Ele estava observando minha correnteza. No topo da árvore de jambo, esperava para pousar em minha superfície, mas algo o impedia. Não conseguia saber se era outro de sua espécie ou somente o medo que tinha de minha liquidez.
Sempre naquele horário, quando o sol alcançava o meio do céu, o sabiá chegava até minhas laterais e soltava um dos cantos mais belos da redondeza. Era forte e singelo, mas tinha sofrimento. Ele admirava as minhas águas, olhava tão profundamente que parecia estar procurando uma alma perdida em minha imensidão e, quando meus moradores o encontravam sem querer, suas asas batiam e seu canto se tornava cada vez mais fervoroso.
Eu queria perguntar o que ele tinha ou o que precisava, mas nossa comunicação era limitada demais. Ou o sabiá cantava para as minhas águas, ou eu fazia um movimento fluído, para lá e para cá.
Comecei cuidadosamente a trazer pequenos presentes para ele. Primeiro, levei uma de minhas mais bonitas preciosidades da lagoa – o pequeno anel de ouro que fora perdido nas profundezas. Talvez, o brilho o animasse de alguma forma, pelo menos era o que eu esperava. Mas quando o sabiá recebera meu presente, ele se aproximou e voou para longe. Fiquei sem reação e decepcionado, tinha de encontrar algo um pouco mais interessante para ele se alegrar.
Então, consegui encontrar um colar de pérolas novamente desaparecido - era reluzente e belo, não tinha como não se encantar. O meu amigo aceitou o presente de forma mais aberta, mas mesmo assim não fizera festa e nem se silenciou, continuava deprimente e reclamava junto a mim com o seu canto.
Até que um dia, quando o sol chegou ao topo do céu, o sabiá se aproximou curioso e estava cada vez mais perto do meu físico transparente. Aquilo me deixara ansioso e com medo também, pela primeira vez tive receio de um ser adentrar em minhas águas. Ele se aproximou vagarosamente e colocou a ponta de sua pata em minha superfície, de modo a sentir um pouco sobre a sensação de me tocar, eu fluí para lá e para cá e em um momento de susto ele bateu as asas e voou rápido demais. Eu me dei conta de que o assustei, mas no dia seguinte mal podia esperar novamente ir ao seu encontro.
Eu descobri o que ele queria. Meu amigo queria me conhecer por completo, navegando em minhas águas sem pensar no amanhã meu medo me corrompia, mas no fundo também queria que ele me conhecesse, poderia enfim lhe mostrar minhas riquezas e ele conseguiria se alegrar sem reclamar dia após dia pedindo a minha ajuda.
Precisei esperar a noite fria e todo o silêncio ao meu redor, estava inquieto com a possibilidade de novamente o ver.
O dia começou. O sol atingiu o seu ponto máximo e o sabiá apareceu, estava acanhado e cauteloso, mas como já era de se esperar, ele se aproximava cada vez mais e finalmente colocava a ponta de sua pata em cima das minhas águas, naquele dia não me mexi como no anterior, somente esperei para que ele pudesse nadar tranquilamente e sem preocupações. De repente, o que era uma ponta se tornou a pata inteira e logo ele colocou a segunda que ficava sempre bem atrás.
O sabiá começou a cantar, mas dessa vez de desespero. Suas asas batiam, mas não o ajudavam sair do lugar. Eu comecei a agitar minhas águas, de modo intenso para tentar ajudá-lo, mas só piorava a situação. Logo percebi que não havia nada que pudesse ser feito.
O pássaro afundou dentro de mim porque tentara desvendar meu universo imperfeito e sua confiança o destruiu. Agora se tornou mais uma de minhas riquezas perdidas e a única coisa que eu conseguia escutar naquele momento era somente o seu pequeno coração parando de bater.
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