guilhermerubido Guilherme Rubido

Herbert Coutinho enfrentava problemas com seu sobrepeso há anos, o que fazia com que seu casamento e sua vida começassem a definhar. Em seu limite, ele encontra um estranho homem chamado Steve Sanguessuga que, com um acordo sedutor, promete ajudá-lo de maneira milagrosa. Tudo que Herb precisa fazer é pagar com seu suor. Assim, Herbert descobre um novo vício: ele precisa correr até não aguentar mais.


Horror Todo público.

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Até a última gota

Herbert Coutinho não era o tipo de homem que chamaríamos de saudável. Pelo contrário. Caso houvesse, na fila para o paraíso, algum tipo estranho – e não imaginado – de filtro baseado no peso da pessoa, ele – embora não fosse jogado com os últimos da fila – certamente não estaria entre os primeiros.

Há muito ele passara da casa dos três dígitos na balança e, sem dar indícios de estabilização, chegara, em uma velocidade ainda mais impressionante, aos 126 quilos. Peso esse que ele sempre acreditou que jamais chegaria. Parecia coisa de filme ou daqueles documentários ruins sobre pessoas obesas que passavam de madrugada no Discovery Home & Health. Porém, a realidade, lentamente, se aproximava perigosamente de um daqueles episódios.

Era sempre assim. Ele sabia de sua condição. É óbvio que sabia; seria impossível não reparar. Não era algo pelo qual você pudesse simplesmente passar despercebido. Deslizava por cima do cinto, impedia as calças de subirem, bloqueava sua visão dos andares inferiores de seu corpo, fazia-o suar feito cera de uma vela derretendo, entre outras muitas coisas. No entanto, por alguma razão idiota e sem sentido, ele achava que, milagrosamente, haveria um limite. Um momento onde seu corpo, por algum motivo genético ou sobrenatural, qualquer coisa do tipo, um dia pararia e diria “ei, amigão! Você chegou ao fim da estrada. Hora de começar a dar meia volta ou se sentar e aproveitar a vista. É você quem decide”. Mas esse dia não chegou. É claro que não. Continuava engordando. A gordura e a pele deslizando para todos os lados. Ele era, como uma vez disse um certo cientista louco e viajante do tempo, um universo em constante expansão.

— Aquele filho da puta maldito... — Herbert rosnou. Estava sentado em um canto do quartinho que lhe servia de escritório. Uma toalha verde pendia, encharcada, sobre seu ombro nu, enquanto rios de suor escorriam pelos braços e barriga. Estava ali há nove minutos. — Magricelo de merda. Sempre me olhando com aquele jeitinho superior e aquelas conversas de nutricionista babaca. Como se ele fosse alguma coisa pra falar. Desgraçado de merda.

Ao fundo, vindo de um radinho de pilha que começava a falhar, John Lennon cantarolava com uma voz metalizada por conta da estática uma das mais famosas dos Reis do Yeah Yeah Yeah, Help!.


...Help me, get my feet back on the ground

Won't you please, please help me?


— Herb?! Ei, Herb! — A voz de Claudia Coutinho vindo da cozinha o fez pular do chão, tirando-o da letargia e fazendo sua pressão cair instantaneamente com o susto e com o movimento brusco e complexo demais que era para ele se levantar. — Não tô ouvindo você pedalar! Por acaso já desistiu?!

— Puta merda — ele falou, se arrastou para a bicicleta ergométrica no meio do quarto e, lentamente, posicionou a toalha por cima do painel do equipamento.

Seu coração palpitava, martelava e pulava: “eu vou explodir, campeão. Se você não pegar leve, eu explodo mesmo, estou avisando”. Ainda sentia a pressão baixa pela velocidade com que levantara do chão. Teve certeza de que estivera muito próximo de bater com a cabeça no famoso teto preto.

Ele cambaleou e, com dificuldade, sentou-se no minúsculo banquinho da bicicleta. Colocou os pés nos pedais e começou a pedalar, com o mínimo de esforço. Sua sorte era que, fazendo ou não exercícios, estava sempre suando. Assim, quando sua esposa abriu a porta do quarto, segurando um pano de prato em uma das mãos, a imagem que ela teve era de que ele estava nessa jornada há horas. Um verdadeiro e dedicado ciclista, pode apostar.

— Você tá pedalando assim? — Ela perguntou, fazendo uma careta que fazia parecer que ele cometera um crime terrível demais para se olhar. — Tem que ser mais rápido. Pelo amor de Deus, Herb, coloca força nessas pernas, homem. Você acha que uma horinha nessa coisa vai compensar aqueles montes de bolinhos Ana Maria que você come escondido de madrugada?

A esse ponto, ele suava como um porco no espeto, girando sobre uma intensa fogueira incandescente.

— Cacete, Claudia... — ele começou a falar, esbaforido e vermelho feito um pimentão. — Dá pra você esperar um pouco? Eu me esforçando, caramba. — Ele não estava, mas essa mentira já fora contada incontáveis vezes. Tanto para ele mesmo, quanto para ela. Mais uma ou outra vez não faria diferença. Ele continuou: — Mas preciso de uns dias pra pegar o ritmo. Só isso. Mas juro que tô tentando. O problema é que você só sabe ficar tagarelando no meu ouvido. Deus do céu! Não tenho culpa se não tenho a mesma sorte de ter sua genética. Pra você é facinho.

Ela revirou os olhos e colocou o pano de prato sobre o ombro.

— Aí, pelo amor de Deus, quanto drama, Herb! É só você fazer a coisa direito. Mas dá 10 minutos e você já tá desistindo. Aí não tem jeito mesmo. E não me venha com essa de que pra mim é fácil. Eu me controlo. Sei quando parar, só isso.

— Ah, tá bom. Pra você é sempre assim, né, Claudia? Faça isso. Faz aquilo. Não sou eu mesmo, então é fazer — ele falou, afinando a voz em uma imitação caricata da esposa. — Não sei como não emagreci uns 5 quilos só te ouvindo tagarelar.

Ela o olhava parada na porta. De repente, sentiu uma pontinha de vergonha ao imaginar a imagem que ela esteve tendo dele ali pedalando e quase explodindo.

— Pronto — ela falou, mexendo-se na porta. — Começou! Não posso falar nada pra você, Herb, que você já começa a se vitimizar...

—Tá, tá, tá, Claudia — ele a interrompeu, desligando a bicicleta e se levantando. Tomando o quarto, John Lennon começava os últimos versos da música. — Não aguento mais você gritando na minha orelha. Vou dar uma volta por aí.

— Tá vendo? — Ela gritou por baixo da música, preparando-se para ir embora. — Não posso falar nada. Nada. Um “A” e você já tá resmungando. Vou te contar, viu... E vê se abaixa um pouco essa música, já tô ficando surda!

Ele a ignorou. Entrou no banheiro que ficava no escritório e foi tomar um banho. Estava precisando. Era impossível sair para a rua suado e pingando daquele jeito. Ainda mais difícil seria sair sem a ajuda de um sabonete e um desodorante, devia estar fedendo, apesar de não sentir. Entrou com dificuldade no box – há algum tempo a ideia de um novo e maior box começara a crescer em sua mente – e, sem se mexer muito, já que o espaço era minúsculo, se lavou. Pegou a roupa que tinha deixado na cadeira em frente ao computador, secou-se e se trocou.

Não tinha a menor ideia para onde queria ir, só sabia que iria para algum lugar. Precisava ir. Talvez até parasse para comer alguma coisa no caminho, se a sorte estivesse ao seu lado. Quem sabe. Bom, ele adoraria um cachorro quente ou uns churros agora. E, se um desses aparecesse na sua frente, então, por que não? Não conseguiria negar.

Pegou as chaves do carro e de casa no chaveiro da cozinha e se dirigiu até a porta, que ficava logo ao lado.

— Onde você vai? — Claudia estava cortando batatas para mais tarde na bancada.

— Nenhum lugar específico, só vou dar uma volta. Quer que eu traga alguma coisa?

Ela parou de cortar as batatas e começou a descascar a cebola.

— Acho que não. Você não vai passar em nenhuma daquelas barraquinhas pra comer não, né, Herb?

Segurando a maçaneta da porta, Herbert sentiu sua mão tremer. Poderia dar um soco nela naquele momento. Mas se conteve. Estava de costas para ela e, da melhor maneira que conseguiu, ele respondeu:

— Não, Claudia, eu não vou. Nada de barraquinhas de comida. Satisfeita? Agora, vou logo antes que você me enlouqueça — ele falou e fechou a porta às suas costas.

Claudia olhou para a porta fechada por um tempo, suspirou profundamente e, sem opções, continuou a descascar a cebola.

31 de Enero de 2021 a las 21:20 1 Reporte Insertar Seguir historia
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Diogo Cardoso Diogo Cardoso
História top . Ganhou um leitor 👏🏻👏🏻👏🏻
March 24, 2021, 19:39
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