myazurck Mya Zurck

Após receber um tiro no coração, João morre e, no além-túmulo, encontra-se com o seu assassino. A partir daí ele e Mauro terão que ajustar as contas que ainda faltam, com o intermédio de um anjo fofinho em excesso, se assim se pode dizer, e muito brincalhão. E a contenda, aparentemente irrefreável, entre os homens irá ganhar contornos extraordinários.


Humor Sátira No para niños menores de 13.

#amigos #anjo #inimigos #além-túmulo #conto
Cuento corto
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Capítulo único

*☆*✫✫✫*☆*

João abriu os olhos, ciente de ter estado em sono profundo por tempo indeterminado, depois os fechou, incomodado com a luz que os atingiu. Era tanta claridade se alastrando que experimentou em seu corpo um ardor igualmente intenso, tal como a sensação de estar na praia debaixo de um sol escaldante.

João, essa é a hora do nosso acerto, seu filho da puta!” Relembrou as últimas palavras que escutou, seguidas por um tiro certeiro no seu coração, antes de ver o mundo se apagar diante do olhar sádico do seu algoz.

De repente, a claridade ofuscadora foi amainando e João já podia discernir uma figura móvel se aproximando dele. Espantou-se quando se viu frente a frente com Mauro, o mesmo homem que havia atirado em seu peito. O fato curioso é que ele estava descalço e vestia nada mais do que um comprido avental branco, que começava na altura dos tornozelos e terminava numa fenda oval, um pouco abaixo do pescoço. O espanto evoluiu ao dar-se conta de que trajava uma vestimenta igualzinha.

— O que é isso? Como assim? Onde estamos? — João perambulou os olhos ao redor de si. Notou que estavam numa pastagem verde e muito bonita, onde se viam árvores floridas ao longe, sob o sol brilhante do dia, e vacas rajadas em tom branco, marrom e preto se alimentando tranquilamente. Logo adiante, divisava-se um enorme celeiro com a porteira escancarada, deixando ver os currais de lá de dentro, que abrigavam diversos animais, como patos, galinhas, cabras, porcos e cavalos. Ao lado deste celeiro, descobria-se uma construção interiorana, referente a uma majestosa fazenda colonial, rica e bem conservada.

— Eu não faço ideia... — Mauro também se mostrou confuso. A seguir, fechou a cara e lhe encarou. — Mas o que eu sei é que eu te matei, tenho certeza, vi o sangue jorrando na sua camisa e você caindo duro no chão. Depois vi as notícias do enterro, do velório e até da missa de sétimo dia.

— Pois se eu estou morto, você também está! — cuspiu João, com a mesma irritação.

Inesperadamente, ouviram uma risada alta.

Como se tivessem ensaiado, ambos olharam sincronicamente para o lado e deram um pulo assombrado para trás ao verem um incomum ser angelical pairando no ar ao lado deles. O anjo, como eles, usava um avental, mas este era de um azul-claro e fluorescente, tendo a parte da barriga envolta por uma correia de ouro, em semelhante tom da admirável auréola flutuando a poucos centímetros da sua cabeça de cabelos acastanhados. Suas asas tinham impressionantes penas brancas, que se mexiam conforme sua movimentação corporal obesa e andrógina. Sim, o anjo era alguém obeso e que não se podia definir como homem ou mulher.

— Desculpe atrapalhar o papo, meninos, mas devo dizer que os dois estão corretos. Ou seja, tanto você, Mauro... — piscou risonhamente para ele. — ... está morto como você, João... — enviou ao outro um beijinho no ar com os lábios em bico. — ... também está mortinho da Silva.

João e Mauro arregalaram mais os olhos.

— Então o paraíso é um pasto com vacas dando vista para uma chácara igual à que eu tenho? — Mauro demonstrou estar um pouco frustrado.

— Tinha. — corrigiu o anjo, dando novo sorriso matreiro.

— Ah qual é? Eu é que tenho mais direito de reclamar aqui. — bufou João, zangado. — Eu fui morto à traição e ainda vim parar num céu que é a fazenda do cara que me matou e que tinha tudo o que eu sempre sonhei em ter quando estava vivo.

— Seu invejoso do quinto dos infernos! Agora eu entendi porque você foi o maior caloteiro comigo, por isso comprou as minhas vacas e nunca me pagou! — explodiu Mauro, já querendo ir para cima do outro a fim de lhe dar umas boas bofetadas.

Vendo a contenda esquentar, pois João também avançou com intenção de revidar o ataque que viria, o anjo materializou-se de forma mágica no meio deles, no mesmo instante em que, de punhos cerrados, os dois estavam prestes a se atracarem numa briga violenta. No ato, a força sobrenatural os fez voarem para longe um do outro e irem cair de bundas no gramado verde, cada qual numa posição mais ridícula, ainda mais por conta dos aventais brancos. O anjo tentou, mas não conteve a crise de gargalhadas.

João e Mauro então voltaram suas expressões raivosas para o anjo, enquanto se erguiam e passavam as mãos nos traseiros sujos de bosta de vaca.

— Que espécie de anjo é você, hein? Vai mesmo ficar aí rindo das nossas caras sem explicar o que está acontecendo? — retrucou João, exigente.

— Pois é... Também quero entender como é possível haver um anjo que mais parece um daqueles comediantes que contam piadas ruins porque só sabem comer. — inteirou Mauro.

O anjo não exibiu qualquer afetação ao seu bom-humor. Porém, afastou dos seus olhos, com as mãos rechonchudas, as lacrimosas pedrinhas azuis quase translúcidas controlando o impulso brincalhão e o riso exagerado.

— Bom... Estou assim redondinho porque comi sonhos demais. — falou espontaneamente.

— Sonhos? — João e Mauro perguntaram em uníssono e o anjo acabou rindo disso.

— Sim. São tão docinhos! Existem apenas nas nuvens que ficam ao Sul Celeste e só os querubins sabem fazer. Aliás, hoje, eu e os querubins temos muito em comum. — pôs a mão na pança e fez uma expressão romântica.

E os homens não compreenderam nada e ficaram mais impacientes.

— Afinal de contas, anjo, você vai ou não vai nos dar as explicações que queremos? — João tomou a palavra.

— Vou sim... Mas só posso fazer isso quando vocês dois pararem de brigar. — arrematou em tom solene vendo-os trocarem olhares enviesados e suspirarem, resignados.

— Fale, por favor. — Foi a vez de Mauro adiantar-se, um tanto mais humilde.

Após esperar uns segundos e notá-los realmente dispostos a ouvir, o anjo decidiu que era o momento de começar os esclarecimentos.

— Ok. Em primeiro lugar, vocês não estão no céu ainda nem naquele outro lugar quente que eu não gosto de pronunciar o nome. Na verdade, vocês estão no purgatório e, antes que perguntem, sim é uma réplica quase perfeita da sua chácara, Mauro. Lamento que isso seja um incômodo tão ruim para você, João, mas são coisas dos meus superiores divinos.

Eles balançaram de leve a cabeça em anuência.

— E depois? O Mauro vai pro inferno por ter me matado? — Curiosamente quis saber João.

Mauro engoliu em seco e ficou atento aguardando a resposta.

— É isso o que você deseja? Quer vingança? Diga sinceramente, João.

João refletiu por um instante e sua expressão facial se suavizou por meio de um profundo suspiro.

— Não. — respondeu simplesmente.

Mauro baixou o rosto para esconder o sentimento forte que o assolou. Porém, o anjo lhe olhou fixamente.

— E você, Mauro, quer que o João vá para esse lugar horrível por ter sido invejoso e não ter pago o dinheiro que lhe devia?

Mauro fez o mesmo que João, ponderou e respirou fundo.

— Não quero. — disse firmemente.

De repente, João e Mauro sentiram uma paz reconfortante.

— Bom, então agora vem a parte que você nos leva para o paraíso? — João inquiriu, esboçando um sorriso.

— Não. Agora vem a parte que vocês confessam o verdadeiro motivo que os fez brigarem tanto e por tantos anos.

— Não sei do que está falando. — tentou escapulir João.

— Também não sei. — Mauro reforçou, igualmente escorregadio.

— Meninos, sinto muito, mas no paraíso não há espaço para mentiras e existem determinadas mentiras que são piores do que as outras, e as piores mentiras são as que pretendem abafar a própria essência do ser... Vocês sabem sim do que estou falando.

Mauro olhou para João e João devolveu o olhar. Essa troca significativa foi como uma luz divinal minando todas as suas resistências.

— Você era como um irmão pra mim e me decepcionou. Não me defendeu quando aqueles garotos me espancaram da forma mais degradante no banheiro da escola. — De repente, a voz de Mauro entoou através de uma queixa dolorosa.

— Eu fiz a denúncia na diretoria e te procurei várias vezes depois para saber como você estava, pra pedir desculpas. Só que você não aceitou mais a minha amizade, nunca mais. — João disse, em tom de lamento.

— Está bem! O objetivo aqui não é promover um jogo de cobranças. — interveio o anjo. — Os dois erraram não somente por negarem os apelos dos seus corações, mas também por transformarem isso numa arma perigosa para machucarem um ao outro... até chegarem ao limite. Mauro matou João e depois a culpa virou câncer em Mauro fazendo-o definhar e morrer. Agora precisam tirar das suas almas esta amargura para poderem seguir adiante. Quero que se peçam perdão e perdoem a si mesmos.

Os homens se puseram frente a frente de novo e desta vez não havia qualquer traço de raiva, ao invés disso, havia uma serenidade palpável.

— Me perdoa, Mauro... Eu deveria ter feito mais, deveria estar ao seu lado naquele dia no banheiro e não ter deixado o medo de pensarem que eu também era gay me vencer.

— Eu te perdoo se você me perdoar, João. Eu me enchia de falso auto orgulho toda vez que me via rico comprando animais caros para a minha chácara cara enquanto sabia que você não tinha a mesma riqueza para usufruir todo o luxo que eu tinha. Eu propus o acordo da compra das vacas, fiz tudo para você aceitar a negociação, mesmo sabendo que talvez nunca pudesse cumprir com o pagamento. No fundo, eu quis uma desculpa para explodir o ódio que estava preso em mim há anos.

De forma pura e natural, os amigos de infância que, por obra lastimosa tornaram-se inimigos, abraçaram-se e permitiram que o choro lavasse até o mínimo resquício de amargura das suas almas.

— Beijo! Beijo! Beijo! — O anjo cantarolava e batia palminhas dando pulos estrondosos com seu corpo pesado, fazendo cara de apaixonado. Mas quando João e Mauro desfizeram o abraço, em movimentos sincrônicos, lançaram-lhe olhares de chispas, ele torceu a boca, constrangido. — Opa! Desculpem, é que às vezes esqueço que não sou um anjo cupido. — riu com gosto e eles, contagiados, riram também.

Logo, o anjo gorducho pôs as mãos em suas cabeças e novamente o ambiente foi invadido por uma luminosidade incrivelmente intensa e boa. Mauro e João estavam com seus corações em paz, em razão disso já se sentiam no paraíso.

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22 de Septiembre de 2020 a las 15:33 0 Reporte Insertar Seguir historia
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Fin

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Mya Zurck "Vencer a si próprio é a maior das vitórias." (Platão)

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