moonpierredelune Ammi Pierre

Uma história de esperança, que acontece em São Paulo. Um garoto é expulso de casa. *Feito para o amigo secreto do Esquadrão da Escrita (2019) *Original


Short Story Not for children under 13.

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Garoa das (Des)igualdades

Nós somos todos iguais, as pessoas falam, e suas vozes ecoam em tom mudo, com a pretensão de tornar essa verdade em algo crível.

Nós somos todos diferentes, outras vozes ecoam, ressaltando nossas diversidades e tentando fazê-las serem respeitadas.

Qual dos pensamentos deveriam ser ressaltados? Essa é a pergunta que faço bebendo uma cerveja, com os últimos trocados roubados de um moço que deixou a carteira do bolso de trás muito exposta.

Rabisco em um caderno garranchos irreconhecíveis, abstratos, como se os pontos e vírgulas das minhas reflexões fossem arte subjetiva. Só o melhor crítico vai entender o significado.

A história da minha vida está confusa, dando voltas que retornam ao mesmo ponto, enquanto o resto, é só um borrão. Eu tinha, acho, que dezesseis anos. Sim. Dezesseis.

Foi naquele exato momento, as duas horas de uma tarde de sábado, que me expulsaram do meu próprio lar, com gritos, pontapés e socos, dos quais habilmente me desviei.

"Seu viado", "seu boiola", "bicha", meu pai perdia a voz, berrando palavras ofensivas, enquanto o rosto da minha mãe se enchia de lágrimas, com uma face alternando expressões de raiva e tristeza.

Na tarde ensolarada, andei e andei, pensando no que faria. Quem eu tinha para recorrer? No começo, até consegui uns sofás na casa de alguns amigos, porém, um a um, foram me colocando para fora novamente.

Tentei empregos e não consegui. O tempo foi passando.

Hoje tenho qual idade? Só consigo calcular por meio de um relógio de rua: dezessete.

Deito em calçadas, pratico mendigagem e furto carteiras. A minha rotina é uma merda faz um ano. Para piorar, ainda tenho raiva do meu ex-namorado filho da puta, que resolveu se vingar do meu rompimento com ele colocando uma foto de nós dois se beijando na soleira da porta e apertando a campainha, correndo após minha mãe chegar, como uma criança idiota que gosta de pregar peças.

Minha única diversão hoje em dia é olhar São Paulo: seus prédios altos, os pedestres e os grafites.

Porém, chegou o dia em que tentei roubar uma carteira, era mais um daqueles executivos engomados que não tinham nenhum senso de proteção e pareciam tão arrogantes olhando para seus celulares caros. Algo deu errado.

Foi a primeira vez que alguém percebeu o furto na hora.

O pânico me gelou.

Ele começou a gritar e me xingar.

— Por que você tá fazendo isso? Cê é louco? Ladrão de merda — ele gritou, brandindo os punhos.

— Eu sou morador de rua, fui expulso de casa — atirei a carteira de volta para ele, para não causar mais raiva — tá aqui sua carteira.

Comecei a correr, não queria que ninguém me denunciasse a polícia, pois, provavelmente, não me julgariam de forma adequada.

Nesse país é a corrupção que impera, e ela vêm de todos os malditos lados. Sendo praticada por todo mundo.

Um pequeno furto para sobreviver, grandes roubos para tirar tudo das mãos do povo, aquela infraçãozinha idiota do trânsito, aquela coladinha básica na prova.

Ouso dizer que isso é da natureza humana: todos tem um preço, saiba pagar. Todos cometem ações ruins para cumprir nossos diversos objetivos, que podem ser essenciais a nossa vida ou só pura sacanagem.

Estava lá eu correndo, refletindo sobre coisas sem importância, quando percebi que aquele tio engomado estava correndo atrás de mim. Tentei despistar, mas falhei miseravelmente.

Ele segurou meu braço com força e eu fechei os olhos.

Esperava um soco.

Em vez disso, ele me disse:

— Você quer um emprego? — com um olhar preocupado — posso também te achar um lugar para ficar por uns tempos.

É claro que aceitei a oferta, e no fim, já aos trinta e três anos, posso dizer que minha história deu certo, o que é uma grande exceção a regra, já que entre 5,3% e 8,9% da população LGBT é moradora de rua no Brasil.

Eu não mais furto carteiras, entretanto, ainda adoro escrever no meu caderno e sonho em publicar um livro algum dia desses.

Às vezes precisamos compreender as diferenças entre nós, aceitando que existem igualdades em nossas respirações, e, principalmente, temos que acreditar e motivar as pessoas. Resgatar a autoestima é importante.

Hoje, tenho orgulho de ser quem eu sou e voltar para casa, já beijando meu namorado na entrada

Meus pais ainda não falam comigo, na verdade, nunca mais os vi, porém, em certas situações, a melhor família é aquela que você cria para si.

Fico por aqui, nessa breve história: o céu está garoando, e eu gosto de observar os guarda chuvas coloridos passando acima da cabeça das pessoas, numa São Paulo cinza.

Dec. 19, 2019, 12:52 a.m. 0 Report Embed Follow story
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The End

Meet the author

Ammi Pierre Olá, tudo bem? Eu adoro escrever, e tenho conta em vários websites. * Moonpierre - Nyah Fanfiction * Moonpierre de Lune - Wattpad * Moonpierre - Sweek Caso queiram me acompanhar por aí, fiquem à vontade. *Em andamento: Tudo acontece naquela balada - sendo publicado em ambas as redes Inkspired e Wattpad.

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