dissecando Edison Oliveira

Que tal um passeio romântico nas colinas? O que poderia dar errado? Tudo, quando a noite simplesmente não quer acabar...


Short Story Not for children under 13.
Short tale
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UMA NOITE, ZERO ESTRELAS




Era para ser algo romântico. Estavam praticamente no alto de uma colina, o Monte Minerva, um local repleto de árvores e corujas, olhos enormes e hipnotizantes que acompanhavam cada movimento como uma sentinela da noite.
Renato sabia que ali era um bom lugar (seus amigos da escola costumavam atrair as suas namoradas até lá, com a esperança de que sutiãs e calcinhas rolassem para o chão), mas não fazia ideia de como era difícil andar por ali na completa escuridão. Suélen já havia reclamado uma dúzia de vezes, e topado com os dedos nos pedregulhos outras quatro.
Subiram por mais alguns minutos, Renato na frente, puxando a namoradinha pela mão. Quando finalmente chegaram no topo, não havia muita coisa para se olhar; apenas um banco de madeira com lugar para três pessoas, uma proteção de metal nos beirais e algo que parecia ser um bebedor. A decepção no rosto de Suélen deveria ser visível, e Renato até agradeceu por não ser capaz de vê-la.
— Então, aqui é o belo lugar que você disse que conhecia? — perguntou ela, uma voz nitidamente descontente.
Renato já estava sentado no banco, e puxou a namorada pela mão até que ela sentasse a seu lado.
— Bem, não é tão ruim — justificou ele, sem muitos argumentos.
— Tirando que parece que estamos no jardim do Conde Drácula, até que está bom.
Renato sorriu e a beijou no pescoço. Não estava com esperanças de que aquele beijo pudesse evoluir para uma rapidinha, mas não podia negar que a situação o estava excitando. Era comum os casais irem até ali para transar, e aquilo não era exatamente uma regra, mas só o boato já bastava.
Tentou descer a mão até um dos seios da namorada, mas recebeu um “aqui não” como resposta. Frustrado, se endireitou no banco e olhou para o céu. Não havia estrelas, tampouco uma lua. O que era estranho, já que o céu estava claro e sem nuvens.
— Não sei como pode pensar em sexo num lugar como esse, — retrucou Suélen, arrumando a alça do sutiã.
— Amor… você está vendo alguma estrela?
Suélen olhou para cima. Tudo que viu foi uma escuridão infinita, ameaçadora, que lhe causou um certo desconforto.
Ainda assim, olhou mais uma vez em volta. Nada. Tudo tão negro quanto o fundo de um poço.
— Honestamente, não — disse ela, sentindo um novo arrepio que a fez se aproximar um pouco mais do namorado.
— E a lua? Está vendo ela? — quis saber Renato, ainda com a cabeça apontada para cima.
Suélen não queria ter de olhar mais uma vez; estava começando a sentir agonia, um mal-estar indigesto que espreitava da mata ao redor e soprava em seu cangote com baforadas quentes e sutis. Mesmo contra a própria vontade, tornou a olhar. Não havia lua, mas pôde ver algo esquisito.
Tinha dúvidas do que estava vendo (já que lera em algum lugar que o medo nos faz enxergar até demais), mas teve a impressão de observar algumas estrelas sumirem, uma a uma, como se fossem desligadas da tomada. Preferiu guardar a informação para si.
— E então, nada da lua, não é? — questionou Renato.
— Não. Acho melhor irmos embora.
— Porra, você está mesmo com medo?
— Só acho que está ficando tarde, — disfarçou Suélen, olhando para a escuridão a seu lado. Sem dúvida aquele deveria ser um belo lugar, mas apenas durante o dia.
A noite, parecia o local ideal para usuários de drogas ou estupradores que agiam na madrugada, espreitando por entre a mata densa.
Achava que a falta de iluminação era o menor dos problemas. O chão era irregular, e o odor que evaporava da colina lembrava a Suélen a casa dos avós que nunca era arejada e cheirava a mofo. Pensou ter escutado um passo e olhou assustada para trás. Não sabia se o medo era capaz de nos fazer enxergar de mais, mas com certeza nos fazia ouvir. Foi um passo fraco, uma pisada leve que quebrou algum graveto.
— Ouviu isso, querido? — perguntou ela, já ficando de pé. — Por favor, vamos dar o fora. Não estou gostando deste…
Reparou que estava falando sozinha. Renato havia sumido, assim como a lua e as estrelas. Quis gritar — assim como faziam nos filmes — para que o namorado parasse de brincar e que saísse logo de onde havia se escondido. Ao invés disso, retirou o celular da bolsa e ligou a lanterna. Iluminou em volta, mas o resultado não foi dos melhores; a escuridão engoliu facilmente o pequeno feixe de luz.
Tudo que Suélen pôde ver foi o banco vazio e um metro de chão coberto por folhas.
Sem muitas alternativas, gritou pelo namorado. Alguma coisa voou de uma das árvores em resposta. Suélen deu um grito e levou uma das mãos até o peito.
Por algum motivo, tornou a olhar para cima, para a noite mais escura que já vira em seus dezessete anos de vida. Talvez, se enxergasse a lua, seu medo diminuísse, como se recebesse um afago dos céus. Mas não viu nada além de terror, angustia e escuridão. Gritou. Mais de uma vez. Por Renato, por qualquer coisa com vida, até mesmo por Deus.

Começou a andar pelo caminho de onde vieram. Usava a lanterna do celular, mas ela pouca ajudava. O trajeto era basicamente o mesmo…, mas ainda assim diferente. Suélen se lembrava de subir até ali, não de caminhar em um terreno plano que estalava a cada pisada como se andasse por uma ponte de madeira.
Mesmo assim, seguiu seu instinto, ainda que estivesse cega e surda pelo pavor. Após alguns minutos de caminhada, decidiu parar e gritar mais uma vez pelo namorado. Ainda tinha esperanças de que aquilo fosse uma piada de mal gosto, de que logo Renato fosse saltar do meio da mata com um grito seguido de uma gargalhada, chamando ela de covarde e rindo um pouco mais, em uma piada que duraria para o resto da semana.
Só que nada aconteceu. Suélen tornou a caminhar dois minutos depois de olhar mais uma vez para cima, constatar que o céu continuava (morto!) o mesmo de antes e que nada além de trevas habitava o mundo.
Permaneceu naquela caminhada até quase criar calos nos pés, gritar mais umas três vezes por Renato, por socorro e por Jesus. Foi então que se deu conta que já não adiantava mais, que seu corpo não estava andando, que flutuava em algum lugar acima da realidade, onde os pensamentos deixavam de existir assim como tudo naquela noite. Ainda foi capaz de ver uma última estrela piscar umas duas vezes, antes de enfraquecer e finalmente se apagar, como uma lanterna sendo engolida pelo escuro.

Sendo assim, na manhã seguinte nada mudou. O relógio dizia que era pouco mais de oito horas, mas não havia luz do dia. Não havia sol. Ele também se fora, assim como as estrelas, a lua e o mundo.
Era de se supor que, logo pela manhã, sirenes fossem escutadas e gritos selvagens ecoassem pelas ruas, mas nada aconteceu.
Tudo estava calmo, sombrio e sem cor. Não havia cheiro de coisa alguma. O único ruído era o do ponteiro de um relógio.
Não havia dor. Não mais. Era como se o mundo estivesse dormindo, sonhando apenas com a escuridão.

Jan. 8, 2020, 1:50 a.m. 3 Report Embed Follow story
6
The End

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Leandro Severo Leandro Severo
Lembrei da vida que ardia sem explicação. Aqui ela escurece e engole tudo. Muito bom.
May 10, 2020, 21:25
tiago líreas tiago líreas
Lembrou muito o planeta do Hellstar Remina (Junji Ito), um astro que se direciona à Terra e literalmente engole todas os objetos astronômicos que encontra no caminho. Nesse caso o Remina estaria dando um passeio ao redor da galáxia com um roupão de invisibilidade, pregando susto no pessoal da Terra. Enfim, massa
January 16, 2020, 14:31

  • tiago líreas tiago líreas
    Por sinal, recomendo muito o Junji Itou em geral, apesar de eu duvidar que você nunca tenha ouvido falar sobre ele, já que eu vejo semelhanças entre a sua ficção e a dele; até chegaria a dizer que ele poderia ser inspiração sua January 16, 2020, 18:42
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