invisibilecoccinella Mary

Continua sendo amor. Da minha parte, abro o jogo e lhe mostro as cartas, não há armadilha, fui e ainda sou todo seu. No entanto, não tenho nenhum controle sobre os seus sentimentos (ou o que sobrou deles em relação a mim), não posso falar por você, apenas esperar. Seu silêncio ou sua resposta, por mais que ela tenha metade de chances de quebrar meu coração. Seu silêncio... bem... talvez machuque tanto quanto o não declarado por trás de uma justificativa plausível para amansar o impacto do ponto final quando se ainda nutre uma mísera fagulha de esperança, mas me preparo para ele também...


Romance Contemporary All public.

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De: Edu Para: Ceci

N/A: Ajuda muito ler essa carta ouvindo as seguintes músicas:

1) Forgiven, not forgotten - The Corrs (inspiração para a história da qual originou essa carta e o plot é algo que eu sempre quis escrever, mas nunca tinha me munido de coragem, embora a música fale de um amor que não foi superado - eu entendi isso -, a minha história é sobre um mulherengo que trataria de apenas se encontrar com uma moça, dormirem juntos, sem se apaixonarem, mas... o feitiço se volta contra o feiticeiro e o resto só lendo pra saber)

2) The sweetest taboo - Sade

3) Broken strings - James Morrisson & Nelly Furtado

4) You've got a way - Shania Twain

5) Don't - Shania Twain

6) In assenza di te - Laura Pausini

7) Forever by your side - The Manhattans

8) Separated lives - Phil Collins & Marilyn Martin

(vocês podem ouvir qualquer uma dessas canções ou qualquer outra que gostem, eu recomendo essas apesar de ser suspeita porque amo todas, embora a do The Corrs e a da Shania Twain entreguem que me inspirei para escrever ouvindo essa carta de um personagem para outro porque preciso agora pensar num final que faça sentido após essa carta, já que o spoiler está dado rsrsrs)


Querida Ceci,


A verdade seria um absurdo porque não haveria um álibi justo para me preservar dos maus julgamentos. Aquela história de ser todas e não ser de ninguém representava o Eduardo do passado, aquele que nunca se curou de um mal-entendido e partiu muitos corações que não mereciam sofrer, até porque eu não sou lá grande coisa para que alguém sinta que perdeu tudo por não me ter.

Transferir a responsabilidade dos meus inúmeros desacertos aos antigos colegas de colégio interno não reescreveria as linhas tortas. Ouvir faz parte, filtrar também. Nem tudo convém.

E eu ouvi meus demônios.

Eu não queria ser o bobalhão arrastando corrente por mulher nenhuma.

A vaidade de ser desejado me deixou indiferente aos danos que fui causando por dar atenção aos maus conselhos.

Se eu nunca tivesse cometido determinados desatinos, você e eu nunca teríamos nos conhecido. Talvez sim, mas nunca teríamos sido transformados pelo nosso encontro e hoje compreendo que viver nesse afã de consertar o passado, não valorizamos o presente, as pessoas que passam pelas nossas vidas, o que elas têm a nos ensinar porque imagine só se pudéssemos voltar para consertar nossos erros (é excitante, admito!), o que aprenderíamos?

Sim, teríamos menos traumas, menos mágoas, menos cicatrizes, mas aprenderíamos com as nossas experiências para mais adiante aconselharmos um amigo ou conhecido que enfrenta semelhante situação?

Ao adentrar devagarinho no seu mundo, os papeis se inverteram.

Aquele Eduardo que era de todas sem ser de nenhuma deixou de fazer sentido para mim, porém eu ainda sustentava toda aquela pompa porque no início era para ser divertido.

Um relacionamento moderno, amigos que se amam quando a noite cai, sem brigas nem cobranças, sem crises de ciúmes, sem pressão.

Você não tinha me contado muito sobre seus relacionamentos anteriores, mas eu já tinha idade suficiente para saber que alguém tinha partido seu coração e que tudo que você menos desejava àquela altura da sua juventude era problema.

Você era (ainda é) uma alma livre, um pássaro que buscava de galho em galho construir seu ninho e a carreira era seu foco. Sua solteirice não era uma sentença de condenação, como muitas pessoas presumem quando alguém chega perto dos 30 anos e não cumpriu todo aquele ritual previsto pela sociedade.

Nos almoços em família você me fazia piada depois sobre os olhares de piedade que suas tias lançavam, como se em vez de você estar solteira, padecesse de uma doença terminal, de como suas primas, aquelas com quem te comparavam, já estavam casadas ou pelo menos noivas.

Talvez doesse ter suas conquistas diminuídas só porque não usava uma aliança de compromisso, mas você nunca transpareceu que se sentia preterida.

Ora, sem desdenhar de ninguém, longe de mim fazer isso, mas todos esses casais são felizes, prósperos, se uniram com o propósito de compartilhar uma vida a dois ou vivem em pé de guerra, se traindo mutuamente, dormindo em quartos separados, mantendo a relação pelos filhos e para evitar escândalos em família, mas postando fotos sorridentes no Instagram?

Antes de dizer que te amava numa das muitas noites em que fizemos amor, eu já tinha certeza de que queria ser o Eduardo de uma mulher só.

E essa mulher sempre foi você.

Se eu me aproximasse com a conversa de que me encantei por você quando te vi num happy hour naquela véspera de ano-novo, nunca teríamos um segundo ou terceiro encontro, não mesmo. Você não se permitiria terminar como as outras, com o coração todo estraçalhado e cheio de culpas. Notei pelo seu discurso firme que as táticas do passado não funcionariam, que você não se convenceria com frases feitas.

Você me conquistou e ir fundo nessa questão é explicar o inexplicável, além de que eu não sou lá muito bom para filosofar, criar metáforas, mergulhar com profundidade.

Eu nunca menti quando disse que acreditava no seu potencial, minha preocupação sempre foi genuína porque pelo menos hoje sei que você não pula mais o café-da-manhã e tem uma alimentação mais balanceada. Só estou chateado porque você ainda não adotou um gatinho para te fazer companhia (e eu sei o quanto a perda do Apolo te afetou), meu carinho não acabou nem mesmo quando você decretou o nosso fim porque nem que eu tentasse, te odiar seria o maior gesto de covardia.

Se hoje estamos separados, confesso que tive minha parcela de culpa: não lutei o suficiente para demonstrar que me entreguei de corpo e alma, te provar que não passou de um mal-entendido. Nossas cartas me ajudaram a ter uma conversa clara com a Christiane e você precisa ver o quanto ela amadureceu nos últimos anos, o quão libertador é enxergar a situação sob o olhar dela, sob as circunstâncias que nos rodeavam.

Tornamo-nos adultos de verdade, prontos para os próximos desafios em nossa jornada pessoal.

O poder do perdão é tão magnânimo que não torço mais o nariz quando escuto os padres falando sobre a importância de perdoar ou leio aqueles textos no Instagram a respeito da gratidão porque muitos curtem, compartilham nos stories, mas não refletem, não aplicam na vida real e até pouco tempo atrás eu era um deles, aliás, nem curtir eu curtia, achava uma perda de tempo ler "lição de moral" e tudo por quê?

Porque eu estava machucado.

Depois de tantos anos, ainda doía.

Eu acreditava que nasci para ser enganado, que antes de ser ferido, deveria ferir; que era meu dever controlar a situação antes de ser controlado por ela. Norteado por essa visão egoísta da vida, quantas pessoas eu magoei sem necessidade? Inúmeras, perdi a conta.

O perdão nos liberta das nossas prisões interiores, desamarra o ressentimento, os achismos, abre os caminhos.

Agora vejo minha antiga amiga enfim florescer e descobrir que existem muitas pessoas interessantes para se conhecer e que a maior delas está diante do espelho, sempre esteve. E ela é maravilhosa, repleta de predicados que fariam qualquer homem feliz.

Você me ajudou a fechar uma ferida lá do passado causada por achismos, pelo meu medo de não ser o bastante. Aproveito o ensejo para pedir que você se perdoe.

Por favor, se perdoe.

Não tenha medo de ser amada, de deixar alguém te amar. Acredite em quem já esteve no seu lugar, o amor tem sim força para curar um coração machucado.

Nosso amor nasceu e cresceu de um jeito atípico, inusitado, mas nem por isso menos válido ou menos verídico.

Continua sendo amor. Da minha parte, abro o jogo e lhe mostro as cartas, não há armadilha, fui e ainda sou todo seu. No entanto, não tenho nenhum controle sobre os seus sentimentos (ou o que sobrou deles em relação a mim), não posso falar por você, apenas esperar. Seu silêncio ou sua resposta, por mais que ela tenha metade de chances de quebrar meu coração.

Seu silêncio... bem... talvez machuque tanto quanto o não declarado por trás de uma justificativa plausível para amansar o impacto do ponto final quando se ainda nutre uma mísera fagulha de esperança, mas me preparo para ele também...

Quero dizer que cada minuto contigo durante a última virada disse mais do que todas as cartas, porém não as renego, se não fosse por elas, o encontro não teria acontecido e a certeza de que o tempo não foi capaz de te apagar do meu peito ficou tão clara. Quando te amei, fiz questão de beijar seus olhos, para você enxergar o quanto é incrível e merece ser feliz sem todos esses fantasmas te assombrando.

Tem algo que em toda carta eu sempre quis dizer, mas me faltou coragem: eu adoraria ter sido pai de um filho seu.

No fundo, eu sabia.

Eu sabia que você estava grávida.

Você acredita que eu não percebi os sinais, meu amor?

Você, que apesar de pular o café-da-manhã, nunca dispensou um bom café, enjoava só de sentir o cheiro, vivia chorosa, pálida, passava mal no trabalho... estava óbvio que não era TPM coisíssima nenhuma!

Você escondeu de mim porque ainda não tinha certeza se vingaria ou porque temia que eu te abandonasse?

Ora, querida, naquele momento eu seria o cara mais feliz do mundo porque a mulher que eu amava (e ainda amo) estava esperando um filho meu.

Indo mais longe... e se essa gestação tivesse vingado, o que você faria? Fugiria? Terminaria tudo comigo?

Porque não seria possível esconder para sempre. A barriga iria crescer e nossa conversa ocorreria mais cedo ou mais tarde, porém não refuto seu temor. No seu lugar, eu teria fugido, o medo não me deixaria outra escolha. Menino ou menina, quem viesse teria meu amor incondicional. Passaríamos por tudo juntos, encontraríamos o nosso jeito.

Quando penso nisso e me lembro do quanto você chorou por horas no meu peito depois de voltar do hospital, muitas cogitações me vêm à mente: você sofreu, sim, sofreu por ter escondido de mim, sofreu porque ainda que fosse cedo para projetar o que os meses seguintes reservariam, uma vida crescia em seu ventre e essa ideia de ter um pedacinho meu crescendo em você me faz imaginar tudo que poderíamos ter vivido.

Essa criança estaria próxima de completar dez anos, correto? Teríamos apenas um filho ou filha ou você teria uma casa cheia, com muitos cachorros, gatos e crianças espalhando seus brinquedos por todos os cantos possíveis e imagináveis?

Por respeito ao seu estado lastimável naquela ocasião, cuidei de você sem te aporrinhar com perguntas invasivas, afinal de contas, um de nós precisava estar de pé para amparar o outro.

Mesmo agindo como se fôssemos apenas amigos que se querem muito bem, a verdade era nítida em nossos olhares. Nós estávamos unidos não mais por qualquer "acordo" estúpido e sim pelo amor que sentíamos, declarado nas pequenezas, como quando você me pedia para tomar cuidado com a moto e me desejava um bom dia no trabalho, quando eu deixava o saudoso Apolo dormir no meu colo e esperava que ele gostasse de mim, quando chegávamos ao fim do dia e queríamos mais do que nunca o conforto do nosso ninho de amor.

Meu lar não era seu apartamento e sim o seu coração. Ainda é. Por mais que doa não me sentir em casa, não sei se as portas estão abertas.

Escrevo a você deixando as lágrimas caírem porque foi um mal-entendido ergueu o muro que nos separou. Não adiantava falar, você não queria me ouvir. Eu poderia me apropriar dos melhores argumentos cabíveis e ainda assim não atenuaria a dor. Sofrer era um direito seu.

Passei semanas insistindo para te mostrar a verdade, entretanto, se o seu cristal havia se quebrado, também não havia nada que eu pudesse fazer a respeito, senão te deixar seguir em frente, por mais que para mim fosse difícil pensar na minha vidinha de antes. Não fazia mais o menor sentido. Eu mudei muito ao longo de um ano e três meses. Você também mudou. Se outrora sonhar que era possível construir uma vida a dois lhe parecia utopia, o tempo provou que não era.

Quer saber? Não é.

Desisti por medo de cavar mais fundo e me machucar. E parti o seu coração de tal forma que mesmo com as cartas ilustrando tudo que jamais teríamos coragem de dizer cara a cara, ainda não me perdoo.

Eu não lutei por você. Não fui capaz. Não fui merecedor do seu bem querer. Nem sei se sou, contudo te amo quanto naquela véspera de ano-novo.

Não, não te amo como naquela véspera de ano-novo em que trocamos números de telefone, te amo ainda mais.

Eu te amo a cada dia mais.

Da última vez que nos amamos, foi difícil te encarar na redação como se fôssemos apenas os bons colegas de sempre e sua iniciativa de iniciar as cartas meses atrás partiu daí, da nossa boa convivência em prol de algo maior do que nós.

Era para fechar um ciclo?

Era.

Presumo que você também queria realizar uma catarse e seguir adiante sem pendências, entretanto, conforme fomos nos abrindo um para o outro e desvendando tantas similitudes, tantos segredos, abrindo as portas dos locais mais distantes de nossas almas, atrevo-me a dizer que te amei ainda mais.

Dessa vez não quero que você me escreva. Em frente a um documento, as chances de você se polir são grandes, você vai calcular as palavras, os parágrafos, as laudas, refrear o que deseja dizer sem julgamentos, mas eu quero te ver, te ver como você é, quero ouvir o som reconfortante da sua voz e agora que você sabe onde me encontrar, apenas venha.

Estarei te esperando.


Com amor,

do sempre seu Edu.

Jan. 16, 2020, 4:39 p.m. 0 Report Embed Follow story
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The End

Meet the author

Mary uma joaninha itinerante que atende por Maria, Mary, Marisol, que ama previsão do tempo e também contar histórias. na maior parte do tempo, invisível.

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