melhor nas palavras antes de insultar um cliente na frente de um gerente — o senhor deve estar enganado.

Pelo telefone, Westin virtualmente sentia tocarem seu rosto as gotículas de saliva que voavam da boca daquele homem com sobrepeso e que falava com a língua entre os dentes. Westin afastava o telefone do ouvido, que canalizava a estupidez do gerente em meio a palavras gritadas incompreensíveis.

— Você receberá uma advertência! — gritou o gerente.

Após ouvir sermões e xingamentos, ele baixou o telefone. O estranho homem saiu da sala do gerente fumando um cigarro, pleno e segurando a bolsa preta quase arrastando no chão. Sequer olhou para as mesas de atendimento. Nenhum olhar de “eu encrenquei você”. Westin até se levantou da cadeira para tirar satisfação, mas... melhor deixa-lo partir.

Ele poderia ser útil.

“Wefin! Wefin!” Argh! Poxa, como confrontar o gerente... Ainda bem que Westin tinha em mente que cada dia vivido subtraía um dia do desconhecido total de dias para alcançar seu objetivo.

Outro homem saiu da sala do gerente poucos minutos após o homem atormentado sair. Ele bateu o olhar em Westin de forma que ele se sentiu sujo e impuro.

A seita da desgraça decidiu reunir-se neste dia, naquela sala. Faltava o desgraçado ligar mais uma vez com aquele número estrangeiro pedindo um milhão de reais prometendo montar o quebra-cabeça de seu passado.

O homem que recém-saiu da sala do gerente acenava aos colaboradores e todos retribuíam e sorriam de volta. Tapa nas costas, uma xícara de café, um apertão de mãos. Duvidava-se que aqueles pequenos embrulhos na mesa de um colaborador não eram caixas de chocolates.

— Quem é aquele homem? — perguntou Westin.

— Como assim? Ele sempre esteve aqui — disse Blue Ivory.

Westin preferia acreditar que pregavam uma peça e que o escolheram para fazer o papel de bobo. A empresa não era tão grande assim para que ele não encontrasse todos os colaboradores pelos corredores. Não, aquele homem de cabelo penteado para trás nunca pisou naquele escritório. Não mesmo. Até Bárbara, a colega de nariz empinado, notou que ele existia, retribuindo o cumprimento com um largo sorriso — geralmente ela ignorava a existência de outras pessoas, talvez até de sua própria sombra.

Ao chegar às mesas de atendimento, Blue Ivory cumprimentou-o com um aperto de mão, passando seu braço a poucos centímetros do rosto de Westin, que recuou a face para não tomar um soco.

— Chad Bint. Prazer — disse o homem a Westin, estendendo a mão para cumprimentá-lo após Ivory.

Westin confessava a si mesmo que nunca tinha visto um terno tão bonito. Dentes tão brancos e brilhantes como um fragmento do sol. Parabéns pelo elevado padrão de beleza e carisma inabalável.

Chad Bint repetiu o movimento da mão ao ver que não houve retribuição por parte de Westin. Recomendava-se um aperto de mãos para iniciar uma boa relação. Tudo bem. Tudo bem. Westin não se custaria a um dar um aperto de mãos e a melhorar aquela boca reta.

A firmeza da mão de Bint transmitia confiança.

— Deixa eu entender. O gerente mandou você aqui? — perguntou Westin.

— Estive reunido com o gerente desde cedo para falar sobre você. Seu treinamento de empatia começará ainda hoje. Ivory, você sabe o que fazer a partir de agora — disse Bint.

— Sim, senhor — disse Ivory.

— O quê? — perguntou Westin, lançando um olhar mortal para seu amigo.

— É para seu bem. É para o bem da financeira — disse Bint.

Bint sinalizou positivamente com o dedo polegar a eles e dirigiu-se para outro setor do escritório. Ivory parecia totalmente conivente com a situação, então restou a Westin confrontar o gerente.

— Treinamento de empatia? — perguntou Westin ao gerente, logo após abrir a porta.

— Observe este gráfico. Olhe bem. Você tem fechado negócios pouco lucrativos. Lucro, lucro! Entendeu? — disse o gerente.

— Posso provar o contrário.

— Contrário? Não preciso ser contrariado. Você tem que convencer os clientes de que nossos empréstimos maiores valem a pena. Você sabe que eles valem a pena e você faz com que pareçam que não.

— Só hoje de manhã eu...

O gerente, com o papo do pescoço e o rosto vermelhos, interrompeu a fala de Westin.

— Não, não, não! E o último cliente queria empréstimo para tratamento de saúde. Um valor relativamente alto. Não conseguiu, Wefin. Não conseguiu! Um cliente insatisfeito não é indício de bom trabalho.

— O senhor não acreditaria, mas ele queria fazer negócio comigo.

O gerente deu um tapa na mesa e deu a maior risada de sua vida, secando a saliva que contornava a boca com a manga da camisa. Tão logo a expressão de seriedade tomou seu rosto, voltando a corar.

— Você participará de um treinamento de empatia. Treinamento de empatia. Entendeu? Darei a primeira lição a você: comece batendo na porta a próxima vez — disse o gerente, tomando um golaço de chá.

Blue Ivory bateu e abriu a porta e, com metade do corpo dentro da sala, pediu para Westin acompanha-lo. O gerente dispensou-o, enxotando-o com as mãos.

— Nunca é bom incomodar o gerente — disse Ivory.

Westin revirou os olhos. Ivory colocou a cadeira de Westin a seu lado, encostando os braços.

— O que está fazendo? — perguntou Westin.

— Sente-se e observe-me trabalhar — disse Ivory.

— Se aquele desgraçado não tivesse me cobrado tanto dinheiro eu daria um soco no meio do nariz do gerente — disse Westin, descontando o soco nos braços da cadeira.

— Não ganhará um milhão aqui, meu amigo. Levará a vida inteira para guardar tudo isso.

— Você sabe que é importante para mim conseguir essa quantia.

Enquanto não conversava com o cliente sentado à frente, ocupando-se com análises documentais sobre a mesa e no computador, Ivory conversava paralelamente com Westin, em tom baixo, dando-lhe dicas de como interpretar o desejo dos clientes.

Como se Westin não soubesse.

Uma cliente de Ivory agradeceu o financiamento da faculdade de Medicina de seu filho e saiu contente, ligando para o filho e dando um pulo de alegria na porta de saída.

— Deve-se conversar com o cliente. Não palavras fatídicas, mas sim uma conversa sincera sobre o que pode ser feito. Sentir sua necessidade e oferecer o produto para aquela necessidade — disse Ivory, contemplando a cliente que lhe faltava apenas dançar com o poste.

— Você acha mesmo que não sei disso? — perguntou Westin.

Ivory teve de interromper um atendimento para voltar sua atenção a seu amigo quando Westin colocava sua cadeira no devido lugar e chamava uma cliente que esperava por atendimento. Ele tentou convencer Westin a desistir do atendimento e deixar que ele próprio atendesse a cliente. Tarde demais. Ela vinha lendo um jornal.

Para não causar vexame em frente a seu cliente, Ivory deixou a situação nas mãos de Westin, contrariando a si mesmo e torcendo para que ele não a espantasse.

Assim que a cliente de Westin baixou o jornal, ele sorriu o máximo que pode mostrando todos os seus dentes. Apesar dos grossos óculos, ela parecia não enxergar aquele grande e belo sorriso a sua frente. Guiava-se pela intuição.

— Não tem ninguém para me atender? — perguntou a cliente.

— Tudo bem? Posso ajudar? A senhora quer uma xícara de chá? — perguntou Westin, emendando todas as palavras.

A cliente inclinou-se sobre a mesa, invadindo o espaço de Westin. Ela analisava cada aspecto do rosto dele, tentando tatear seu rosto enquanto ele afastava o corpo para trás.

— Você não era o menino que subia na pedra atrás de casa? — perguntou a cliente.

— Eu morava em uma casa assim até os quatro anos de idade — disse Westin.

— Você tem os olhos de Emiliano e o nariz de Evelyn.

— Não toque no nome deles na minha frente! — gritou Westin, atraindo a atenção do todo o escritório.

A mulher recolheu-se, dobrando seus braços a frente do torso. Os óculos caíram no chão e ela não teve coragem de procurá-lo. Ivory pegou os óculos e ajeitou no rosto da mulher.

— Ainda te machuca falar de sua família depois de vinte anos? — perguntou a cliente, aproximando-se mais uma vez de Westin.

Westin laçou as forças para não escaparem e não ser grosseiro, mas a mulher espetava seu coração com palavras que ele tinha medo de ouvir.

— Vá embora! Vá... embora! — disse Westin, levantando-se da cadeira em uma explosão.

Um passado que não acabou. Ele aprendeu na vida que os fantasmas não morriam. Estão por todos os lugares. Tocar no nome de seus pais remetia ao desgraçado, que cobrava um milhão de reais para dar informações do paradeiro deles — e o mais o importante: o porquê de eles tê-lo abandonado aos quatro anos de idade e deixado nas mãos de Verônica.

— Eu deveria ter ido naquela financeira do meu bairro — disse a cliente, retirando-se.

Os colaboradores estranharam Westin de pé, gritando e jogando o teclado do computador na parede.

— Onde está sua cabeça? Pare com isso! — disse Blue Ivory, segurando seu amigo.

— Hoje eu não tenho cabeça para nada! — disse Westin, empurrando Ivory contra a parede.

Vendo que exagerava na reação, Westin largou a gola da camisa de Ivory e parou para respirar. Ivory gesticulou de forma a entender que a cabeça de Westin seria cortada pelo gerente.

Westin sentou-se na cadeira, apoiou os cotovelos na mesa e segurou a cabeça com as mãos. Ele sentia o calor que emanava das veias da cabeça.

Dentro de sua mente havia apenas escuridão, até que a imagem de Dialita pincelava aquela fértil tela de pintura chamada imaginação. Em sua cabeça, sua namorada segurava um girassol nas mãos, vestia um chapéu de palha e sorria para ele diante de um campo de trigo. Aos poucos ele se acalmava com aquela visão perfeita — que se tornou real. Ele abriu os olhos e enxergou a segunda luz do amanhecer: Dialita, sentada na cadeira, aguardando sua vez de ser chamada.

Ela nunca pediu dinheiro a ninguém.

O coração de Westin bateu mais forte ao vê-la. O cabelo solto — ela quase nunca usava cabelo solto — chamava a atenção, mas chamava ainda mais a combinação das sobrancelhas franzidas e lábios que se apertavam no seu rosto com semblante choroso. Dialita, embora tudo que tenha passado, escondia a tragédia que chamava de vida atrás de um sorriso.

A cabeça suada e testa molhada resfriaram-se como se tivessem recebido um beijo gelado e demorado. A leveza do sorriso bobo dele substituiu a grosseria dos punhos fechados. Westin chamou-a, desconfiado daquela aura que ela raramente carregava, colocando-a na frente dos que já esperavam para serem atendidos. Gerou-se uma pequena balbúrdia entre os clientes, mas Westin fingiu que nem os viu.

— Meu amor! Que bom que você veio! Precisava ouvir sua voz, pois estou em um péssimo dia — disse Westin.

Ela não sintonizou com seu princípio de alegria e desabafo.

Dos olhos dela brotaram uma cachoeira de lágrimas após se sentar. O lenço que tirou do bolso encharcou-se nos primeiros segundos. Westin abraçou-a, ajudando a secar as lágrimas com os dedos secos.

— Seu pai com bafo de cachaça novamente? — perguntou Westin.

Ela sinalizou para ele confortar-se no assento. Westin enrijeceu suas feições, supondo razões mirabolantes para ela ter chegado tão triste — além do pai problemático e da mãe que sofria nas mãos dele — ao contrário daquele sorriso lindo de sempre.

— Acabou! Não podemos mais ficar juntos! — disse Dialita.

— O quê? Por que não falou comigo antes de chegar a este ponto?

Ela tentou explicar, mas perdia-se nas palavras, balbuciando. Não completava nenhuma frase, pois o nariz afogado atrapalhava a dicção. Até parou de chorou em um momento, mas voltou aos prantos tão logo.

Westin convidou-a para uma pequena sala de estar no canto do escritório para terem uma conversa mais calma e sem plateia — ele já se apresentou antes. De nada adiantou, pois, alguns colaboradores ajeitavam suas cadeiras para terem a visão perfeita.

— Esse.... Esse maldito dinheiro que nunca conseguirá! É muito dinheiro para você, para mim, não entende? Nunca estive perto nem de quinhentos reais — disse Dialita.

— É por isso? — perguntou Westin.

— Você traz todo dia, toda semana, seu passado para o nosso presente. Não aguento mais! Preciso de alguém que viva o presente e pense no futuro.

— Farei terapia para esquecer o passado.

— Você mina nossos dias pois acha que estou atrapalhando seu sonho. Não adianta, Westin, não adianta mais.

— Eu prometo melhorar.

— Chega de promessas. Chega! Tenho que cuidar da minha mãe doente e... do meu pai bêbado e... da minha vida complicada.

— Meu dia já estava péssimo. Podemos conversar mais tarde?

— Não... Não! Adeus. Não me ligue — disse ela, limpando a última e caudalosa lágrima.

Ela saiu de sua presença sem um beijo, aquele beijo de sempre, de “eu voltarei”. Ela passou como uma tempestade rápida e devastadora. Um furacão de última escala de intensidade formou-se logo à frente dele e dissipou-se assim que o atingiu.

Westin voltou a sua mesa mais famoso do que antes — os cochichos ecoavam de todos os lugares.

Ele pegou o papel amarelo que guardou e pensou naquela bolsa preta. Podia ser sua. Era para ser sua. Se veio até ele... Devia haver uma explicação para aquele homem estranho chegar até Westin. Por um momento ele refletia e acreditava cegamente que tudo tinha uma razão.

As coisas da vida não podiam ser em vão.

Ele fazia uma gangorra com o lápis gasto entre os dedos, perdendo-se em seus pensamentos. Sim, ele deixou aquela oportunidade passar. Seu cérebro avisava-o que, enquanto tentava apagar aqueles pensamentos, uma oportunidade tão fácil também traria uma recompensa igualmente simples, rasa, de pouco valor, ao contrário de tudo que daquela bolsa se esperava. Um milhão de reais. Tão fácil!

— Você a deixou ir embora? — perguntou Ivory, após atender um cliente.

— Você ouviu a conversa? — perguntou Westin.

— Ela não fala. Ela grita.

— Você acha que eu devo ir atrás?

— Bom, você sabe minha opinião.

Westin abriu a gaveta da mesa e pegou o anel que entregaria a Dialita naquela noite. Ele nunca contemplou a beleza de um anel, mas aquele que tinha em mãos não havia nenhum mais bonito. Ouro e uma pequena pedra de diamante que brilhava com o menor toque da luz.

Naquela tarde tempestuosa — embora as nuvens lá fora realmente preenchiam o céu azul — sua mente não funcionava adequadamente. A cabeça de Westin pesava mais que todas as nuvens juntas. Pensou em vender o belo anel, mas ele imbuiu o ouro e o diamante com as melhores intenções. Sorte de não trabalhar em uma metalúrgica e ter uma fornalha por perto para transformá-lo em outra coisa, mas nenhum outro uso ficaria tão bom quanto envolver o dedo dela.

— Ai! — gritou Westin.

Uma mulher acertou um golpe com seu guarda-chuva no centro da cabeça de Westin, deixando o anel cair dentro da lixeira. Ele demorou a voltar para a realidade, pois nadava até a superfície partindo das profundezas da mente.

— Mulheres choram. Você fez uma mulher chorar? — perguntou a mulher.

— Ela tinha coisas a me dizer e chorou com as próprias palavras — disse Westin.

— O que você está deixando de lado para amá-la ainda mais?

— Por que não vamos falar de dinheiro?

Na verdade, o que ele menos queria conversar: dinheiro. Sua mente ordenava silêncio. Neste dia, o dia do infortúnio, o dia da reunião da seita da desgraça, seu organismo exigia uma parada e uma reflexão sobre os caminhos de sua vida. Tantas coisas acumuladas nos depósitos da mente, empilhadas durante anos, mais bagunçadas que seu apartamento.

Westin desligou-se do mundo mais uma vez e reproduzia uma cena onde ele mergulhava em um lago, sentindo seu corpo envolvido pela água gelada. Na verdade, não importava a temperatura da água. A pureza e transparência daquele vidro líquido emanava um sentimento gostoso de pertencimento e conforto. Uma cabana de madeira no meio de uma floresta com montanhas ao redor parecia o refúgio perfeito para umas férias prolongadas. Ele nunca esteve tão sereno. Nunca tinha sido tão Westin.

A senhora continuava a dar um sermão sobre o que achava que aconteceu ali, sua voz penetrando seus tímpanos como um eco prestes a se dissipar logo na entrada dos ouvidos. Ele sentia o ar fresco da floresta preencher seu pulmão, o som do farfalhar das folhas e o canto dos pássaros, não se importando com aquelas palavras ralas.

— Sei como salvar seu relacionamento — disse a senhora.

Ele ouviu essa frase com a plenitude de seus ouvidos, voltando à realidade. Habitualmente os colaboradores assistiam àquele espetáculo que só Westin conseguia dar. A senhora inspirou todo ar que pode, levantou a cabeça e arregalou os olhos ao que parecia ser o discurso mais importante de sua vida. Westin inclinou-se para frente para ouvir melhor.

— Engula seu orgulho e fale com ela! — berrou a senhora.

Westin protegeu o rosto contra as gotas de saliva.

— Péssimo atendimento. Esta é a última vez que ponho meus pés aqui dentro — disse a senhora.

— Senhora! Você nem falou comigo sobre... dinheiro! — disse Westin.

Westin lutava contra a maré de azar que invadia toda a praia.

Com a mão no telefone, Westin atenderia na velocidade da luz a ligação do gerente. “Wefin! Wefin!” É claro que o gerente ligaria. Como esperado, o telefone tocou. Ele fazia força para levantar o telefone, mas a mão pesava mais que sua vontade. Ele não tinha mais paciência para ouvir aquele homem, deixando a mesa e o telefone tocando.

No banheiro, ele jogou um punhado de água no rosto. Com os olhos fechados, uma súbita lembrança do rosto de Chad Bint surgiu. Nada nem ninguém o convenceria de que não havia algo de errado no escritório. Chad Bint... como ele apareceu no escritório sem nunca ser visto por Westin. Só podia haver uma piada.

Enfurecido, ele deu um tapa na porta de uma cabine de vaso sanitário. Um funcionário saiu da cabine no exato momento.

— Tem outras cabines vazias. Precisa apressar-me? — disse o funcionário, retirando-se do banheiro.

Ele voltou seu olhar para o espelho quebrado acima do lavatório. O espelho refletia seu rosto em vários pedaços — exatamente como ele se sentia por dentro: estilhaçado. Ele tentava colar os pedaços desde criança.

Ele tinha de trabalhar, ainda tinha emprego. Westin retirava-se do banheiro quando, em um rápido olhar de canto de olho, observou no espelho um reflexo diferente. Ele demorou a entender que havia uma criança a seu lado, com um guarda-chuva verde fechado e molhado, molhando o chão do banheiro. Ela vestia uma capa de chuva transparente.

— Oi! — disse a criança, no espelho.

Não havia ninguém a seu lado.

Westin retornou ao espelho a passos lentos, desconfiado. Ele deslocava-se pelo banheiro para mudar o ângulo de visão do espelho. A criança não saía de perto da porta até que, em um piscar de olhos, desapareceu e em seu lugar ocupava um homem de terno preto e uma máscara estranha. Em cada abertura dos olhos da máscara havia um “X” de linhas tortas com o cruzamento das linhas no centro da abertura. Uma boca torta sorridente e costurada nos lábios também decorava a máscara.

Ele alternava seu olhar entre a porta e o espelho — só podia ser coisa de sua cabeça. Ele queria acreditar que ele vivia um pesadelo, que nada daquilo existia, nem Chad Bint, nem treinamento de empatia, nem o término com Dialita, A razão sucumbia e o medo tomava seu lugar. O medo não tem medo da razão. O medo reside puramente na emoção.

Ele vinha abalado há muito tempo.

Westin tirou o espelho quebrado da parede e jogou-o no chão, estilhaçando-se em mais pedaços e causando um estardalhaço. Ele encostou-se na parede e fechou os olhos, sacudindo a cabeça na expectativa de retornar ao mundo real. Ao abrir os olhos, ele jurava ter visto a criança em cada peça daquele mosaico de espelho, retirando-se do banheiro o mais rápido que pode, correndo até a sala do gerente.

Bint ocupava o assento do gerente. Blue Ivory sentava-se à frente, deliciando-se com um café com leite quente e muito vapor. Ambos riam e divertiam-se com piadas, que cessaram quando Westin entrou na sala ofegante e trêmulo.

— Demito-me! — disse Westin.

Por um momento Westin jurava que viu Chad Bint com aquela máscara, igual ao homem de terno preto no banheiro. Sua alucinação atingia altos patamares e confundia-se com a realidade.

— Você lê pensamento? — perguntou Bint.

— O quê? — perguntou Westin.

— Duas reclamações de clientes só no começo da tarde.

— Você é o gerente agora? Ivory, diga a ele que não isso tudo não passa de um jogo, um teatro!

Bint desviou o olhar para Ivory, que rodeava os olhos para todos os cantos e tomava um gole elegante daquele café fervente.

— Pegue suas coisas e saia do escritório — disse Bint.

— Antes quero que me diga o que eu fiz — disse Westin.

— Indisciplinado. Teimoso. Insubordinado. E esconde-se no banheiro.

— Ivory, você concorda com tudo isso?

O silêncio de Ivory sepultou a confiança de Westin. Hora de ir embora. Bint pediu para fechar a porta ao sair.

Ele chutou algumas lixeiras no meio do caminho e rasgou ao meio o primeiro contrato que viu a sua frente, na frente do próprio cliente. Os colaboradores observavam sua marcha do fim do mundo e cochichavam entre si. Era a imagem que Westin guardou daquele lugar no seu último dia, mas ninguém se importava com isso.

— É isso querem de mim? Que eu seja o assunto do dia? — gritou Westin no meio do escritório.

Pela porta de vidro ele observava a chuva cair lá fora. Ele não tinha guarda-chuva. Ele olhou para trás e viu todas aquelas pessoas — elas ansiavam pelo passo do “adeus”. Westin deixou a Blue Ivory, que saía da sala de gerência, um olhar que claramente demonstrava decepção.

Estrada do Crucifixo, número quinhentos e sessenta e dois, apartamento duzentos e oito. Ele não esqueceu do endereço.

9 de Junio de 2021 a las 19:54 2 Reporte Insertar Seguir historia
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Isís Marchetti Isís Marchetti
Olá, Gustavo! Tudo bem com você? Faço parte do Sistema de Verificação e venho lhe parabenizar pela Verificação da sua história. Chega até ser engraçado o modo que Westin está todo cagado nesse dia! Eu me perguntaria como seria um dia de sorte para ele, porque para mim parece que a tendencia da situação a qual ele se encontra é só piorar, é o famoso “nada está ruim o suficiente para que não possa piorar mais”, haha. É como se naquela manhã, antes dele ir para seu trabalho, ele tivesse acordado com o pé errado, derrubado a xicara de café no chão, no caminho desvio de um gato preto, e ainda, para fechar com chave de ouro, passou por baixo de uma escada. Chegando lá, tudo começou descer ladeira a baixo. Bom, vamos ao que realmente importa. A coesão e a estrutura do seu texto estão muito boas. A narrativa trás a história de um homem que é mais do que assombrado pelo seu passado, e ele é representado como alguém, que claramente, está no seu limite por viver nessa ignorância por tanto tempo. Quanto à sinopse, ela logo de inicio fez com que eu mergulhasse de cabeça nessa história que estava por vir, e quando eu cheguei no final do capítulo, fiquei completamente extasiada e agradecida do quanto tudo me envolveu de uma forma maravilhosa, fazendo o texto simplesmente fluir. Quanto à estrutura, aconselharia você a dar uma olhadinha na classificação indicativa e pensar bem se o livre se adequa, falo isso pensando no futuro do texto e sobre os segredos que ele ainda está por descobrir. Quanto ao personagem, eu acabei falando um pouco ali em cima, que em síntese representa, no meu ponto de vista, uma pessoa em seu auge do limite. Me pergunto o porque ele empurrou essa situação por tanto tempo com a barriga, se isso claramente é nocivo. Outro personagem que me chamou muita atenção é o Emprestante, ele é descrevido como uma pessoa que, claramente se acha superior, me pergunto se de fato ele é humano. Quanto à gramática, seu texto está bem escrito e desenvolvido, considerando o tamanho do capítulo, existem muitos poucos pontos a serem apontados, mas aconselho uma pequena revisão quando você tiver um tempo. Isso só vai dar mais forma, e ajudar a melhorar mais ainda o capítulo. Acredito que Westin tem um longo caminho a percorrer, mas que no final ele vai encontrar uma resposta generalizada para tudo aquilo que o afligem. Abraços.
July 14, 2021, 12:46
Mael Sánchez Mael Sánchez
Hola! me gustaría leer tus escritos pero no logro traducirlos, ¿Puedes republicarlos en ingles?💖
June 21, 2021, 18:29
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