lara-one Lara One

Por muito tempo Alex Krycek foi considerado um traidor e mercenário, o homem oportunista e egoísta que faria qualquer coisa em proveito próprio. Mas você sabe que uma avalanche se cria a partir de uma pequena bola de neve? AVISO: Contém linguagem forte e cenas de violência física que podem chocar pessoas sensíveis.


Fanfiction Series/Doramas/Soap Operas For over 18 only.

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S06#21 - KALINKA

(Pequeno viburno)


(Promo em vídeo)

📷


Свою природу не изменишь.

(Você não pode mudar sua natureza.)




INTRODUÇÃO AO EPISÓDIO:

1991

Aeroporto Internacional John F. Kennedy - Nova Iorque - 5:32 P.M.

O Agente da CIA, um homem sério, usando terno, gravata e sobretudo, entra rapidamente no saguão do aeroporto segurando uma folha de papel. Observa o painel de chegadas.

O Agente se dirige rapidamente para o portão 3, olhando para o relógio. Procura com os olhos entre as pessoas que andam por ali. Abre a folha de papel onde vemos escrito: Krycek.

Krycek, com 29 anos, magro, em roupas bem simples, segurando uma sacola de viagem, com a cabeça enfaixada cobrindo um dos olhos, se aproxima dele. O Agente da CIA ao vê-lo, desconfia.

AGENTE DA CIA: - Alexander Krycek? Fala minha língua?

KRYCEK: - Perfeitamente.

AGENTE DA CIA: - Desculpe o atraso. Esperava um russo no estilo Schwarzenegger, mas... Me siga.

KRYCEK: - (CURIOSO) E quem é esse?

AGENTE DA CIA: - Está brincando, não é? Ah, esqueci que você veio de outro mundo. Vamos?

Krycek o segue, feito um turista que observa tudo maravilhado.

AGENTE DA CIA: - Como está Moscou? Desde que o muro caiu, as coisas estão quentes por lá.

KRYCEK: - A União Soviética inteira está dividida entre o comunismo ou a abertura de Gorbachev. A pancadaria é inevitável.

AGENTE DA CIA: - Conseguiu essa atadura no meio de algum manifesto popular?

KRYCEK: - O exército vermelho nunca foi tolerante com seus soldados. Com o comunismo ameaçado, a intolerância aumentou.

O Agente da CIA vira-se pra ele, assustado.

AGENTE DA CIA: - No exército? É uma piada russa, não é?

KRYCEK: - Gostaria que fosse.

VINHETA DE ABERTURA: истина где-то рядом*


*A verdade está lá fora.



BLOCO 1:


5:39 P.M.

O Agente da CIA se aproxima do carro preto com placa do governo e abre a porta para Krycek.

AGENTE DA CIA: -Só tem isso de bagagem?

KRYCEK: - Apenas o importante.

AGENTE DA CIA: -Entre.

Krycek entra no carro. O Canceroso, bem mais novo, sentado no banco de trás, observa Krycek. O Agente da CIA senta-se no banco da frente. O motorista parte.

CANCEROSO: - Bem vindo aos Estados Unidos da América, Alexander Krycek.

KRYCEK: - O senhor é... ?

CANCEROSO: - Seu contato. Sem nomes por enquanto. Vai aprender que nomes e posições não são pronunciados. Quanto menos souber, melhor pra você. Fuma?

KRYCEK: - Não, senhor.

CANCEROSO: - (SORRI) Um soldado russo que não fuma... Interessante.

O Canceroso acende um cigarro.

CANCEROSO: - O que houve com você? Isso será um atraso a ser considerado?

KRYCEK: - Quase perdi um olho, mas agora estou bem, senhor.

CANCEROSO: - Espancamento?

KRYCEK: - Sim, senhor.

CANCEROSO: - (SORRI) Precisa esquecer que foi um soldado, "senhor".

KRYCEK: - (EMBARAÇADO) Desculpe, sen... Desculpe. Vou consertar isso.

CANCEROSO: -As coisas em seu país estão mudando e mais cabeças rolarão. Gorbachev é um osso duro. O partido comunista e seu regime já eram. É questão de tempo.

KRYCEK: - Só acredito vendo, mas prefiro ver de longe. De perto posso perder mais um olho.

Krycek observa os prédios e as pessoas pela janela do carro. Fascinado, num sorriso.

KRYCEK: - Isso é Nova Iorque? Posso gostar daqui. É bonito...

O Canceroso retira um envelope do bolso e entrega pra ele. Krycek abre. Há um bolo de dinheiro.

CANCEROSO: - Seu pagamento adiantado. E tem mais de onde veio isso.

KRYCEK: - (SORRI/ SURPRESO) Admito, nunca vi tanto dinheiro...

CANCEROSO: - Está na América, a terra da liberdade e dos sonhos, meu jovem. Pode fazer o que quiser. Desde que faça o seu trabalho direito. Vassily Pescow explicou pra você, mas vou aprofundar as coisas.

O Canceroso entrega uma valise para Krycek.

CANCEROSO: - Seu tema de casa está todo aqui dentro. Seus documentos novos, carteira de motorista, identidade, passaporte, seguro social... Seu nome permanece neles. Mas sua nacionalidade agora é americana. Você vai esquecer do buraco de onde veio. Vai esquecer que é russo. E precisa perder o resto de sotaque russo que ainda tem, afinal você é americano, entendeu? Isso é imprescindível. O escolhemos justamente pelo pouco sotaque a ser corrigido.

KRYCEK: - Meu pai me ajudou com isso. Ele era insistente.

CANCEROSO: - Vai ficar num hotel por nossa conta. Até encontrar algum lugar pra você, isso não é prioridade agora. Em breve vão extinguir a KGB, mas o serviço de espionagem russa continuará sob o comando de Pescow, e você agora faz parte dessa nova geração. Sua prioridade no momento é entregar para ele todas as informações que eu passar pra você. Em troca, ele dará informações que você entregará diretamente a mim. A ninguém mais. Fui claro?

KRYCEK: - Como um carteiro clandestino, um mediador entre você e Vassily Pescow. Um agente duplo.

CANCEROSO: - É, você é esperto. Entenda que o que vai fazer será ajudar sua pátria a sair das mãos comunistas pegajosas e retrógradas. Os comunistas não querem perder o poder, mas o progresso é inevitável. Considere-se um libertador do seu povo. As informações que você intermediar serão de vital importância para a operação Glasnost e Perestroica. Ajudaremos a manter Gorbachev no poder. Dentro dessa valise tem um celular e uma arma não registrada. Se fizer bobagem, não conhecemos você, entendeu? Negaremos tudo. Estará por sua conta.

KRYCEK: - Pescow não disse que eu precisaria de arma. Eu vou ter que matar alguém?

CANCEROSO: - Também para sua defesa. Alguns do meu povo e do seu não querem que essas informações cheguem. E temos incômodos que precisam ser eliminados algumas vezes, acho que entende. E isso faz parte do seu serviço. Se tiver estômago, caso contrário, voltamos para o aeroporto e você volta pra sua vida miserável na União Soviética. Ou eu deveria dizer para a prisão militar?Não são tempos bons para um traidor comunista. O partido está bem irritado com traidores e Gorbachev não faz perguntas a militares.

KRYCEK: - Não fiz nada do que me acusam, senhor. Nunca fui traidor.

CANCEROSO: -Eu sei disso. Acha que Pescow e eu confiaríamos uma missão de suma importância caso você não fosse confiável? Você foi um bode expiatório pra eles, Alex Krycek. Por isso eu digo para também não confiar em Pescow, os homens dele fazem besteiras e depois precisam limpar a sujeira. Você foi o esfregão da vez... Entenda que informações importantes estavam em jogo e eles não poderiam se expor, alguém tinha que levar a culpa. Pelo menos sua coragem, honra e atitude chamaram a atenção de Pescow e ele lhe deu essa oportunidade. Então... Prisão militar russa ou agente duplo? Acho que não tem muitas opções. Basta olhar pro seu rosto no espelho. Assim como tem mais dinheiro de onde saiu esse, tem mais tortura de onde saiu essa.

KRYCEK: -(INCRÉDULO) Vocês americanos sabem sobre o que aconteceu em Tunguska?

CANCEROSO: - Esse assunto no momento é irrelevante, trataremos dele mais tarde. Temos outras prioridades como estabelecer o capitalismo na União Soviética. Deixemos os alienígenas para depois. Você também vai ser nosso carteiro nesse assunto.

Krycek olha pela janela. Olha para o dinheiro.

CANCEROSO: - Não vai matar inocentes nesse jogo. Vai matar traidores. Homens comoRurik Sharapov, que Pescow não confia mais. Nós também temos os nossos Sharapovs e você vai nos ajudar com isso.

KRYCEK: -(ANGUSTIADO) ...

CANCEROSO: - Algum problema?

KRYCEK: - Não. Pra quem eu trabalho aqui? O senhor é da CIA?

CANCEROSO: - Não importa. Você faz o serviço, recebe seu dinheiro, fica calado e vive o sonho americano da liberdade e democracia. Eu fico feliz e você também. A mãe América e a mãe Rússia ficam agradecidas. É isso o que importa. Sei que gosta de música clássica, ópera, essas coisas. Certamente tem vocação para atuar. Então, encare personagens e siga no palco da vida. Será fácil pra você que é artista. Será um treinamento, para quando realizar seu sonho, já esteja bem capacitado para tanto.

KRYCEK: - E vou poder buscar meu sonho?

CANCEROSO: - É claro. E como cidadão americano as portas se abrem, não é mesmo? Também sei que precisou abandonar a escola muito cedo, mas é inteligente, esforçado e aprende com os livros. Dentro dessa valise tem alguns livros. Você terá tempo para estudá-los. São manuais de Quântico para quem cursa a academia do FBI, coisas básicas como leis e procedimentos de conduta. Quero que aprenda o que contém neles. Quando terminar, alguém vai ensinar você a agir como um agente do FBI. Terá credenciais e o colocaremos lá dentro para espionar uma pessoa. Como sei que é um jovem curioso e aprende rápido, essa missão será sua, mas requer tempo para que aprenda, perca o resto de sotaque russo e entre no personagem, porque não vai enganar a raposa tão fácil.

KRYCEK: -Eu...

CANCEROSO: - Então? Quer voltar para casa? Devo procurar outro que deseja realizar seus sonhos porque você não tem coragem o suficiente para ser um mocinho e espionar cretinos mentirosos? Matar os verdadeiros traidores de nossas pátrias? Não quer ser o sujeito que ajudou a derrubar a mentira do comunismo? Logo você, filho de um dissidente comunista, que morreu justamente nas mãos deles. Os comunistas tiraram tudo de você. Estou dando a você a chance de ajudar a libertar seu país das mãos da tirania. De fazer justiça.

KRYCEK: -Estou dentro, senhor.

O Canceroso sorri, soprando a fumaça. O carro para.

CANCEROSO: - Seu hotel. Tem um quarto em seu nome. Como eu disse, não se preocupe com as despesas. Descanse da viagem, compre roupas novas e vire um americano o mais rápido que puder, e eu sei que deseja muito isso. Vou mandar um médico de verdade para cuidar desse seu olho. Eu entro em contato.

Krycek desce com sua sacola de viagem. Olha incrédulo para o imenso hotel luxuoso. Olha ao redor, as pessoas apressadas na calçada, o trânsito barulhento, os garotos com rádios portáteis enormes escutando música e dançando. Os outdoors. Krycek segura as lágrimas.

KRYCEK: - (SORRI) América, papa. Esta é a América. Liberdade! Finalmente o seu filho conseguiu!


2003 - TEMPO ATUAL

Esconderijo de Alex Krycek – 6:33 P.M.

Krycek sentado sobre o balcão da cozinha.

KRYCEK: - Por mim... Scully concorda com isso?

Mulder andando de um lado pra outro, com as mãos nos bolsos das calças.

MULDER: - Concorda. E a Barbara?

KRYCEK: - Já deixei isso bem claro pra ela, que também não se opôs.

MULDER: - As duas se odeiam. Um jantar poderia fazer elas se conhecerem e pararem com essa implicância. Não ajuda em nada.

KRYCEK: - Scully foi quem começou. E agora continua, e não é por minha causa não. Scully morre de ciúmes de você perto da Barbara.

MULDER: - E a Barbara não morre de ciúmes de você e Scully? Elas vão ter que se acertarem.

Batidas na porta. Mulder atende. Barbara entra, num vestido, saltos altos, cabelos presos num rabo de cavalo, segurando um saco de compras e um prato de vidro com tampa.

BARBARA: - Ahn... Eu volto depois, não quero atrapalhar o assunto de vocês.

MULDER: -Não, eu já estou de saída.

Barbara coloca as compras e o prato de vidro sobre a pia.

BARBARA: - Espero que tenha brigado com esse teimoso... Alex, como está?

KRYCEK: - Tô bem.

Barbara fica na frente dele e o encara levando as mãos à cintura.

KRYCEK: - (SORRI) É sério. Eu me sinto ótimo!

BARBARA: - Bom, pelo menos colocou um sorriso nessa cara sempre amarrada. Devia sorrir mais, evita rugas e fica mais bonitinho.

MULDER: - (DEBOCHADO) É, fica mais bonitinho...

Krycek faz uma careta pra Mulder. Barbara se aproxima de Krycek, desconfiada. Krycek suspira. Ergue a camiseta, mostrando a cicatriz da cirurgia. Mulder leva a mão à boca, segurando o riso.

BARBARA: - É, ficou uma cicatriz aí. Podia ter sido pior. Nem quero lembrar...

Krycek abaixa a camiseta.

KRYCEK: - Tá se divertindo, né, ô "Terror da Virgínia". Seus dias estão contados, viu? Toc toc. Quem é? Dana Scully voltando pra colocar a coleira na raposa!

MULDER: -Barbara, se fosse eu no lugar dele, teria optado por você bancando enfermeira particular 24 horas por dia, com direito a massagem, banho de esponja, curativos com beijinhos, mas ele insistiu em se cuidar sozinho... Acho que foi melhor assim, só fazer visita. Com você aqui ele não ia repousar e corria o sério risco de acabar enfartando.

Barbara solta uma gargalhada. Krycek acena negativamente com a cabeça.

KRYCEK: - Querem parar? Eu tô ótimo! Nunca me senti melhor!

Mulder observa Barbara que começa a retirar as compras sem prestar atenção neles. Mulder morde os lábios. Aponta pra Barbara. Krycek faz um gesto de "não entendi". Mulder suspira, demonstrando com as mãos que está falando do prato. Krycek olha pra Barbara guardando o prato na geladeira. Mulder olha pra Krycek com deboche, Krycek segura o riso.

BARBARA: - Eu fiz uma sobremesa...

Mulder e Krycek se seguram pra não rir. Mulder move os lábios em silêncio dizendo pra Krycek: "eu avisei!". Krycek abaixa a cabeça, quase rindo. Barbara atarefada fazendo o jantar não presta atenção neles trocando códigos.

MULDER: - (CURIOSO) Gelatina? Ou é algum tipo de sobremesa mais sofisticada, algo como mousse, essas coisas...

BARBARA: - Sofisticada. Eu fiz torta de chocolate trufada com ganache.

MULDER: - (DEBOCHADO/ OLHANDO PRA KRYCEK) Ah! Além de chocolate, é trufada e pra completar ainda a crueldade é com ganache...

Mulder move os lábios em silêncio dizendo: "se ferrou!". Krycek abaixa a cabeça, põe a mão na boca e tenta não mostrar que está rindo.

BARBARA: - Eu prometi fazer o jantar pra comemorar que o Alex está bem. Mulder, fica pra jantar conosco?

Krycek olha pra Mulder e sinaliza que "não" com a cabeça. Barbara continua atarefada preparando o jantar na frente do fogão. Mulder faz caras e bocas debochando de Krycek.

MULDER: - (DEBOCHADO/ PROVOCANDO) É. Acho que vou ficar. O cheiro tá delicioso...

Krycek faz uma careta pra Mulder, bota a língua e pega uma maçã da fruteira, atirando em Mulder, que desvia. Barbara olha pra eles. Eles disfarçam feito dois moleques.

BARBARA: - Estão calados... Atrapalhei o assunto quando cheguei?

MULDER: - Não. Pra dizer a verdade, eu adoraria ficar pra jantar, mas tenho que ir pro FBI compensar horas de trabalho. (DEBOCHADO)Divirtam-se!

Mulder caminha até a porta de costas, olhando pra Krycek e gesticulando coisas obscenas. Krycek atira outra maçã nele. Mulder sai segurando o riso e fechando a porta.

BARBARA: - Pena o Mulder ter que ir embora. Ele é o palhaço da turma. Espero que goste do meu molho. Gosta de macarrão?

KRYCEK: - Claro, quem não gosta? Barbara, como eu disse antes, não precisa vir até aqui fazer coisas pra mim. Eu agora estou bem. Não acho justo você deixar sua vida pra...

BARBARA: - Não estou deixando minha vida. Estou aqui hoje pra gente comemorar a sua vida. E prometo, agora que você está bem, eu não virei tanto aqui. Eu sou adulta pra saber que sentir algo por você não me dá o direito de ficar na sua volta querendo que você sinta o mesmo por mim. Eu sou mulher, mas até eu detesto mulher que fica grudando na volta do cara. Se eu fosse homem correria de mulheres assim, porque chiclete, além de grudar, perde o sabor.

Krycek desce do balcão. Aproxima-se dela.

KRYCEK: - Não quero que interprete errado o porque não aceitei sua ajuda. Eu gosto da sua companhia. Mas eu precisava de um tempo pra digerir as coisas que vivi no último mês. Isso mexeu comigo. Estar, sei lá, morto, sonhando, eu ainda não sei definir aquilo...

BARBARA: - Não se justifique Alex. A vida é como um livro, precisa encerrar um capítulo para começar a escrever o outro. Eu também vou começar um capítulo novo agora. Consegui um emprego como colunista numa revista... Vou falar sobre política.

Ele fica atrás dela, bem pertinho.

KRYCEK: - (SORRI) Sério? Então temos mais um motivo pra comemorar.

Barbara pega o molho na colher e coloca a ponta do dedo, levando o dedo aos lábios, provando o molho.

BARBARA: - Hum... Falta alguma coisa aqui... O que você acha?

Barbara leva a colher até a boca de Krycek. Ele tira a colher da mão dela e joga na pia. Pega a mão dela e leva o dedo dela aos seus lábios, chupando-o, olhando seriamente pra ela. Barbara perde qualquer reação, sente as pernas amolecerem e o coração disparar. Krycek solta a mão dela, ainda olhando nos olhos de Barbara. Aproxima seus lábios. Ela fecha os olhos, acuada contra o fogão e se rende ao beijo suave.

KRYCEK: - Você é uma mulher de palavras. Eu sou um homem de ação. Pode me dar até um soco, mas vai ter que me nocautear, porque dessa vez eu não vou recuar.

Barbara leva a mão pra trás e desliga o fogão. Solta os cabelos. Ele rouba outro beijo suave, descendo as mãos e agarrando o traseiro dela. Aprofunda o beijo com a língua, esfregando seu corpo no dela. Os dois se agarram, num beijo faminto, Krycek a ergue, ela envolve as pernas nele e os dois saem derrubando tudo pela cozinha. Ele a coloca sobre o balcão, ela ergue a camiseta dele com urgência, ele ergue os braços permitindo. Barbara percorre o peito dele com os lábios, enquanto ele desce as mãos pelas costas dela abrindo o zíper do vestido. Ela desce a parte de cima do vestido, num olhar de desejo. Ele envolve os braços nela, percorrendo as mãos em carícias e os lábios pelo pescoço e ombro dela, que sorri inebriada. Ele vai deslizando o sutiã pra cima, acariciando os seios dela e os tomando com as mãos e os lábios. Ela deita-se no balcão, vai tirando o sutiã, permitindo mais a ele, que inclina-se sobre ela brincando com os seios.

Krycek leva as mãos pelo corpo dela em carícias firmes, descendo para as coxas com as mãos e os lábios. Ela apoia-se nos cotovelos, inebriada, olhando pra ele, que leva as mãos pra baixo do vestido dela. Ela ergue os quadris permitindo que ele tire a calcinha e mergulhe o rosto embaixo do vestido dela. Ela dobra as pernas, apoiando os pés no balcão, ele desliza as mãos pelos quadris a segurando firmemente, Barbara ofegante inclina a cabeça pra trás movendo o corpo de prazer contra o rosto dele que brinca entre as pernas dela. Ela solta gemidos, ri, entra em êxtase, até murmurar para que ele pare. Ele obedece, com um olhar de desejo incontido.

Enquanto trocam beijos e carinhos um no outro, ela leva as mãos ao zíper das calças dele, abrindo. Barbara deita-se no balcão, olhando pra ele em expectativa, numa respiração quase que descompassada. Krycek leva as mãos pelo corpo dela, em carícias pela pele arrepiada. Deita-se sobre ela, procurando com seus lábios em outro beijo de desejo. Ela o sente dentro de si e deixa escapar gemidos de prazer enquanto ele move-se lentamente contra ela mantendo as mãos e os lábios em carícias. Ela apoia-se nos cotovelos, chamando os lábios dele com os seus. Lábios ofegantes, semiabertos, línguas que se procuram e ele aumenta o ritmo. Barbara deita-se e coloca as pernas nos ombros dele, que agora a segura pela cintura. Ela ergue-se, apoiando-se em uma das mãos e envolvendo o braço no pescoço dele, mantendo as pernas nos ombros dele. Ele apoia as mãos no balcão movendo-se afoito contra ela. Ambos famintos um pelo outro. Ela agora se apoia com as duas mãos, quase nem tocando o bumbum no balcão, segurando-se nele com as pernas, enquanto ele a segura pela cintura, e de olhos fechados aumenta o ritmo. Ela entra em êxtase, murmurando para ele não parar.


8:16 P.M.

Krycek e Barbara deitados nus entre os lençóis, olhando um para o outro, ambos trocando beijos e carícias. Barbara sorri.

BARBARA: - ... Quem é você, Alex Krycek, que me deixa cada vez mais confusa e me surpreende a cada minuto?

KRYCEK: - (SORRI ENIGMÁTICO) ...

BARBARA: - Quando penso que desvendei você, lá vem outra surpresa. Estou confusa. Conheço um assassino, um mercenário, um chantagista capaz de qualquer coisa, um badboy de jaqueta de couro que chega pensando que pode tomar o que quiser, penso "isso vai ser selvagem e agressivo, ele deve ser meio sádico e louco, depois vai fechar as calças e me mandar embora porque já conseguiu o que queria"... E acabo na cama com um amante carinhoso e beijoqueiro? Nossa, o que foi aquilo na cozinha? Você sabe enlouquecer uma mulher, admito!

KRYCEK: -Eu nem sei como agir com você Barbara. Estou sendo eu mesmo.

BARBARA: - Está indo bem, acredite. Vou anotar sua pontuação. Bem que dizem que as águas mais escuras são as mais profundas.

Ele a envolve nos braços. Ela fica de costas pra ele. Krycek apoia o queixo no ombro dela. Fecha os olhos.

KRYCEK: - Geralmente, quando algo dessa natureza acontece, é apenas uma aventura, uma noite, e nunca no meu espaço, porque assim tenho desculpas pra ir embora. Eu sempre quero ir embora.

BARBARA: - Ok. Eu posso ir embora. Mas por que sempre quer ir embora? Tem medo do quê?

KRYCEK: - Medo de estragar tudo. Que a mulher descubra quem sou e acabe frustrada. Então nada além de sexo. Sem envolvimento emocional.

BARBARA: - Bom, eu sei quem você é. E sinceramente, não ligo mesmo. Acho que você é mais do que um rótulo. E eu quero descobrir o conteúdo da embalagem porque não acredito nas propagandas, elas são enganosas.

KRYCEK: - (SORRI) Você é diferente, sabia? Além de linda, inteligente e divertida, você é bem maluquinha mesmo... Não, eu não quero que vá embora. Espero que fique aqui essa noite. Gosto do jeito como você me trata.

BARBARA: - E que jeito seria esse?

KRYCEK: - Como uma pessoa, um ser humano. Você sabe alguns dos meus defeitos e não liga pra eles. Você não me julga. Não tenta cobrar de mim aquilo que não sou. Você me apresenta a chance de uma vida que eu não tenho direito de ter, mas que é um sonho bonito.

BARBARA: - E por que não teria direito?Quem nunca errou na vida, atire a primeira pedra.

KRYCEK: - O que eu sei é que só estou insistindo em nós porque você deixou claro que gosta de mim e eu me sinto atraído por você. Se você não tivesse dito, mesmo eu estando a fim, eu não ficaria correndo atrás porque isso é muito chato. Não é orgulho. Perseguição é coisa de stalker. Posso ser tudo, menos stalker de mulher.

Barbara começa a rir.

BARBARA: - Alex, você realmente é uma caixinha de surpresas...

KRYCEK: -Todas as noites naquela delegacia eu tenho que sair pra algemar e dar uns tapas num cretino que colocou na cabeça que é dono da mulher e isso lhe dá o direito persegui-la. Ou até mesmo de enchê-la de pancadas e ameaças. E não falo de maridos. Falo de caras que saem pra rua, agredindo as prostitutas, mesmo que elas se recusem a transar com eles por dinheiro.

BARBARA: - Acha que fui uma stalker, perseguindo você?

KRYCEK: -Não. Você não me perseguiu. Você não forçou nada. Você jogou seu charme, eu achava que estava vendo coisas, afinal, você é uma mulher inteligente e culta, como iria se interessar por um traste burro feito eu? E o Mulder folgado ficava enchendo o meu saco me chamando de otário e viadinho...

BARBARA: - (RI ALTO) ... Vocês dois parecem moleques!

KRYCEK: - Eu vi que você estava a fim. Aí quando investi e tomei aquele tapa, fiquei achando que realmente eu vi coisas que não existiam. Mas o Mulder, como sempre, com a mania de cupido, ainda me xingou, disse que eu deveria chamar você pra sair, colocar as cartas na mesa. Naquela noite, na cafeteria, eu entendi o que você realmente buscava. O mesmo que eu ando querendo agora. Tentar e ver se as coisas funcionam. Cansei de aventura. Cansei de estar sozinho. Cansei de muita coisa.Eu gosto de você. Gosto muito. Admiro o jeito como faz as coisas, como fala, como age... Como é tão sensível e feminina, delicada e forte, como chora e como luta. Seu andar, seu olhar, seu toque mágico que me faz esquecer tudo lá fora. Você é linda, inteligente, divertida... E eu acho que estou me apaixonando.

BARBARA: - (SORRI) Isso é bom ou ruim?

KRYCEK: - Isso implica dor e medo. Dor em sentir, medo em perder. Não quero perder você. Nem posso pensar nisso. Passei o último mês refletindo sobre tudo o que aconteceu na minha vida, incluindo seu lugar nela.

BARBARA: -Alex já saiba, eu também odeio homem chiclete. Se quer se livrar rapidinho de mim, vire um stalker e me sufoque. Eu sumo da sua frente num raio e sem deixar pistas.

KRYCEK: -Bom saber, porque eu odeio mulher no meu pé. Ou confia ou não confia. E não precisa passar o dia inteiro ligando pra saber aonde ando, o que estou fazendo e pra dizer que me ama. Eu sei que me ama, sei que sabe o que eu faço e eu tenho uma vida além de você.

BARBARA: - Concordo. O mesmo vale pra você em relação a mim. Nunca, jamais, em hipótese alguma atrapalhe meu trabalho. Quando estou no computador estou ocupada com meus neurônios, não conversando em chat de paquera. Acho que estamos nos entendendo.

KRYCEK: - É, estamos. É bom deixar as coisas claras desde o início. Se queremos chegar a algum lugar com essa relação, honestidade é a chave.

Krycek beija o ombro dela.

KRYCEK: - Não faço ideia do que esperar de nós dois. Nem sei o que esperar de mim mesmo. A única dúvida que não tenho é em você. No fundo até que somos bem parecidos. Você também tem uma casca lá fora. Uma repórter atrevida, uma lutadora, durona, independente... E uma mulher romântica, chorona, frágil, sensível, que não se importa em se entregar, que deseja um homem que a proteja... Você não é feminista. Você é feminina. E eu gosto disso. Você é diferente das mulheres que eu já tive na vida.

Barbara senta-se na cama, levando o lençol sobre os seios, angustiada, brincando com as mãos.

BARBARA: - Preciso contar uma coisa. Honestidade, como combinamos. Eu... Eu não sou a dama que você pensa. Não é fácil contar para o namorado na primeira noite... Algo que ele vai se decepcionar, mas... Eu preciso contar, eu não tolero mentiras. Se vamos começar um relacionamento que seja baseado na verdade e na sinceridade.

Krycek senta-se na cama. Os dois se recostam na cabeceira.

KRYCEK: - Seu segredo é tão horrível assim? Matou alguém?

BARBARA: - Minha inocência, Alex. Apenas isso.

KRYCEK: - É o crime mais grave de todos,milaya moya...

BARBARA: -E o que é milaya moya?Soa bonito, mas pode ser um palavrão. Como "quimbar". Em alguns países de língua espanhola pode significar dançar mambo, mas em Cuba você vai levar tapa se quiser quimbar com um desconhecida. Você vai propor é sexo com ela!

KRYCEK: -(SORRI) Eu ensino uns palavrões russos bem escabrosos pra você usar e ninguém entender, masestou chamando você de meu doce: Milaya moya.

BARBARA: - ... E como se diz vadia em russo?

KRYCEK: -Você não me parece uma suka.

BARBARA: -Alex... Eu nasci em Havana, Cuba. E você sabe que Cuba é um país fechado que até hoje resiste, mesmo vocês russos já tendo provado que o comunismo não funciona. Eu sou a caçula de cinco filhos. Dois homens e três mulheres. Eu sou obstinada desde menina, meu pai sempre assistia noticiários e aquilo virou hábito pra mim. Com dez anos eu assistia telejornal me imaginando ali apresentando as notícias principais do dia. Meu presente de dez anos foi o curso de inglês, porque meus pais não aguentavam mais minha insistência. E um curso particular, em casa, às escondidas, porque ninguém podia saber.

Krycek sorri, fascinado.

BARBARA: - Meus pais lutaram muito pra dar uma boa vida aos filhos. Não éramos pobres, meu pai era funcionário público, minha mãe dona de casa. Passávamos sim, algum aperto, cinco filhos, imagine... Mas a vida seguia e até curso de bailarina eu fiz. Eu sou a ovelha negra. Eu sempre quis mais. E querer mais em Cuba... Não dá. Sair de Cuba, não dava. País fechado, você entende. Meus pais então pediram um visto pra visitar o México, eles tinham bons amigos lá. Férias, entende? E me levaram junto. Voltaram sem mim. Logicamente tiveram que fazer boletim de ocorrência, inventar que me perdi, para o regime comuna não vir pra cima deles, enquanto na verdade eles me deixaram no México com os amigos. Do México, com a ajuda desse casal de professores e por meios legais, eu entrei numa universidade americana. Todo esse rolo foi necessário, porque era a única maneira de estudar aqui. Cuba nunca me deixaria. Já o México não faz perguntas...

KRYCEK: - Eu imagino...

BARBARA: - Graças ao casal Ruiz, eu fiz o teste e consegui ser aceita como bolsista estrangeira na Universidade da Flórida, em Miami. Me deram visto de estudante. Foram quatro anos de vida dura, não me pergunte se tem diversão em Miami e numa universidade porque eu só devorava livros e quase morava nas bibliotecas. Por isso Byers e eu nos tornamos amigos. Ele também não estava numa universidade pra curtir e namorar. Ele estava lá pra ter outra faculdade e ampliar possibilidades, a gente se ajudava muito nos estudos, fazia trabalhos juntos e as atividades jornalísticas de campo. Nossa parceria funcionava muito bem, tínhamos os mesmos objetivos, mas eu era caloura e ele veterano, então Byers se formou bem antes de mim e acabei me isolando sem amigos... Sabe quando as bibliotecárias conhecem você pelo nome e até se acham íntimas para desabafar problemas pessoais pra você? Então. Eu era "rata" de biblioteca.

Krycek segura a mão dela na sua.

KRYCEK: - Já manifestava interesse por roedores.

BARBARA: -(RINDO) Então, era bem assim... Sério, consegui um estágio no jornal Florida Daily, da RBN. Eu competi com tanta gente que achei que não conseguiria, mas consegui. A recompensa pelos anos de dedicação nos estudos fizeram a diferença. Então veio o diploma. E o voltar pra Cuba. Acabou o visto. Acha que eu queria volta pra Cuba? Voltar pra quê? Pra escrever o que Fidel queria? Pra não ter liberdade de expressão? Cara, como eu chorei, você nem imagina.

KRYCEK: - Acredite, eu posso imaginar. Voltar ao pesadelo comunista. Que só é bom pra comunista que não vive no comunismo.

BARBARA: -Bem assim. Então Rockfell apareceu na Flórida. E eu fiz a maior merda da minha vida, Alex. Eu sei que fiz merda, mas eu não me arrependo. Ou fazia aquilo ou voltava pra Cuba. Eu... Eu perdi meu orgulho. Vesti a roupa mais sensual que podia comprar e fui pra tal festa que ele deu para os funcionários da RBN na Flórida. Eu tinha que chegar nele. Eu sabia que ele tinha fama de mulherengo. E eu consegui.

Krycek presta atenção nela, que está culpada e com vergonha. Aperta a mão dela na sua.

BARBARA: - "Oi, é uma honra conhecer o senhor, sou sua estagiária"... E por aí vai. Agi feito uma vagabunda querendo me dar bem. Em resumo, saí da festa com ele, dei minha virgindade pra ele no banco de uma limusine e chorei tudo o que podia pra conseguir um visto de permanência e poder ficar na América.

KRYCEK: - E conseguiu?

BARBARA: -Consegui isso e muito mais. Eu pensava ser esperta, mas era uma tonta. Rockfell me mandou pra Nova Iorque, comecei minha carreira em rede nacional, sendo a garota do tempo no jornal do horário nobre da TV, o que é uma plataforma que toda iniciante jornalista adoraria ter, pois significa que dali é só pra cima. Mas havia uma troca e, mesmo não querendo, eu estava agora nas mãos dele, morando de graça num apartamento com vista para o Central Park, sempre tendo que estar pronta pra quando ele quisesse, sorrindo e bonita pra transar e sair pras festas com ele. No início eu fazia por medo de perder o emprego, depois acabei me apaixonando. Ele me convenceu que todo aquele luxo era cuidado e amor. Até que descobri que ele tinha outras como eu, que "cuidava e amava".

Krycek olha triste pra ela.

BARBARA: - Eu aguentei algum tempo, ainda com medo de perder o emprego, mas agora fazia de tudo pra ele perder o interesse sem me culpar por isso. Eu pisava em ovos. Então ele cansou, e me mandou pra RBN em Washington e eu me mudei e me livrei do traste... Eu estudei tanto pra ascender e terminei abrindo as pernas pra conseguir um lugar ao sol. Suka, como diriam os russos. Talvez eu seja uma incompetente mesmo que só chegou no auge dando para o dono da emissora.

KRYCEK: - (SORRI) Esse é seu segredo sujo, Barbara Wallace?

BARBARA: -(CULPADA) ... Não acha sujo? Você parece não estar chocado.

KRYCEK: - E deveria? Eu não julgo você. Fez o que precisava pra sobreviver. Se não tivesse feito acabaria voltando pra uma vidinha de merda em Cuba. Eu sei bem o que é a vida num país comunista. Tem suas vantagens em alguns pontos, mas a liberdade... Nenhuma vantagem supera a liberdade.

Barbara se abraça nele, olhos em lágrimas. Ele envolve os braços nela.

KRYCEK: - Malyshka... (SORRI) Isso significa "baby"... Você nem imagina o quanto somos parecidos... A vida não é tão fácil como a gente sonha. O que fez não a torna uma vadia. E nem uma incompetente no que faz. Foi um meio pra um fim. Se você tivesse feito porque era uma incompetente na profissão, com certeza teria descido profissionalmente ou desistido e se contentado em viver como dondoca às custas dele... Pensa nisso.

BARBARA: - ...

KRYCEK: - No fundo você sabe que não é incompetente, ou não teria a popularidade que tem entre as pessoas, que até hoje perguntam pra você na rua o porquê você não mais apresenta o noticiário. Eu já vi acontecer quando estava do seu lado num café. Até autógrafo pediram. Tive vontade de dizer: eu sou o culpado disso. Seus fãs certamente me linchariam.

Barbara sorri entre lágrimas. Se aninha contra o corpo dele. Krycek faz carinhos nos cabelos dela.

KRYCEK: - Acha que um empresário como Rockfell ia colocar você em posições de destaque e importância em cadeia nacional se você não tivesse competência? Pra passar vergonha pública? Ele não poderia fazer isso, perderia audiência, dinheiro, credibilidade e acionistas. Você chegou aonde chegou por competência e merecimento próprio. Ele apenas abriu as portas, o que é algo bem difícil pra todo mundo, conseguir uma porta pra entrar e mostrar do que é capaz. Se a porta foi essa, paciência, a vida não é perfeita. E você perdeu tudo porque eu meti você nessa enrascada toda pra salvar o Mulder da cadeia.

BARBARA: - Essa enrascada toda mudou minha vida, Alex. Sinto falta daquilo que fazia, mas... Hoje não poderia continuar fazendo. Não depois de tudo o que eu vi. De tudo o que sei, de toda essa sujeira conspiratória. Prefiro mesmo escrever pra revistas. Pelo menos basta dizer meu nome que as portas se abrem. Menos as portas do que pertence a Rockfell. Meu Deus, como aquele maldito canalha permitiu que me usassem contra Mulder e você? Que me sequestrassem, sabendo que iam me matar? Depois de dividir uma cama comigo, ele entregou minha vida nas mãos do Strughold como se eu tivesse sido apenas um lixo pra ele? E ainda me jurava amor. O pior é que por um momento eu acreditei!

KRYCEK: - Esses caras mentem, Barbara. Se aproveitam da ingenuidade que você tem em atingir seus objetivos na vida para usarem você de acordo com seus propósitos. E quando somos jovens, não temos a malandragem que eles já têm da vida, portanto, nos enganam com facilidade. Mas pense assim:Você nos deu mais um cara do topo da conspiração. Mulder e eu vamos investigar isso a fundo. Vai ter sua justiça,Malyshka. E eu vou proteger você dessa gente. E desse cara.

BARBARA: - (SORRI) Está me dizendo que agora é o meu homem, Alex Krycek?

KRYCEK: - Eu sempre fui o seu homem, protegendo você, fazendo vigília do lado de fora do prédio... Sabe o que é passar a noite acordado e sentado dentro de um carro?

Barbara o abraça com mais força. Fecha os olhos.

BARBARA: - Agora pode fazer vigília deitado na minha cama confortavelmente. Me chama de Malyshka. Gosto disso. És hermoso, mi Ratoncito ruso, pasión de mi vida. Yomovería mundos por ti.

KRYCEK: -Está me xingando?

BARBARA: - Não. Mas acho melhor terminar o macarrão porque estou morrendo de fome! Eu adoro comer. Quando fazia reportagem na rua, nem imagina o quanto de lanche eu ganhava! E você abriu meu apetite, depois daquela bagunça que começou na cozinha...

Ela pula da cama arrastando os lençóis consigo. Krycek se levanta num sorriso.


10:12 P.M.

Krycek deitado de lado na cama, num sorriso, admirando Barbara em pé. Ela vestida apenas com a camiseta dele, colocando o gorro russo na cabeça.

BARBARA: - (SORRI) Como estou? Pareço uma soviética?

KRYCEK: - (SORRI) ... Você não é europeia. É latina. Cheira como latina, veste-se e caminha como latina...

BARBARA: - (INCRÉDULA) Isso é uma ofensa?

KRYCEK: - Se você considera ofensivo ser latina, porque eu acho as latinas excitantes. Sou fã da Penelope Cruz, da Salma Hayek e da Barbara Wallace. Essa então, me deixa louco.

BARBARA: - (SORRI) Barbara Arenas Ramirez. Esse é meu nome real. Eu tenho orgulho de ser latina, mas precisava ser "americana" na tela, entende? Americano quer ver americano.Então, grande homem europeu, o que você considera?

KRYCEK: - Que o futuro pertence a América inteira. O resto do mundo é velho demais para mudar o pensamento.

BARBARA: -(SORRI) Perguntei sobre as mulheres latinas.

KRYCEK: - Elas gostam de dar bofetes em europeus atrevidos.

BARBARA: - ... Gostei desse gorro.

KRYCEK: -Ushanka, é como se chama. Era do meu pai.

Barbara coloca o gorro no cabide. Morde os lábios.

BARBARA: - Ai! Desculpe! Isso é coisa sagrada...

Barbara pula na cama e se enfia embaixo dos lençóis.

KRYCEK: - Senhorita Wallace ou Ramirez, acho que é hora de dizer algumas verdades pra você, do tipo repense bem as escolhas que faz na vida. Se afaste da minha companhia enquanto é tempo. Eu não quero que se engane comigo.

BARBARA: - Vai precisar mais do que isso pra me fazer sair correndo daqui e pedir socorro. Conheço caras como você. Se escondem atrás da rudez, mas no fundo querem mais é desabar.

KRYCEK: - Eu não costumo chorar.

BARBARA: - Sei. Homem não chora. Bela filosofia! Deveria chorar algumas vezes, Alexander Krycek. Faz bem pros pulmões e não afeta a testosterona.

KRYCEK: - Eu não sou o mocinho do faroeste e nem o príncipe do cavalo branco. Tenho sangue nas minhas mãos e as costas carregadas de assassinatos, trapaças e chantagens... Eu indiretamente matei a irmã da Scully. Eu matei o pai do Mulder. Eu passei anos mentindo pro Mulder, chantageando o Skinner e todas as pessoas boas que você agora conhece. Eu entreguei Scully pra ser abduzida e torturada. E também poderia entregar você... Afinal, você desconhece o lado negro dessa história.

BARBARA: -(SENTA-SE NA CAMA/ OLHANDO PRA ELE) Talvez eu saiba mais do lado negro da história do que você pode imaginar.

KRYCEK: - Você ficou revirando minha vida e não sei como conseguiu acesso a coisas que ninguém sabia, além do Fumacento.

BARBARA: - Eu não pertenço a organização deles, se é o que está insinuando. Apenas tenho boas fontes espalhadas por aí.

KRYCEK: - Não estou insinuando. Você é curiosa demais e curiosidade não é pré-requisito da organização deles. Portanto você não teria chance com o Sindicato.

BARBARA: - ... Alex... Quem é você? De verdade.

Krycek se levanta. Barbara o acompanha com os olhos. Ele abre o armário, pega uma garrafa de vinho e duas taças.

BARBARA: - Desculpe. Não precisa falar nada.

Krycek abre o vinho.

KRYCEK: - E neste momento vem o Mulder profético na minha cabeça falando que um dia isso ia acontecer... Vou contar um segredo pra você, meu e do Mulder. Ninguém mais sabe. Mulder é meu psicólogo.

BARBARA: -(SORRI) Fala sério, Alex! Isso é mais uma piada entre vocês dois, "amorzinho"? Quer dizer, ele é seu amigo, então, não deixa de ser um psicólogo, ele escuta você e...

Krycek sorri e serve as taças.

KRYCEK: -É sério. E não foi por escolha, tipo, vou arrumar um psicólogo pra conversar. Jamais pensei nisso. Achava uma besteira. E Mulder seria o último a quem eu recorreria. Aliás, quem acreditaria nesse talento do Mulder?

BARBARA: - Isso é sério mesmo?

KRYCEK: -Mulder tem diploma em psicologia. Com o que aconteceu a Scully, ele resolveu fazer um pós-graduação às escondidas, sobre personalidades múltiplas, pra entender o que estava ou não acontecendo com ela. Então ele já tinha a Scully como paciente de personalidades múltiplas, mesmo ela nem sabendo disso! Você conhece a raposa, ela estuda o outro no silêncio e ainda arranca informações sem você desconfiar de nada. Então ficou faltando um paciente com qualquer outro problema que não tivesse relação com personalidades múltiplas.

BARBARA: - Tipo um estágio? Pobre do Mulder! Se ele estivesse no ramo, teria sido mais fácil, teria pacientes e relatórios prontos... Assim só acumulou mais coisa com o FBI.

KRYCEK: -Entende agora porque ele anda cansado? Ele precisava ter pacientes e preencher relatórios de campo porque esse diploma também vai servir como uma atualização pra clinicar. Caso o FBI o exonere, Mulder está tentando ter opções futuras além de alienígenas e paranormalidade. Eu disse que aqueles amigos birutas dele, tipo o Langly ou o Frohike, seriam ideais. Até o Skinner tem problemas sérios de humor inconstante. Mas os caras estavam brigados com ele por causa da nossa amizade. Se tem viadinhos nessa história não sou eu, eles estavam todos com ciúmes do Mulder comigo.

Barbara dá uma risada.Krycek entrega uma taça pra ela. Senta-se na poltrona em frente a cama.

KRYCEK: -Eu queria contar umas coisas pra ele, pedir desculpas, explicar... E acabei contando o que nem devia e acho que o Mulder saiu meio desatinado daqui naquela noite... Eu sei que ele não ia dizer, pra não me deixar pior, mas depois disso, certamente pensou que poderia me ajudar. Então alegou que ele não tinha tempo e ninguém disponível, fez aquela cara que ele faz quando quer alguma coisa e soltou aquele discurso que só a Scully tem paciência pra argumentar contra... Pensei, bom, quem sabe ele me ajuda mesmo com os meus monstros... A máxima do amigo é pra essas coisas, um ajuda o outro. Tudo bem, sessões gratuitas, mas o preço que paguei foi ter que passar mais tempo ainda com o Mulder e queimando o meu filme.

BARBARA: - (RINDO) E vocês conseguem ser sérios durante as sessões? Meu Deus, eu não imagino vocês dois como psicólogo e paciente! Isso deve ser hilário! Fala sério, Alex!

KRYCEK: -Eu achei que ficaria respondendo perguntas de questionário de faculdade, a gente ia tomar umas, contar piada e rir das desgraças, mas o infeliz leva a sério a coisa toda. Grava nossas sessões. Fica sentado na poltrona anotando, analisando o meu comportamento, se eu me mexo muito enquanto falo, se balanço a perna, se estou com o corpo voltado pra porta e essas coisas de psicólogo... Ele nem me chama de Rato! Me chama de Alex!

Barbara solta uma gargalhada. Krycek ri.

KRYCEK: - Acho que o Mulder é quem precisa de psicólogo, porque ele tem outro cara dentro dele escondido. Acredita que o palhaço desaparece e baixa o psicólogo nele? Mulder sério é algo que poucos veem. Ele tem jeito pra coisa. Ele gosta de escutar. Consegue tirar de você coisas que você teria vergonha de contar ao seu travesseiro.

BARBARA: - Juro que estou surpresa! E agora que sei disso, consegui encontrar justificativas para sua mudança de comportamento. Tipo aquele dia. Achei que mataria Strughold. Então Mulder convenceu você e eu não conseguia entender como ele havia feito aquilo. Agora muitas coisas me fazem sentido. Acho realmente que Mulder está ajudando muito, tanto como amigo, quanto psicólogo.

KRYCEK: - Ele faz a parte dele, eu que não faço a minha. Mas sim, ele me ajuda a ver as coisas por outra ótica, a desfocar a raiva e os pensamentos intrusivos... Graças a ele, eu me perdoei pela morte da Marita e do meu filho, coloquei um fim nisso e aceitei a perda. Mulder tem futuro como psicólogo se quiser... Barbara, só você e o Fumacento sabem partes do meu passado. Só existe uma pessoa nesse mundo que sabe tudo: Mulder. Como eu também sei tudo dele. Então, se alguém tem o direito de se meter na minha vida e dar conselhos, esse é o Mulder. O cara pelo qual não pensei duas vezes em me atirar na frente das balas e morrer por causa dele. Mulder me ajudou a ser uma pessoa melhor. Ou me ajudou a voltar a ser a pessoa que eu já fui. Quem pode entender isso? A minha relação com o Mulder? Só o Mulder e eu. Ninguém mais. Fomos vítimas, ele tem razão quando diz isso. Fomos vítimas desses caras. Porque se nos conhecêssemos em outras circunstâncias, nada dessas merdas teriam acontecido.

Krycek toma um gole de vinho. Barbara senta-se na cama de frente pra ele.

KRYCEK: - Admito, Malyshka. Eu choro também. Geralmente entre quatro paredes e sozinho. Depois engulo o choro, transformo em raiva e saio ferrando todo mundo. Hoje mudou, eu engulo o choro, transformo em raiva e saio ferrando quem me ferrou. Não mudou muito, não é mesmo? Por isso eu aviso você desde agora, eu não sou um príncipe perfeito dos seus romances. E nunca vou ser. Eu fui o vilão e continuo sendo o cara que pode apertar o gatilho porque não tem escrúpulos em fazer isso. A vida me ensinou a maldade. Se alguém tiver que ser o vilão nessa aliança, que seja eu. Não deixaria Mulder fazer besteira. Ele não precisa aprender a maldade. Cabe a quem a aprendeu evitar que outros a aprendam. Mesmo que tenha que agir com a maldade pra poupar o outro de ser mau. Aqui entra o meu papel nessa aliança contra esses caras do Sindicato, mesmo que Mulder não concorde. Se alguém tiver que ser morto pra defender os nossos, e isso for contra a lei, eu atiro. Se for dentro da lei, deixo pra eles.

BARBARA: - ...

KRYCEK: - Mulder não pode. Ele tem muito a perder. Skinner também não pode, arriscaria seu cargo. Os outros não sabem atirar. Então eu faço o serviço se precisar ser feito pra salvar um de nós. Temos mulheres a defender. Uma criança agora. Temos muito a perder. E mesmo que os outros não confiem totalmente em mim...

BARBARA: -(SORRI) Acho que depois que colocou sua vida em risco pra salvar o Mulder, você calou a boca de muita gente. E ainda ajudou Mulder a não ser chamado de trouxa que se deixa enganar. Essa sua atitude de proteção ao grupo, de sacrifício... Isso é muito nobre, sabia?

KRYCEK: - Não é nobre. É uma constatação que a vida ensina. Nobreza é outra coisa. Mulder é um cara nobre. Eu não tenho nobreza. E sei que vou ter que abrir meu passado pra você, mais cedo ou mais tarde. E não é coisa pouca como o seu segredinho que você acha sujo. E eu tenho vergonha de você. E medo de que você desista de mim quando souber pelos esgotos aonde andei.

Barbara se levanta e senta no colo dele. O envolve nos braços. Krycek a abraça, cabisbaixo, triste.

BARBARA: - Quando estiver pronto vai me contar. E eu não vou desistir de você. Pouco me importam os esgotos do passado, quando o futuro nos apresenta um jardim. Ele só depende do que plantaremos nele.

KRYCEK: - Como você me chamou mesmo? Em espanhol?

BARBARA: - (SORRI) Mi Ratoncito ruso... Meu ratinho russo... Belo, sério, cheio de segredos... Gostoso... Tudo o que essa jornalista adora!

Krycek começa a rir.

BARBARA: - Em alguns países latinos existe o Ratoncito Pérez. Ele leva os dentinhos das crianças, como a fada do dente.

KRYCEK: - (INCRÉDULO) Um rato? Uma fada não é mais atraente?

BARBARA: - Tem lógica essa coisa do rato. Ele é um roedor, mesmo que perca seus dentes eles nascem de novo. Mais lógico que uma fada, não acha? Então, deixe seus dentes nascerem de novo. Roa outras coisas. Coisas novas.

KRYCEK: - (SORRI) É, tem mais sentido que uma fada... Mas igual sempre o rato rouba alguma coisa, o rato nunca presta mesmo, impressionante!

Barbara ri alto.

KRYCEK: - Adoro sua risada espontânea... Eu já fui de sorrir mais.

BARBARA: - Eu só sei que a cada sorriso que eu consigo arrancar de você, eu me sinto mais feliz. Ver você feliz, me faz feliz.

KRYCEK: - Golpe baixo, Malyshka. (SORRI) Eu confesso... Eu tô apaixonado por você. Sinto uma dorzinha no meu peito que não é pós-traumática não. Aquela dor angustiante.

BARBARA: - Eu conheço essa dor...

Barbara toma o rosto dele nas mãos e o beija na boca.


1:11 A.M.

Barbara dormindo. Krycek levanta-se da cama. Pega o gorro do pai e o coloca na cabeça. Serve outra taça de vinho. Senta-se na poltrona, a observando dormir.

Corte.


1994

Hotel Majestic - Washington D.C. - 7:45 A.M.

Krycek termina de fazer o nó da gravata em frente ao espelho do banheiro. Não acerta. Suspira irritado.

KRYCEK: - (MURMURA)Pareço um idiota engomadinho com esse cabelo lambido...

O Canceroso fuma um cigarro perto da janela, segurando uma pasta. Krycek sai do banheiro.

KRYCEK: - Não consigo acertar isso, senhor.

O Canceroso se aproxima, larga a pasta na cama e começa a dar o nó na gravata de Krycek.

CANCEROSO: - Um dos meus colegas, chamado Strughold, vai entrar em contato com você.

KRYCEK: - Muda alguma coisa? Devo me reportar a ele?

CANCEROSO: - Sempre se reportará a mim, Alex Krycek. A mais ninguém. Qualquer ordem dada que não seja diretamente por mim, você virá até mim e me contará. Fui claro?

KRYCEK: - Sim, senhor.

O Canceroso se afasta. Observa Krycek.

CANCEROSO: - Parece um agente do FBI. Passou no teste. Fez o dever de casa?

KRYCEK: - Sim, sei tudo sobre os agentes Mulder e Scully e os Arquivos X.Estudei todas as apostilas do FBI e sei como um agente deve se portar.

CANCEROSO: -Há 24 anos um experimento secreto de anulação do sono foi feito com militares, e agora, uma das cobaias está buscando vingança e deixando uma trilha de pistas. Mulder vai farejar isso para nos expor. E como eu expliquei pra você, esse imbecil não sabe que seus atos podem comprometer a segurança nacional. Você vai dizer que abriu esse caso antes de Mulder. Nós já fizemos isso com o seu nome. Cabe a você agir como um agente que acredita no que Mulder acredita e defender seu direito de investigar isso com ele, afinal você abriu o caso. Você será um crédulo, ao contrário da ex parceira dele.

KRYCEK: - Sim, eu sei que separaram os dois e os tiraram dos Arquivos X. E devo atrapalhar a investigação?

CANCEROSO: -Não se preocupe com isso, pode investigar, precisa ser convincente, ajude Mulder, encare o papel de um agente de verdade. O resto nós cuidaremos. Eu quero que observe Mulder, nunca o perca de vista. Quero saber se ele ainda mantém contato com a agente Scully. Se trabalham juntos não oficialmente, entendeu? Se Scully ainda é um problema para nós.

Krycek coloca o crachá do FBI no paletó.

KRYCEK: - Sim, eu sei. Vou ficar de olho nele o tempo inteiro e fazer relatórios para o senhor.

CANCEROSO: - Elogie a fama dele com a humildade de um agente novato. O ego de Mulder gosta disso, vai perceber que ele é arrogante e sei que você não gosta de arrogantes, portanto, controle-se, finja-se de idiota o tempo todo, deixe ele, o idiota, achar que sabe tudo. Fale da má fama dele na academia, diga que não concorda, que você como outros também acreditam no que Mulder acredita. Conquiste. Seja mais esperto que a raposa. Ele precisa realmente acreditar que você é um agente e que é de confiança. Faça Mulder ser seu amigo. Seja um chiclete no encalço dele. Mas não se envolva com ele. Mulder é o tipo de pessoa que não se deve confiar. Ele parece legal, mas não é. Ele ferra com todos e tudo ao redor dele. Não esqueça nunca disso: Mulder vive sozinho porque ninguém confia nele. Vai arriscar?

KRYCEK: - Não vou esquecer disso, senhor. Mas se ele é tão esperto assim, não vai cair nessa.

CANCEROSO: - Se você for convincente, vai fazer ele cair. Mulder é o inimigo, fui claro?

KRYCEK: -Sim, senhor. Mas por que esse Mulder incomoda vocês? Só por que investiga extraterrestres? Vocês podem desmenti-lo, ele não é nada mais que um agente federal. Isso pra vocês é muito fácil.

CANCEROSO: - Como eu disse, não cabe a você fazer perguntas, mas cumprir suas ordens. Mulder está metendo o nariz aonde não deve.

KRYCEK: - Quer que eu elimine Mulder? Vou estar tão perto que posso fazer o serviço, como venho fazendo com outros nesses anos em que estou com vocês.

CANCEROSO: - Preste atenção: Nunca toque um dedo em Mulder.

Krycek observa o Canceroso com desconfiança.

CANCEROSO: - Se matar um, logo surgirão muitos. Antes o inimigo conhecido que o desconhecido, fui claro?

KRYCEK: - (SEM ENTENDER) Sim, senhor.

Krycek verifica o coldre. Estende a mão para o Canceroso.

KRYCEK: - Agente Krycek. Alex Krycek.

O Canceroso sorri, soprando a fumaça.

KRYCEK: - Vou ficar quanto tempo nesse papel?

CANCEROSO: -Depende. Se Mulder mostrar que não está com Scully, você vai ficar bastante tempo para ser parceiro dele. Caso contrário, se Scully for um problema ainda, teremos que pegá-la. E você nos ajudará nisso.

KRYCEK: - A parceira dele? Mas por que pegar Scully e não o Mulder?

CANCEROSO: -Se continuar a fazer perguntas, Alex Krycek... Vai terminar calado bem rapidinho. Eu já disse que não deve tocar em Mulder.

O Canceroso entrega uma chave com um bilhete.

CANCEROSO: - Seu falso apartamento. Pode precisar. Agora vá. E não nos desaponte.

Krycek pega a pasta sobre a cama e sai. O Canceroso puxa o celular do bolso.

CANCEROSO: - (AO CELULAR) Sou eu. Ele está indo agora para o FBI, mas faz perguntas demais. Apesar de não ter um nível de escolaridade decente, ele é muito mais esperto do que Pescow nos informou... Sim, se ele passar a ser um problema, sabemos como resolver.

Corta para o lado de fora do quarto. Krycek parado escutando tudo.


1995

West Tisbury - Martha's Vineyard - Massachusetts - Noite

Krycek sentado dentro do carro estacionado na rua. Observa a casa de Bill Mulder. O celular toca. Krycek atende.

KRYCEK: - (AO CELULAR) Sim, sou eu... Sim, Doutor, Mulder está se drogando com o LSD na água, fiz conforme vocês ordenaram... Sim, estou de olho... Eu não ia saber que Mulder não estava no apartamento e que Scully estaria lá! Eu atirei na silhueta que vi! .... Eu só quero entender porque o Homem do Cigarro não é o único a me dar ordens agora... Você quer que eu mate o Mulder, ele não quer, vocês podem decidir o que querem afinal de contas? ... Ok, eu calo a boca.

Krycek desliga.

KRYCEK: - Esses filhos da mãe estão me enganando. Tem mais coisas aí sobre o Mulder... Fingiram uma abdução da Scully... O que eles estão me escondendo? E escondendo do Pescow? Será que tem a ver com Tunguska? Com essas experiências com alienígenas? Então Pescow também está me escondendo alguma coisa. Merda, aonde fui me meter! Ah mas eles vão pagar caro se estiverem mentindo. Eu tô cansado de ser marionete deles! Eles vão ver só com quem estão lidando.

Mulder estaciona o carro. Krycek fica indignado.

KRYCEK: - Esse cara não desiste mesmo! Não morre nunca esse arrogante! Esse imbecil idiota não vê que deveria deixar isso de lado e seguir a vida dele? O cara tem tudo na vida e fica correndo atrás de verdades que o mundo nem tá interessado em saber. Causa perdida. Quem me dera eu tivesse tido a chance de estudar, de ser alguém na vida, fosse inteligente como ele e tivesse aquela ruiva linda do meu lado. Tem gente que não merece viver mesmo porque não sabe valorizar o que tem.

Mulder desce do carro. Bate à porta da casa do pai. Bill Mulder abre a porta. Mulder entra.

KRYCEK: - Ok, lamento. Você acaba de matar o linguarudo do seu pai. Eu nem faço ideia do que seja o assunto, mas... Eu vou ter tempo pra descobrir. Porque agora eu estou ficando curioso.

Krycek desce do carro, tira a arma da cintura. Entra sorrateiro pelo pátio, abrindo a janela do banheiro.

KRYCEK: - Lamento, senhor Mulder pai. Nem lhe conheço. Nada pessoal. É apenas o meu trabalho. Eles mandam, eu obedeço. Se você não morrer, quem vai morrer sou eu.


2003 - TEMPO ATUAL

Krycek, sentado na poltrona, sai de suas lembranças. Olha para suas mãos. Vozes ecoam em sua mente.

MULDER (OFF): - Quando a mente lhe pregar peças, Alex, e isso vai acontecer, desvie sua atenção para coisas positivas. Você não pode consertar o passado. Não pode mais viver lá. O passado é como uma caixa num arquivo morto. Todo o esforço emocional que você deposita nisso, nunca vai alterar o que já aconteceu. Então precisa direcionar esse esforço para o presente, o momento agora. Aquele cara lá não mais existe, está muito distante, anos se passaram e mesmo que você continuasse com o mesmo pensamento, o que é impossível pra qualquer pessoa, aquele cara está no passado, ele não está aqui no hoje. As atitudes foram dele. Você é responsável pelas atitudes de agora. Esse é o seu foco. Qual sua atitude agora?

KRYCEK (OFF): -Mudar. Eu quero ter o direito de escolher o meu próprio caminho, eu nunca tive escolhas, sempre escolheram por mim ou me colocavam contra a parede, sabe? E essas lembranças me perturbam. E me perturba voltar a ter pesadelos com coisas que pensei ter superado. Algumas vezes acordo no meio da noite aos gritos. Eu não entendo, já se passaram anos, não deveria mais ter pesadelos com aquele sargento desgraçado, mas...

MULDER (OFF): -Eu preciso ser honesto e dizer que traumas como esse que você passou, são dificilmente superados. Tudo o que pode fazer é usar artifícios, que vamos escolher juntos, para desviar seu pensamento dessa lembrança que machuca, porque esquecer você não vai esquecer. Então precisa estar preparado para enfrentar quando a lembrança vier à mente. Quer falar sobre isso?

KRYCEK (OFF): - Não. Hoje não. Eu nem sei como consegui contar isso pra você. Eu sinto vergonha, raiva, humilhação...

MULDER (OFF): -Homens são mais difíceis de conseguir colocar essas coisas pra fora, é normal, ok? E isso não faz você ser menos homem, não se esqueça disso. Acontece mais do que você imagina. Vamos então continuar falando do que você quer falar. Você já foi perdoado, precisa se perdoar. Apenas mais uma vítima, lembre-se disso. Existia outra alternativa ou foi questão de sobrevivência? Encaixe seu passado todo e veja aonde você foi levado, certamente não por escolha própria, mas por oportunidades que jogaram com uma boa conversa. Aqueles homens não eram as verdadeiras vítimas nessa história, eles sabiam o que estavam fazendo. Você e Mulder foram as vítimas. Colocados um contra o outro, num jogo sujo, do qual não mensuravam a extensão de todas as mentiras.

KRYCEK (OFF): - Eu sei. Mas depois eu descobri a verdade, joguei contra eles também e continuei assim mesmo o jogo deles contra você.

MULDER (OFF): - Contra mim, não. Contra o Mulder, eu não sou o Mulder agora. Estamos aqui fazendo outra coisa.

KRYCEK (OFF): - Ok, "Dr. Fox".

Krycek sai das lembranças. Olha para Barbara. Dá um sorriso triste e apaixonado. Barbara se vira, procurando o corpo dele. Então se ergue na cama. Apoia o cotovelo no colchão e a mão no rosto.

BARBARA: - Perdeu o sono, ratoncito? Um dólar por seus pensamentos. Um milhão para que nunca mais tire esse gorro da cabeça.

KRYCEK: - (SORRI) Já pensou em escrever livros que não romances?

BARBARA: - Por que a pergunta?

KRYCEK: - Meu pai escreveu muitos livros que foram proibidos e incinerados pelos comunistas. Eu tenho todos os rascunhos escritos à mão, pelo próprio punho dele.

Barbara senta na cama, empolgada, amarrando os cabelos.

BARBARA: -Jura? Você me daria isso? Caramba, Alex! Imagina publicar os escritos do seu pai nesses tempos? Fala sério?

KRYCEK: - Isso tem me perturbado. É como ter a voz dele trancada dentro de uma caixa e calá-la pela segunda vez.

BARBARA: - Mas eu preciso da sua ajuda. Eu não sei ler russo. Vamos fazer assim. Você pega uma garrafa de vodka, fica nu sentado no meu sofá usando apenas esse gorro na cabeça e... Não. Não vai dar certo. Só de imaginar já perdi a concentração.

Krycek começa a rir.

BARBARA: - Sério. Estou interessada nos livros. E logicamente também estou interessada em você pelado no meu sofá usando apenas um gorro russo, mas vamos aos negócios. Deixa eu me concentrar.

KRYCEK: - Ele tem poucos escritos em russo, apenas os poemas. Seus pensamentos ele escrevia em inglês para treinar o idioma e para que nenhum idiota russo entendesse o assunto anticomunista dele, caso descobrisse os manuscritos. Mas eu ajudo sim. Pelado ou vestido. Do jeito que você quiser.

Barbara abre um sorriso, caindo de costas na cama.

BARBARA: - Ah, meu Deus! Ele ainda topa minhas loucuras... Ah!!! Eu tô ficando mais apaixonada por esse homem!!!

KRYCEK: - ... Quando cheguei nos Estados Unidos, eu tinha apenas uma sacola de viagem. Não havia roupas nela, com exceção de uma velha blusa feminina, a favorita da minha mãe que ela mesma costurou e bordou, o gorro do meu pai e os manuscritos dele. Foi tudo o que eu trouxe da Rússia comigo.

Barbara deita-se de bruços na cama, apoiando os cotovelos no colchão e o rosto nas mãos, prestando atenção nele enquanto balança as pernas.

KRYCEK: - Nasci no inverno de 1962, na cidade de Moscou... Nasci nos tempos da corrida espacial e da Guerra Fria. No ano da Crise dos Mísseis de Cuba. Nasci cinco anos depois que a URSS colocou o primeiro satélite nos céus, o Sputnik-1. Nasci cinco anos antes do astronauta Vladimir Komarov, a bordo da Soyuz 1, ter sido deixado pra morrer sozinho no espaço, naquela sucata voadora que chamavam de foguete. Tudo o que sobrou dele, em nome da corrida espacial, foi um osso do calcanhar, uma massa de restos calcinados e uma gravação amaldiçoando os engenheiros pouco antes dele morrer queimado durante a reentrada... Nasci um ano depois de terem lançado o Vostok 1, com Yuri Gagarin ficando por cerca de 90 minutos em órbita da Terra. Tudo bem, o mundo esqueceu. Preferem lembrar da viagem americana à lua, em 1969, como se os americanos tivessem sido os precursores espaciais e não tivessem aprendido com os erros soviéticos.

BARBARA: - ...

KRYCEK: - Nasci nove anos depois da morte de Stalin. Um ano depois que Fidel derrubava a ditadura em Cuba e instalava o comunismo, a ameaça mundial daqueles tempos. O mundo tinha medo do fantasma do comunismo, catarse criada pelos americanos que não queriam perder o mundo para os soviéticos, que estavam tão bem aparelhados quanto eles. Período negro de golpes de ditaduras militares nos países da América Latina, golpes impostos e vigiados de longe por frotas de navios do Tio Sam. Melhor ter em seu quintal político e econômico um bando de militares manipulados controlando esses países do que comunistas armados pela mãe Rússia. Era a guerra fria, não declarada, e ambas as potências dormiam com o dedo no botão da bomba atômica e o mundo temia não acordar no outro dia. Seu conhecido Mr. Morley já era expert em conspiração, quando eu dei o meu primeiro choro.

BARBARA: - ...

KRYCEK: - Meu país sempre foi um mundo à parte e você é cubana, então sabe bem disso. Eu cresci no governo de Leonid Brejnev. O pior de todos. Ele era secretário-geral do partido comunista e presidente do país. Ao contrário do que pregam contra o comunismo, ele foi ótimo para nós em alguns momentos, menos em alguns governos como o de Brejnev. No governo dele a falta de liberdade política causou estagnação econômica, caiu a produção industrial, comercial e agrícola, cresceu o desemprego, faltava alimentos nas cidades e os serviços públicos ficaram uma droga. Some a isso o aumento do alcoolismo por causa da descrença da população e mais o crescimento da corrupção administrativa. Você sabe, corrupção existe também no comunismo. Onde há dinheiro e poder, há corruptos e corruptores.

Krycek ajeita o gorro russo na cabeça.

KRYCEK: - Minha mãe contava que quando eu nasci, eu parecia uma bola de neve de tão branco. Era branco, bochechas rosadas e gordinho. Meu pai trouxe um gorro de pompom branco e colocou na minha cabeça. Mama achou aquilo tão engraçado, dizendo que eu parecia uma bola de neve com um viburno na cabeça.

BARBARA: - (SORRI)O que é um viburno?

KRYCEK: - Um tipo de arbusto que dá flores. Existem vários tipos, alguns conhecem mais a rosa-de-gueldres ou bola de neve, que chamamos kalinka em russo. Uma bola de neve com uma bola-de-neve na cabeça. Pronto. Ganhei meu primeiro apelido.

BARBARA: - Kalinka... Gostei. Aposto que era um bebê fofinho, Kalinka.

KRYCEK: -Moskva ne srazou stroilas. Moscou não foi feita em um dia. Nem um homem é feito em alguns anos... A vida é uma bola de neve, malyshka. Você começa pequeno, cresce conforme rola pelo monte e finalmente ao chegar ao vale, você é uma bola de neve gigantesca que destrói o que há pela frente... Egoísta e traidor. Tantas vezes me chamaram de egoísta e traidor. Não. Eu apenas aprendi a sobreviver... Do jeito que dava...


Teatro de Moscou – 1968

[Som: Alexandrov Red Army Choir - Kalinka]

No palco bailarinos, coral e o cantor apresentando uma ópera, em um palco que simula um ambiente gelado, uma casinha ao fundo, árvores e arbustos de viburnos e framboesas silvestres, a neve falsa caindo.

Anna Krycek, a jovem e bela mulher judia-ucraniana, olhos e cabelos negros e longos, de lenço na cabeça, casaco pesado, alterna o olhar nervoso entre o palco e a saída do teatro.

CANTOR: - Pod sosnuyu, pod zelenoyu... Spat' polozhite vy menya... Aaaaaaaaaj!

(Embaixo do pinheiro, embaixo do pinheiro verde...Deite-me para dormir)


Anna amassa os dedos, um no outro. Olha para a porta.

CORAL: - Aj lyuli*, lyuli... Aj, lyuli, lyuli...

(*Lyuli =deusa da primavera, terra, amor e fertilidade)

CANTOR: - Spat' polozhite vy menya...

(Deite-me para dormir)

O pequeno Krycek, de seis anos de idade, assiste o espetáculo, sem desgrudar os olhos atentos e curiosos do palco. Então olha para Anna que está nervosa. Leva a mãozinha até a mão dela. Anna sorri para o filho. O pequeno lhe devolve um sorriso.

CANTOR: - Kalinka, kalinka, kalinka moya! V sadu yagoda malinka, malinka moya!

(Viburno, viburno, viburno meu!No jardim está a framboesa, a minha framboesa!)

CORAL: - Hej! Kalinka, kalinka, kalinka moya! V sadu yagoda malinka, malinka moya!

O pequeno Krycek olha para o palco, está fascinado. Os dançarinos de braços cruzados, dançam com passos russos. Os olhos dele brilham de felicidade.

KRYCEK CRIANÇA: - (COCHICHA PARA A MÃE) Mama, quando crescer eu quero ser artista!

Anna sorri, passando a mão na cabeça do filho. Andrevich, o homem russo de cavanhaque, que mantém a jaqueta fechada com as mãos, se aproxima pelo corredor do teatro. Entra na fileira atrás de Anna, atrapalhando os expectadores, passando entre eles até chegar nela. Cochicha algo no ouvido de Anna.

Anna fecha os olhos, tremendo. O pequeno Krycek olha pra ela e depois para Andrevich, que senta-se atrás de Anna, nervoso, fingindo prestar atenção no espetáculo. Anna suspira, olhando para o palco, segurando firme a mão do filho.

O pequeno Krycek torna a admirar o cantor. Sorri, empolgado. A mãe tensa, fecha os olhos. Andrevich olha pra porta. Olha pro palco. Abre o casaco e retira disfarçadamente alguns folhetos amarrados, deixando cairem ao chão. Empurra-os com o pé pra baixo da poltrona de Krycek. O homem ao lado dele está entretido e não percebe. O pequeno Krycek olha pra baixo, vendo os panfletos aparecendo atrás de seus pés com botinhas surradas e depois olha pra trás invocado. Andrevich pede silêncio levando o dedo sobre os lábios. Krycek cerra o cenho, sem entender aquilo e volta a admirar o espetáculo.

Corta para a porta do teatro. Agentes da KGB e soldados armados entram no teatro. As pessoas vão se virando, assustadas. Os artistas igualmente assustados, continuam o show, nervosos.

Os soldados param em frente ao palco, engatilhando as armas. O KGB #1 sobe ao palco. Grita algo em russo, com autoridade.

AGENTE DA KGB #1: - Niet paniki! Ishchu predatelya*!!!!!

(Sem pânico! Procuro um traidor*!!!)

O show para. As luzes se acendem. Os soldados e agentes começam a revistar as pessoas, aos puxões, empurrões e selvageria. O pequeno Krycek se agarra na mãe, assustado com aquilo. Os agentes da KGB chegam até as fileiras de Anna e Andrevich. Um deles percebe os panfletos aos pés do menino e acena ao KGB #1. Anna, ao perceber os panfletos no chão, entra em desespero e acena negativamente com a cabeça, puxando o filho contra o corpo dela.

ANNA: - (MEDO/AFLIÇÃO)Niet! Niet!My nichego etogo ne znayem!!! Klyanus', my etogo ne znayem! Moya syn yeshche rebenok*!!!

(Não! Não! Não sabemos nada disso. Eu juro que não sabemos disso! Meu filho ainda é uma criança*!!!)

Anna abraça e protege o filho. Krycek recosta o rosto contra o peito da mãe. Um agente da KGB pega os panfletos do chão e mostra ao KGB #1. Eles falam alguma coisa. O pequeno Krycek segura as lágrimas, assustado. O KGB #1 começa a inquirir Anna, aos gritos, e ela responde e nega com a cabeça, protegendo o pequeno Krycek entre seus braços. O KGB #1 puxa a pistola de dentro da jaqueta e coloca contra a cabeça do menino. Anna chorando e implorando inocência, fecha os olhos, apertando mais ainda o filho contra seu peito.

Krycek começa a chorar calado, abraçado na mãe. O KGB #1 engatilha a pistola. Depois vira a pistola para o homem sentado atrás de Krycek. O homem arregala os olhos. Andrevich e as pessoas na fileira, se afastam rapidamente. O homem acena negativamente com a cabeça, em desespero.

HOMEM: -(GRITA/ DESESPERADO) Niet, niet !!!!!! Ya ne predatel*!!!!!!!!

(Não, não!!!!!! Eu não sou traidor*)!!!!!

KRYCEK (OFF): - A KGB fazia o serviço sujo, malyshka. Não havia piedade alguma com dissidentes do partido comunista. Eram executados na hora, na frente de todos, para servirem de exemplo. A tirania não conhece limites. Andrevich empurrou com os pés sua culpa para uma criança inocente e sua mãe. Questão de sobrevivência?

O pequeno Krycek vira o rosto para trás. Anna toma o rosto do filho contra seu corpo, mas o menino consegue ver o tiro que atinge o centro da testa do homem atrás dele. Krycek arregala os olhos, em choque, olhando para o sangue que escorre da testa do homem, ainda com os olhos e boca abertos. Os agentes cospem no corpo que jaz sentado na cadeira. Krycek agarra o casaco da mãe, mãos trêmulas e cerra os olhos, recostando o rosto no peito dela.

Os soldados puxam violentamente o corpo do homem e saem o arrastando pelo corredor do teatro, deixando um rastro de sangue pelo caminho.

KRYCEK (OFF): -Foi meu primeiro contato com a morte. Agora eu sabia o que era uma arma e para o quê ela servia. Jamais esqueci aquela cena. Tive pesadelos por muitas noites seguidas, acordando assustado e lembrando da expressão apavorante daquele homem morto. Eu só tinha seis anos, o que poderia pensar?

Corte.


A neve cai sobre Moscou. Em meio a rua de pedras, recoberta de neve, Anna leva o pequeno Krycek pela mão.

Andrevich, atrás deles, caminha bebendo vodca. Param perto de um beco, de onde sai Mikhail Krycek, com o gorro russo, segurando panfletos na mão. Andrevich aproxima-se de Mikhail. Dá um beijo em seu rosto e os deixa. Anna acerta um tapa na cara de Mikhail.

ANNA: -(FURIOSA/ ASSUSTADA) Irresponsável! Louco! Poderiam ter nos matado! O seu filho e eu, seu cretino!!! O seu amigo bêbado escondeu os panfletos debaixo da cadeira do nosso filho!!!

KRYCEK (OFF): - Depois daquilo, meu pai deu uma surra em Andrevich e nunca mais olhou pra cara do amigo novamente... Bem, ele não era um amigo de verdade.

Anna sai puxando o pequeno Krycek, que tenta acompanha-la, com o rosto virado pra trás, observando o pai. Mikhail a segue, metendo as mãos nos bolsos do casaco, tremendo de frio. Anna para em frente ao velho prédio do cortiço, empurrando a porta e puxando o filho escada à cima. Sobe dois lances de escada e então abre a porta.

Corte.


O ambiente pobre. Uma peça grande, uma máquina de costura perto da janela. A mesa, um fogão à lenha aceso, esquentando o ambiente. Dois armários, alguns bancos. Anna acende as velas para iluminar o ambiente sem luz.

KRYCEK (OFF): - Nosso apartamento era uma cozinha com sala, um quarto e um banheiro. Eu dormia entre os meus pais. Tínhamos poucas coisas. Móveis quase nenhum.

ANNA: - Alex querido, tire seu casaco e vá para a cama. Preciso conversar com o papa.

O pequeno Krycek olha para o pai. Mikhail lhe sorri, afagando sua cabeça. Krycek tira o casaco, a mãe o pendura perto do fogão. O menino empurra a porta e olha para a cama de casal, único móvel do pequeno quarto, improvisada sobre tábuas. Mikhail pega uma das velas e vai até o quarto. O pequeno deita-se. O pai o cobre e o beija na testa, deixando a vela e fechando a porta. O pequeno Krycek fica escutando a discussão, de olhos fechados.

ANNA: - Aonde está com sua cabeça, Mikha? Na lua?

MIKHAIL: - Alguém precisa fazer isso, Anna!

ANNA: -E por que tem que ser o meu marido? Ahn? Não pode ser outro? Um inocente morreu por sua culpa!!!!!! Maldito seja você, Mikhail Krycek!

O pequeno Krycek senta-se na cama. Olha para o chão de tábuas velhas.

MIKHAIL: - Vários inocentes morrem todos os dias nesse maldito país, Anna! Não pode me culpar por tentar mudar a situação! Precisamos reagir! Estamos morrendo de fome, de frio, de desemprego! Nem luz o governo fornece mais! Olhe ao seu redor e me diga se isso aqui é lugar pra se viver? Ahn? (FURIOSO) Net!!! Eu tinha uma casa boa há anos atrás e o que aconteceu? O governo desapropriou minha família! Achou que era grande demais pra nós e nos tirou de lá! Acha justo isso? Que os filhos dos outros durmam numa casa confortável com calefação que herdei da minha família enquanto meu filho congela nesse cortiço? Eu não acho!!!

ANNA: - Fale baixo ou os vizinhos vão ouvir! Não quero minha casa sendo invadida por policiais e ver você morto nesse chão!

O pequeno Krycek abaixa-se. Leva a mão até uma das tábuas, a erguendo.

ANNA: - Você tinha um emprego como jornalista até se envolver com esses malucos! Agora você não tem nada, é apenas um doido que escreve coisas proibidas!

MIKHAIL: - Não somos malucos! Somos a resistência a Brejnev que mata esse país de fome, desemprego e decadência! Esse regime porco, que criticava os porcos czaristas e agora faz a mesma coisa com os filhos da Rússia! Eles nos roubam! Eu quero a liberdade, a democracia!!! Eu vou lutar até o fim por um país digno pro meu filho! Eu não quero Alexander passando por essa miséria e nem cerceado por essas malditas fronteiras fechadas, com uma mente manipulada aprendendo apenas o que o sistema quer, pensando igual as engrenagens enferrujadas deles! Meu filho tem direito de conhecer o mundo, de estudar numa universidade fora daqui! Dói no meu coração de pai, será que pode entender isso?

O pequeno Krycek retira do assoalho uma revista. Os olhos dele brilham, ao ver na capa da revista americana uma garrafa de Coca-Cola.

ANNA: - Não há liberdade! Deixe o país para os políticos! Meu Deus, por que não se contenta com o que existe? Por que simplesmente não pode ficar quieto, trabalhar, ser um marido comum como os outros, um pai dedicado a seu filho? Não, você e sua busca pelo impossível!

MIKHAIL: - Eu sou dedicado ao Alexander! Não venha me dizer que não me importo com o meu filho!

O pequeno Krycek fica observando a propaganda da Coca-Cola. Sorri.

ANNA: - Não, você não é! Você ensina inglês ao seu filho! Você coloca coisas na cabeça dele! Nós não temos mais comida! É isso que chama de dedicação ao Alex?

MIKHAIL: - Não pode me condenar por tentar mudar as coisas! Eu vou trazer comida! Eu nem sei aonde existe comida nesse país! Aquele desgraçado acabou com o povo!

ANNA: - Eu me mato o dia todo em cima daquela máquina de costura e mal consigo alguns rublos! Você não tem responsabilidades, Mikhail! Você só tem responsabilidades com esse maldito jornal de fundo de quintal que fala mal de Brejnev e do regime do país! Brejnev é um maldito desgraçado, mas e daí??? Temos um filho, ele tem necessidades a serem supridas!

O pequeno Krycek folheia a revista. Observa a foto das crianças correndo num jardim verde, os pais abraçados. A bela casa. Um carro. O sonho americano com o título 'America, Freedom'.

MIKHAIL: - Eu vou buscar comida!!!!

ANNA: - Vai roubar? É só o que falta para você se igualar a quem critica!

MIKHAIL: - Eu farei o que tiver de fazer pra matar a fome do meu filho! Quem pensará nele a não ser nós? O governo?

Mikhail sai batendo a porta do apartamento. O pequeno Krycek rapidamente guarda a revista, coloca a tábua no lugar e se deita, puxando o cobertor. Anna entra no quarto. O menino finge dormir. Ela senta-se na cama, leva a mão debaixo do cobertor até os pés do filho.

ANNA: - Você tá congelando, meu amor...

Ela senta-se no chão, esfregando os pés do menino, e assoprando para esquentá-los. Depois baixa a cabeça e chora. Krycek derruba lágrimas, bem quietinho.


7:31 A.M.

O pequeno Krycek sai do quarto, com cara de sono. Esfrega os olhos. Anna sentada à máquina, costurando. Levanta-se. Mikhail escrevendo na mesa. O garoto entra no banheiro. Abre a torneira. Coloca a mão na água gelada e retira rapidamente.

ANNA: - Filho, vai perder a escola. Apresse-se! Um dia você será um grande soldado, vai dar muito orgulho a nossa família.

MIKHAIL: - Só por cima do meu cadáver! Meu filho não vai vestir a roupa desses desgraçados! Ele vai ter a oportunidade de ser o que ele quiser.

O pequeno Krycek passa apenas a ponta dos dedos molhados nos olhos, tiritando de frio. Sai do banheiro. A mãe serve um chá preto e ralo. Ele pega o copo e bebe rapidamente. O pai abaixa a cabeça, angustiado. Anna olha para o filho, com vontade de chorar, mas o menino sorri. Veste as luvas, o gorro e o casaco. Dá um beijo na mãe, outro no pai, pega os cadernos e sai correndo, fechando a porta.

ANNA: - Acha justo que por sua causa tenhamos perdido tudo? O governo marcou sua cara, Mikha! E o pouco que aparece você usa para patrocinar panfletos arruaceiros? É isso o que quer para o seu filho? Eu não aguento mais dar apenas chá pra ele!!!

MIKHAIL: - Anna, entenda por favor! Nem que eu tivesse dinheiro eu conseguiria comida nessa cidade! Os mercados estão vazios, as fazendas coletivas cheias e o transporte do governo parado! O que eu faço, faço pelo meu filho, pelo futuro dele. Assim que Alex tiver idade, vou manda-lo pra fora desse país, pra América, nem que eu tenha que morrer pra isso! E vou continuar ensinando inglês pra ele sim, até ele falar sem nem restar sotaque russo! Não quero ver Alexander se acabando nesse lugar. Eu quero mais pra ele!

ANNA: - É? E vai vender o que agora? Minha máquina de costura? Futuro? Que futuro seu filho vai ter se morrer de fome no presente? Ahn?

KRYCEK (OFF): - Malyshka, você sabe o que é passar fome? Seu estômago começa a doer, você só pensa em comida, mas não tem comida e algumas vezes eu comia escondido alguns pedaços das folhas do meu caderno, porque assim o estômago parava de roncar e devorar a si mesmo. Meus pais me ensinaram a nunca roubar. No caminho da escola algumas vezes eu via um fruto numa árvore, mas não tinha coragem, não era meu. Os finais de semana eram piores, porque não tinha escola. Pelo menos na escola, eles serviam uns bolinhos horríveis, mas era algo no estômago. E geralmente a única refeição do dia. E como eu podia condenar meus pais? Eles faziam o que podiam. Meu pai fazia bicos consertando coisas e trocando por comida. Eu ia junto, aprendi a consertar muitas coisas com ele. Minha mãe naquela máquina de costura, costurando vestidos para mulheres de oficiais e bordando pra elas. Eu ajudava separando as linhas e arrumando novelos. E ficava quieto, pensando que na América as crianças tinham comida. Os pais tinham empregos. As famílias tinham conforto. As "maravilhas da América". Era o que eu via nas revistas que papa escondia no chão. Apenas ele e eu sabíamos da existência delas. Mama surtaria. Era segredo de meninos... Acho que amadureci cedo demais pra minha idade. A realidade faz isso...


7:38 A.M.

A caminho da escola, o pequeno Krycek passa pelos meninos na rua. Alguns cochicham rindo das roupas pobres dele.

KRYCEK (OFF): - Eu era um menino quieto. Talvez por não ter irmãos, eu só tinha a companhia dos livros que papa me ensinava a ler. Eu tinha medo de me comportar mal e a KGB fazer comigo o que fizeram com o sujeito no teatro, pelo menos era o que a professora dizia sobre o que acontecia com os meninos maus. Eu tinha medo das pessoas, todos me pareciam perigosos e delatores. Até as crianças da minha rua. Eu não era brigão, era tímido e calado. Não tinha amigos. E era discriminado, embora a situação econômica não fosse das melhores para ninguém na Era Brejnev, todos chamavam meu papa de vagabundo porque ele era um escritor e um pensador.

Os meninos provocam ele com xingamentos e pedras. O pequeno Krycek passa cabisbaixo, sem dizer nada.

KRYCEK (OFF): - Aquilo me dava ódio. Papa não era um vagabundo. Era um escritor e poeta, um pensador, um intelectual avançado demais para o seu tempo, que predizia que a URSS cairia algum dia e colocaria um cartaz da Coca-Cola em cada esquina. Eu tinha vontade de brigar e bater nos garotos da minha rua, mas sempre que pensava em fazer isso, ficava com medo de magoar mama. E da KGB me pegar e atirar na minha cabeça. A KGB era o monstro que assombrou minha infância. O meu bicho-papão. Pior que a Baba Yaga.

O pequeno Krycek deixa os cadernos caírem. Os meninos riem dele. Ele pega os cadernos e sai correndo, fugindo deles.


5:51 P.M.

[Som: Red Russian Army Choir - Ochi Chyornye]

Anna cozinha algo no fogão à lenha enquanto sova a massa do pão. Mikhail escreve alguma coisa num pedaço de papel. Então se levanta. Puxa Anna pela cintura, a levando para uma dança imaginária. Anna sorri.

KRYCEK (OFF): - Meus pais brigavam muito. Mas também se amavam muito. Papa gostava de dançar com mama pela casa. Principalmente depois de uma briga. Era o jeito dele pedir desculpas e o jeito dela em dizer que aceitava. "Ochi Chyornye"... Olhos negros. Meu papa cantava essa música por causa da cor dos olhos da mama. Ele dizia que aqueles olhos negros o faziam esquecer do mundo. E ela se rendia. Ele sabia como conquistá-la, afinal, poetas tem esse dom natural de conquistar as mulheres. Nada me dava mais paz que vê-los dançarem, ver o amor que tinham um pelo outro.

O pequeno Krycek entra em casa. Fica parado na porta, observando os pais dançarem. Mikhail e Anna trocam um beijo apaixonado. O filho abre um sorriso. Tira o casaco. Anna ao percebê-lo, solta o marido e disfarça voltando a amassar o pão. Mikhail sorri.

MIKHAIL: - Ei, Kalinka, vem aqui. Tenho algo pra você, meu filho.

O pequeno Krycek corre até o pai. Mikhail o faz sentar-se em sua perna. Retira um chocolate do bolso. O menino sorri, abrindo o chocolate rapidamente. O pequeno divide o chocolate em três partes. O pai não aceita. A mãe também não.

ANNA: - Seu pai e eu detestamos chocolate. Coma você, querido.

KRYCEK (OFF): - Não sei aonde ele conseguiu o tal chocolate. Mas se recusaram a comer. Eu ficava pensando em como alguém poderia não gostar de chocolate! Claro que gostavam, mas priorizavam o filho. Depois de adulto é que entendi isso.

MIKHAIL: - Um dia, meu filho, este país será como o ocidente. Haverá fartura. Não teremos mais medo de sair nas ruas, de defender nossa opinião. Alguém vai derrubar as fronteiras entre nossos estados, a estátua de Lênin da praça, tirar Brejnev do poder...

KRYCEK CRIANÇA: - Papa, que gosto tem a Coca-Cola?

MIKHAIL: - Não sei meu filho. Deve ser bem doce e certamente eu beberia muitas! Mas há muito mais na América do que Coca-Cola. Há liberdade. Freedom. Repete comigo. Freedom. Quanto mais treinar, menos sotaque terá.

KRYCEK CRIANÇA: - Freedom...

ANNA: -Mikha, pare de enfiar minhoca na cabeça do menino! Eu já tenho um aqui dentro para me preocupar se voltará vivo pra casa! Não preciso de dois!

O pequeno Krycek olha para o pai. Ele lhe sorri, afagando seus cabelos. Krycek olha para a mãe. Ela coloca o pão no forno.

KRYCEK (OFF): - Mama, Anna Larissa Yavanov Krycek. Filha de judeus russos ucranianos, que perderam tudo na Segunda Guerra. Conheceu papa quando ele foi fazer uma matéria sobre a vida na Ucrânia. Se apaixonaram e meu papa trouxe ela pra Moscou. Ela era uma mulher divertida, mas a situação a fez ficar séria e amargurada. Ela raras vezes dizia que amava meu papa, bancando a durona. Porém estava estampado em seu rosto. Quando ele chegava em casa, ela fingia não estar feliz. Mas estava, porque o esperava sempre com chá pronto. Sabia que ele adorava chá, como todo russo. Talvez não mais do que os olhos e os cabelos negros dela... O pão simples que mama fazia... Nunca mais comi um pão tão gostoso quanto o de mama. Tinha gosto de pão feito com carinho. Pão de mãe sempre tem gosto diferente, não é?

ANNA: - Alex, mama precisa que leve o vestido da senhora Pescow. Ela vai lhe dar cinquenta rublos. E apresse-se, preciso comprar velas antes que escureça.

O pequeno Krycek sai do colo do pai. O pai volta a escrever no pedaço de papel que não cabe mais nenhuma letra.

6:35 P.M.

Anna olha para o pequeno Krycek, seriamente.

ANNA: - Cinquenta rublos. Aqui só tem 45. O que fez com os outros cinco?

KRYCEK CRIANÇA: - Eu perdi, mama.

ANNA: - Filho, seja mais atento, por favor! Fique aqui, vou ver se consigo encontrar velas para comprar, já está escurecendo.

KRYCEK (OFF): - Nunca havia roubado antes. Nunca havia mentido para a minha mãe. Mas era por um bom motivo.

Anna veste o casaco e sai. O pequeno Krycek abre seu casaco e retira o bloco de rascunho que comprara escondido. Corre até o quarto.

Mikhail sentado na cama, com o gorro russo, brincando com os dedos na balalaica. O menino observa o pai. A agilidade de seus dedos no instrumento musical. Algumas vezes, ele para de tocar, levando o copo de vodca à boca, desanimado.

KRYCEK (OFF): - Papa, Mikhail Yuri Krycek. Filho único, entre duas irmãs, o caçula. O pai dele, Yuri Krycek, foi major do exército russo. Foi dado como desaparecido na Segunda Guerra. Papa sempre achou que seu pai havia fugido e deixado a família. Era o que todos pensavam, até minha avó. Hoje eu sei a verdade, porque Mulder a descobriu. Nossos avós se conheceram e pelo diário do avô do Mulder, meu avô morreu fuzilado numa cerca em Auschwitz, tentando voltar pra família. Ele havia sido pego pelos nazistas numa emboscada. Os alemães fuzilaram todo o pelotão de jovens soldados russos e o fizeram prisioneiro de guerra.

BARBARA (OFF): - Meu Deus, Alex!

KRYCEK (OFF): - Meu avô morreu sem nem mesmo saber que tinha deixado a esposa grávida. Papa nasceu sem conhecer seu papa e odiando ele. Talvez por isso o velho Micha prezasse tanto a palavra pai e odiasse tanto o exército vermelho do qual meu avô fez parte. Ele culpava o exército e a guerra por não ter um pai e tentava ser o melhor pai que podia. Mikha ou Micha, falava pouco dentro de casa. Era escritor. Escritores criam ao silêncio. Se alimentam do silêncio, preferem falar com o papel, sentem-se melhor com isso do que com as pessoas. Caneta e papel eram sua vida. Censurar papa era como prender um pássaro. Ele morreria.

O pequeno Krycek estende a mão segurando o bloco. Mikhail ao ver o bloco, olha pro filho, derrubando lágrimas.

KRYCEK CRIANÇA: -Pra você, papa. Agora pode escrever mais.

MIKHAIL: - Como comprou isso?

Mikhail abraça o filho. Põe as mãos nos ombros do garoto, olhando pra ele.

MIKHAIL: - Eu amo você, meu pequeno homem. Estou começando um novo livro de poesias. Uma delas é sobre você. Leia aqui. Esta é para sua mãe.

KRYCEK (OFF): - Ele escrevia poesias. Era a forma que tinha de reclamar contra o sistema, disfarçando sua revolta em metáforas. Já não vendia mais livros, ninguém tinha dinheiro pra comer, quanto mais para a cultura. O que aumentava a raiva dele. Papa também fazia bicos numa gráfica, e de noite, clandestinamente alguns amigos imprimiam enquanto ele escrevia manifestos contra o governo russo. Papa não tinha mais esperanças nele. Hoje eu entendo. Entendo que a única esperança que o velho Mikhail tinha era eu...



BLOCO 2:

[Som: Maurice Jarre - Somewhere My Love (Lara's Theme)]

O pequeno Krycek acorda-se com a música. Abre a porta do quarto lentamente, espiando pra sala. Mikhail dança com Anna. Os dois sorrindo. A neve cai lá fora, pelo vidro embaçado da janela.

MIKHAIL: - Como no romance de Pasternak, Yuri e Larissa juntos.Entretanto, aqui eles dançam e vivem seu amor.

Anna sorri apaixonada.

MIKHAIL: -Tenho pena desse povo que nunca lerá essa obra maravilhosa pelo governo considerar anticomunista.

ANNA: - Mikha, se Pasternak conseguiu mandar sua obra para ser publicada lá fora, você também conseguiu.

MIKHAIL: - Anna, eu não tenho certeza de muitas coisas. A única certeza que eu tenho, além do nosso amor, é que Deus me deu o dom da escrita. Eu sei que esse livro vai vender muito bem na França. E tenho certeza de que será publicado em outros países europeus, livres, já que os escritores russos não podem publicar na Rússia, porque pensar aqui é perigoso. Eu já sei o que fazer quando começar a receber o dinheiro.

ANNA: - E o que vai fazer?

MIKHAIL: - Vou juntar. Até ter o suficiente para levar minha família pra tirar férias em Paris. Vou dar entrada no pedido de saída, sabe que o governo leva tempo e nem sempre é aprovado na primeira. E quando estivermos fora daqui... Não voltaremos mais. E de Paris vamos pra América, construir uma vida nova.

ANNA: - (SORRI) Isso é sério, Mikha?

MIKHAIL: - Sim. Esse livro vai nos salvar, minha Anna. Chega dessa vida. Nós três merecemos mais. Nada nos prende aqui. Só precisamos esperar a impressão e as vendas. Eles me deram o prazo de um mês.

KRYCEK (OFF): -Papa enfim conseguira vender um romance para uma editora estrangeira em Paris... As coisas iriam melhorar. Finalmente sairíamos da Rússia. Eles não dançavam, flutuavam como dois amantes apaixonados. Eu nunca vou esquecer do olhar de mama. Ela olhava pra ele como se sua vida se resumisse nele. Talvez ela não soubesse que a vida de papa também se resumia nela: 'Anna dos cabelos escuros como as noites de Moscou, dos lábios de framboesa, do cheiro da neve fresca...' Seu poema foi parar em tantos cartões para namorados russos... E nunca ninguém lhe deu um centavo por isso. Nem atribuiu seu nome. Perseguição política.

O pequeno Krycek sorri. Fica observando os pais dançarem.

KRYCEK (OFF): -Foi a última vez que vi mama com o brilho da vida. Ela ficou doente de repente e tão rápido... Como era da natureza dela, sofria sozinha, sem dizer a ninguém que estava com leucemia... O médico depois disse que provavelmente ela adoeceu por anemia profunda. Não havia... (VOZ EMBARGADA) Não havia muito o que comer naquela época, o governo soviético dava tickets para serem trocados por alimento, mas a corrupção fazia faltar tudo. E ela, como toda mãe, preferia deixar o pouco que tinha para o filho...

Corte. (Permanece a música, ligando a cena seguinte.)


As mãos trêmulas e frágeis de Anna sobre a máquina de costura, ela mal consegue direcionar o tecido na agulha. O corpo dela cai por sobre a máquina. Mikhail entra em casa com o filho. Ao ver a esposa, corre até ela. O pequeno Krycek enche os olhos de lágrimas.

Corte. (Permanece a música, ligando a cena seguinte.)

Mikhail se ajoelha ao lado de Anna, o corpo dela ainda sobre a máquina de costura. Ele chora alto, gritando de dor.

MIKHAIL: -(AOS GRITOS/ CHORANDO EM DESESPERO) Ya lyublyu tyebya, Anna!!!!! Prosti menya!!! Ya lyublyu tyebya Annnnnnaaaaaaaa!!!!!!!!!!!

(Eu amo você Anna!!!! Perdoa!!!! Eu amo você Anna!!!!!)

O pequeno Krycek, com os olhos cheios de lágrimas, observa o pai chorando e a mãe morta.

Corte. (Permanece a música, ligando a cena seguinte.)


A neve caindo. Mikhail ajoelha-se, colocando a folha de papel com um poema sobre o túmulo com a inscrição: Anna Larissa Yavanov Krycek. Beija ternamente a pedra da humilde sepultura. Fica em pé, derrubando lágrimas. O pequeno Krycek dá a mão para o pai, o observando. Mikhail retira o gorro de pele da cabeça e o coloca na cabeça do filho. Pai e filho saem de mãos dadas pelo cemitério, cheio de árvores secas pelo frio intenso de Moscou.

KRYCEK (OFF): -(VOZ EMBARGADA/ CHORANDO) Foi quando eu entendi que nunca mais eu veria mama de novo... Nem brava, nem sorrindo, nem fazendo chá, nem pão, nem afagando e soprando os meus pés pra eu me esquentar e pegar no sono... Nem dançando com seus cabelos negros e longos como as noites de Moscou... Parecia um sonho, sabe? Que eu acordaria no outro dia e ela estaria no fogão preparando um chá ou na máquina costurando. Ou na balalaica me ensinando algumas notas... Mas os dias passavam vazios sem a presença dela e eu percebi que não era um sonho.

O pequeno Krycek olha para trás, para o túmulo da mãe. Olha para o pai que segura firme sua mão enquanto chora calado.

KRYCEK (OFF): - O cheiro da neve e o calor da mão de papa, me lembravam dela... As coisas não seriam iguais daquele dia em diante. Papa não aceitou a morte de mama. Sua revolta cresceu mais, ele amaldiçoava o sistema todo pelo fato de não conseguir sustentar sozinho a família, por mama ter ficado doente pela fome... Ele se culpava, chorava as noites todas. Nos anos seguintes, ele passou a me ensinar inglês com mais afinco. Falávamos mais em inglês que russo dentro de casa. Guardou a balalaica de mama como um troféu. Arrumou um violão e tocava músicas clássicas, me ensinando as notas. Eu cantava e ele tocava. Muitas vezes nada sóbrio. Papa dizia que iríamos embora da Rússia. Que ele daria um jeito. Que na América ele sobreviveria escrevendo sem censura e que eu poderia cantar. Que não perderia mais nada para o comunismo. Mas ele perdeu mama pra eles. E a sanidade. E começou a beber a cada dia mais... E o dinheiro do livro nunca chegou. Sim, ele foi publicado, foi pago, mas retido pelo governo soviético. Tínhamos que sair daquele país. Papa me fez jurar que se ele nunca conseguisse, eu iria conseguir ir pra América... E eu jurei. Por ele e minha mãe.


Moscou - 1972

Krycek com dez anos, sentado à mesa, estudando inglês. Mikhail de frente pra ele, bebendo vodca.

MIKHAIL: - Depois quero ouvir a pronúncia. Se ouvir sotaque russo, você vai fazer pão, e eu vou ficar rindo de você.

KRYCEK CRIANÇA: - Acho que você vai fazer o pão hoje, papa. E eu vou ficar rindo de você.

Mikhail revira os cabelos do filho, num sorriso orgulhoso. Depois fica sério e volta a beber, com o olhar parado e perdido no vazio, olhos acumulando lágrimas.

KRYCEK (OFF): - Quatro anos se passaram. Na época eu não podia entender porque papa não parecia mais ser o meu papa, alegre, vivo... Ele definhava cada dia mais, se entregando a bebida e criticando mais o sistema. Nunca o vi com outra mulher. Ele não conseguia mais escrever. Mama levou com ela a vida que ele tinha. Não via mais poesia nas coisas. Tentava me sorrir, pensava que me enganava. Eu podia ver a dor dentro dele. Dor que hoje, como homem, eu posso saber muito bem. A dor de amar demais uma mulher e depois perdê-la... Dor que não quero mais sentir.


3:21 P.M.

[Som: Kalinka (balalaica) – Stars of St. Petersburg]

Mikhail passa por entre as pessoas, discretamente retirando panfletos de dentro do casaco. Os entrega.

MIKHAIL: - Camarada, preste atenção nesse socialismo disfarçado. Somos escravos do sistema comunista. Estão nos matando de desemprego, de fome e de intolerância. Isso não é socializar nada, isso é exploração! A filosofia de Marx está sendo distorcida por esses ditadores!

O garoto Krycek entrega panfletos, mais adiante.

KRYCEK (OFF): - Ele ficou mais crítico, mais rancoroso, mais radical. As pessoas que liam seus poemas e críticas antigas não reconheciam mais o poeta Mikhail... Eu temia por ele, pois lembrava do medo da mama, da KGB disfarçada nas ruas, e mesmo não sabendo ainda bem das coisas, o medo que ela tinha era o meu medo. Na Rússia você não podia sequer pensar contra o comunismo. Me lembro de uma piada que papa contava: Na pauta da reunião do partido em um kolkhoz, que era uma fazenda coletiva, havia duas questões na ordem do dia: a) construção de um barracão. b) a construção do comunismo. Devido à 'falta de tábuas', decidiram passar direto para a segunda questão.


1:34 A.M.

O garoto Krycek quase dormindo. Mikhail sentado na cama, lendo a luz de velas "O Jogador, deFiódor Dostoiévski".

MIKHAIL: - (LENDO EM VOZ ALTA) Mas, também, quem é que aguenta olhar para os nossos russos? Eles ficam aqui sentadinhos, não se atrevem nem a espiar, e estão dispostos, talvez, a negar que são russos. Pelo menos em Paris, no meu hotel, começaram a me tratar com muito mais atenção depois que contei a todos a respeito da minha briga com o abade. Um nobre polonês gordo, o que se mostrava mais hostil comigo na table d'hôte, acabou ficando em segundo plano. Os franceses suportaram muito bem, mesmo quando contei que, há dois anos, conheci um homem em quem um soldado francês deu um tiro, em 1812, só para descarregar seu fuzil. Quando o caso ocorreu, esse homem era um menino de dez anos, e sua família não teve tempo de fugir de Moscou.

Mikhail fecha o livro e o coloca debaixo do travesseiro.

MIKHAIL: - Amanhã continuamos Dostoiévski.

KRYCEK CRIANÇA: - Adoro que leia pra mim, papa. Você explica o que não entendo.

Mikhail se deita ao lado do filho, olhos perdidos no nada, segurando lágrimas.

MIKHAIL: - Tenho orgulho de você, meu Kalinka. Você é um bom filho. Atura esse seu pai bêbado, indignado e com a alma vazia.

KRYCEK CRIANÇA: -Papa, eu amo você. E você é mais do que isso. Apenas está triste. Quando estamos tristes nossa alma fica vazia.

Barulhos na porta.

KRYCEK (OFF): - Eu nunca esqueci daquela noite, malyshka. Foi quando eu perdi tudo na vida. Algumas vezes, eu ainda tenho pesadelos e as imagens voltam nítidas na minha memória.

Três agentes da KGB arrebentam a porta. Mikhail pula da cama. Pega os panfletos e abre o assoalho. Os coloca sobre a revista americana. Coloca as tábuas no lugar rapidamente.

O garoto Krycek senta-se na cama, esfregando os olhos, assustado.

KRYCEK (OFF): - Os homens da KGB entraram no apartamento. Arrastaram papa. Ele gritava que não sabia de nada. Naquela época você não podia saber de nada. Me levaram pra sala junto com ele. Barbara, estou falando de 1972. Enquanto o mundo dançava discoteca, comia fast-food, frequentava cinema, andava em carros avançados e já se falava em computadores e música eletrônica, eu estava na Rússia vivendo uma realidade surreal, primitiva, intolerante. Imagine o mundo como uma tela de cinema a cores e nós ainda estávamos no cinema mudo.

Os agentes reviram a casa toda. Destroem tudo. Mikhail, mantém o filho atrás de si. O garoto Krycek, olhos assustados, segurando o choro, apavorado olhando para os sujeitos da KGB.

KRYCEK (OFF): - Reviraram tudo. Não encontraram os panfletos. Mas sabiam que papa era um dissidente. Um agitador. Alguém o entregou. Como mama sempre predisse. Aconteceria.

Mikhail grita algo em russo. Os agentes falam aos gritos. Mikhail leva a mão dentro do casaco.

AGENTE DA KGB #2: -(GRITA) Oruzhiye*!!!!!!!!! (Arma*)

O KGB #2 puxa a arma, assustado. Atira na cabeça de Mikhail, que cai morto ao chão, com a mão ainda dentro do casaco. O garoto Krycek arregala os olhos, prendendo a respiração. O KGB #3 se agacha, revistando o pai de Krycek. Leva a mão dentro do casaco dele. Retira um bloco rascunhado.

KRYCEK (OFF): - Não era uma arma. Papa não admitia violência, era um pacifista sonhador... O que ele tinha escondido no casaco, era apenas a maior riqueza que lhe restava: "Para Anna. Para Alex. Poemas com amor".

O KGB #2 mira a arma na cabeça do garoto Krycek. Ele fecha os olhos.

KRYCEK (OFF): - Fechei meus olhos. Pela segunda vez eu senti o cano de uma arma na minha cabeça. Eu tive medo. Agora eu não teria mama ou papa pra me defenderem. Com certeza eu ia morrer. O único pensamento que me ocorreu foi de que, pelo menos, nossa família ficaria junta novamente em outro plano. Apesar da perseguição, os russos sempre foram religiosos, mesmo às escondidas. Meu pai nem tanto, mas mama era católica ortodoxa. Eu conhecia algumas orações por conta dela. Mas naquele momento, eu não lembrava de nenhuma.

O KGB#3 grita algo em russo. O KGB#2 baixa a arma, olhando pro garoto.

AGENTE DA KGB #2: -Udachlivyy*! (Sortudo*).

Eles vão embora. O garoto Krycek parado, abre os olhos. Fica olhando para o pai morto. Olhos derrubando lágrimas, de quem não entende nada. Ele se agacha e se abraça no pai, chorando.

KRYCEK (OFF): - Daquele dia em diante... Eu não mais seria o menino calado e obediente. A bola de neve começava a tomar forma. Vim a descobrir que você deve ser por você, as pessoas não são confiáveis, elas delatam, elas traem, elas mentem. Eu também ia aprender a fazer isso. Eu ia sobreviver pelo meu papa, pela mama, pelo sacrifício que eles passaram pra criar o único filho e pela promessa que eu fiz ao meu pai de ir para a América. Escondi todos os escritos do meu papa debaixo do assoalho, junto com a blusa de mama. Não demorou para os vizinhos chegarem, chamarem a polícia e eles me levaram pra um orfanato.

KRYCEK: - (CHORANDO) Papa!!! Não me deixa sozinho, por favor!!! Papa!!!!

Os policiais levam Krycek pelos braços, que reluta, olhando pra trás, para o corpo do pai. Os vizinhos se afastam da porta. Os policiais tomam o corredor.

KRYCEK: - (CHORANDO) Eu quero meu papa!!!

POLICIAL #1: - Seu pai está morto. Como qualquer traidor do partido!

KRYCEK: - (CHORANDO) Eu quero a minha casa!!!

POLICIAL #1: - E agora? O que faremos com esse garoto?

POLICIAL #2: - Não tem família, nenhum vizinho o quer. Orfanato.

Krycek chora, desesperado, tentando segurar-se nas escadas. Eles o puxam à força.


8:32 P.M.

Sonja, uma mulher de seus 40 anos, abre a porta do dormitório. Krycek ao lado dela, segurando um cobertor e um travesseiro, todo tímido e assustado. Crianças correndo, alguns pulando sobre as camas.

SONJA: - Hei! Deem boas vindas ao Alexander!

Eles nem ligam, continuam a brincar.

KRYCEK (OFF): - Havia de tudo lá dentro. Abuso, violência física e psicológica, trabalhos forçados. Crianças que jamais conheceram os pais, outras abandonadas, outras órfãs. Poucas pessoas, como a Sonja, gostavam realmente de crianças e do que faziam. Outras estavam ali para terem um emprego ou descontarem sua raiva em quem não poderia reagir. Eu era bobo e inocente, uma criança criada com amor e acostumada com carinho. Acho que pode imaginar o pavor que eu senti quando me vi sozinho num lugar desconhecido, com gente ameaçadora e que não me dava um pingo sequer de atenção e amor. Mas ali eu conheceria Karel...

Karel, o garotinho magrelo e mirrado, louro de olhos azuis, sentado na cama, olha pra Krycek e acena pra ele. Krycek devolve o aceno.

SONJA: - Escolha uma cama vazia pra você. Karel, explique as regras para o Alexander.

Ela sai fechando a porta. Krycek se aproxima tímido. Karel aponta pra cama ao lado.

KAREL: - Essa está vazia. Pode ficar com ela.

KRYCEK: - Obrigado.

KAREL: - Eu sou Karel e você é o Alexander, né?

KRYCEK: - Sim.

Os dois se cumprimentam num aperto de mão.

KAREL: - Qual a sua idade?

KRYCEK: - Dez anos e você?

KAREL: - Dez também.

Anton, um dos meninos, se aproxima por trás de Krycek e dá um tapa na cabeça dele. Krycek olha magoado sem entender. Os outros começam a rir e debochar de Krycek. Karel cerra o punho e acerta um soco no garoto que cai no chão. Senta em cima dele e desfere socos. Os outros começam a estimular a briga. Krycek observa apavorado, recuando assustado até cair sentado na cama. Karel sai de cima do outro, deixando o menino com o rosto sujo de sangue. Cospe nele e aponta o dedo.

KAREL: - Não se meta com o meu amigo Alexander. Ou da próxima vai ser pior. E serve pra todo mundo aqui!!!

Eles se calam e ajudam o outro a levantar. Um dos meninos abre a porta do quarto e espia para o corredor. Então sinaliza para os outros, que levam Anton. Karel senta-se em sua cama.

KAREL: - Não se preocupe com o idiota do Anton, ele vai lavar o rosto. E não vai me delatar, porque se ele me delatar vai sofrer as mesmas punições por ter apanhado. Aqui você precisa bater antes de apanhar, entendeu?

Krycek afirma com a cabeça.

KAREL: - Sabe brigar? Bater, dar um soco?

Krycek nega com a cabeça.

KAREL: - Melhor ensinar você. Vai precisar disso. Sete horas toca o sino. Você tem que levantar e arrumar a sua cama, porque a Diaba Vermelha fiscaliza tudo!

KRYCEK: - (ASSUSTADO) Quem é a Diaba Vermelha?

KAREL: - Ela é a responsável pelo turno da manhã. Ela anda com uma vara enorme na mão. Se você não arrumar a cama direitinho, ela acerta a vara nas suas mãos. Se não estiver pronto para o café, se fizer qualquer merda, ela pune você com vara nas mãos, nas pernas ou onde pegar. Tem um garoto no outro dormitório que ficou cego de um olho.

Krycek arregala os olhos. Karel ergue a camisa e mostra uma cicatriz enorme na cintura.

KAREL: - Primeira vez que tentei fugir. Ela me acertou aqui quando eu estava em cima do muro. Ficou a marca até hoje! Doeu pra burro! Mas eu ainda vou fugir daqui. Quer ir comigo?

Krycek afirma com a cabeça.

KAREL: - Legal! Então, o que você fez para os seus pais se livrarem de você?

KRYCEK: - Meus pais morreram.

KAREL: - Os meus também, num acidente. Quer ser meu amigo?

KRYCEK: - Quero.

KAREL: - Depois do café da manhã tem a escola. Não é bem uma escola de verdade, eles ensinam mesmo é a gente a trabalhar e carregar lenha, tijolos, a plantar legumes e verduras porque algumas vezes a comida não chega. Dizem que o governo quer manter as aparências e manda tudo pra Cuba, enquanto a gente aqui passa fome, mas quem no mundo vai saber?

Sonja entra no quarto e apaga as luzes. Os meninos todos se deitam.

KAREL: - Hora de dormir. Amanhã a gente conversa. E se a porta abrir no meio da noite, se esconda debaixo da cama.

KRYCEK: - Por quê?

KAREL: - ... Só se esconda. Tem um monstro que pega as crianças aqui. Já aconteceu comigo. Só faça isso, tá bem?

Krycek afirma com a cabeça e se deita na cama. Olhos arregalados. Karel se deita na cama dele.

KRYCEK: - (NERVOSO) Como é o monstro?

KAREL: - Ele parece um homem, mas é um monstro. Vem no meio da noite e leva você pra uma sala e faz coisas terríveis com você, coisas que doem muito. Coisas que adultos não deviam fazer com crianças. E se você contar pra alguém, ele diz que vai matar você.

KRYCEK: - Que coisas?

KAREL: - Você é novato e bobo. Melhor não saber, só se esconde debaixo da cama se aquela porta abrir. Agora dorme.

Krycek olha para o ambiente escuro, amplo e assustador. Começa a chorar em silêncio.

KAREL: - Você tá com medo, né?

KRYCEK: - Tô. Eu quero o meu pai. Quero voltar pra minha casa...

KAREL: - Deita comigo. Não vai acontecer nada com você. Eu te protejo. Com o tempo vai passar. Eu sei, quando cheguei aqui eu chorava tanto! Agora não tem mais lágrimas. Elas secam como um rio, sabia? Se você chora muito, acaba todas as lágrimas. E eu acho que chorei muito mesmo!

Krycek sai da cama e deita-se ao lado de Karel. Os dois meninos ficam olhando para o teto.

KRYCEK: - Há quanto tempo você está aqui?

KAREL: - Há três anos. Dizem que esse lugar era maravilhoso, antes do governo tomar das freiras. Eu preferia as freiras. Dizem que no pátio lá atrás mataram todas as freiras por não serem comunistas. Os fantasmas delas rondam os prédios, sabia?

KRYCEK: - E são esses fantasmas que pegam as crianças de noite?

KAREL: - Não, porque as freiras são boas, elas não incomodam. É um monstro que pega as crianças. Ele se transforma em homem pra enganar os meninos.

Karel fecha os olhos. Krycek não consegue dormir. Derruba lágrimas, calado.

BARBARA (OFF): - Que monstro, Alex?

KRYCEK (OFF): - Lugares com crianças são um banquete para pedófilos. Com crianças que ninguém liga, pior ainda. Eu tinha 10 anos, mas era ingênuo, sexo não existia no meu mundo. E Karel percebeu minha inocência de novato, afinal, ele já estava há três anos lá dentro e já havia sido violentado. Por diversas vezes acordei assustado, com ele me empurrando da cama para o chão. Eu me arrastava pra baixo da cama, automaticamente, e continuava dormindo na minha ignorância infantil, achando que ele faria o mesmo. O guarda do bloco, um filho da puta desgraçado, entrava com uma lanterna e escolhia um menino pra se divertir. E o Karel era a vítima favorita dele, por ser o mais mirradinho, sem defesa contra um adulto, portanto, não adiantava se esconder. Karel me protegia, me atirando pro chão, e com a minha cama vazia, o desgraçado nem sabia da minha existência. Quando eu acordava, Karel estava chorando quietinho e encolhido na cama dele e eu nada perguntava. Sabia que o monstro o tinha pego, sem saber o que era o tal monstro e o que fazia. E tudo o que eu podia fazer era confortar meu amigo, fazer carinho nos cabelos dele e me abraçar nele, como a minha mãe fazia quando eu estava triste. E assim Karel conseguia parar de chorar e dormia.

BARBARA (OFF): -Alex, e-eu... Eu nem sei o que dizer...

KRYCEK (OFF): - Um dia, eu decidi que ia encarar o tal monstro. Ele estava fazendo mal para o meu amigo. Eu iria no lugar dele. E pela manhã, eu fui comentar isso com um dos garotos e ele começou a rir de mim. Disse que eu era um retardado, que monstros não existiam e que era apenas um homem fazendo sexo com os meninos. Eu, na minha ingenuidade, ainda perguntei o que era sexo. Aí o garoto me explicou o que o cara fazia, da forma mais direta possível. E aquilo me chocou e me assustou.


12:36 P.M.

O refeitório lotado de meninos de todas as idades. Os mais velhos importunam os mais novos, dando tapas na cabeça. A Diaba Vermelha, um mulher velha, gorda e sisuda, come uma maçã e aponta a vara pra eles, que se aquietam. Krycek e Karel, agora com 11 anos, sentados um ao lado do outro, se levantam e levam seus pratos vazios, colocando em cima do balcão, ao lado da mulher. Krycek, disfarçadamente, olhando para a mulher que presta atenção nos outros, coloca a faca no bolso das calças.

KRYCEK (OFF): - Na hora do almoço, roubei uma faca. Estava decidido a pôr um fim no sofrimento do meu amigo. Não era um monstro, monstros não existiam e agora eu sabia. Eu nada disse pra Karel. Crianças podem não entender muitas coisas, mas elas sabem o que faz ou não o outro sofrer. Eu não dormi por três noites, segurando a faca debaixo do cobertor. Na terceira noite vi a porta se abrindo e o cara entrar com a lanterna. Karel me empurrou da cama, o trauma dele era tão grande, que não tinha sono pesado, sempre alerta com o ruído da porta. Me enfiei embaixo da cama, mas estava bem acordado. Quando vi as botinas do guarda se aproximando da cama de Karel, eu peguei a faca e fiz um corte profundo na perna dele. Ele gritou tanto que acordou o orfanato todo. Pra meu azar, era a noite de folga da Sonja...


2:53 A.M.

No dormitório, a Diaba Vermelha desce a vara nas costas do menino Krycek, sem piedade. A camisa dele, de um tecido já puído, acaba por se rasgar. Krycek chora alto.

DIABA VERMELHA: - (AOS GRITOS) Você vai aprender a não atacar um funcionário, seu marginalzinho de merda! Seu ingrato bastardo! Devia estar morto na rua!!!

Os outros meninos assustados. Karel tenta defender o amigo, mas outra funcionária o segura.

KRYCEK (OFF): - Apanhei feito um cão. Pela primeira vez na minha vida, eu apanhava de um adulto. Eu via meu sangue voar, minhas costas ardiam e eu urrava de dor. Fiquei uma semana dormindo de bruços, todo dolorido, mas não me arrependi. Depois daquele susto, o guarda nunca mais entrou no nosso quarto. Mudou seus ataques para outro dormitório. E eu virei o camarada dos meninos que ali dormiam. Agora eles me respeitavam e me admiravam.

Krycek apanha até cair desmaiado no chão.

Moscou -1974

2:27 P.M.

Karel e Krycek, com 12 anos, correm pra trás do prédio. Karel tira uma gilete do bolso.

KAREL: - Juramento de sangue é coisa séria, Alex. Tá preparado?

KRYCEK: - Claro! Somos amigos irmãos. Pra sempre!

Karel sorri. Passa a gilete sobre a palma da mão, fazendo um corte.

KAREL: - Me dá sua mão.

Krycek estende a mão. Karel faz um corte na mão dele. Os dois colam as palmas das mãos cortadas.

KAREL: - Eu juro pelo meu sangue que serei seu amigo pra sempre. Vai, agora repete.

KRYCEK: - Eu juro pelo meu sangue que serei seu amigo pra sempre.

KAREL: - Eu vou fazer qualquer coisa, até enfrentar o diabo por você.

KRYCEK: - Eu vou fazer qualquer coisa, até enfrentar o diabo por você.

Os dois apertam as mãos. Beijam-se no rosto.

KRYCEK (OFF): -Karel e eu tínhamos uma coisa em comum: nós tivemos o amor de uma família. Por isso, aquela situação doía muito mais em nós dois e ao mesmo tempo, como conhecíamos esse amor, passamos a ser uma família de dois irmãos. Ele me ensinou a brigar e a me defender. Ele cuidava de mim e eu cuidava dele. Os garotos nos respeitavam. Por fim, muitos já acreditavam mesmo que éramos irmãos. Os irmãos K.O orfanato era um depósito de meninos, um lugar cruel e violento, onde a gente já sabia que assim que tivéssemos força nos braços e se até lá não fôssemos adotados, eles nos mandariam para um gulag, quebrar pedras ou algo assim.

Karel esconde a gilete entre os tijolos do prédio.

KRYCEK: - Agora vamos bolar um plano pra dar o fora daqui. Meu papa dizia que a América é o melhor lugar pra se viver. Não tem ninguém lá pra mandar e bater na gente.

KAREL: - Então vamos pra América!

KRYCEK: - É, mas não temos dinheiro. Vamos sair daqui e arrumar alguma coisa pra fazer, juntar dinheiro e depois vamos embora.

Os dois sentam-se pensativos, planejando alguma coisa.

KRYCEK: - Já sei como a gente vai ficar rico!

Karel presta atenção em Krycek explicando o plano.

KRYCEK (OFF): -Bolamos um plano e fugimos de lá, na calada da noite da primavera de 1974. Assim como papa... Eu era um pássaro. Muros não iriam me segurar. Um dia eu daria o fora daquele país. Nem que tivesse que vender minha alma ao diabo pra isso. Ficamos pelas ruas de Moscou, dormíamos nos esgotos, sempre nos escondendo da polícia. Desenvolvemos nossas próprias técnicas de anonimato. Se passasse um policial a gente ficava perto de algum adulto, geralmente senhoras que estavam na feira, nas calçadas, sentadas e conversando, assim eles pensariam que eram nossas mães. Nosso primeiro roubo foi algumas maçãs pra comer. Depois roubamos umas caixas velhas de madeira, eu sabia alguma coisa sobre construir coisas, meu papa fazia isso. Fiz duas caixas e montamos nosso próprio negócio: engraxar sapatos. Pensamos que ficaríamos ricos e poderíamos ir pra América. Levamos uma semana fazendo entregas na sapataria paraganhar o material pra engraxar. Mas não dava pra viver de engraxar sapatos. Então aquilo passou a ser um disfarce. Teríamos que roubar pra viver. E começamos a ficar bons nisso. Um distraía a atenção da vítima enquanto o outro a roubava. E fomos vivendo assim, aprendendo as duras leis das ruas, roubando e nos escondendo, cuidando um do outro, sonhando com a América. Éramos ladrões sim, mas nunca seguramos uma arma na mão. Matar alguém era inadmissível.


Moscou - 1976

6:56 P.M.

O jovem Krycek com 14 anos, sobe rapidamente as escadas do cortiço abandonado, carregando uma sacola de viagem. Entra num apartamento, fechando a porta. Empurra o armário velho, único móvel no ambiente, se enfiando por dentro do buraco na parede, saindo em outro cômodo com dois colchões no chão. Krycek senta-se no colchão. Abre a sacola de viagem e começa a tirar roupas masculinas.

Barulho.

Krycek se levanta. Puxa o canivete do bolso. Karel entra, com uma sacola, puxando o armário e fechando a entrada. Krycek guarda o canivete e senta-se no colchão, revirando a sacola.

KRYCEK: - Você me deu um susto!

KAREL: - (RINDO) Pensou que era a polícia?

KRYCEK: - Claro que pensei!

Karel senta-se ao lado dele. Tira alguns rublos do bolso.

KAREL: - Bati umas carteiras.O que é isso?

KRYCEK: - Roupas novas. Escolhe algumas pra você, não sei se vão servir, roubei a sacola de um idiota esperando carona.

Karel pega a camisa. Coloca na frente do corpo.

KAREL: - Gostei... O que acha?

KRYCEK: - Combina com você. Fica com ela. Você precisa andar mais arrumado do que eu pra atravessar a cidade sem chamar atenção.

KAREL: -Eu trouxe comida pra gente.

KRYCEK: - Droga, não tem uma bota, um sapato... Precisamos de calçados, Karel! Minhas botas estão furadas. Se eu ficar doente nesse inverno, aí ferra com tudo. Vão nos enfiar no orfanato de novo, com aquele pedófilo estuprador da madrugada e aquela velha caquética da vara. Até o exército nos pegar e jogar na Sibéria!

KAREL: - Encontrei Vanya na rua. Ela disse que tem um serviço pra você hoje.

KRYCEK: - É, mais assaltos aos clientes dela. Sabe como funciona. Enquanto o idiota trepa com ela, eu roubo a carteira dele.

KAREL: - Tem certeza que é só isso, Alex?

KRYCEK: - E o que mais seria, Karel?

Krycek olha rindo pra ele.

KRYCEK: - Você não tá achando que eu transo com os clientes dela, não é?

KAREL: - Espero que não. Realmente espero que não, você me deixaria desapontado.

KRYCEK: - Eu sei que precisamos sobreviver nesse país de merda até poder dar o fora daqui e ir para os Estados Unidos, mas eu não pretendo chegar a tanto pra sobreviver... Droga, nenhum rublo também!

KAREL: - ... Vamos jantar. Podia fazer o fogo pra gente?

Krycek despeja o resto da sacola no colchão. Apenas roupas. Frustrado se levanta e vai fazer a fogueira. Karel abre a sacola e tira duas latas de sardinhas e um pão.

KRYCEK: - Quer chá? Ainda tem.

KAREL: - Quero. Bem quente. Tá muito frio lá fora. E estamos com dois cobertores. E pouca lenha.

KRYCEK: - Eu trouxe mais lenha, deixei no banheiro pra secar. Carvão tá difícil de roubar.

Karel tira as botas e espirra. Krycek olha pra ele.

KRYCEK: - Irmão, você tá doente?

KAREL: - Não. Só não gosto de frio. Eu passo muito frio. Hoje não vou trabalhar, Alex. Vou ficar dormindo.

KRYCEK: - Sabe o que acho injusto? Você sabe os golpes que aplico, os roubos que as putas me pagam pra fazer, sabe tudo o que eu faço pra gente sobreviver. E eu nada sei o que você faz pelas ruas lá do outro lado da cidade.

KAREL: - Somos garotos de rua. Faço as mesmas coisas que você. Vou falar com um amigo pra conseguir umas botas pra você.

KRYCEK: - Esses seus amigos... Que tanto amigo você tem? Amigos tão legais que dão presentes?

KAREL: - Alex, acende logo esse fogo antes que eu congele.

Krycek acende o fogo e coloca um velho bule pra esquentar. Karel se deita no colchão, puxando um cobertor. Treme de frio.

KRYCEK: - Eu já fechei todos os buracos desse lugar, mas sempre tem um vento gelado que entra não sei por onde.

Krycek se levanta e pega o outro cobertor, colocando sobre o amigo. Senta-se aos pés dele e leva as mãos aos pés de Karel.

KRYCEK: - Está com as meias úmidas e furadas!

KAREL: - Só tenho um par.

KRYCEK: - Idiota, sou filho de costureira. Eu costuro pra você. Tem agulha e linha e se essa camisa ficar folgada, eu ajeito pra você, não vai ficar muito perfeita porque o conserto será feito a mão...

KAREL: - (SORRI) Gosto desse seu lado.

KRYCEK: - Que lado?

KAREL: - Esse seu lado afetuoso, caseiro, família... Aposto que se a gente tivesse dinheiro pra comprar uma casa, você cuidaria muito bem dela.

KRYCEK: - Vai se ferrar, Karel! Casa? Para de sonhar! Eu sou um ladrão de merda como você, não somos gente boa e nunca seremos. Se fôssemos gente boa, nunca teríamos perdido nossos pais e caído nessa vida desgraçada. Dizem que Deus castiga o que é ruim.

KAREL: - Alex, não somos ruins. Fazemos isso pra sobreviver! Não é castigo de Deus, a gente era criança, acha que Deus castiga crianças?

KRYCEK: - Começo a achar que os comunas têm razão, Deus não existe ou não deixaria esses merdas matarem o meu pai! Então cai na real, acha que temos algum futuro decente? Casa... Com sorte viveremos nessa pocilga até dar o fora desse país. Tire essas meias molhadas. Use as minhas. Eu tenho um par extra.

Krycek se levanta e revira uma prateleira, pegando um par de meias e jogando na cabeça de Karel, que sorri.

KRYCEK: - Veste isso.

KAREL: -Estou vestindo, seu mal humorado.

Krycek revira outra prateleira e acha um retrós de linha com uma agulha. Senta-se no colchão. Pega a meia de Karel. Enfia a linha na agulha, Karel o observa. Krycek começa a costurar.

KAREL: - Aprendeu com sua mãe?

KRYCEK: - Cansei de ver mama fazer isso. É mais fácil se tivesse uma laranja ou uma bola, aí você coloca dentro da meia e o ponto fica mais bonito. Mas é meia mesmo, ninguém vai enxergar.

KAREL: - Se eu pudesse estudar queria costurar roupas bonitas. Deixar as mulheres mais lindas.

KRYCEK: - Estilista. Esse é o nome. É, você desenha bem e adora desenhar roupas. Ia fazer sucesso.

KAREL: - (SORRI) Nem vou perguntar o que você faria se pudesse estudar.

KRYCEK: - (SORRI) É... Música e teatro. Que dúvida!

KAREL: - Alex, não perca seus sonhos. Você está ficando a cada dia mais sério e mais amargurado. Não somos nada sem nossos sonhos. Olhe pra isso aqui, pra esse buraco em que vivemos escondidos. Para as coisas que temos de fazer pra sobreviver. Sonhar, meu irmão, é tudo o que temos de verdade. Seria muito triste fechar os olhos e não sonhar. Quando vou dormir, eu fecho os olhos e imagino coisas legais do tipo, eu sou um costureiro famoso, estou viajando para Paris, tenho um desfile pra fazer, estou posando pra fotos com um terno da minha criação, no meio das minhas modelos lindas que estão usando as roupas que eu criei, enquanto bebo uma taça de champanhe francês. E fico imaginando meu sonho realizado até que acabo dormindo. Se eu não tiver mais isso, acho que não dormirei nunca mais. A realidade nos embrutece, amigo. Nós precisamos resistir.

KRYCEK: - Eu faço isso também, Karel, só que sou um cantor e ator famoso, cantando numa ópera, um cenário lindo, o teatro lotado, pessoas batendo palmas, querendo autógrafo, eu ganhando um enorme buquê de rosas, pegando cada uma delas e dando um beijo e devolvendo para as garotas na plateia... Ou estou fazendo um concerto, com meu belo fraque, criado pelo meu amigo e irmão, o famoso estilista Karel Krasnov, estou tocando piano ou violão... E logicamente as meninas suspirando.

Os dois riem.


8:21 P.M.

Karel deitado no colchão, dormindo com os dois cobertores. Krycek sentado no mesmo colchão, olhar perdido na fogueira, esfregando os braços com frio. Karel espirra. Krycek se vira. Percebe que ele está tremendo. Leva a mão na testa de Karel.

KRYCEK: - Você tá com febre, Karel.

Krycek pega um pano e molha numa panela velha cheia de água. Torce, dobra e coloca na testado amigo.

KAREL: - Obrigado por cuidar de mim, Alex.

KRYCEK: -Vou ferver mais água e fazer um chá de ervas pra você. Precisa suar bastante e vai acordar novo em folha.

Krycek pega o bule do chão. Se levanta. Tira um pedaço de tábua de cima de uma lata grande. Mergulha o bule e enche com água. Coloca na fogueira. Pega um pouco de ervas penduradas na parede.

KRYCEK: - Você sempre cuidou de mim quando eu era uma criança boba. E me livrou daquele monstro.

KAREL: - Não quero falar disso, Alex.

KRYCEK: - Não vamos falar, prometi pra você que nunca mais tocaríamos nesse assunto.

Krycek pega uma caixinha de madeira no meio das roupas. Olha pra baixo.

KRYCEK: - Você é muito bagunceiro, sabia? Eu tô cansado de dobrar suas roupas!

KAREL: - Não dobre. Você é muito organizado.

Krycek senta-se no colchão, coloca as ervas sobre a lenha e abre a caixinha, procurando alguma coisa.

KRYCEK: - Acho que tem uns comprimidos aqui...

KAREL: - (SORRI) Não vai me dar um laxante, aí sim a coisa vai ficar bem pior!

KRYCEK: - (RINDO) Eu não sou tão burro! Hum... Acho que isso serve. Aqui diz pra dor e febre. Droga, se tivesse algum lugar aberto eu poderia conseguir um limão e mel e...

Krycek pega as botas e as veste.

KAREL: - O que vai fazer? Já é noite!

KRYCEK: - Eu sei. Mas o que precisamos tem em qualquer bar. Fica aqui, eu já volto.

KAREL: - Alex, tá nevando! Não seja maluco...

KRYCEK: - Eu sou maluco.

Krycek veste um gorro e o casaco e sai.

Corte.


Karel ainda tremendo e de olhos fechados. Krycek sentado no colchão, segura uma caneca e um comprimido.

KRYCEK: - Karel, acorda. Senta aí e bebe isso.

Karel senta-se no colchão. Toma o comprimido e pega a xícara. Toma um gole e faz careta.

KAREL: - Você exagerou no limão.

KRYCEK: - Exagerei nada, toma esse chá e pare de resmungar feito criança. Foi um inferno fazer o turco me dar um limão e um pouco de mel. Prometi que arrumaria um rádio pra ele. Agora toma tudo isso e se esquente.

Krycek coloca mais lenha no fogo. Karel toma tudo, entrega a caneca e se deita novamente. Krycek tira as botas e se enfia debaixo dos cobertores, ao lado de Karel.

KRYCEK: - Precisa se esquentar e suar bastante.

KAREL: - Eu lembro do orfanato. Você tinha medo de dormir sozinho e fugia pra minha cama. Ficava mais quentinho.

KRYCEK: - Eu dormia entre os meus pais. Depois que mama morreu, eu continuei dormindo com o meu pai. Eu não gosto de dormir sozinho, nunca gostei. Tenho medo do escuro.

Karel sorri. Vira de costas pra ele e fecha os olhos.

KAREL: - Por que tem medo do escuro, Alex?

KRYCEK: - Eu não sei Karel. Só não gosto. É bom dormir com alguém. Calor é aconchego, é lembrança boa. E depois ficou pior ainda dormir naquele orfanato assustador.

KAREL: - Alex... Você acha que algum dia a gente vai mesmo sair dessa?

KRYCEK: - Eu quero acreditar, Karel.

KAREL: - Se a gente for embora de Moscou... Vamos trabalhar muito. Mesmo que a gente durma pouco. Diz que na América tem oportunidades. Vamos pegar todas. Quero ganhar bastante dinheiro pra gente alugar um apartamento.

KRYCEK: - Vamos ganhar bastante dólar. Depois a gente compra uma televisão pra cada um. Imagina que luxo?

KAREL: - (RINDO) Quero uma televisão bem grande e uma cama bem grande. Um monte de roupas pra escolher. A gente pode ir aos finais de semana nas discotecas.

KRYCEK: - (RINDO) Karel, se a gente pisar numa discoteca, os americanos vão aprender o que é dançar de verdade!

KAREL: - E você pode conseguir um emprego cantando e tocando. Pode virar um astro da música. Quero ser seu empresário.

KRYCEK: - Combinado. Vou ficar famoso e depois compro uma mansão pra nós. Vamos encher de garotas e fazer muitas festas. E vou pagar seus estudos e patrocinar sua grife.

KAREL: - ... Se a gente for pra América... Um dia você vai se casar com uma americana? Qual seu tipo de garota, Alex?

KRYCEK: - O tipo que goste de mim. Esse é o meu tipo. E o seu?

KAREL: - ... Ah, não penso sobre isso. Você já transou com uma garota?

KRYCEK: - Não, mas eu transaria com uma menina tão linda que sai daquela escola de bacanas todos os dias. Aquela de cabelos longos e escuros... Eu me imagino com ela.

KAREL: - Ah, eu sei! Você vive espiando aquela garota na hora da saída, feito um bobão!

Krycek puxa a orelha dele. Karel ri.

KRYCEK: - Ela é linda, mas o que vai querer comigo? E você? Já transou com uma garota?

KAREL: - Também não. Só penso que quando você encontrar alguma e se apaixonar por ela, vai me deixar pra trás.

KRYCEK: - Karel, eu nunca vou abandonar você. Fizemos um juramento de sangue. Eu nunca deixaria meu irmão nesse inferno.

KAREL: - ...

KRYCEK: - Fica tranquilo. Garotas não estão nos planos agora. Que garota iria olhar pra nós? Dois trastes esfarrapados? Garotas querem rapazes bonitos, arrumados, frequentando boas escolas. Não temos chances.

KAREL: - Mas um dia isso vai mudar.

KRYCEK: - Lamento, Karel, mas muita coisa não vai mudar tão cedo. Vamos ter empregos que os americanos não querem, até juntar dinheiro para os nossos sonhos. Pelo menos sabemos fazer muitas coisas, acho que posso trabalhar na construção civil... Você pode tentar trabalhar num restaurante. E aposte que vamos ser motivo de piada para os americanos. Então não espere muito da vida em matéria de mulher. Mulheres bonitas e inteligentes não olham pra ignorantes sem estudo e marginais. E russos. O mundo morre de medo da gente, os americanos mais ainda. Eles comem cereais e nós comemos criancinhas no café da manhã.

Karel começa a rir.

KRYCEK: - Agora chega de assunto e durma. Precisa descansar, camarada. Eu também não vou trabalhar hoje, vou ficar aqui cuidando de você. Família é pra isso.


Moscou - 1977

4:11 P.M.

O jovem Krycek, de 15 anos, com o gorro de pele de seu pai, parado na rua. O Policial #3 passa por ele.

POLICIAL #3: - Ei!

Krycek fecha os olhos. Medo.

POLICIAL #3: - Quer trabalhar ou não? Engraxe as minhas botas.

Ele começa a engraxar as botas do policial. Olhos voltados, disfarçadamente, para o outro lado da rua.

POLICIAL #3: - Tem família?

KRYCEK ADOLESCENTE: - Tenho, camarada. Moram na outra rua.

POLICIAL #3: - Tem família mesmo ou é um garoto de rua? Olha que mando você para um gulag. Vagabundagem é crime!

KRYCEK ADOLESCENTE: - Tenho família sim, camarada. Faço isso pra ajudar meu pai, ele trabalha duro numa fábrica. E eu como bom cidadão soviético, trabalho duro pela minha pátria. Viva o comunismo!

O Policial #3 sorri. Volta os olhos para o outro lado da rua. Krycek começa a suar frio, apressando o serviço. O Policial #3 volta os olhos para as pessoas. Krycek continua nervoso. Termina rapidamente o que fazia. O Policial #3 coloca a mão no bolso.

POLICIAL #3: - Um rublo. É o que vale!

Ele entrega a moeda e sai. Krycek levanta-se, olhando pra moeda, indignado. Coloca no bolso.

Gritaria.

COMERCIANTE: - (AOS GRITOS/ FURIOSO)Ublyudok! Poymat' vora!*

(Desgraçado! Peguem o ladrão!*)

Karel sai correndo do pequeno mercadinho, carregando sacolas. Krycek pega a caixa de engraxate e dispara atrás dele. O Policial #3 corre atrás dos dois. Eles entram num beco, agachando-se e passando por um buraco na cerca de tela, levando o roubo consigo. O Policial #3 pega Krycek pelas pernas, o puxando. Krycek grita. Karel estende a mão o puxando, sem sucesso.

POLICIAL #3: - (AOS GRITOS) Seus fedelhos vagabundos, vou mandar vocês pra um gulag*! Vão dar duro na enxada pra virar gente!

(*Gulag - campo de prisioneiros com trabalhos forçados).

Karel vê um tijolo. Pega o tijolo e atira por sobre a cerca, acertando a cabeça do policial, que solta Krycek. Krycek passa rapidamente pelo buraco da cerca e os dois correm.


4:44 P.M.

Krycek e Karel sobem rapidamente as escadas do cortiço abandonado. Entram no apartamento, fechando a porta. Empurram o armário velho, passam pelo buraco e puxam o armário de volta.

Os dois se atiram nos colchões aos risos altos e ofegantes.

KRYCEK ADOLESCENTE: - Você me salvou, Karel. Obrigado.

KAREL ADOLESCENTE: - Não me agradeça, Alex. Irmãos são pra isso.

Karel começa a tirar o furto das sacolas. É apenas comida. Ele entrega uma maçã pra Krycek e coloca outra na boca. Dá uma mordida.

KAREL ADOLESCENTE: -(BOCA CHEIA) Eu disse que conseguiria. E você duvidou!

KRYCEK ADOLESCENTE: - Eu sei que você disse. Mas por um instante pensei que ia sair na hora que o desgraçado do policial estava engraxando as botas! O cara me deu um rublo! Isso não compra nem uma bala! Filho da mãe, me fez gastar graxa e serviço! Bem feito que você acertou uma tijolada nele!

KAREL ADOLESCENTE: - Você se preocupa demais. Eu sou rápido e esperto. Você vigia. Eu cometo o crime. Se me pegarem, você fica vivo. Você vale mais do que eu, amigo, porque você é um artista. Tem um futuro pela frente.

Karel tira do bolso muitos rublos. Entrega alguns pra Krycek.

KRYCEK ADOLESCENTE: - (ASSUSTADO)Aonde conseguiu isso tudo? Do comerciante?

KAREL ADOLESCENTE: - Não, eu ganhei de um amigo noite passada.

KRYCEK ADOLESCENTE: - Que amigo?

KAREL ADOLESCENTE: - O que importa? Pega isso e compra um casaco. Estou cansado de ver você sempre com esse casaco remendado e velho, passando frio... Dê um tempo aqui e depois saia. Vou guardar esse dinheiro nas nossas economias pra América. Preciso esquentar uma água pra tomar banho, hoje vou trabalhar e só volto de manhã. Vou usar a lenha que você roubou.

Krycek começa a comer a maçã. Revira o roubo e pega um pão. Tira um pedaço e come junto com a maçã, faminto.

KRYCEK ADOLESCENTE: - (BOCA CHEIA) E eu vou comer, tô morto de fome! Tem dois dias que a gente não come nada!

KRYCEK (OFF): - Karel sempre aparecia com dinheiro, e agora chegava com mais grana. Eu não sabia de onde ele conseguia, que amigos eram esses, mas tinha minhas desconfianças... Depois eu volto a falar de Karel. Eu tinha algumas amigas também, mais velhas do que eu. Eu fazia favores pra elas em troca de dinheiro... Já tinha aprendido a ter falta de caráter pra viver...


10:37 P.M.

Katya e Yvana, as duas prostitutas fazendo ponto num beco, escondidas. Krycek adolescente se aproxima.

KATYA: - Ora, ora, se não é o nosso homenzinho...

KRYCEK ADOLESCENTE: - O que você quer, Katya?

KATYA: -Preciso de um favorzinho. (PISCA O OLHO) Está vendo aquele bacana descendo do carro?

KRYCEK ADOLESCENTE: - Sim.

Ela entrega um bilhete.

KRYCEK ADOLESCENTE: - O que vou ganhar com isso? Acha que vou ajudar de graça?

KATYA: -Depois te dou uma trepada por conta da casa.

KRYCEK ADOLESCENTE: - Não estou interessado. Quero dez rublos.

YVANA: -Que desaforo garoto! Isso é exploração!

KRYCEK ADOLESCENTE: - (SORRI) Dez rublos agora ou ele não vai receber esse bilhete.

Krycek ameaça engolir o bilhete. Katya ergue a sobrancelha, debochada.

KATYA: -Tá aprendendo, garoto. Yvana, nosso garotinho tá aprendendo como é a vida nas ruas...

Ela ergue a saia, tirando o dinheiro da meia sete oitavos. Entrega pra Krycek.

KRYCEK ADOLESCENTE: -(SORRI SACANA) Que pernas lindas!

KATYA: - Sai daqui seu pivete! Não são pro seu bico!

O jovem Krycek rindo, atravessa a rua, indo em direção ao carro.

KRYCEK (OFF): - Eu fazia o serviço de correio entre prostitutas e clientes. Entregava bilhetes, arrumava clientes, fugia com a carteira deles no meio da noite... Elas me tratavam bem, eu ganhava uma percentagem do roubo ou do programa conseguido. Algumas vezes me presenteavam com algum artigo de luxo que conseguiam com seus clientes: uísque americano, cocaína, maconha... E eu queria apenas provar a tal Coca-Cola... Chegava a sonhar com o gosto que aquilo podia ter, mas a Coca-Cola nunca vinha... Quando eu tinha fome, elas me davam o que comer, dividindo o pouco que tinham. Bom, como drogas entravam num país comunista? Eu sei que elas dormiam com o alto escalão russo. E com a KGB. Então havia hipocrisia mesmo no regime.

BARBARA (OFF): - Agora entendo porque você defende as prostitutas naquela delegacia...

KRYCEK (OFF): - Elas me ajudaram quando eu precisei. Nunca vou virar as costas pra nenhuma delas, seja em qualquer lugar do mundo. Elas são mais decentes que muita gente que eu conheci. Pelo menos nunca me negaram um pedaço de pão. Devo isso a elas.

O jovem Krycek entrega o bilhete pela janela do carro. O homem dá uma moeda pra ele.


12:23 A.M.

Um quarto de pensão. Cama arrumada, ambiente simples e decadente. Vanya, a prostituta, sai do banheiro, vestida apenas de calcinha, sutiã e cinta-liga. O jovem Krycek olha pra ela, então disfarça, ruborizado. Ela acende um cigarro. Espalha cocaína sobre a cômoda.

VANYA: - O que foi? Está vermelho em homenagem a pátria ou nunca viu uma mulher em trajes íntimos, camarada?

KRYCEK: - Por que me chamou? Temos trabalho? Vou trazer outro trouxa pra você enrolar enquanto roubo a carteira dele?

VANYA: - Você tá muito nervosinho hoje, garoto.

Vanya separa as fileiras de cocaína, enrola uma nota de rublo e aspira uma carreira.

VANYA: - Ah!!! Adoro minha clientela. Essa velharada não trepa bem, mas em compensação a droga é pura.

Vanya serve dois copos de vodca. Entrega um pra ele.

VANYA: - Você já é homem, camarada, ou é apenas um garotinho bobo que acha que o que tem entre as pernas serve apenas pra fazer xixi?

KRYCEK: - O que quer, Vanya? Saber se posso beber? Se posso cheirar sua cocaína? É, eu posso. Eu quero ficar doido hoje porque preciso muito sair da realidade!

Krycek puxa o cigarro da mão dela e traga. Dá uma tossida, mas continua tentando fumar.

VANYA: - Nossa! O que aconteceu com você? Virou um adolescente revoltado? Sabia que se ficar muito revoltado as espinhas vão começar a crescer e estragar essa carinha linda?

KRYCEK: - Ah, me deixa, Vanya! Eu sou um adolescente revoltado! E tenho meus motivos pra isso! Se pudesse matava um hoje, de tanta raiva dessa merda de vida!

Krycek entrega o cigarro pra Vanya.

VANYA: - Querido, eu também tenho meus motivos pra ser puta e nem por isso eu saio por aí descontando a minha vagina na cara dos outros! Se bem que eles adorariam!

Krycek começa a rir.

VANYA: - Ah, agora sim. Meu garoto voltou! Querido, infelizmente uns tem sorte na vida e outros... Precisa haver os que fodem e os que são fodidos. É a vida. Não é bom fazer parte dos fodidos, mas o que importa mesmo é viver. Do jeito que dá. Acha que tenho remorso de roubar esses cretinos? Eles não se importam comigo. Eles querem algo que eu tenho e eu quero o dinheiro deles pra sobreviver. Nenhum homem vai bater na minha porta e dizer: Ei, Vanya, quer casar comigo e sair dessa vida? Não, Alex. Quando querem casar, eles vão atrás das puritanas. Como ninguém vai dizer pra você: Ei, garoto, quer fazer parte da minha família, já que perdeu a sua? Não. Eles fazem seus próprios filhos, não precisam pegar os filhos das ruas. As pessoas não ligam, querido. Elas não se importam com o sofrimento das outras. Por que você vai se importar com o sofrimento delas? Elas sofrem em suas casas confortáveis com refeições na mesa. Pensam que sabem o que é sofrer!

Krycek bebe a vodca num gole só. Coloca o copo sobre a cômoda, pega a nota de rublo e aspira uma carreira de cocaína. Sacode a cabeça.

KRYCEK: - Preciso ir.

Vanya o puxa pelo braço. Empurra Krycek contra a parede. Os dois se olham. Vanya leva a mão dentro das calças de Krycek, o massageando. Ele fecha os olhos, nervoso.

VANYA: - Já sentiu isso? Hum? É gostoso, não é? Hum... Grandinho pra sua idade, não? (MORDE A ORELHA DE KRYCEK) Me diz que não gosta, moleque, e eu paro. Porque eu tô cansada de coisa velha. Hoje eu não quero trabalhar, quero me divertir. Também quero fugir da merda da realidade!

KRYCEK: - E-eu...

VANYA: - Você sabe que é uma gracinha, não sabe? Eu posso ensinar tudo o que precisa sobre mulheres. Em primeiro lugar, elas gostam de homens rudes e sérios.

Vanya empurra Krycek na cama. Fica sobre ele, descendo a mão pelo zíper das calças. Krycek tenta levantar, mas ela o empurra com força, metendo um tapa nele.

VANYA: - Selvagem, garoto. Seja selvagem! O amor é uma ilusão, ele não existe. O que existe é apenas interesse do homem e da mulher. Aprenda isso agora ou vai se machucar pensando em donzelas que nunca irá ter. É a regra da vida.

Vanya abre as calças dele. Krycek está nervoso.

VANYA: - Calminha, garoto, só relaxa e deixa o resto comigo. Não se preocupe, eu sei que vai gozar rapidinho, não vai conseguir segurar, mas depois disso você vai se sentir mais aliviado e vai se divertir mais ainda...Com o tempo você aprende a controlar o seu pau.

Ela leva a boca entre as pernas dele.Krycek fecha os olhos, angustiado.

KRYCEK (OFF): - Minha primeira vez foi com Vanya. Ela estava chapada e de porre completo e eu me senti muito mal. Ela tinha os cabelos mais louros que eu já vi e 35 anos de idade. Eu tinha 15. Me apaixonei... É tão fácil se apaixonar aos 15 anos... Ainda mais quando você recebe carinho, abraços e colo pra chorar. O que aprendi sobre sexo e relacionamentos amorosos, aprendi com uma prostituta, num quarto de pensão em Moscou. Quando ela não tinha clientes, nós transávamos. Algumas vezes ela atendia mulheres da elite. Elas pagavam melhor que os homens. Se a prostituição já era crime, o lesbianismo então era passível de linchamento... Outras vezes as madames me queriam no pacote, acho que me entende. Aí eu tirava um extra sem precisar roubar por uns dias. Até que Vanya foi para Leningrado com um primeiro oficial. E partiu meu coração...


1:51 A.M.

Krycek deitado na cama, entre os braços de Vanya, abraçado nela. Vanya faz carinhos nele. Ele recosta a cabeça no peito dela e fecha os olhos, se aninhando feito criança.

KRYCEK (OFF): - Eu lembrei de quando era criança, quando minha mãe me abraçava e acariciava meus cabelos, eu recostava minha cabeça nos peitos dela, sem maldade alguma, você entende? Eu não sei se um homem deve sentir isso, mas o que eu sentia era uma coisa de criança, um conforto, sabe? Paz, proteção, acolhimento, amor... Ela não era a minha mãe, nem estávamos ali pra brincar de família, mas como homem e mulher... Só que quando acabava, algumas vezes eu me pegava fazendo isso, só que era eu quem deveria fazer isso com ela. Mas era essa a sensação que eu tinha. A mente humana é confusa e complexa, não é?

BARBARA (OFF): - Isso se chama carência, Alex. É inconsciente e completamente admissível.

KRYCEK (OFF): - Mulder me disse a mesma coisa. É carência de amor materno. E eu me senti mais normal ao saber que outro homem também sente isso. Eu tive pouco tempo de amor materno, mas Mulder nunca teve. Acho que pra ele, isso deve ser bem pior. Algumas vezes ainda me pego fazendo isso com as mulheres... Eu fiz com você?

BARBARA (OFF): - Não, mas eu gostaria que fizesse. Também gosto de abraçar e acarinhar. Freud explica, Alex. Homens gostam de se sentirem meninos em braços de mulheres que gostam de jogar pra fora seu amor materno. Não se culpe por isso. É da natureza humana. Pior seria querer bancar o homem o tempo todo, como alguns fazem, sem se render às necessidades do menino.

VANYA: - É bom se sentir amado, não é, garoto? Ai como é bom sentir alguém do seu lado. Um carinho, um abraço...

KRYCEK: - O último abraço que eu tive foi do Karel, porque eu me sentei na calçada e comecei a chorar. Um mês atrás a gente foi dar uma espiada na casa que era do meu pai. Não o cortiço que a gente morava, a casa que era dele, da família, que meus antepassados ergueram com dificuldades. Malditos comunistas, desapropriaram tudo o que os Kryceks construíram! Tá cheio de gente morando lá, virou um cortiço. Eu tendo uma casa enorme e estou morando na rua. Dividir... Dividir o que é da gente, o que é do partido eles não dividem. Meu pai tinha razão!

VANYA: - Seu pai era um homem muito a frente de seu tempo... E Karel é um rapaz bonito. Seu amigo é gay, não é? Já vi como ele olha pra você. Acho que Karel está apaixonado.

KRYCEK: - Eu sei, mas finjo que não sei. Eu não entendo dessas coisas, mas acho que foi culpa dos abusos que ele sofreu nas mãos daquele guarda canalha do orfanato. Karel sempre me protegeu lá dentro, me jogava pra baixo da cama e o cara pegava ele. Nunca diga isso pra ele, Vanya. Não o magoe, eu só peço isso pra você. Eu devo minha vida e muito mais ao Karel. Não vou admitir que ninguém o machuque ou magoe. Ele é meu irmãozinho.

VANYA: - Não, eu nunca faria isso. Quem sou eu pra criticar seu amigo? Só estou comentando com você. Curiosidade de mulher, o bicho mais curioso do mundo!

KRYCEK: - Eu desconfio que ele seja gay, mas Karel nunca toca nesse assunto, nunca disse nada e eu muito menos. Somos amigos desde o orfanato, e se não fosse por ele, eu nunca teria fugido de lá e nem teria sobrevivido lá dentro. Eu tenho certeza de que os amigos que o ajudam com coisas e dinheiro são clientes de programas, por isso ele trabalha do outro lado da cidade, por vergonha de mim e longe de vocês que me contariam. Nós só contamos um com o outro. Não me importa se ele gosta de homens ou mulheres, se é ateu ou ortodoxo, capitalista ou comunista, não faz diferença alguma, ele é a minha família e eu o amo como se fosse meu irmão de sangue.

Vanya senta-se na cama e pega o maço de cigarros. Acende um e sopra a fumaça, fazendo círculos no ar.

VANYA: - Foi sua primeira vez. Espero que tenha gostado.

KRYCEK: - Gostei, mas não foi a minha primeira vez.

VANYA: - Deixa de ser mentiroso, moleque! Eu sou mulher da vida, você pode enganar as meninas da sua idade, não uma mulher com 35 anos! Você gozou rapidinho quando eu chupei você! Depois nem sabia como colocar o preservativo e nem mesmo enfiar o seu pau!

Krycek fica corado. Ela começa a rir.

VANYA: - Pare seu bobinho, ninguém nasce sabendo tudo! Eu fui bem legal com você, não fui?

KRYCEK: - Tá, você foi mesmo, foi a primeira vez que eu transei e eu estava bem nervoso.

VANYA: - Eu sei, eu senti, eu notei, eu ajudei. Pronto. Não é mais fácil dizer a verdade? Quer ouvir outra verdade?

KRYCEK: - Vanya, eu tenho medo das suas verdades... O que sei é que você não parece ter 35 anos. Eu pensei que tinha menos.

VANYA: - Ah, você é um cavalheiro. Mas continue mentindo que tenho 28 para os clientes.

Ele sorri. Ela pega a garrafa de vodca, tomando alguns goles.

VANYA: - Moleque você é quente. Acho que não sentia um homem tão empolgado desse jeito em cima de mim há anos. Tudo bem que você é um garoto, na potência máxima e não cansa, mesmo assim... E tira essa cor comunista das bochechas! Depois que pegar a prática da coisa, as garotas que transarem com você vão ficar bem animadinhas.

KRYCEK: - (SACANA) E você vai me ensinar?

Ela empurra a garrafa de vodca contra o peito dele. Krycek ri.

VANYA: - Você é abusado, sabia? Vai me pagar? Não pensa que vai me comer todo o dia de graça!

Krycek senta-se na cama. Toma um longo gole de vodca.

KRYCEK: - Se eu tivesse dinheiro, eu não pagaria você pra trepar comigo. Eu tiraria você dessa vida, me casaria com você, compraria uma casa bonita e lhe daria todas as coisas que você sempre quis.

Vanya enche os olhos de lágrimas. Silencia os lábios dele com as mãos, com unhas vermelhas longas.

VANYA: - Não sonha, meu menino. Não sonha. Sonhar dói. Eu tenho idade pra ser sua mãe, sou uma puta e você um moleque de rua. Nosso tempo nesse planeta é bem menor do que o tempo das pessoas "normais". Apenas sobreviva o máximo que puder. Faça o que tiver que fazer, mas sobreviva, porque a vida é linda. Os homens é que estragam tudo.

Ela o beija suavemente na boca, afagando o peito dele. Krycek olha apaixonado pra ela.

VANYA: - Quando estiver com vontade de aliviar ou querendo colo... Se nenhuma garota da sua idade tiver interesse em você, o que me faz pensar que essas meninas são umas idiotas... Eu estou aqui. Espero que um dia você encontre uma garota que faça você feliz, cure as suas feridas, lhe dê filhos e ame muito você.

KRYCEK: - Que garota, Vanya? Ahn? As meninas da minha idade estudam e tem família, querem garotos que possam dar uma vida pra elas, um casamento, casa... E as que não estudam estão na sua profissão querendo dinheiro. O que vão querer com um miserável como eu? Um burro sem estudo, sem emprego, um ladrão, viciado... E agora tô virando até gigolô!

VANYA: - Querido, não olhe para a realidade. Olhe para o seu coração. É nele que está a sua verdadeira identidade. Você não aprende a ser bom ou mau. Você nasce bom ou mau. A necessidade de sobreviver é que joga você entre as duas coisas. Um dia, quando você estiver mais velho, vai se lembrar das palavras dessa puta aqui e vai me dar razão.

Ela desenha um coração invisível sobre o peito dele com a ponta do dedo.

VANYA: - Eu vejo aí dentro, meu menino. Você jamais estaria nessa vida se tivesse opção. Você não foi feito para o submundo, meu amor. Gente ruim não têm reciprocidade pela dor alheia. Você tem. Me dá essa vodca. Vamos cheirar, beber e trepar muito pra sair um pouco dessa realidade de merda! Depois você pega aquele violão lá no canto, toca uma canção e canta pra mim com essa sua voz linda, porque a música alegra a alma e o coração, meu artista.


6:21 P.M.

Karel e Krycek sentados no colchão. Escutam rádio. Krycek conta dinheiro. Karel de rosto virado pra parede, sem falar com Krycek.

KRYCEK (OFF): -Karel... Uma noite eu segui Karel até o outro lado da cidade. Vi quando ele ficou parado numa esquina, na frente de um hotel barato e um velho nojento se aproximou e ficou de conversinha. Então os dois entraram no hotel, o cara metendo a mão na bunda dele. Aí eu tive a certeza do que Karel fazia pra conseguir dinheiro pra gente... Amigos... Ele não tinha amigos, tinha clientes. E eu acho que tudo por culpa dos abusos que ele sofreu dentro daquele maldito orfanato. Jamais deixei ele perceber que eu sabia, para não deixa-lo constrangido. Mas isso não me incomodava. Pouco me importava se Karel gostava de homens. Isso não tirava o caráter dele. Karel era meu amigo. Meu único amigo, a única pessoa em quem eu confiava, ele daria a vida por mim e com toda a certeza, eu daria a vida por ele. Éramos irmãos, não de sangue, mas irmãos de destino. Quando um caía, o outro segurava a barra. Nada iria nos separar. Nada... Eu pensava.

KRYCEK ADOLESCENTE: - Sua ideia de assaltar o judeu dono do mercado deu certo. Agora temos dinheiro pra dar o fora de Moscou, antes que a polícia nos pegue e nos mande pra alguma fazenda pra trabalhar duro. Não sou fazendeiro. Sou artista e você estilista.

KAREL ADOLESCENTE: - (EMBURRADO) ...

KRYCEK ADOLESCENTE: - Prefere ir pra Ucrânia, pra Saint Petersburg ou prefere ir para...

KAREL ADOLESCENTE: -Prefiro que você vá pra puta que o pariu, Alex! É isso o que eu prefiro!

Krycek olha incrédulo pra Karel. Então abaixa a cabeça e divide o dinheiro em duas partes. Entrega uma pra Karel.

KRYCEK ADOLESCENTE: - Não sei porque você está agindo comigo desse jeito. Toma sua parte.

KAREL ADOLESCENTE: - Porque eu sei que você anda transando com aquela prostituta! É por isso!

Karel levanta-se.

KRYCEK (OFF): - Na verdade eu sabia porque Karel estava furioso. Digamos que na cabeça dele, o fato de eu ser a única pessoa que se importava com ele, o fez... Se apaixonar por mim. Talvez Karel não dissesse isso porque sabia que eu não gostava de meninos, eu poderia ficar furioso e o deixaria sozinho. E ele não queria ficar sozinho. Nem eu. A gente morava juntos num cortiço abandonado. Ele fazia o que precisava pra sobreviver e eu também. E no final do dia, nos sentávamos, conversávamos e contávamos como havia sido o dia de cada um. Algumas vezes eu saía à noite e ele também, eu pra roubar pras prostitutas e ele... Pra se prostituir.

Krycek abre a caixa de engraxate.

KRYCEK ADOLESCENTE: - E qual o problema? Eu devia ter transado com alguma garota de melhor classe? Acorda, Karel! Somos dois ladrões, vagabundos, o que podemos esperar da vida? Garotas de tranças do colegial? Netas de algum líder político? As filhas de algum oficial do partido comunista?

Krycek retira da caixa uma arma. Karel olha assustado pra ele.

KAREL ADOLESCENTE: - Aonde conseguiu isso?

KRYCEK ADOLESCENTE: - Roubei de um dos clientes de Vanya. Agora temos proteção.

KAREL ADOLESCENTE: -(NERVOSO) Joga isso fora, por favor! Alex, roubamos pra viver, não quero ver você matando gente! Aquela mulher encheu sua cabeça de coisas erradas! Você está agindo feito uma pessoa sem fé e amargurada! Você bebe, cheira, fica dopado e sabe lá o que pode fazer se estiver maluco com essa coisa na mão!

KRYCEK ADOLESCENTE: -E você não bebe e não cheira? Não me enrola, Karel! Fé? Você acha que posso esperar algo da vida? Você espera? Somos garotos de rua, Karel! Fomos criados pela rua, acha que na rua se aprende outra coisa a não ser sobreviver? Acredita que vai sair dessa? Acha que eu não queria estar na escola? Que eu não queria ter um carro? Uma casa linda, cheia de confortos? Eu já disse a você que um dia eu saio desse país. Eu vou viver na América. Beber Coca-Cola. Ter minha casa, minha independência. Eu vou pra Nova Iorque. Sabe o que é Nova Iorque?

KAREL ADOLESCENTE: - Você fala, mas no fundo perdeu seus sonhos, Alex. Não devia perdê-los. Eles podem se realizar. Você está se transformando num monstro hipócrita, mentiroso, de duas caras, que só pensa em si mesmo! Esse não é você! Não é mesmo! Nem sorrir você consegue sorrir mais!

KRYCEK ADOLESCENTE: - Eu não perdi meus sonhos! Eu vou ser cantor, você vai me ver um dia no teatro de Moscou, com a plateia lotada! Eu serei um grande homem, você vai ver!!!!


2003 - TEMPO ATUAL

Krycek sentado na poltrona, olhos parados num ponto de fuga.

KRYCEK: -Karel tinha razão, eu estava virando outra pessoa. Olha o grande artista, o grande homem aqui à sua frente, Barbara. O grande artista da mentira, da conspiração... Eu consegui a minha fama. Como o canalha bastardo que todo mundo conhece e aponta o dedo acusador. E nem posso condenar as pessoas por fazerem isso. Eu não mereço e nem quero a piedade de ninguém. Eu juro pra você que algumas vezes fico amaldiçoando aquele agente da KGB, não por ter matado o meu pai, mas por não ter apertado o gatilho contra a minha cabeça. Teria sido melhor morrer uma criança inocente que viver pra ser um homem torturado pelo passado.

Barbara levanta-se da cama, angustiada.Vai pra cozinha.

BARBARA: - Vou pegar uma cerveja, Alex. Preciso de uma... Quer?

KRYCEK: - Não. Mas aceito uma vodca. Preciso de algo mais forte.

BARBARA: - As pessoas julgam você sem ao menos perguntar o porquê das suas atitudes. Acho que isso nunca vai mudar, sabe? Hermoso, você ficou viciado em drogas?

KRYCEK: - Por um tempo. Depois passei por uma desintoxicação forçada e as coisas mudaram.

BARBARA: - Seu irmãoKarel parecia prever o que aconteceria com você quando pegou aquela arma.

KRYCEK: - Uma arma dá coragem, sabia? Quando você tem ela na mão, você acha que pode tudo. É um pensamento automático, instintivo. Você tem o poder nas mãos. Da vida e da morte. E perde o medo. E eu perdi.

Barbara volta com a cerveja e um copo de vodca que entrega pra ele. Senta-se na cama.

BARBARA: - De um garoto doce, sonhador e quieto... Meu Deus, Alex! E não o culpo por isso.

KRYCEK: - (VOZ EMBARGADA)Eu me culpo. Tomei decisões erradas.

BARBARA: - Alex, por favor! Que decisões erradas? Fala da arma? Você podia matar com as mãos se quisesse, tamanho o ódio em você e a necessidade de sobreviver nesse caos! Você não escolheu essa vida! Você foi atirado nela!

Krycek abaixa a cabeça e respira fundo, segurando o choro, com raiva.

BARBARA: -Hermoso, a família, por pior que seja, é o suporte pra tudo na vida. E tiraram a sua. Sua vida mudou depois que você os perdeu. Se os tivesse, certamente teria sido outra pessoa. Sua mãe era uma mulher trabalhadora e honesta. Seu pai um jornalista e escritor que lia Dostoiévski e ensinava inglês para uma criança! Querido, você teria sido além de um grande artista, um filósofo, um sociólogo, um doutor no que quisesse e qualquer universidade abriria as portas pra você. Mas arrancaram as suas oportunidades, sua infância, seu futuro no dia em que mataram o seu pai. Entende isso? Se ao menos tivesse sido adotado, mas Vanya tinha razão mesmo. Ninguém se importa.

KRYCEK: - Você fala como o Mulder. Mas eu acho que sou culpado.

BARBARA: - Nem seu pai foi culpado! Vocês foram vítimas de um maldito sistema, de uma era maldita, é como culpar os judeus por terem morrido nas mãos dos nazistas! Pelo amor de Deus, Alex! Sua mãe morreu doente, seu pai foi morto, atiraram você num depósito de crianças para apanhar e ser violentado e você ainda acha que foi sua culpa? Eles criaram o monstro, como criam muitos ainda hoje, em tantos países por esse mundo à fora! Enquanto a sociedade não entender que as crianças de hoje são o futuro de amanhã, nunca poderemos bater no peito e dizer que somos humanos, porque não somos! Sabe qual o maior veneno de todos os sistemas? Dizimar as famílias! Eu posso parecer absurdamente careta no que vou dizer, mas desde que permitiram o divórcio por qualquer motivo, as pessoas passaram a casar sem responsabilidade alguma, porque se não der certo, separam. E os filhos? Ah, existem novos tipos de família. Hollywood apresenta todos os tipos, todos os dias nas telas das televisões e a falsa maravilha com crianças felizes e sem transtornos psicológicos. O cacete que isso é verdade! Nada substitui um pai e uma mãe dentro de uma casa. Nem padrasto, madrasta, amante da mãe, do pai, o que seja! O amor de quem gera é muito diferente!

KRYCEK: - ... Concordo com você sobre isso.

BARBARA: - Isso me revolta, sabia? Ok, não vamos aos extremos, tem casos que é melhor o divórcio. Tem mães que criam os filhos sozinhas porque os pais caem fora... Tem mulheres que engravidam pra segurar os caras, como se isso segurasse homem. Tem de tudo. E as crianças são sempre as que saem perdendo. O que estou falando é que as pessoas não têm consciência da seriedade de ter um filho. É uma vida colocada no mundo, não é um brinquedo descartável.

KRYCEK: - Eu concordo com você. Eu não posso me queixar dos meus pais. Eu tinha amor. Mais amor do que bronca. Poucas vezes levei alguma bronca. Eles me ensinavam limites.

BARBARA: - Ah, entendeu agora o que eu digo sobre tirarem tudo de você? Entende que seria diferente se você tivesse sua família? ... Tá, continua. O que aconteceu depois que roubou essa arma?

KRYCEK: - Custei a ter coragem para usá-la. Levou uns três anos pra fazer isso.


Moscou, 1980

Krycek, com 18 anos, anda pela rua. Karel ao lado dele. Os dois olham pra relojoaria.

KRYCEK: -É agora ou nunca. Vão nos dar uma bolada pelas joias e nós dois vamos pra América. Já tenho quem nos atravesse pra Finlândia. O problema é atravessar os estados até chegar em São Petersburgo. Nem que vamos a pé, pelas florestas, mas vamos dar o fora desse país. Eu enchi! Cansei! Olha pra mim, consegui até agora realizar algum sonho?

KAREL: - Você canta. Você tem talento. Uma voz linda. Vai fazer sucesso. Eu sei que vai e eu tenho orgulho de ter você como amigo. Um amigo fiel é o melhor remédio que se encontra na vida... Lembre-se disso Alexander...

Krycek confere a arma dentro das calças. Tenso, fecha os olhos.

KRYCEK: -Nunca fiz isso... Deus, me perdoe, mas eu mato um se preciso for pra poder dar o fora dessa vida ordinária.

KAREL: - Acredita em Deus agora?

KRYCEK (OFF): - Tudo o que eu sabia de Deus, Karel me ensinou. Ele lia a Bíblia pra mim. Havia roubado uma da igreja ortodoxa cristã. Era o único livro que tínhamos acesso.

KRYCEK: -Não sei se acredito. Ele nunca olhou pro meu lado. Se existe é americano.

Karel suspira. Krycek ajeita as luvas nas mãos e o gorro na cabeça. Os dois se aproximam da relojoaria. Entram.

KRYCEK (OFF): - O que não sabíamos era que naquele dia, justo naquele maldito dia, a polícia e os soldados estavam pelas ruas. Havia uma manifestação contra o partido comunista. Os caras estavam armados até os dentes esperando pelos revoltosos. Mas pouco ligávamos pra isso. A vontade de sair daquela vida era maior.

O carro do exército russo estaciona na calçada. Alguns soldados tomam posição pela rua. Krycek e Karel saem em disparada da loja. O joalheiro grita, desesperado. Os soldados ao verem a confusão saem atrás do garotos. Eles tomam o velho beco conhecido. Param.

Close nos policiais armados que olham pra eles em frente a cerca de tela.

Krycek, nervoso, puxa a arma e mira neles. Karel grita. Os policiais miram as armas neles. Krycek deixa a arma cair ao chão. Os soldados chegam. Agarram os dois os colocando contra a parede e os revistando. Depois começam a bater nos garotos com violência.

KRYCEK (OFF): - Era o fim de uma era. De uma era pra Krycek e Karel. Nossa pena não foi uma fazenda e uma enxada. Não foi quebrar pedras num gulag. A única chance de redenção que tínhamos era entrar para o exército russo. E eu odiava aqueles caras. Mas parece que o sonho de mama, se realizaria. E o pesadelo de papa também.



BLOCO 3:

Ucrânia,1982

5:21 A.M.

Krycek com 20 anos, num uniforme de soldado, ao lado de Karel e outros rapazes. O sargento Sharapov, um russo alto e robusto, faz a vistoria.

KRYCEK (OFF): - Pensava no orgulho que mama sentiria se me visse naquele uniforme. E na revolta de papa, por eu estar fazendo parte do sistema que ele contrariava. Mas papa morreu e Brejnev continuava vivo e governando. A corrida armamentista estava mais rápida. Ainda não havia televisão a cores para os soviéticos. Se alguns poucos passavam miséria, agora passavam mais. O dinheiro era todo colocado em armas. Apenas o exército se mantinha bem. Brejnev queria derrotar a América... A vida havia melhorado pra mim. Em termos. O bom de tudo é que agora tínhamos cama, comida, um teto. E eu fazia parte do coral do exército russo. Eu estava estudando música a fundo, realizando o meu sonho. Estava gostando de ser soldado. Mas ainda queria saber que gosto tinha a tal Coca-Cola...

O sargento Sharapov continua a vistoria.

KRYCEK (OFF): - O lado ruim é que... Conhece a expressão "dedovshchina"?

BARBARA (OFF): - Ai, Alex...Dedovshchina é a prática informal de iniciação e bullying que o exército russo fazia com seus recrutas. Uma afronta aos direitos humanos.

KRYCEK (OFF): -Então. Logo que chegamos, tivemos que dormir no gelo, apanhamos na cara, banho frio no inverno ucraniano, comida com insetos, marchar na neve sem botas, chutes nas partes íntimas e todo tipo de coisa que faria qualquer um sair correndo. Só que Karel e eu não tínhamos pra onde correr. Então nos comportávamos ao máximo para não sermos alvos. Conforme o tempo passava, chegavam novos recrutas, e aí o sargento nos obrigava a fazer com eles as mesmas coisas que sofremos. Ou você fazia ou fariam com você. Conheci a violência verdadeira com eles. Uma vez precisei espancar um rapaz com o cabo do rifle, com o sargento apontando a arma na minha bunda. Eu acho que fiquei dias sem dormir direito, nem podia olhar para o pobre do recruta, o remorso me corroía, mas se eu não tivesse feito, ficaria sem sentar por um bom tempo e ainda levaria a punição que não queria aplicar.

BARBARA (OFF): - Meu Deus, quanta crueldade!

KRYCEK (OFF): -Você nem imagina como é o treinamento do exército russo. Se as pessoas relutam a mudanças, imagine os militares. Eles estão no limite da resistência às reformas. Imagine mais ainda militares russos. A Guerra Fria continuava. Os rumores de um míssil, de uma outra bomba atômica, fazia o exército russo ampliar seu estoque de armas. As duas maiores potências nucleares estavam prontas para qualquer ataque. Em 20 minutos, uma bomba saída dos EUA ou da URSS iniciariam a terceira guerra mundial. Isso se sobrasse alguma coisa do mundo pra contar a história...

O sargento Sharapov para na frente de um soldado. Acerta um chute nas partes íntimas do rapaz que cai ao chão. Continua o chutando. Krycek fecha os olhos. Karel, trêmulo.

KRYCEK (OFF): - Você pode imaginar o quanto eu temia aqueles caras, mas não pode imaginar o medo que Karel sentia, pela sua condição sexual. Se eles descobrissem... O pior aconteceria... O comunismo não admitia homossexuais. O exército vermelho então... Eles eram perseguidos, torturados e mortos pelo governo. O sargentoSharapov, aquele miserável desgraçado, tinha o apelido de "Palach", o torturador. O cara era enorme, intolerante e inspirava medo em todos os soldados no campo. Um olhar dele bastava pro cara mijar nas calças.

O sargento olha para Krycek.

SHARAPOV: -Seu nome, soldado!

ALEX KRYCEK: - Alexander Krycek, camarada sargento!

SHARAPOV: -E você, soldado?

KAREL: - Karel Krasnov, camarada sargento!

SHARAPOV: -Vocês dois servem. Me acompanhem.

O sargento sai. Krycek e Karel o seguem.

KRYCEK (OFF): - Eu não podia entender porque Sharapov havia nos escolhido. Só com o tempo eu percebi que não nos escolheu à toa. Éramos garotos de rua. Se ele nos perdesse, seria um favor para o país, não teriam problemas com famílias querendo saber o paradeiro de seus filhos. Quando você precisa de dois bodes expiatórios, você arma pra cima deles, para ter o que argumentar na hora que os bodes tenham que pagar por um jogo que nem sonhavam estar.

O sargento puxa uma garrafinha de vodca de dentro da farda. Oferece. Krycek a pega, tomando um gole.

SHARAPOV: -Querem servir ao seu país, camaradas?

KRYCEK: - Sim, senhor.

KAREL: - Sim, senhor.

SHARAPOV: -Vou coloca-los numa missão de alto sigilo. Preciso de homens de coragem como vocês dois.

Os dois jovens se entreolham, empolgados.

SHARAPOV: -Uma aeronave americana foi abatida em espaço aéreo russo. Vocês farão parte de um grupo de resgate. Estejam prontos em dez minutos. Depois que resgatarmos a nave americana, vamos leva-la para Achinsk.

O sargento dá as costas. Krycek olha para a floresta.

KRYCEK (OFF): - Estávamos no meio da floresta ucraniana. Isolados. Teríamos que viajar horas para uma base militar de alta segurança, em Achinsk, região de Krasnoyarsk, na Sibéria. Eu não entendia porque, mas viria a entender depois o que era Tunguska.


5:34 P.M.

Krycek segue pela floresta coberta de neve. O frio intenso. Os MIG-21 sobrevoam rapidamente a área. Krycek olha pra cima. Karel atrás dele, lhe estende uma garrafa de vodca.

KAREL: - Chamam de MIG-21. É o caça mais rápido. Quero ver os americanos conseguirem fabricar um melhor.

KRYCEK: - Aposto que não leva muito tempo.

KAREL: - Você gosta de americanos, não é?

KRYCEK: - Eles sabem como viver.

KAREL: - (SORRI) Eu acho eles bonitos e atraentes.

Krycek cospe a vodca. Karel se flagra do que disse, ficando com as bochechas vermelhas. Krycek olha pra ele e começa a rir.

KRYCEK: - Quando chegarmos na América, você pode arrumar quantos namorados americanos quiser. Mas quando escolher um, lembre-se de que eu serei o padrinho do casamento.

Karel, mais calmo, começa a rir. Os dois seguem rindo e se empurrando, feito dois irmãos jovens, dividindo a vodca.

KRYCEK: - Eu tenho pensado. Se formos mesmo para Achinsk, a gente pode fugir e seguir para o sul, para a Mongólia. De lá podemos ir para a América. Só precisamos encarar um longo caminho de gelo e floresta, talvez conseguir carona...Não vai ser fácil atravessar a Sibéria. Podemos seguir a transiberiana.

KAREL: - Eu faço as fogueiras e você caça, porque me recuso a matar os animaizinhos. Com o treinamento que tivemos, acho que vale tentar. Imagina nós dois em Nova Iorque? Você cantando, eu livre pra poder estudar. E não quero mais ser estilista.

KRYCEK: - E o que pretende estudar então?

KAREL: - Quero ser advogado. Vou defender as minorias. Gente como eu.

KRYCEK: - Nossa, eu apoio você. Tenho certeza que será um ótimo advogado. E não diga gente como eu, Karel. Todas as pessoas são gente. Não se diminua por gostar de homens.

KAREL: - Desde quando sabe disso, Alex?

KRYCEK: - Desde muito tempo.

KAREL: - E por que não fugiu de mim? Eu sou uma abominação da natureza.

KRYCEK: - Por que fugiria? Você é meu irmão. Não é abominação nenhuma. Apenas tem uma péssima predileção, mas fazer o quê...

Os dois riem.

KAREL: - Sempre respeitei você, Alex. Mas saiba que sempre amei você. Como um irmão e depois... Como alguém especial.

KRYCEK: - Eu sei. Só espero que entenda que amo você como um irmão. Eu não posso ser pra você nada além disso.

KAREL: - Eu sei e entendo, Alex. E está tudo bem. Eu me sinto seguro com você do meu lado.

KRYCEK: - Nesse sentido posso ser seu homem, meu amigo. Pra defender você. Fora disso, não dá. Eu gosto de mulher.

KAREL: -Você é quem tem uma péssima predileção, Alex.

Os dois riem.

O sargento Sharapov bem mais à frente, avança com o fuzil. Os soldados o seguem, atentos. Krycek e Karel vão bem mais atrás. Então todos param com receio, olhando incrédulos para as árvores queimadas e destruídas.

Foco na imensa nave em forma de charuto, semienterrada na neve.

KRYCEK (OFF): - Então eu entendi o que havia caído na floresta. Não era uma nave americana. Era longa, em forma de charuto, de uma cor escura, uma tecnologia que eu nunca tinha visto. E os tripulantes mortos não me pareciam americanos. Eram baixinhos, de cor marrom, olhos vermelhos. Um deles ainda agonizava quando o sargento sentou o cabo do fuzil na cara dele.

BARBARA (OFF): - Uma nave alienígena, Alex? Tripulada? Sério?

KRYCEK (OFF): - Sim. Como outras tantas que eu veria depois. Assim como os americanos, os soviéticos estavam interessados na alta tecnologia que aquelas naves poderiam trazer. E eu começaria a entender porque todo traidor russo temia ouvir o nome Sibéria.

BARBARA (OFF): - Por que além de ser o lugar mais frio da Rússia, era o mais abandonado?

KRYCEK (OFF): - Não. Porque na Sibéria havia Krasnoyarsk, região do evento Tunguska. Não era uma base, era um gulag de experimentos secretos. E era pra lá que todos os dissidentes e rebeldes iam. Virar experiência. Todos os soldados envolvidos no resgate eram da base de Achinsk, com exceção de Karel, eu e o sargento. Adivinha por que Karel e eu fomos os sortudos para a missão? Porque não significávamos nada pra eles. Acha que depois de ver o que vimos, iam nos deixar vivos? E se vendêssemos informações para os americanos? A paranoia soviética não tinha limites quando se tratava de tecnologia de guerra.

BARBARA (OFF): - Não foi lá que explodiu algo no céu em 1908, com uma potência demil bombas de Hiroshima? Diziam que era um meteorito, mas nunca ninguém encontrou nada.

KRYCEK (OFF): - Encontraram, mas não disseram. Por isso se concentraram por lá. Havia muito a estudar sobre aquela pedra. Bem, ajudamos a limpar a bagunça, esconder a nave, isolar a área e a retirar corpos da neve. De lá fomos fazendo escolta até a base em Achinsk. Depois eles levaram os caminhões com os corpos e não sei pra onde. E então o sargento nos disse que a partir daquele momento ficaríamos fixos emAchinsk.

Base Militar de Achinsk - Imediações deKrasnoyarsk - 9:12 P.M.

Krycek engraxa suas botas, sentado em seu beliche. Karel, deitado no beliche de baixo, brinca com o gorro do pai de Krycek. Krycek olha pra todos os lados. Os soldados dispersos, conversam, bebem, fazem faxina. Krycek inclina a cabeça pra baixo, olhando pra Karel.

KRYCEK: - Sobe aqui.

Karel levanta-se. Sobe pro beliche de cima.

KAREL: - (OLHANDO PROS LADOS/ SUSSURRANDO) O que está havendo?

KRYCEK: - (SUSSURRANDO) Não sei. Eu não creio que aquelas coisas que vimos são reais.

KAREL: - São extraterrestres.

KRYCEK: - (SUSSURRANDO) Fala baixo. Acho que levam todos pra Krasnoyarsk. Você viu, tinha locais de acesso restrito, alta segurança militar.Como acha que nós fabricamos esses MIGs?

KAREL: - (SUSSURRANDO) Imagine o exército russo com essa tecnologia? Explodiria os americanos!

KRYCEK: - (SUSSURRANDO) Mas ouvi eles dizerem que os americanos também tem alguns desses seres e naves por lá. Estão trocando informações. Dizem que essas coisas aparecem desde a Segunda Guerra.

KAREL: - (SUSSURRANDO) Americanos e Soviéticos trocando informações? Desde a Segunda Guerra?

KRYCEK: - (SUSSURRANDO) Sim. Eu disse a você que somos alienados de achar que eles não tem um tratado por baixo do pano. Meu pai dizia isso. Governos paralelos, Karel. Governos ocultos que comandam tudo. Escondem o jogo real. Você viu caras falando em inglês com cientistas. Haviam alemães. Estão todos juntos nisso.

KAREL: - (SUSSURRANDO) E quem comanda esses governos?

ALEX KRYCEK: - (SUSSURRANDO) Sei lá. Mas com certeza não é uma pessoa bem intencionada.

KAREL: - (SUSSURRANDO) Isso deve ser coisa do diabo.

KRYCEK: - (SUSSURRANDO) Pare de falar em Deus e Diabo ou vão usar você em experimentos com aquelas coisas.

KAREL: - Você tá brincando...

KRYCEK: - Não estou. Estão usando civis e até soldados desertores pra isso. Tente ser o melhor possível aqui dentro ou vai terminar no matadouro da Sibéria, como experiência em Krasnoyarsk. Campo de trabalho forçado é a fachada! Na verdade a intenção é usarem as pessoas como cobaias! Há anos eles trazem pedaços de um meteoro caído que desenterraram da neve, em caminhões fechados, não sei o que existem naquelas rochas, mas estão pesquisando a fundo. Um colega disse que tem algo dentro delas parecido com petróleo.

KAREL: - (ASSUSTADO) ... Alex, você tá me assustando.

KRYCEK: - Então fique esperto. Ah, eu tenho uma coisa boa pra contar. Amanhã vou para Moscou. Vou cantar no teatro com o pessoal do coral.

KAREL: - (SORRI) Alex, sabia que conseguiria. Estou feliz por você. (ENCHE OS OLHOS DE LÁGRIMAS) Não se esquece de me dar um autógrafo antes de virar um artista famoso.

KRYCEK: - Nossa vida vai mudar, confie em mim. Vou aproveitar e fazer contatos. Um dia vamos dar o fora daqui, pedir asilo político nos Estados Unidos e você vai ser meu empresário e advogado, hum?

Karel sorri. Krycek termina de engraxar as botas. O sargento se aproxima.

SHARAPOV: -Soldados Krycek e Krasnov. Boas notícias pra vocês. Hoje vocês foram os dois contemplados para o teste de resistência.


10:23 P.M.

Karel e Krycek sentados na neve, um ao lado do outro, no meio das árvores. Mesmo com gorros e jaquetas pesadas, os dois congelando, dividindo uma garrafa de vodca.

KRYCEK: -Aquele desgraçado do Sharapov fez isso de propósito! Sabia que amanhã era um dia importante pra mim. Por causa disso não vou mais pra Moscou! Acha que terei voz pra cantar depois de congelar aqui fora?

KAREL: - Conforme-se Alex. Vai surgir outra oportunidade pra você cantar no Teatro de Moscou... Pense assim: Se sobrevivermos a essa noite, sem ataque de urso, tigre ou lobo ou sem congelar, teremos um dia de folga. E vai ser um teste pra saber se temos condições de fugir pra Mongólia.

KRYCEK (OFF): - Fazia parte do treinamento do exército russo deixar os soldados nas piores condições humanas. Precisávamos sobreviver se houvesse qualquer guerra contra os americanos. Por isso nos testavam em todas as situações que podiam. Não éramos homens, éramos criados ali como máquinas de guerra, resistentes a toda e qualquer situação. Dormir sentado no gelo, dentro da água, tomar banho gelado, ficar nu numa temperatura de menos 10 graus... Sorte era sobreviver aos espancamentos quando você falhava em alguma missão ou não lustrava suas botas decentemente. Passamos a noite inteira, mal movíamos os pés e nossa pele se queimou com o frio. No outro dia, não pude cantar. Adoeci. Fiquei dois dias na enfermaria. Tive alta durante a madrugada do segundo dia. Quando voltei, tive uma surpresa. Foi onde o que já era terrível, ficou pior...


3:31 A.M.

Krycek entra no alojamento, enrolado num cobertor, com neve até pelos cabelos. Caminha até seu beliche. Os soldados dormindo. Krycek olha pro beliche vazio de Karel. Olha para o soldado no beliche ao lado. O acorda.

KRYCEK: - Onde está Karel?

SOLDADO #1: - Não sei.

KRYCEK: - Como assim 'não sabe'? Alguém aqui tem que saber.

SOLDADO #1: - Durma e não faça perguntas.

Krycek olha pros outros soldados, alguns rindo. Krycek pega o soldado pelos cabelos.

KRYCEK: - (AOS GRITOS) Sukin syn*!!!!! Onde está Karel??????

(*filho da puta)

SOLDADO #1: - O sargento o levou!!!

SOLDADO #2: - Por que se importa? Era amante dele?

Krycek fecha os olhos.

KRYCEK (OFF): - Descobriram que Karel era gay... Então um frio maior percorreu a minha espinha. Eu tinha que encontrar Karel e teríamos que partir antes que eles o matassem.

KRYCEK: - Pra onde Sharapov o levou?

SOLDADO #1: - Eu não sei!!!

Corte.


Krycek sai porta à fora, debaixo da neve que cai, segurando o cobertor por cima dos ombros. O termômetro no campo marca 15 graus negativos.

Ele caminha, os pés afundam na neve. Ele empurra a porta do prédio do comando e entra. Caminha pelo corredor e para na frente da sala do sargento. Tenta entrar, mas está fechada. Krycek então anda pelo corredor, abrindo todas as portas que consegue, procurando pelo amigo. Para em frente a porta do banheiro. Leva a mão com receio, empurrando a porta. Entra, silenciosamente. Para, olhando para os chuveiros. Um deles ainda está ligado. Krycek entra em estado de choque.

Karel está deitado nu e de bruços no chão de ladrilhos. Surrado e espancado, rosto irreconhecível. Sangue escorre entre as pernas dele. A água do chuveiro leva o sangue do jovem pelos ladrilhos até o ralo.

Krycek corre até o amigo, tentando acordá-lo. Ao virá-lo percebe o furo da bala que saiu pela barriga. Karel não respira. Está morto. Krycek o segura nos braços, dando um grito alto de dor e ódio.

KRYCEK (OFF): - Talvez você possa imaginar o que Sharapov fez com Karel...

BARBARA (OFF): - O espancou?

KRYCEK (OFF): - (VOZ EMBARGADA)O espancou, estuprou e... Pelo ângulo da bala saindo pelos intestinos... Deve ter enfiado a arma nele e atirado, entendeu? Ele era gay, não tinha o direito de existir no mundinho daqueles bastardos desgraçados. O meu irmão, entende? Ele era a única pessoa que eu tinha no mundo... Ele... Ele nunca fez mal pra ninguém... Nem pra um bicho quanto mais um ser humano... Mataram ele como não se mata nem um animal!

BARBARA (OFF): - Alex, você está chorando. Quer respirar um pouco, hum? Você não tá legal.

Krycek solta o corpo de Karel. Coloca o cobertor sobre ele. Fica sentado, chorando, com as mãos no rosto.

KRYCEK (OFF): - Me dá um copo de vodca. Eu vou contar tudo pra você, eu preciso. Eu preciso contar. Eu preciso achar aquele desgraçado ainda, ele vai pagar por tudo o que ele fez!!! Muitos anos depois eu voltei pra Krasnoyarsk, Pescow me fez voltar porque armamos pro Mulder, e lógico que Mulder caiu. Fomos juntos para aquele lugar maldito, porque fiz Mulder entender que eu falava russo. Marita deu as passagens e o visto pra ele e eu dei a informação sobre aquela desgraça alienígena. O que Pescow queria era testar o óleo negro em Mulder, porque estávamos desconfiados que ele era imune e poderia nos dar a vacina. Os americanos estavam nos passando a perna como sempre, escondendo o jogo. O Fumacinha nunca nos deixaria pegar Mulder em solo americano. E não era por amor paterno não. Era porque queria que os americanos detivessem a vacina.

BARBARA (OFF): -É, pelo visto a guerra fria continuava.

KRYCEK (OFF): - Ela nunca acabou, Barbara. Fora isso eu também tinha interesses particulares emKrasnoyarsk. Conversei com todos para descobrir aonde Sharapov estava. Me disseram que Sharapov não estava mais lá e nem em Achinsk. Que sumiu. O que perdi nisso? Um braço! Porque acharam que eu estava contaminado com aquela merda! O mesmo braço que ganhei de volta sendo cobaia do Strughold! E se não tivesse funcionado? Ahn? Felizmente funcionou, porque Strughold estava muito dedicado, precisava encontrar um jeito de restaurar as pernas da neta dele que perdeu as duas em um acidente! Espero que ela não tenha as dores lancinantes que eu tenho até hoje!

BARBARA (OFF): -Eu lamento, Alex...

KRYCEK (OFF): - Não lamente, Barbara. Minha mama dizia que quem busca a vingança acaba ferrado. E foi isso o que aconteceu... De novo. Porque não aprendi a lição da primeira vez. E acho que não vou aprender nunca, porque eu ainda quero matar aquele sargento desgraçado!

Krycek olha para Karel morto e num ataque de raiva, se levanta e sai pela porta do banheiro, tomando o corredor.

KRYCEK (OFF): - Eu assinei minha sentença de morte quando Karel morreu. Estava tão revoltado com a morte dele, que não pensei em mais nada. Na minha mente vinham flashes da mama sobre a máquina, morta pela fome, do meu pai morto segurando seu livro de poemas e do meu amigo gay morto porque amava homens... Eu realmente odeio o comunismo! Fui até o alojamento. Peguei minha arma. A bola de neve agora crescia mais. Eles tiraram de mim a última pessoa que me restava. (VOZ EMBARGADA) O meu irmão. O meu amigo. Uma pessoa humana, mais humana do que todos eles! Ele não fez nada contra ninguém! Não merecia morrer! Ele só tinha 20 anos, tantos sonhos e a vida toda pela frente.

Corte.


O sargento Sharapov assiste um show na TV P&B. Sentado, pés sobre a mesa. Krycek adentra a porta com a pistola. O sargento olha pra ele.

SHARAPOV: -Você não mata nenhum rato, soldado Krycek. Aliás você é um rato. Você nunca terá a coragem de puxar esse gatilho.

Krycek, mãos trêmulas, aperta o gatilho.

KRYCEK (OFF): - Foi a primeira vez que atirei contra alguém. Me lembro de Sharapov permanecer sentado, olhando pra mim assustado, com metade da orelha sangrando, porque a outra metade a bala destruiu. Não demorou muito e chegaram os soldados que estavam fazendo a segurança do prédio.

Os soldados entram, desarmam Krycek e o seguram pelos braços. O sargento se levanta, passando a mão na orelha, observando o sangue. Aproxima-se de Krycek. Mete um soco no estômago dele. Krycek se encolhe.

SHARAPOV: - (GRITA)Levem esse traidor para a sala vermelha do juízo e deem uma surra nesse desgraçado até ele desmaiar!!! Tragam o médico aqui!!! E não matem esse filho da puta, ele é meu!!!


5:10 A.M.

Apenas as luzes dos postes no pátio do campo entram pela pequena e estreita janela de vidro e grades, no alto da parede do porão.

Krycek desacordado e nu, todo surrado, com os pulsos atados por grilhões de ferro e pendurado nas grades da janela. Uma corda amarrada nos grilhões e nas grades o mantém pendurado e esticado, sem que ele toque os pés ao chão.

KRYCEK (OFF): - A sala vermelha do juízo era o porão. Não era vermelha. Era apenas uma alusão ao regime. Onde os vermelhos faziam os traidores do regime aprenderem a ter juízo e confessarem sob tortura até o que não fizeram. Para Sharapov, o Torturador, era a sala favorita dele. Eu desejaria levar as varadas da Diaba Vermelha, porque eram carinhos a vista do que Sharapov faria comigo. (ANGUSTIADO) Marcas físicas que deixariam cicatrizes no meu corpo, que sumiriam com o passar dos anos... Menos as marcas emocionais que ainda permanecem na minha memória... E-eu... Eu era um jovem na época, mas ainda tenho pesadelos e algumas vezes isso volta em situações que... Não é fácil, sabe? Mas eu preciso contar isso pra você, não é algo que eu deva esconder porque... Essas coisas refletem em algumas situações íntimas e você pode pensar que eu estou sendo grosseiro com você, mas a verdade é que... Nossa... Foi muito difícil contar ao Mulder, mas pra você está sendo bem pior... E-eu só preciso de um pouco de vodca e coragem.

O sargento Sharapov, com um curativo na orelha, entra no porão e acende as luzes. Tranca a porta. Pega um balde de água e joga em Krycek. Ele se acorda assustado, tentando se localizar.

SHARAPOV: - Eu sei que sabe minha fama. Mas não sou como dizem. Sou pior que isso.

Krycek começa a tremer de frio, quase congelando.

SHARAPOV: - Está com frio, soldado Krycek? Vou esquentar você.

Sharapov pega dois fios que estão conectados a uma bateria e passa um no outro, fazendo faíscas. Então leva os dois fios e dá uma descarga elétrica nos mamilos de Krycek que solta um grito, se debatendo.

SHARAPOV: - Acho que agora está mais quente. Vamos estabelecer algumas regras, soldado. Você atirou contra o seu sargento e me fez perder metade da orelha. Isso é um crime passível de punição e exílio na Sibéria, mas visto que já está aqui... Quem sabe essa parte da Sibéria não esteja tão fria pra você, talvez precise ir pra uma parte mais gelada.

KRYCEK: - (ÓDIO) Você matou Karel!!! Eu sei que foi você!!!

Sharapov dá outra descarga elétrica, agora nos testículos de Krycek, que grita, erguendo as pernas e se contorcendo.

SHARAPOV: - (RINDO) Karel? Aquela bicha? Eu fiz um favor para o Estado.

Krycek tenta se virar, mas não consegue, com os olhos cheios de ódio.

KRYCEK: - Eu vou matar você desgraçado!!! Eu juro que vou matar você!!!

Sharapov acerta socos nos rins de Krycek que urra de dor e se contorce todo. Acerta um soco no estômago e Krycek ergue as pernas, gritando com mais dor. O sargento tira um canivete do bolso e corta a corda que segura os grilhões nas grades. Krycek cai ao chão, com os grilhões ainda nos pulsos, sem defesa.

SHARAPOV: - Quer me matar, soldado? Ahn? É isso o que quer?

Sharapov começa a chutar Krycek, que se encolhe no chão.

SHARAPOV: - Tem algum parente que reclame o seu corpo ou posso atirá-lo aos lobos da floresta siberiana? Você não é nada, soldado! É apenas um perdedor amante de bichas! Um pária da sociedade que acabou aqui e não tem dignidade nem honra para vestir uma farda do exército russo! Você é uma vergonha para o nosso país!

Sharapov se inclina e ergue Krycek pelos cabelos. Krycek grita. O sargento, com violência, atira Krycek contra a parede. Krycek dá com a cabeça na parede, fica tonto e cambaleia.

SHARAPOV: - Aqui é o inferno, soldado Krycek. E eu sou o demônio.

Sharapov novamente agarra Krycek pelos cabelos, o puxa pela sala até a bandeira russa aberta e pendurada na parede. Ergue a cabeça dele.

SHARAPOV: - Olhe pra essa bandeira, camarada. O vermelho é o sangue dos nossos antepassados. A cor predominante nela é o sangue. Muitos homens morreram para que essa bandeira fosse respeitada no mundo inteiro. Homens, não bichas covardes. Vê a foice e o martelo? Elas representam a classe trabalhadora, agrícola e industrial. Não representam bichas e vagabundos, covardes e ladrões, putas e marginais. Nem amantes de bichas.

Sharapov arrasta Krycek pelos cabelos e dá com o rosto dele diversas vezes contra a parede. Depois joga Krycek que cai no chão, gemendo de dor e desatinado, com o rosto cheio de sangue e o nariz quebrado. O sargento vai até a parede e pega uma foice e um martelo pendurados. Se agacha ao lado de Krycek, que olha assustado para a foice na mão dele. O sargento leva a foice no pescoço de Krycek, que arregala os olhos. Depois leva a foice nas partes íntimas de Krycek, que agora fica mais apavorado.

SHARAPOV: - Você tirou a minha orelha. É justo, não acha? Cortar seus colhões fora, já que você não tem colhões pra ser um soldado. Deixar você sangrando lentamente aí feito um porco até morrer.

Sharapov ergue a foice e o martelo, olha pra um e pra outro. Krycek se arrasta, recuando.

SHARAPOV: - Prefere que eu corte ou esmague? Você escolhe.

Krycek se vira de costas, tenta se arrastar pra baixo de uma mesa. Sharapov se ergue e acerta um golpe de martelo no osso da canela de Krycek, que chega a fazer barulho. Krycek dá um grito de dor lancinante. O sargento sádico joga o martelo e a foice sobre a mesa e agarra Krycek pelos cabelos, o arrastando pelo chão. Krycek chora de dor.

SHARAPOV: - Agora não vai fugir de mim.

Ele retira um maço de cigarros do uniforme e acende um cigarro. Coloca o pé com a botina pesada na lateral do rosto de Krycek, pisando forte e forçando o rosto dele contra o chão. Traga o cigarro, soltando calmamente a fumaça pra cima, enquanto Krycek geme, de olhos fechados.

SHARAPOV: - Estou há dez anos aqui e não será um marginal imbecil que vai me desafiar, dar um tiro na minha orelha e colocar minha fama e minha honra num buraco, na frente de todos os soldados desse campo! Seu amigo teve o destino que toda bicha deve ter. Pense nisso como um favor. Mais cedo ou mais tarde, alguém aqui dentro iria fazer. Ele não sofreu. Não, não sofreu. Depois de currado, eu dei um tiro no rabo dele. Morreu como toda a bicha gostaria de morrer, levando uma pistola enorme dentro do cú.

KRYCEK: - (MURMURA/ CANSADO) Desgraçado... Eu juro que vou matar você... Eu juro...

O sargento aperta mais ainda a botina contra o rosto de Krycek, que com o rosto prensado no chão, mantém um olhar de ódio e vingança.

SHARAPOV: - Vai mesmo me matar? Aposto que mato você antes, camarada. Linha dura. É o que sempre digo. Precisamos de homens linha dura no exército, não de maricas. Você também é uma bicha, Alex Krycek? Hum? Porque só bichas suportam bichas.

Sharapov se agacha e apaga o cigarro no pescoço de Krycek. Krycek segura a dor num olhar de ódio, cerrando os dentes. Sharapov arrasta Krycek pelo chão da sala, o segurando pelos cabelos. Krycek grita, esperneia e tenta reagir, mas as mãos presas não ajudam em nada. Sharapov o ergue pelos cabelos, Krycek grita. O sargento aperta o nariz quebrado dele com força e Krycek grita novamente. O sargento dá com a cabeça de Krycek contra a parede, repetidas vezes, até Krycek tontear novamente e perder as forças, já quase desmaiando. Então joga Krycek de bruços por cima da mesa.

SHARAPOV: - Você apenas começou a entender o que é tortura, camarada. E agora, eu vou dar a você o tratamento que toda a bicha recebe por aqui.

Sharapov abre o zíper das calças.

SHARAPOV: - Seu amiguinho gostou. Você também vai gostar.


2003 - TEMPO ATUAL

Barbara morde os lábios, deixando as lágrimas caírem, sentada na cama, de frente para Krycek sentado na poltrona.

BARBARA: - Alex... Eu...

Krycek se levanta e vai pra cozinha, revoltado, segurando o choro. Barbara vai atrás dele. Krycek esmurra a mesa, derruba coisas no chão, gritando em russo, com revolta e ódio. Barbara abaixa a cabeça. Krycek se encosta na parede, deixando o corpo cair e sentando no chão. Leva as mãos ao rosto, perturbado.

KRYCEK: - (CHORANDO) Queria me ver chorar, Barbara Wallace? Agora está vendo. Mas eu mereci, não é? Eu sou um cara mau. Eu nasci mau. Todo o castigo pra mim é pouco. Quem liga? Hum? Quem se importa com o rato do Krycek? Com a história dele? De onde ele veio, o que passou e porque age querendo ferrar todo mundo antes que ferrem com ele? Ele não aprendeu a ser cruel, ele é cruel e mau por natureza e pronto. Causa perdida. Mereço ser castigado e odiado até terminar morto. Estou aqui gastando o oxigênio dos perfeitos e imaculados que jamais erraram na vida!

Barbara olha pra Krycek, com ternura. Ele fica sentado ali, com ódio de si mesmo, secando as lágrimas e tentando ser durão. Barbara se agacha na frente dele.

BARBARA: - ... Eu me importo Alex. Eu não sou perfeita e imaculada... Agora entendo porque Mulder está ajudando você psicologicamente...

KRYCEK: - Alguém precisa saber da minha verdade. Alguém tem que me escutar. Alguém que queira me ouvir. Não alguém que esteja apenas querendo ver o lado bom da vida, porque a vida não tem apenas o lado bom. Não tem. Você tem que foder os outros antes que eles te fodam! Matar antes que te matem! Mentir antes que enganem você! Sobreviver, Barbara Wallace, apenas sobreviver!

BARBARA: - Alex, você pagou um preço por querer fazer justiça a um amigo. Você não tem uma natureza ruim. Não pode se condenar por isso. As pessoas não nascem más ou fazendo coisas más. Elas são jogadas na vida. Você foi uma vítima de um tempo da história humana. Vítima de um sistema.

KRYCEK: - Não justifica.

BARBARA: - Justifica sim, Alex. O que mantinha você era seu sonho de ser cantor e a irmandade com Karel. Mas as coisas foram atropelando você, como uma bola de neve mesmo, continuando a tirar todo o pouco que ainda restava pra você.

Barbara senta-se no chão ao lado dele.

BARBARA: - Se você quer continuar a desabafar, eu estou aqui. Isenta. Uma ouvinte. Uma amiga. Alguém que pode compreender e sentir as coisas pelas quais você passou.

KRYCEK: - Sabe como isso mexe com a cabeça de um homem? Eu sou menos homem por isso? Agora que sabe disso, você vai desistir de mim?

BARBARA: - Alex, eu vou desistir de você porque você foi estuprado covardemente? No que isso afeta a sua masculinidade? Isso só me esclareceu porque você perdeu a graça comigo quando eu tentei descer as mãos ao seu traseiro. É um trauma. E agora que eu sei, eu respeitarei os seus limites.

Krycek cabisbaixo, nem consegue olha pra ela, apenas derruba lágrimas. Barbara tenta animá-lo.

BARBARA: - Hei, hermoso. Eu não desistiria de você por nada, eu lutei tanto para conseguir o seu coração. Saber sua história só me deixa pensando que eu estava certa, que existe muito mais por trás das coisas que você fazia, que deveria haver um homem por demais sofrido para chegar ao ponto de fazer o que fazia. Não, eu não vou desistir de você, ainda mais agora que sei o gosto dessa vodca. Depois daquilo na cozinha, dos orgasmos que eu tive hoje, eu acho difícil acreditar que você ainda pense que é menos homem. Então, tadinha de mim se você fosse mais homem ainda. Eu teria que sair correndo desse depósito porque não daria conta do russo!

Krycek seca as lágrimas. Barbara envolve o braço nele.

KRYCEK: - Piadinhas bobas ajudam. Pelo menos você desvia o foco.

BARBARA: - Mas não é piada não. Alex Krycek, você é quente. Você é cafajeste, másculo, viril... Aquela jaqueta me deixa louca. Até posso entender o que a ruiva gostou. Mas quem levou fui eu, ela que sossegue com a raposa dela. Agora me conta, Mulder é, né? Ele tem todo o jeito pra coisa.

KRYCEK: - (RINDO) Pobre do Mulder, ele não é gay. E você tá dizendo essas coisas só pra me animar.

BARBARA: - Pra animar você eu tenho outras coisas em mente... Mas só vamos fazê-las quando você jogar tudo pra fora. Limpar seu coração. Eu não vou desistir de você não, Ratoncito. Eu amo você e vou ajudar você a superar todas essas lembranças. Limpa o seu coração, meu amor. Desabafa, põe pra fora tudo o que incomoda você. E quando eu souber de tudo, nós dois vamos juntos enterrar esse passado e construir algo bom. Hum?

Krycek fica cabisbaixo.

KRYCEK: - ... Eu fiquei jogado naquele porão por dias, não sei bem quantos, porque perdi a noção do tempo. Com fome, sede, frio, dor, com nojo de mim mesmo e ódio... Ah, o ódio me alimentava. Quando eu pensava em desistir e me entregar, também pensava em quem faria justiça pelo Karel? Então o ódio voltava. A justiça era pelo Karel. A vingança era por mim. O ódio me fez resistir às torturas daquele cretino, desde choques elétricos nas partes íntimas a marteladas nos dedos, unhas arrancadas com alicates, surras com correntes, cigarros apagados na pele, pancadas nas solas dos pés e coisas que eu não tenho coragem de contar. Eu saía do meu corpo... Não sei pra onde ia, mas precisava sair porque a dor era demais pra qualquer ser humano suportar...


Base Militar de Achinsk - Imediações de Krasnoyarsk - 2:12 P.M.

A porta do porão se abre. Krycek num uniforme cinza e pés descalços, deitado no chão e no escuro, leva a mão aos olhos, ofuscados pela luz. Está todo machucado. Os soldados entram e Krycek recua feito um animal assustado.

KRYCEK (OFF): - O ato de atirar no desgraçado não foi o crime que ele usou pra me acusar diante do general e cometer as atrocidades que estava cometendo comigo. O crime que Sharapov inventou ao general de campo foi: O soldado Krycek foi pego vendendo informações para o governo americano, matou seu colega e tentou me matar. Provas disso? Sim, ele tinha. O miserável já tinha armado tudo, bem antes de nos mandar para aquela missão em Krasnoyarsk. Nós éramos os bodes expiatórios.

Corte.

Os soldados empurram Krycek para o chuveiro. Um deles joga um uniforme limpo na cara dele.

Corte.


2:31 P.M.

O General de Campo sentado em seu gabinete. O sargento Sharapov observa pela janela. O agente da KGB Vassily Pescow, com um casaco preto e um gorro russo, encostado contra a parede.

Dois soldados entram, empurrando Krycek, amarrado pelas mãos, com sinais de espancamento e tortura. Cansado, roupas molhadas, cabelos molhados. Como todo russo, eles falam aos gritos.

KRYCEK: - (ASSUSTADO) Ya ne predatel' !!!!!*

(Eu não sou traidor*)

GENERAL DE CAMPO: - Por que você matou o soldado Karel Krasnov? Ele sabia do seu envolvimento com os americanos?

KRYCEK: - Eu não matei Karel! (APONTA PARA O SARGENTO) Aquele desgraçado o matou!

GENERAL DE CAMPO: - Eu perguntei por que matou seu amigo? Para que ele não revelasse que você era um traidor?

KRYCEK: - Ya ne predatel'!!!!!

O General de Campo olha para o sargento Sharapov. Pescow atira uma pasta de documentos TOP SECRET sobre a mesa do general.

PESCOW: - Como conseguiu isso, soldado Krycek?

KRYCEK: - Eu não sei o que é isso, senhor!

GENERAL DE CAMPO: - Isto foi encontrado em suas coisas. Para quem ia entregar estes documentos sobre as nossas operações secretas com alienígenas? Quem é o seu contato americano?

KRYCEK: - Eu não sei do que está falando, senhor! Nunca vi isso antes, nem sei do que se trata, nem conheço nenhum americano, precisa acreditar em mim, eu juro pelos meus pais mortos!

GENERAL DE CAMPO: - Sabe que traição é um crime passível de morte, soldado Krycek?

Krycek olha assustado para Pescow.

KRYCEK: - Eu não sou traidor, eu nem sei do que estão falando, camarada.

PESCOW: - Sou o Agente Vassily Pescow, da KGB.

KRYCEK: - KGB? Ótimo! O que faz a KGB aqui?

PESCOW: - (SORRI) Ele não é idiota.

KRYCEK: - Não, eu não sou! Como podem acreditar nesse sargento mentiroso, aposto que ele sabe do que se tratam esses papéis!!!

GENERAL DE CAMPO: - Soldado Krycek, contenha-se! Não vou aceitar insubordinação de um soldado contra um sargento, eu fui claro?

PESCOW: - Seu pai foi morto por traição ao governo comunista. A fruta não cai longe do pé.

KRYCEK: - Minha palavra não basta? Perguntem aos outros soldados! Ninguém me viu vendendo nenhuma informação!!! Eu nem saio desse lugar!!!!

SHARAPOV: - A única saída dele foi para cumprir uma missão secreta em Krasnoyarsk, com o soldado Krasnov.

GENERAL DE CAMPO: - Confirma isso, soldado Krycek? Esteve em Krasnoyarsk?

KRYCEK: - Sim, senhor. Estive.

Pescow bate a mão na pasta de documentos confidenciais sobre a mesa.

PESCOW: - E o que diz nesta pasta, camarada Krycek?

Krycek se aproxima e olha para a pasta. Depois olha incrédulo para o sargento Sharapov.

PESCOW: -Aqui diz Krasnoyarsk. São documentos pertencentes a Krasnoyarsk, arquivados em Krasnoyarsk, elaborados em Krasnoyarsk. Os dois únicos estranhos que estiveram lá na semana em que esta pasta foi roubada eram você e o soldado Krasnov, que você matou, porque temos suas pegadas no banheiro e sangue encontrado nas suas roupas!

KRYCEK: -(REVOLTADO) Eu não fiz isso!!! (APONTA AS MÃOS AMARRADAS PARA O SARGENTO) Foi ele!!!!!

GENERAL DE CAMPO: -Cale a sua boca, soldado Krycek!!! Eu conheço o sargento Sharapov há muitos anos, ele serviu em Moscou com o meu filho, não ouse difamar a reputação dele na minha frente! Roubar documentos secretos do governo russo e entrega-los para os americanos é crime de traição! Some ainda a agressão e falsa acusação contra um superior em comando e o assassinato de um colega de farda! Eu mesmo poderia executá-lo aqui e agora nessa sala e ninguém me condenaria por isso, soldado!!!

Krycek olha com ódio para Sharapov. Pescow observa a situação em silêncio.

KRYCEK: - Seu desgraçado!!!!! Você espancou, estuprou e matou o Karel, e aposto que roubou essa pasta e agora quer colocar a culpa em mim!!! Vocês viram o corpo? Eu jamais faria isso com meu amigo!!!

Krycek tenta soltar as mãos. Os soldados o seguram.

GENERAL DE CAMPO: - Soldado Krycek, levarei o relatório ao comando em Moscou e até sair sua sentença, ficará encarcerado aqui, sob a supervisão do sargento Sharapov. Agora tirem esse traidor asqueroso da minha frente!

KRYCEK: - (AOS GRITOS/ DESESPERADO) Net!!! Net!!! Ya ne predatel'!!!*

(*Não!!! Não!!! Eu não sou traidor!!!)

Os soldados o levam em direção à porta. Krycek olha para trás, para o sargento.

KRYCEK: - (GRITA/ ÓDIO) lzhets!!! Negodyay!!! Idi na hui!!! Ya vse ravno ub'yu tebya, klyanus'!!!*

(*Mentiroso!!! Bastardo!!! Vá se foder!!! Eu vou te matar de qualquer jeito, eu juro!!!)

Krycek cospe no chão, com raiva.


3:39 P.M.

Dois soldados empurram Krycek para dentro da cela. Sharapov se aproxima. Chutes, socos e tapas em Krycek. Depois o agarra pelos cabelos dando com a cara dele contra as grades até Krycek cair no chão.

KRYCEK (OFF): - Me jogaram numa cela, para aguardar a sentença. Eu não aguentava mais de tanto que apanhei. Fechava meus olhos e pedia pra acordar. Estava fraco, cansado, com fome. Sentia que ia desmaiar. A tortura não parava. A quem eu ia reclamar? Quando o Estado acusava, você só podia rezar. Quando o exército vermelho acusava, você só podia implorar pela morte rápida. Direitos? Que direitos?

SHARAPOV: - (AOS GRITOS) Como ousa contradizer a minha autoridade? Como se atreve a levantar questionamentos sobre a minha fidelidade ao partido, ao regime? A me inquirir na frente do general? E da KGB? Sabe quem é Pescow? É o homem abaixo do chefão da KGB!

O sargento começa a chuta-lo. Krycek se encolhe, gemendo. Sharapov cospe na cara dele.

KRYCEK (OFF): -Eu conhecia Vassily Pescow de vista, mas não sabia que ele era da KGB. Ele não deveria se lembrar de mim, mas quando criança, eu ia até a casa dele entregar os vestidos que mama fazia para a esposa e as filhas dele. Raras vezes encontrei com Pescow. Eu era rápido, entregava a roupa para a empregada e pegava o dinheiro. Uma vez saí tão rápido que esbarrei nele. Olhei pra cima, ele me olhou sério e eu fiquei com medo. Depois ele sorriu e levou a mão no bolso, tirou alguns caramelos e me entregou. Eu nem consegui agradecer, porque ele retomou a seriedade bem rápido e entrou em casa... Sharapov. Era certo que o maldito sargento roubou aquela pasta e vazava informações para os americanos, como era certo que o sádico me torturaria até a morte. Depois fiquei sabendo que a KGB tinha informações sobre um traidor naquela base, e como Sharapov armou pra mim, eu era o prato a ser servido. O bode expiatório aqui ainda acreditava em justiça. Acreditava na verdade. Depois disso, eu nunca mais acreditei em verdade e justiça. Isso são lendas que sonhadores como Mikhail Krycek e Fox Mulder acreditam.

Sharapov sai. Um dos guardas tranca a cela.

KRYCEK (OFF): - Eu tinha 20 anos quando entrei naquela cela fria e escura. Saí aos 22. Fiquei preso ali por dois anos, aguardando o julgamento oficial do comando do exército em Moscou, enquanto comia sopa com barata, apanhava toda a semana e rezava pra morrer. Eu queria me matar, mas não havia como. Eles não tinham pressa em Moscou, afinal eu já estava preso mesmo e nas mãos de Sharapov. Isso era pior que me condenarem à morte. E era essa a sentença que eu aguardava ansioso para receber: a morte por execução. Eu não queria mais viver, eu não tinha mais meu irmão Karel comigo e novamente não tinha mais um futuro. E não foi por escolha minha.


6:45 A.M.

Dois soldados abrem a masmorra coberta de neve.

KRYCEK (OFF): -Então um dia a burocracia acabou e enviaram os papéis. Depois de sair da cela, eles me jogaram numa masmorra gelada do lado de fora do prédio durante a madrugada, até que viessem os soldados de Krasnoyarsk bem cedo para me levarem. Nevava e fazia menos 15 graus lá fora. Com sorte, eu morreria congelado antes que eles chegassem. Sem sorte, eles me levariam vivo. E como estou aqui, você pode imaginar o quanto eu não tenho sorte.

Um deles atira um cobertor pra Krycek, que está com cabelos longos e barbudo.

KRYCEK (OFF): -Eu fui condenado como traidor do regime comunista, pelo assassinato de Karel e por insubordinação ao oficial superior. Perdi minha carreira no exército, e junto a isso, eu nunca mais faria parte do coral, que era o que me interessava realmente. Pensei que minha pena seria a execução, mas me condenaram a passar o resto da minha vida no gulag de Krasnoyarsk para fazer trabalhos forçados.

Krycek sai do buraco enrolado no cobertor, tremendo e congelando. Os soldados o empurram pela neve. Krycek, fraco, cai. Eles o erguem. Krycek olha para o sargento, falando com dois oficiais que aguardam ao lado do caminhão. O sargento olha pra Krycek. Sorri debochado, apertando as partes íntimas.

SHARAPOV: - (RINDO) Ty moya suka*...(Você é minha vadia*)

O ódio dentro de Krycek começa a se manifestar em seus olhos. Numa ação rápida, Krycek emite um urro como animal selvagem e com fúria solta-se dos soldados, avançando no sargento. Sharapov cai ao chão. Krycek o asfixia com as mãos.

KRYCEK (OFF): - Acabou o resto de bondade, humanidade e fé que restava em mim. Havia virado um animal. Apertei o pescoço daquele desgraçado com toda a força que eu nem sabia mais que tinha. Enterrei a cara dele na neve. Nunca havia matado uma mosca na minha vida. Mas eu mataria o filho da mãe. Ele não tinha o direito de ter feito o que fez comigo e com Karel.

Os soldados tentam puxar Krycek, mas ele não solta o pescoço do sargento que já está ficando roxo. Krycek então morde a orelha do sargento, arrancando outro pedaço com os dentes, olhando pros céus feito um animal que agradece a caça, com o sangue escorrendo pelo queixo e pescoço. Depois cospe o pedaço de orelha na neve. Os soldados conseguem afastar Krycek, enquanto Sharapov grita e sangra. Krycek puxa a arma de um deles e alterna a mira entre os soldados e o sargento.

KRYCEK: - (FORA DE SI/ AOS GRITOS) Me deixem em paz!!!!!!!!!!!

Num descuido, um soldado acerta Krycek no rosto com o fuzil. Krycek cai na neve, desmaiado.



BLOCO 4:

Krasnoyarsk - 1990

Parte de uma floresta de árvores secas e tombadas, os guardas montados em cavalos e armados. Krycek, agora de cabelos curtos e barba por fazer, usando uma camiseta branca e a calça cinza do uniforme. A camisa cinza do uniforme amarrada sobre o rosto tapando boca, nariz e orelhas. Dois outros presos com ele, vestidos da mesma maneira. Todos em cima de uma larga rocha semienterrada, tentando partir com a picareta um pedaço grande dela. A cada descida da picareta, eles viram o rosto, cerrando os olhos.

KRYCEK: - Seria mais fácil cortar.

PRESO #1: - Dizem que essa coisa é radioativa. Petróleo é que não é.

KRYCEK: - Petróleo não rasteja pra dentro do seu corpo... Cuidado, não dá pra prever em que camada o óleo está.

GUARDA #2: -(GRITA) Ei!!!! Menos conversa e mais trabalho! Andem!!!

Um deles acerta a picareta e o óleo negro espirra. Eles se afastam, rapidamente.

KRYCEK: - Essa foi por pouco. Finalmente achamos! Agora é um por vez e não desçam a picareta com tanta força. Demora mais, porém essa coisa não vai espirrar, é mais seguro!

KRYCEK (OFF): - Escapei das experiências com alienígenas e com o óleo negro. Meu contato com isso era carregar os corpos dos que morriam nas experiências e os incinerar, além de quebrar e carregar pedaços do meteoro que continha o óleo e rezar pra não me contaminar com aquilo ou com a radiação que emitia. Aquela coisa caiu do espaço perto do Rio Tunguska. E não havia sido o primeiro meteoro a cair na terra, depois eu ficaria sabendo que já haviam caído outros nos primórdios da civilização.

Imagem sobe o foco. A floresta de árvores secas e caídas vai se ampliando até vermos que é uma imensa cratera no meio da vasta floresta siberiana.

Tela escura.

KRYCEK (OFF): - Eu tentei fugir algumas vezes, mas os soldados me capturavam e eu ficava trancafiado na cela por um bom tempo, sofrendo todo o sortilégio de espancamentos e maus tratos que um traidor e assassino merecia. Inicialmente sem ver a luz do sol. Doze horas por dia pendurado pelos pulsos. Doze horas pendurado pelas pernas.


Tela se abre nas sombras humanas, refletidas na parede de pedras.

As sombras de dois homens. Um terceiro homem ao centro, Krycek, pendurado pelos pulsos. Agora com cabelos compridos.

KRYCEK (OFF): - Com os meses passando e novos guardas chegando, os substitutos que não conheciam Sharapov e nem sabiam do que eu havia feito com ele, preferiam me mandar carregar pedras e defuntos, caixas de suprimentos e lavar privadas. Não queriam ficar gastando energia me torturando. De um garoto de rua e ladrão, eu passei injustamente para traidor e assassino, uma escalada rápida para alguém que sonhava em cantar no Teatro de Moscou. Brejnev havia morrido em 1982, tomou pentobarbitais em excesso. Em seu lugar assumiu Andropov, o chefe da KGB. Ele começou uma série de reformas econômicas, a perseguir os amigos de Brejnev, a lutar contra a corrupção que havia se criado. Mas a URSS já estava falida por gastar tanto em poder bélico. Então veio Konstantin Chernenko, que morreu em 1985 quando Gorbachev assumiu o poder para terminar com o comunismo. Eu passei minha juventude preso e torturado num gulag. Por crimes que nunca cometi. Então, Sharapov foi transferido para Krasnoyarsk. E eu fiquei enjaulado numa cela novamente.

SHARAPOV: - Sentiu saudades minhas? Pois agora eu serei o seu sargento de novo.

A sombra do homem à esquerda, Sharapov, ergue o bastão de madeira, arrebentando-o com força nas costas de Krycek. Ele grita. O corpo vai de encontro à parede, balançando.

Foco apenas na sombra do bastão que desce diversas vezes contra as costas de Krycek, até que finalmente, os gritos dele cessam, cansado da tortura.

A sombra do corpo de Krycek cede, o deixando pendurado pelos pulsos.

Sharapov e o homem da direita agacham-se. O corpo de Krycek cai, deixando nenhuma sombra restante na parede de pedras, a não ser a sombra das duas correntes.

Os dois se erguem, puxam as correntes para baixo. A sombra de Krycek se ergue novamente, desta vez com as pernas para cima. Escutam-se leves murmúrios em russo. Sharapov ergue o bastão e acerta nas solas dos pés de Krycek. Ele grita.

Corte.

A cela se abre. Krycek acorda-se num sobressalto, rastejando até a parede, com medo, feito um animal. Cabelos longos e barba. O olho esquerdo inchado e cortado, que ele não consegue abrir. Pés sujos de sangue, uniforme com marcas de sangue. Os guardas o arrastam. Ele aos gritos, com medo e pavor.

GUARDA #1: - Levanta daí! Anda! Você vai fazer uma viagem atéAchinsk. E se abrir a boca pra falar ou perguntar alguma coisa no meio do caminho, eu arrebento suas pernas, fui claro?

Krycek tenta, mas não consegue se levantar com as solas dos pés machucadas. Eles o chutam, contudo ele não consegue.

KRYCEK (OFF): -Na mesma noite em que Sharapov voltou e me encarcerou novamente, eu fui acordado por um guarda. Iriam me levar de volta pra base. Eu não sabia porque, talvez fosse pra me executarem. De qualquer forma, se eu voltasse e ficasse em Achinsk, pelo menos me livraria das torturas de Sharapov. Me atiraram pra dentro de um caminhão do exército, com as mãos algemadas, os pés amarrados e quatro soldados armados olhando pra mim. Durante o trajeto eu só desejava que fosse uma morte rápida. Quando chegamos na base, me jogaram na mesma cela que eu havia ficado anos atrás. Ainda havia na parede as coisas que eu escrevia, nos momentos de insanidade. Eu as lia e não eram diferentes do que eu ainda pensava.

Os guardas desistem e o arrastam pra fora da cela.


Base Militar de Achinsk - Imediações de Krasnoyarsk - 4:28 A.M.

A luz repentina do isqueiro quebra a escuridão, acendendo o cigarro. A ponta acesa do cigarro no escuro, move-se algumas vezes, mostrando as barras de uma cela. O cigarro levado à boca e tragado, aumenta a luz revelando a face sombria do Canceroso.

A luz de um lampião acesa por Pescow, ilumina o lugar.

Krycek dorme no chão da cela entre ratos. Cabeludo, barbudo, magro, pés machucados, cabeça sangrando e o olho esquerdo inchado e cortado. As roupas encardidas e manchadas de sangue.

PESCOW: - Podemos usar outro, mas esse é durão, acredite. Só precisa de um banho, corte de cabelo, fazer a barba, roupas boas e comer alguma coisa decente. Em alguns meses ele vai parecer um jovem bonito e saudável de novo. Tem 28 anos, vai fazer 29 em breve.

CANCEROSO: - (TRAGA O CIGARRO) Gostei da ficha dele. Além de saber inglês, é jovem e ambicioso. Treinamento no exército, sede de vingança, olhos frios. Filho de um reacionário. Viveu na pobreza. Um sonhador. É só dar a ele o que quer e fará qualquer coisa que pedirmos.

PESCOW: - Acho que podemos confiar nele. Nunca acreditei que fosse um traidor.

CANCEROSO: - Ele não foi condenado por traição? Vamos deixar que o rapaz faça jus a sua condenação. Não vamos ficar com ele por muito tempo. Apenas enquanto nos servir.

O Canceroso fica observando Krycek. Solta a fumaça do cigarro, num sorriso.

Corte.


Dois soldados escoltam Krycek, de cabelos cortados e molhados, barba feita, bandagem na cabeça cobrindo o olho, vestido num uniforme de prisioneiro. Krycek está descalço, com ataduras ao redor dos pés, manca a cada passo. O guarda o empurra pra dentro da sala atapetada com um falso espelho. Fecha a porta. Pescow sentado à escrivaninha, tomando chá. Abre uma caixa de cigarros.

O Canceroso fuma um cigarro, na outra sala, analisando Krycek pelo espelho.

PESCOW: - Fuma, camarada?

KRYCEK: - (DESCONFIADO) Não... Vão me executar? Me diz que sim.

PESCOW: - Sente-se. (FECHA A CAIXA DE CIGARROS) Quer um chá?

Krycek o fita mais desconfiado ainda.

PESCOW: - Sente-se, soldado.

Pescow serve um chá numa bonita xícara de porcelana. Krycek senta-se, completamente desconfiado, sem notar a presença do Canceroso do outro lado do espelho.

KRYCEK: - Eu conheço você, estava com eles quando me acusaram de traidor. Você é da KGB.

Pescow coloca o chá à frente de Krycek.

PESCOW: -Beba, camarada. Um verdadeiro russo não recusa um chá.

Krycek empurra a xícara no chão.

KRYCEK: -(GRITA) Idi na hui!!!* (*Foda-se!!!)

PESCOW: - ...

KRYCEK: - Acha que sou imbecil? E se tem veneno aí dentro?

O Canceroso abre um sorriso, impressionado. Pescow pega uma pasta.

PESCOW: - Alexander Dimitri Yavanov Krycek. Vinte e oito anos. Nascido em Moscou... Sua mãe fazia vestidos para minha esposa e filhas. Eu lembro de você ainda moleque indo entregar os vestidos delas. Eu era fã de seu pai, Mikhail Krycek, sabia? Tínhamos algo em comum. Seu pai e eu odiávamos Brejnev. Felizmente, Brejnev morreu.

KRYCEK: - (SORRI) Brejnev morreu???

PESCOW: - Sim, há muitos anos e não deixou saudades. Mais dois vieram depois dele e agora temos Gorbachev no poder. Meu jovem, você é filho do jornalista, escritor e poeta Mikhail Yuri Krycek... Gostava dos livros do seu pai. Antes de Brejnev assumir o poder, o conheci numa biblioteca e ele gentilmente me autografou um exemplar de Rodstvennaya Dusha, Alma Gêmea. Embora pareça um título romântico, o velho Krycek romantizava também seu amor pela mãe Rússia. Isso antes de ser perseguido, ter seus livros queimados, seus bens confiscados... Lamentável. Bom, Brejnev morreu, mas você não precisa morrer.

KRYCEK: - Aonde quer chegar com esse assunto?

PESCOW: - O que sabe sobre a Guerra Fria?

KRYCEK: - (RINDO) É alguma que você tá me armando não é? Não me tirou daquela cela fedida pra discutir política internacional!!!

O Canceroso sorri.

PESCOW: - O que sabe sobre a Guerra Fria?

KRYCEK: - (REVOLTADO) Tudo o que sei é sobre esse sistema. E quer minha opinião? Foda-se o Kremlin, o comunismo e a porra toda desse país totalitário!!! Eu beijo a bunda dos americanos e da democracia!!! Feliz? Agora pode me executar!

O Canceroso sorri.

PESCOW: -Comrade, we can have a frank talk... If you assure me that what we'll talk about will never get out of here. My name is Vassily Pescow, yes, I'm from the KGB and I can also be your fairy godmother*.

(Camarada, podemos ter uma conversa franca... Se você me garantir que o que falaremos nunca sairá daqui. Meu nome é Vassily Pescow, sim, sou da KGB e também posso ser sua fada madrinha*.)

KRYCEK: - (RINDO) Comrade, I didn't know KGB was fluent in English, but I always suspected that KGB slept with the CIA*.

(Camarada, eu não sabia que a KGB era fluente em inglês, mas sempre suspeitei que dormia com a CIA*).

PESCOW: -(SORRI) Você entende e fala inglês realmente.

KRYCEK: - Claro! (DEBOCHADO) Eu sou um bastardo, que trai a pátria desde que usava fraldas!

PESCOW: - Camarada, acho que passou tempo demais na alcova. E está desatualizado. Talvez precise de notícias... Saber o que está havendo no panorama político internacional.

KRYCEK: - Eu sei o que está havendo. Soviéticos e americanos querem comer o rabo do outro.

PESCOW: -Talvez não. Tudo que precisa entender é que estamos na década de 90. Computadores vão virar eletrodomésticos. O desenvolvimento capitalista está deixando os soviéticos para trás e nós estamos falidos em dívidas de arsenal de guerra. Nosso povo está prestes a fazer uma outra revolução. Algumas pessoas estão criando organizações não-governamentais pelo mundo em nome dos direitos humanos. A América Latina está pronta, após a lavagem cerebral dos governos militares.

KRYCEK: - ...

PESCOW: -Em síntese, a mãe Rússia só tem alguns países amigos. Hora de libertá-la para o futuro.

KRYCEK: -Aonde quer chegar com esse assunto?

PESCOW: -Que o muro de Berlim foi derrubado. Que nosso homem Gorbachev venceu as eleições. Você ouvirá termos como Perestroica e Glasnost.

KRYCEK: - Está me dizendo que...

PESCOW: -O partido comunista e o parlamento já estão sendo dissolvidos. E exatamente no dia 25 de dezembro de 1991, Gorbachev extinguirá a URSS formando a CEI, Comunidade dos Estados Independentes. Logo depois disso renunciará e terá nossa proteção. E fim ao comunismo.

KRYCEK: - (OLHA PARA PESCOW) ... Traidor... (RI) E eu sou traidor! Meu pai tinha razão quando dizia que haviam opositores do comunismo que comiam nas mãos dos americanos, dentro do próprio partido comunista.

PESCOW: - Mudanças são necessárias... Nos livramos dos czares, hora de nos livrarmos dos vermes comunistas. Ou o empresariado vai falir. Como acha que um país pode sustentar todos sob o domínio do Estado? Não camarada. Empresas geram lucros. Geram trabalho. Geram consumo. Mas para que tudo isso aconteça, precisamos de homens de confiança. Você tem duas escolhas. Ou morre naquele esgoto ou escuta o que eu tenho a dizer. Você não tem futuro, Alex Krycek. É um traidor. Um defunto. Ou vai morrer de peste, de fome ou de tortura. Mas eu posso dar a você tudo o que sempre imaginou, tudo o que desejar. Eu vou dar a vida a você.

KRYCEK: - (RINDO) Sei.

PESCOW: -Dólares? Poder? Carros? Mulheres? Uma vida digna que você nunca teve. Que tal morar nos Estados Unidos, realizar seu sonho de liberdade? Por que não cantar? Você gosta de cantar, é artista. Pode ter chances num país livre.

KRYCEK: - E quem eu tenho que matar pra isso?

PESCOW: -Quero que trabalhe para mim. É pouco o que peço em troca de tanta oportunidade.Sua missão será receptar na América todas as malas postais soviéticas. E nos devolver as americanas.

KRYCEK: - Está me dizendo que serei um agente duplo?

PESCOW: - Não usaria esse termo. Você estará fazendo um favor para sua pátria, acabando com o regime comunista. Trabalho limpo e fácil. Poderá ter um apartamento em Nova Iorque, todas as despesas que tiver serão pagas pelo governo americano e soviético. Terá cartões de crédito sem limite. Com o tempo, terei mais funções para você. Será meu homem de confiança. Responderá apenas a mim e na América responderá ao Fumante, é o codinome dele. Você terá acesso a todos os prédios federais americanos. Será cidadão americano. Terá de negar sua nacionalidade. Seus pais eram imigrantes russos que foram para a Flórida. Você é americano por natureza.

Krycek olha para Pescow, incrédulo. Pescow tira uma passagem aérea da gaveta. Balança a passagem na frente do rosto de Krycek.

PESCOW: - Só de ida. É pegar ou morrer aqui. Estará sendo patriota. Vai ajudar a realizar o sonho do seu pai: Uma Rússia livre.

KRYCEK: - ...

Krycek observa a passagem. Olha para Pescow. Olha para a bandeira russa atrás dele.

PESCOW: -Acho que não tem muito o que pensar. É isso ou tortura eterna numa cela. Sim ou não?

Pescow discretamente tira a arma da gaveta, pronto para atirar em Krycek.

KRYCEK: - ... (FECHA OS OLHOS) Eu aceito.

Pescow guarda a arma e sorri. Entrega a passagem para Krycek. Pega o telefone.

PESCOW: - Prepare o carro e chame meu motorista.

Pescow desliga. Olha para o relógio.

PESCOW: -Exatamente à meia noite, você 'sumirá da sua cela'. A certidão de óbito estará sobre minha mesa com o relatório da sua execução.

Krycek levanta-se. As pernas tremendo. Incredulidade, alegria, medo, surpresa, todos os sentimentos embaralhados em sua face. Pescow levanta-se e abre a porta. O guarda se aproxima.

PESCOW: - Leve o prisioneiro para sua cela.

O guarda leva Krycek pelo braço. Pescow fecha a porta e olha para o Canceroso, que sai da outra sala.

PESCOW: - Então? Ele é perfeito!

CANCEROSO: - (TRAGA O CIGARRO) Sonhadores... São meus preferidos.


2003 - TEMPO ATUAL

Barbara olha para Krycek. Krycek cabisbaixo brinca com o gorro de pele. Os dois sentados no sofá.

KRYCEK: - Conforme prometeram, meia noite eu saí no carro de Pescow. Pelo caminho, ele me explicou que eu deveria ser educado com o Fumante, fazer o que ele me mandasse fazer, mas não deveria contar a ele nenhuma informação das operações soviéticas em Krasnoyarsk. Eu deveria me ater a dar apenas as informações liberadas para o conhecimento dos americanos, porque eles não eram confiáveis. Pescow admitiu que me escolheu porque nunca acreditou que eu fosse um traidor, conhecia minha família e os ideais do meu pai. Eu podia ter entregue a cabeça do Sharapov pra ele, mas não o fiz. Aquele sargento desgraçado era um problema meu. Eu queria voltar um dia e acertar as contas com o filho da mãe. Antes de ir pro hotel, eu pedi que me levassem ao cortiço aonde morei quando criança.

BARBARA: - ...

KRYCEK: -Estava tudo abandonado e destruído. Só o fogão da mama sobreviveu. Fiquei alguns minutos lembrando dos meus pais dançando dentro de casa... Então fui até o quarto, abri o assoalho e peguei as coisas que havia escondido há quase duas décadas atrás. Pescow me deu alguns rublos e dólares e me deixou num hotel, mandou eu comprar uma roupa bem cedo e aguardar que o motorista me levaria para pegar um voo comercial para Moscou e de lá, eu desceria em Nova Iorque. Confesso que me sentei dentro da banheira do hotel e comecei a chorar. Eu não podia acreditar que estava livre e indo para a América. Era um juramento e um sonho que eu estava prestes a realizar, pensando no meu pai, na mama, no Karel e pensando ainda que a minha vida finalmente iria mudar pra melhor. Eu faria meu serviço burocrático e teria tempo e dinheiro pra estudar música e realizar os meus sonhos.

BARBARA: - E acreditou neles.

KRYCEK: - Acreditei. Era a minha única chance ou continuaria lá sendo torturado até morrer. Você não escolheria viver? E aguentar a situação depois, pela gratidão de um favor que o salvou da morte certa? ... Eu levaria anos pra acreditar que eles fizeram de mim bode expiatório de novo. Agora eu era traidor novamente. Traidor do quê? Será que eu era o traidor mesmo? Ou eram eles? E o resto da história você sabe. Não foi como eu pensei. Precisei mentir, enganar e matar. Me tornei um assassino, um mercenário e quando descobri que tinha sido usado, decidi que lucraria com o que eu sabia deles. Aprendi a jogar o jogo pra ficar vivo.

Barbara vira o rosto. Disfarça, secando as lágrimas. Olha pra Krycek. Ele parece mais aliviado, brincando com o gorro. Barbara pega o gorro e coloca na cabeça de Krycek.

BARBARA: -Você já começou a mudar sua vida. Agora anda do lado certo e sabe por quê? Porque agora você tem escolha. Entende? Pela primeira vez na sua vida você teve escolha. A escolha foi sua, apenas sua. Ninguém decidiu nada por você, nem o jogou entre a cruz e a espada, nem o empurrou pra um beco sem saída. E a sua escolha me faz acreditar na sua natureza boa. Você não pode mudar sua natureza, Alex Krycek. Pode tentar, mentir, enganar, mas nunca vai enganar a si mesmo.

KRYCEK: - Como assim?

BARBARA: - Não entendeu? Que bom! Sinal de que a sua natureza continua viva aí no seu inconsciente, saltando automaticamente pra fora porque nem você percebeu o que fez, então não foi planejado. Foi do coração e sincero mesmo.

KRYCEK: - Continuo sem entender.

BARBARA: -Você perdeu Marita e seu filho, foi o cheque mate deles em você. Então você podia ter fugido ou buscado vingança sozinho, afinal você era um traidor nada confiável, quem iria ajudar você? Pra quem pedir ajuda? Pra quê pedir ajuda se você "é um cara orgulhoso"? Tinha que ser sozinho mesmo. Eram as escolhas a serem feitas. Mas o que você escolheu? Você escolheu pedir perdão para o Mulder, o cara que você tanto ferrou! Escolheu lutar ao lado dele nessa guerra, seja por vingança ou justiça, essas duas palavras se confundem mesmo. Eu chamo essa sua atitude de humildade. Reconhecer o erro e pedir perdão é algo doloroso e requer coragem e humildade. Só quem as tem pode pedir perdão. Por isso ninguém acreditou na sua "redenção", nunca conheceram o Alex Krycek, jamais esperariam que tivesse um coração humilde. Entende?

KRYCEK: - (PENSATIVO) ...

BARBARA: -Mas Mulder, fala sério, sem brincadeiras, Mulder é fodástico como ser humano! Se não fosse, ele teria corrido com você, teria se vingado, motivos ele tinha de sobra, mas o que ele fez? Humildade e compaixão. Perdoou você. No fundo, hermoso, vocês dois tem mais coisas em comum do que imaginam. Dá pra entender o ciúme dos amigos dele, porque realmente vocês dois se ligaram porque tiveram vidas ferradas, tiveram que esquecer por um tempo que eram seres humanos e mergulhar de cabeça nessa loucura toda. Vocês tiveram vidas loucas. Cada um numa realidade diferente, num lado diferente do tabuleiro. Vocês passaram uma década se digladiando sem saber o quanto tinham em comum. Agora que sabem um do outro e estão unidos, é lógico que aqueles homens querem acabar com vocês. Vocês dois juntos é um perigo pra eles.

KRYCEK: - ... Não tinha pensado por esse ângulo. Agora faz sentido porque o Fumacento sempre me dizia para jamais confiar no Mulder. Que ele não era confiável.

BARBARA: - Eu não disse? Você nem vê o que fez. E sem você, nenhum de nós conseguiria ter chegado até aqui ileso. E talvez ninguém tenha dito muito obrigado.

KRYCEK: - Mulder disse. Desgraçado sortudo, ele sempre sabe o que dizer...

BARBARA: - Canta pra mim?

Krycek olha pra ela.

KRYCEK: - Eu não sei mais cantar. Pra cantar, você tem que cantar com a pureza da alma. Não tenho mais isso.

BARBARA: - Acho que tem sim. Lembre do seu pai. Não deixe que sua arte morra dentro de você. Existe um menino aí dentro. Um menino que tinha sonhos. Um menino simples, de bom coração. Não o deixe morrer de novo. Não pense que você não é digno da vida. Que não merece ser feliz. Acho que deveria sim continuar a conversar com o Dr. Fox, para superar os traumas que ficaram em sua vida. Todos nós passamos maus bocados, uns mais, outros menos, mas cabe a nós levantar, limpar os joelhos e correr novamente.

KRYCEK: - Scully e Mulder são importantes pra mim. O tempo em que eles precisaram de ajuda, me fez ver que eu era alguém importante. Consegue entender isso?

BARBARA: -E vai continuar sendo alguém importante. Você está aqui, está livre. Você tem um emprego de que eu sei que gosta. Nunca é tarde para enterrar o passado e começar um novo presente. Basta apenas perdoar a si mesmo para fazer isto.

Silêncio. Krycek cabisbaixo. Barbara toma o rosto de Krycek nas mãos. Os dois ficam se olhando. Barbara envolve os braços nele, aproximando-se mais, colocando as pernas sobre as pernas dele. Krycek pousa as mãos sobre as pernas dela. Aproximam os lábios, tocando-os delicadamente, aprofundando um beijo longo e suave. Afastam os lábios olhando um para o outro. Se abraçam. Krycek recosta o rosto no pescoço dela, fechando os olhos. Barbara afaga os cabelos dele com carinho.


Residência dos Mulder - 10:04 P.M.

[Som: The Smiths - The Boy With The Thorn in His Side]

Mulder sentado ao computador no sótão, digitando. Victoria dormindo no velho sofá de couro, segurando a caixinha do CD.

MULDER (OFF): - ... Nas transcrições em anexo da sessão de psicoterapia, o paciente Alex relata os abusos e torturas físicas e psicológicas sofridas. Observou-se no comportamento do indivíduo reações traumáticas típicas como: culpa, autopunição, dificuldade nos relacionamentos, sentimento de vingança, manifestação de perfil abusador, inclinação para a violência, desconfiança, tendência a depressão e isolamento e também características típicas da Síndrome do Silêncio. O "garoto que carrega um fardo", como ele se apresenta diante deste profissional, manifesta um desejo profundo de mudanças em sua psique que estamos trabalhando mediante sessões semanais de psicanálise.

Mulder vira-se com a cadeira e observa a filha dormindo. Mulder se levanta e tira a caixinha do CD. Victoria vira-se no sofá, suspirando de cansaço. Mulder sorri e volta para o computador. Abre os e-mails. Um deles lhe chama atenção: "Assunto: Rurik Sharapov".

Mulder começa a ler o e-mail. A fisionomia dele muda para perturbação. Mulder se afasta com a cadeira, colocando as mãos atrás da cabeça, angustiado. Baba entra com uma caneca.

BABA: - Tem visita pra você. Barbara Wallace. Mando subir?

MULDER: -A Barbara? Claro.

BABA: - Café?

Mulder olha seriamente pra ela.

BABA: -Ok, sem café então...

MULDER: - Não, eu quero o café. Só estou pensando que não quero fazer o que eu penso que tenho que fazer.

BABA: - Simples. Se tem que fazer... Tem mesmo?

MULDER: - É, tenho mesmo. Não posso esconder de um amigo uma informação que obtive. Se eu não contar pra ele, mesmo que ele não saiba que eu fui atrás, eu serei um filho da mãe cretino. Só tenho medo é da merda que vai dar.

BABA: - Já dizia Forrest Gump: Merdas acontecem. Levo essa criaturinha pra cama?

MULDER: - Não, deixa a minha garotinha dormindo aqui, quando eu for pra cama eu a levo. Ela adora dormir nesse sofá. E a Scully ainda não queria trazer o sofá do meu apartamento, aquela ingrata. Esse sofá tem tanta história... Planejávamos ela sentados nele. E depois, olhar pra minha filha me ajudar a pensar.

BABA: - Eu acho que é um todo, não apenas o sofá. É a presença do pai, o barulho das teclas do computador, a música e a barriguinha cheia. Isso é um convite perfeito pro sono chegar. E quanto ao pai, bem, o judeu narigudo do pai é a paixão da vida dela. Arrumou um chiclete bem grudento, Mulder. Um amor eterno que nada pode separar.

MULDER: - (SORRI) É. Scully gerou e pariu, mas o cordão umbilical é meu. A filha das entranhas da minha alma. Sabia que eu sentia os enjoos todos da Scully? Literalmente engravidei com ela.

Baba entrega a caneca e sai rindo. Mulder toma um gole de café e fecha os olhos num suspiro. Desliga o monitor do computador. Barbara entra, com uma fisionomia abatida. Mulder se levanta.

BARBARA: - Desculpe vir numa hora dessas... Nossa, isso sim é um escritório completo com direito a música, e eu adoro o Morrissey! E ainda tem a musa inspiradora dormindo no sofá.

MULDER: - (SORRI) Enquanto a musa não cresce, ainda sobra espaço pra visita sentar. Café?

BARBARA: - Não. Já tomei um com a Baba.

Barbara dá um cheirinho no pescoço de Victoria e senta-se no sofá. Mulder na cadeira.

BARBARA: - Estou aqui por dois motivos. Ambos são Alex. Quero agradecer o que está fazendo por ele. Como amigo e como psicólogo.

MULDER: - Na verdade nem poderia ajudar, vai contra a ética. Mas ele está me ajudando, não fosse ele eu não pegaria o diploma no final do mês.

BARBARA: - ... É, mas você está ajudando bastante. Ele escuta o que você diz. E sabe que Alex é teimoso, não escuta ninguém.

Barbara faz uma pausa. Brinca com o pé de Victoria.

MULDER: - Ele contou pra você. Posso ver pela expressão no seu rosto. Precisava ver a minha.

BARBARA: - (OLHOS EM LÁGRIMAS) Mas a chorona aqui conseguiu segurar. Sabe, ele não quer piedade, interpretaria mal as minhas lágrimas.

MULDER: - É. (ABAIXA A CABEÇA) Meu esforço de ator acabou quando entrei no meu carro... A gente adora apontar o dedo e julgar as pessoas não é? E se queixar dos nossos problemas como se o maior sofrimento do mundo fosse o nosso... Eu... Eu me coloco no lugar das pessoas. Me coloquei no lugar dele. Certamente teria feito diferente.

BARBARA: - E o que teria feito, Mulder?

MULDER: - Eu teria mematado ainda na adolescência. Eu tentei uma vez, por menos do que isso, pela culpa que sentia sobre minha irmã. Meus pais acharam que eu tinha me enganado com os remédios, mas eu não tinha... E não tenho dúvida alguma disso, na pele dele eu teria me matado. Krycek é forte, Barbara. Em partes pela infância boa que teve, apesar da pobreza. Não faltou amor, entende? Base sólida pra uma criança, porque a personalidade se desenvolve nessa época. Ele aprendeu com os pais a ser forte. Essa é a diferença entre ele e eu. Eu não sou forte como ele.

BARBARA: - Como posso ajudar o Alex, Mulder?

MULDER: - Ele é quem tem que se ajudar, Barbara. Você não pode forçar a pessoa a fazer o que não quer. E ele tem mostrado que quer mudar. O gatilho foi a morte de Marita, com certeza. Desde lá Krycek já mudou muito, não sei se por culpa ou por raiva, mas seja o que for, impulsionou ele positivamente. Mas tem coisas que afetam o equilíbrio emocional dele. O que pode fazer é apoiá-lo. E se ele quiser, o seu amor será muito bom.

BARBARA: - (SORRI) ... Estamos juntos.

MULDER: - (SORRI) Sério? Bom, não sei de nada. Ele vai me contar. Fico feliz com isso. Vai ser muito bom pra vocês dois. Principalmente pra ele que tem tendências depressivas. Mas como eu disse, cabe a ele mudar. Você não pode fazer nada. Apenas amar e apoiar. Escutar. Trocar ideias. E isso é bastante coisa, acredite.

Barbara se levanta.

BARBARA: - Obrigada mais uma vez. Ele é um bom homem, só não sabe disso ainda. Não precisa descer, eu conheço o caminho.

Barbara sai. Mulder abaixa a cabeça.

MULDER: - É... Mas a prova de fogo vai vir. E eu vou ter que contar pra ele.


Precinto 11 - Washington D.C. - 10:37 P.M.

Krycek sentado em sua cadeira. O detetive Sanders sentado na outra. O delegado Norris passa pela sala.

NORRIS: - Tem certeza de que está bem, Checov? Pode trabalhar? Não quero você na rua levando mais tiros, estou em defasagem de policiais!

KRYCEK: - Estou bem.

NORRIS: - Avise o FBI que da próxima vez que envolverem um policial do meu distrito em algum problema deles, eu mesmo vou pessoalmente até aquele pulgueiro de federais bostinhas e engravatados e vou começar elogiando a perversa mãe do diretor e discorrer sobre a viadagem do Hoover. Ou vice e versa. Na hora de ser macho é "acionem a polícia local". Quem leva tiro e fica suado somos nós. Eles ficam perfumadinhos e engomadinhos enfeitando cena de crime e falando merdas intelectuais rindo da nossa cara. Vão se ferrar!

Norris entra na sala dele batendo a porta. Sanders e Krycek começam a rir.

SANDERS: - Eu tô pra ver alguém odiar mais os federais que o velho "Chuck" Norris rabugento...

Scully entra segurando uma pasta, ainda com o crachá do FBI. Sanders olha pra Krycek.

SANDERS: - FBI? Hoje o delegado enfarta...

KRYCEK: - (NERVOSO) Aconteceu alguma coisa?

SCULLY: - Não, está tudo bem. O delegado está aí?

KRYCEK: - Tem certeza que quer mesmo falar com ele? Aconteceu alguma coisa que eu deva saber?

SCULLY: - Só com ele. Assunto oficial. Depois... Ligue pro Mulder.

Krycek se levanta e bate à porta. Abre uma fresta.

KRYCEK: - Norris... O FBI quer falar com você.

Krycek fecha a porta rapidamente, escuta-se o delegado xingando alto. Scully ergue as sobrancelhas.

KRYCEK: - Boa sorte. É todo seu.

Krycek abre a porta. Scully entra na sala. Norris com cara de irritado, rapidamente muda a fisionomia para gentileza quando vê Scully. Krycek sorri e fecha a porta.

SCULLY: - Delegado Norris? Agente Dana Scully, FBI. Podemos conversar?

NORRIS: - Deviam ter me avisado que era uma mulher. Claro, sente-se. Quer um café?

SCULLY: - Não, obrigada. Delegado, trouxe esses papéis para o senhor e... Gostaria de falar sobre seu policial Pavel Checov.

NORRIS: - O que tem o Checov?

SCULLY: - O nome dele não é Checov. Na verdade ele se chama Alexander Krycek e não é detetive da polícia.

Norris arregala os olhos.

NORRIS: - Agente Scully... Tem certeza do que está me falando?

SCULLY: - Absoluta. Eu vim até aqui enviada pelo meu diretor-assistente para informá-lo da verdade.

Norris perde a reação. Pega a pasta e começa a ler, incrédulo.

NORRIS: - Eu não acredito nisso... Checov é um dos melhores detetives do meu distrito! Eu li a ficha dele, ele veio transferido de Nova Iorque e... Meu Deus! Ele me enganou? Mas que diabos...

SCULLY: - Delegado, o que vamos conversar aqui é estritamente confidencial. Alexander Krycek é ex-agente do FBI, como pode ver nessa pasta, todos os documentos oficiais estão aí. Agora ele é um agente morto e o colocamos num programa de proteção. Ele não poderia revelar sua identidade. Pessoas o queriam morto, entende? Gente perigosa. O FBI o estava protegendo.

NORRIS: - Máfia russa? Chineses? Italianos? Se é nível federal a coisa é realmente muito séria.

SCULLY: - Uma espécie de grupo terrorista atuando em células pelo mundo infiltrados em organizações governamentais incluindo nos Estados Unidos. Krycek sabe demais. Corre perigo de vida. Acho que agora pode entender por que ele levou tiros, estava numa missão com um colega. Ele tomou os tiros para salvar o agente que estava com ele. Pode entender para um homem do talento dele ter que viver longe de um distintivo e da justiça? O senhor é policial, sabe como um policial se sente longe daquilo que ama. Pra ser policial tem que realmente gostar muito do que faz. Eu, por exemplo, larguei uma carreira na medicina para ter um distintivo. O senhor certamente também abdicou de alguma coisa em sua vida por amor a profissão.

NORRIS: - Meu casamento, agente Scully... Minha mulher cansou. Desistiu de esperar minha aposentadoria.

SCULLY: - Lamento. Então pode entender porque colocamos Alex Krycek como policial. Experiência ele tem. Habilidades...

NORRIS: - Não discuto isso. Embora eu deteste federais, nada pessoal com a senhora, mas Checov... Krycek é um dos melhores aqui. Vou lamentar perdê-lo.

SCULLY: - Não vai precisar perdê-lo. Espero que não compreenda mal, mas a vida de um agente estava em risco. Entretanto, como conseguimos pegar alguns culpados, decidimos que Alex Krycek pode retornar a sua identidade, mas como ele é um agente morto... Sendo sincera, o FBI não quer mais nenhum contato com ele. Simplesmente jogaram meu ex-parceiro na rua. E estou com medo dele perder a cabeça, sabe? Logo que o FBI o afastou, ele passou meses no AA tentando deixar a bebida. Agora... Temo que ele vai voltar a beber, vai se deprimir, pode tentar se suicidar, o senhor sabe como isso mexe com a cabeça de um policial.

NORRIS: - (IRRITADO)Mas é o que eu digo sempre! O cara se ferra, leva tiros, bota o pescoço na guilhotina e depois os federais chutam o traseiro dele como um cachorro sarnento! Desculpe, madame, pelo linguajar. Isso é típico daquela gente do Hoover!

Scully morde os lábios.

NORRIS: - Eu já vi policiais afastados e aposentados meterem uma bala na cabeça pela frustração de não poderem mais ter ação e correr atrás da vagabundagem... Pobre Checov, nem sabia que ele é ex alcoólatra. Também sou.

SCULLY: - Tem uma carta de recomendação aí dentro. Eu... Desculpe estar abrindo minha vida privada diante do senhor, mas... Alex e eu fomos amantes, o amor se foi, mas ainda ficou a ternura, sabe? Eu gostaria tanto que ele ficasse na polícia. Quando nos encontramos, ele sempre fala que se soubesse como ser detetive de homicídios é bom, jamais teria entrado para o FBI. Ele admira o senhor, sabia? E agora Alex tem raiva dos federais e não posso culpá-lo. Depois de tudo... Se tiver alguma dúvida, tem o telefone do meu diretor-assistente, Walter Skinner. Ele é o homem encarregado da situação de Alex Krycek no Bureau.

Scully se levanta. Norris se levanta. Trocam um cumprimento.

SCULLY: - Ele foi meu amante e meu parceiro, delegado. É um grande policial. Está em suas mãos. Espero que tome a decisão certa, eu detestaria ver Krycek deprimido, longe daquilo que ele gosta de fazer. Temo que a vida dele se acabe... Sabe como é.

Norris abre a porta pra ela. Scully sai. Krycek olha pra ela curioso. Norris e Sanders observam.

SCULLY: - Lamento, meu querido. Sabe que se dependesse de mim, tudo seria diferente. Independente do que acontecer, não volte a beber. Eu me preocupo com você e...Fica bem, tá?

Krycek sem entender nada, olhando pra ela. Scully sorri e dá um beijo na testa dele. Sai da delegacia. Ele fica incrédulo e perdido.

SANDERS: - Aí, hein Checov? Arrasando corações federais! Essa aí é a sua namorada da Virgínia?

Os policiais do plantão assoviam e começa a zoar Krycek.

NORRIS: - Chega! Vocês não tem o que fazerem não? Isso aqui não é a delegacia da mãe Joana, entenderam? Checov, entra aqui.

Krycek entra, desconfiado. Norris fecha a porta.

NORRIS: - Vou ter que engolir minha língua agora, porque sei a verdade, Alex Krycek.

Krycek arregala os olhos.

NORRIS: - Ela me contou.Eu bem desconfiava que você tinha um treinamento superior, você consegue detectar um filho da mãe há uma milha de distância, atira com precisão, gosta de dar porrada e tem um faro aguçado pra investigar as coisas. Mas nunca imaginei que tivesse cursado a Academia do FBI em Quântico.

KRYCEK: - Mas eu...

NORRIS: - Gosto de saber que também detesta federais. Viu como eu tenho razão? Mas sua ex-parceira e... Bem, ex-namorada, a agente Scully, explicou a sua situação como agente morto, sua entrada no programa de proteção... Nem posso imaginar que tipo de gente queria seu pescoço, mas você terá tempo pra me contar. Eu vou ver o que posso fazer para mantê-lo na polícia. Você não leva jeito pra federal mesmo. Acho que seu lugar é aqui. E siga meu conselho, beber não vai resolver nada. E não espere ouvir elogios, entendeu? Agora tire a bunda da minha sala e vá trabalhar!

Krycek sai da sala fechando a porta atrás de si. Fisionomia de incredulidade.

SANDERS: - Qual foi o esporro dessa vez?

KRYCEK: - Nada... Não tô entendendo nada... Vou ter que ligar pra um amigo.

Corte.


Scully entra no carro. Pega o celular e aperta uma tecla, aguardando.

SCULLY: - Mulder, sou eu.

MULDER (OFF): - E aí? Deu certo?

SCULLY: - Bom, se o delegado ligar pro Skinner... Skinner confirmará.

MULDER (OFF): -Acha que Krycek vai conseguir usar o nome dele no distintivo?

SCULLY: - Acho que é mais do que justo, Mulder. Não acho certo ter que se passar por outra pessoa para sobreviver, com documentos falsos... Concordo com você e Skinner sobre isso. Pelo menos Krycek não estará mentindo ser alguém que não é. Krycek foi do FBI. Eu não menti para o delegado. Os documentos todos comprovam, não é mesmo? Aqueles homens deram isso a ele pelos motivos errados, acho que podemos conseguir um distintivo pra ele pelos motivos certos. E depois, Krycek tem experiência, mesmo não sendo policial. Acho que ele não representa perigo pra sociedade. Não mais.

MULDER (OFF): -Hum... Quanto elogio! Devo pensar que ele representa perigo pra mim?

SCULLY: - (SORRI) Mulder... Você me ensinou que as pessoas merecem uma segunda chance. Eu não sei o que sabe sobre Krycek para fazer isso por ele. Mas confio em você. Skinner também.

MULDER (OFF): -Não mentiu nada mesmo, Scully?

SCULLY: - (ENIGMÁTICA) Bom... Inventei umas coisinhas, acresci outras, falei outras que eu já acreditei uma vez e digamos que o delegado, apesar de turrão, tem um bom coração. Mas que realmente tem ódio do FBI, ele tem. E acho que a ideia de pegar um agente que o FBI jogou fora deixou ele animadinho, como se fosse vingança...

MULDER (OFF): - Vou ligar pro Krycek. Ele não deve estar entendendo nada e preciso falar umas coisas pra ele... Scully... Obrigado.

SCULLY: -Confesso que me senti bem fazendo isso, Mulder. Beijo na Victoria.

MULDER (OFF): - E no pai dela?

Scully desliga sorrindo.


Residência dos Sharapov - Maryland - 2:31 P.M.

Mulder para o carro em frente a casa. Krycek sentado ao lado.

MULDER: - Eu desço. Você fica quieto aqui. Eu sei que o cara tá velho, mas ele ainda é um Stallone, ok? Sozinho você não tem chances!

KRYCEK: -Fique fora disso, o problema é meu!

MULDER: -Rato egoísta! Eu também quero me divertir. Adoro pegar esse tipo de filho da puta.

KRYCEK: - Você não sabe quanto tempo eu esperei por isso.

MULDER: - Eu sei. Como sei que vai fazer merda. Não está em condições psicológicas pra fazer isso. Pra que ser gentil com um tiro na nuca? Saboreie lentamente. Aqui não é lugar. Seja esperto. Eu trago o doce pra você. Ele não me conhece e se reconhecer você, ahn? Vai ferrar com tudo? Fica no carro. Agora eu sou o cabeça fria entre nós dois, ok? Confia ou não em mim?

Krycek respira fundo. Mulder desce do carro e vai até a varanda. Bate na porta. O velho Rurik Sharapov abre a porta. Ele não tem um pedaço da orelha. Krycek ao vê-lo enche os olhos de ódio. Toma impulso para sair do carro, mas se contém.

MULDER: - Rurik Sharapov?

SHARAPOV: - Sim.

Mulder mostra o distintivo.

MULDER: - Agente Mulder, FBI.

SHARAPOV: -De novo não! Eu já contei tudo o que sei ao FBI.

Ele vai fechar a porta na cara de Mulder, Mulder coloca o pé.

MULDER: - Pegamos o culpado. Apenas quero que nos acompanhe até a delegacia para fazer o reconhecimento.

SHARAPOV: -(SURPRESO) ... Vou pegar meu casaco.

Mulder aguarda. O velho Sharapov sai fechando a porta. Os dois seguem até o carro. Mulder abre o carro. Os dois entram. Krycek vira o rosto pra janela, fisionomia de ódio, segurando raiva e lágrimas. Mulder dá a partida e toma a rua.

MULDER: - Então você pediu asilo político antes da queda do comunismo.

SHARAPOV: - ...

MULDER: - Desertor?

SHARAPOV: - Não sou desertor. Nunca estive no exército russo.

Krycek cerra os punhos. Mulder encosta o braço nele.

MULDER: - E nem faz parte da máfia russa.

SHARAPOV: -Lógico que não! Eu já disse tudo para os seus colegas. Eu não tenho nenhum envolvimento com o tráfico de jovens russas para prostituição. Eu estava casualmente passando quando vi o assassinato das três garotas. Disse quem era o sujeito pra vocês.

Krycek com os nervos à flor da pele. Olhos cerrados, evitando derrubar lágrimas.

MULDER: - Eu sei. Agora temos que encontrar o sujeito russo que alicia essas meninas pelas redes sociais. Deve ser um sujeito bem convincente. Deve criar uma amizade com elas, demonstra carinho e interesse em ter um relacionamento, diz que mora na América, mostra uma vida boa e tem condições de trazê-la para conhecê-lo... Deve prometer amor, casamento e uma vida tranquila financeiramente, afinal são garotas pobres e humildes que vivem em condições precárias. E a garota cai na isca, chega aqui e vai direto para a prostituição em cárcere privado.

SHARAPOV: - ...

MULDER: - Vou adorar pegar esse canalha. Eu sou pai. Eu mataria lentamente o filho da mãe que tocasse um dedo na minha filha. Não faz ideia de quem seja o aliciador?

SHARAPOV: - Não.... Ei, esse não é o caminho para a delegacia.

Krycek não se aguenta, puxa a arma e vira-se pra trás mirando na cara de Sharapov. Mulder arregala os olhos. Sharapov fica nervoso.

KRYCEK: - (GRITA/ FURIOSO) Fecha essa sua maldita boca nojenta, seu torturador sádico e pervertido do inferno, antes que eu meta o cano dessa arma no seu rabo e atire!!!!

MULDER: - Não faz isso, parceiro. Vai sujar todo o meu carro. Fica calmo.

SHARAPOV: - Quem diabos são vocês? Eu quero sair daqui!

Krycek engatilha a arma, olhos cheios de ódio.

KRYCEK: -(GRITA/ FURIOSO) Eu disse pra calar essa boca!!!!!!!!!!

MULDER: - Acho melhor fazer o que ele disse, "camarada". Meu amigo vai fuzilar você.

SHARAPOV: - (ASSUSTADO) Quem é você?

KRYCEK: -(GRITA/ FURIOSO) Vai ter tempo pra adivinhar e pensar no quanto a vida dá voltas. Eu esperei esse momento por 21 anos tortuosos da minha vida! Pode apostar que vai ser divertido, eu garanto. Vou dar diversão pra você, seu filho da puta!

SHARAPOV: - Eu não sei quem vocês são, mas saibam que isso vai ficar complicado para o seu governo resolver. Minha embaixada vai saber disso...

KRYCEK: - Meu governo? Não sargento Sharapov, eu também sou russo. Vá refrescando sua memória. Temos um longo caminho pela frente. E se abrir a sua boca fedida e eu ouvir novamente a sua voz asquerosa, eu juro que aperto esse gatilho. Eu vou lhe dar uma pista para ficar refletindo durante o nosso passeio: "Dessa vez, eu não vou errar o tiro"!

Sharapov se cala.


3:11 P.M.

Krycek desce do carro, estacionado numa parte abandonada do cais. Arranca Sharapov de dentro do carro, mantendo a arma contra o ex-sargento. Mulder pega um sanduíche do painel do carro e desce, colocando o sanduíche no bolso. Krycek empurra o sujeito. Mulder abre a porta do armazém. Krycek empurra Sharapov pra dentro. Mulder entra e fecha a porta.

MULDER: - Ele é todo seu.

Krycek começa a socar Sharapov com ódio. Mulder cruza os braços e fica andando pelo lugar. Sharapov revida, acertando Krycek. Mulder voa pra cima dele, aos socos, derrubando o ex-sargento no chão. Krycek começa a chutá-lo, cego de ódio.

KRYCEK: - Gosta disso? Ahn? Gosta disso?

SHARAPOV: - Vou denunciar vocês por violência contra um velho!

KRYCEK: - Velho? Pra estuprar soldados você não era velho, seu filho da puta!!!!!!

Krycek aperta o pé contra o rosto dele.

KRYCEK: - Lembra de mim, ahn? Porque eu lembro de você! Por anos tive pesadelos, você acabou com a minha vida, seu merda!!!! Você matou meu único amigo naquele chuveiro!!!

MULDER: - Claro que ele lembra. Toda a vez que se olha no espelho e percebe que... Como se chama alguém que perde metade da orelha? "Desorelhado"? Ah, eu teria arrancado outra coisa dele. Posso?

Sharapov arregala os olhos. Mulder olha pra ele com cara de louco. Krycek se afasta, passando as mãos nos cabelos, nervoso, angustiado e com ódio. Mulder olha pra ele apiedado. Sharapov senta-se no chão.

SHARAPOV: - (RINDO) Ora, ora... Alexander Krycek? Meu soldado favorito. Acho que me entende.

Krycek avança no ex-sargento, metendo chutes na cara dele. Mulder afasta Krycek. Sharapov cospe sangue. Mulder segura Krycek.

MULDER: - (COCHICHA) Me escuta. Ele quer desestabilizar você emocionalmente. Não cai nesse jogo.

SHARAPOV: - Seu amiguinho teve uma morte lenta. Agonizou por quase meia hora. Tentei asfixiá-lo, mas o putinho não queria morrer. Tive que enfiar minha arma no rabo dele e atirar. Logicamente depois de enfiar o que ele adorava.

Mulder puxa a arma e mira na cabeça de Sharapov.

MULDER: - Cala essa boca, desgraçado! Cala essa boca!!!

Krycek voa pra cima de Sharapov, Mulder o detém.

MULDER: - Calma, Krycek. Calma.

KRYCEK: - (GRITA/ ÓDIO) Eu vou torturar e matar esse cara, você não vai me impedir!!!

MULDER: - Calma. Siga o combinado.

Sharapov olha pra Krycek o provocando. Mulder percebe e se mete no ângulo de visão entre eles.

MULDER: - Nomes. Agora! Ou vou deixar Krycek acabar com você.

SHARAPOV: - Que nomes?

MULDER: - Quem é o aliciador das garotas?

KRYCEK: -(GRITA/ ÓDIO) Desgraçado, você era o traidor naquele campo... Pescow desconfiava de você!

SHARAPOV: - Eu vendia as informações para os americanos e joguei a culpa em você, sua bicha!!!

Krycek vem pra cima dele, mas Mulder mais rápido acerta um soco em Sharapov que cai deitado.

MULDER: - Bip! Resposta errada. Não tem bichas aqui, e pelo que me consta, gays não são pessoas de mau caráter. Eu só vejo um estuprador filho da mãe na minha frente, fissurado em subjugar sadicamente soldados jovens e mentindo descaradamente. Krycek, pega as cordas no carro.Se ele não abrir a boca, eu vou descer as calças dele e a gente vai ter uma festinha aqui.

Sharapov fica nervoso. Mulder mira a arma no meio das pernas dele.

MULDER: - Então, vai me dar nomes ou vou ter que castrar você? Ahn?

KRYCEK: -(GRITA/ ÓDIO) Deixa que eu mesmo vou atirar no rabo dele. Pra ele sangrar como Karel sangrou!!!

SHARAPOV: - (GRITA/ NERVOSO)Eu falo! Mas deixa esse maluco longe de mim!!! Eu sou o aliciador. Eu faço parte da máfia russa. Foi como consegui fugir pra cá, com eles. O cara que vocês prenderam é apenas um executor da máfia.

MULDER: - Fala mais. Não me convenci ainda.

SHARAPOV: - As garotas morreram porque tentaram fugir.Tem todos os contatos da máfia russa no meu celular. Todos os nomes. Agora me deixa ir.

Mulder se levanta. Estende a mão, pedindo o celular. Sharapov entrega. Mulder mexe na agenda.

MULDER: - É, só tem nome russo aqui. Vou limpar minhas digitais e mandar para o FBI anonimamente.

Mulder coloca as mãos nos ombros de Krycek. Olha nos olhos dele.

MULDER: -Krycek, eu não tenho direito algum de falar nada pra você, ok? Só você sabe o que passou nas mãos desse verme... Você e apenas você sabe o que precisa ou não fazer. Seja o que decidir, só quero que saiba que sou seu amigo e estou do seu lado, para o que der e vier... Agora, ele é todo seu.

Mulder dá as costas. Krycek sorri. Arregaça as mangas da camisa. Voa pra cima de Sharapov aos socos e pontapés.

Corte.


Mulder parado na porta aberta do armazém abandonado, de costas, comendo um sanduíche tranquilamente.

SHARAPOV: - (AOS GRITOS) Me ajuda, por favor!!!!

Mulder, indiferente, tira os farelos da gravata. Dá outra dentada no sanduíche.

SHARAPOV: - (AOS GRITOS) Eu sei quem é você!!! É agente do FBI!!!

Mulder continua tranquilo, comendo seu sanduíche.

SHARAPOV: - (AOS GRITOS) Ele vai me matar!!!!

Mulder ergue os ombros.

SHARAPOV: - (AOS GRITOS) Eu dei os nomes! Eu contei tudo o que sei!!! Você prometeu!!!

Mulder esboça indiferença.

SHARAPOV: - (AOS GRITOS) Vocês são sádicos!!!!

Mulder percebe a vassoura velha encostada na parede. Pega a vassoura e estende pra trás, sem olhar.

MULDER: - Ensina pra ele o que é sadismo. Experimenta isso. E não se dê ao trabalho de cuspir na ponta...

SHARAPOV: - (AOS GRITOS) Seus desgraçados!!!!!!

Mulder continua tranquilamente comendo seu sanduíche.

Corte.


Mulder sentado dentro do carro. Krycek sai do armazém, sujo de sangue. Entra no carro. Mulder olha pra ele.

MULDER: -... Usou a vassoura?

KRYCEK: - Não. Ele podia gostar.

MULDER: - Eu trouxe uma pá. Conheço um lugar bom pra enterrar um corpo.

KRYCEK: - (CABISBAIXO) ...

Mulder leva o braço e puxa Krycek.

MULDER: - Tá tudo bem. Acabou.

Krycek se abraça nele, segurando as lágrimas. Mulder enche os olhos de lágrimas.

MULDER: - Tá tudo bem, irmão... Tudo bem... Acabou... Ei, amorzinho. Não vai me fazer chorar, não vai pegar bem dois caras do nosso tamanho abraçados no carro e chorando junto... Vai queimar nosso filme. Se a Scully e a Barbara descobrem, vamos explicar o quê?

Krycek solta Mulder e sorri secando as lágrimas.

KRYCEK: - Irmãos são pra isso?

MULDER: - É. A menos que voltemos a ser inimigos. Você me trai, eu soco você. Você me trai de novo, eu soco você novamente, e vamos assim até ficarmos velhos e reumáticos brigando com os andadores dentro de um asilo até esquecermos do por que estamos brigando devido ao Alzheimer.

KRYCEK: - (SORRI CANSADO) Como se a vida fosse só ignorância e revide? Como se ninguém evoluísse e aprendesse com os erros? Não, Mulder. Posso brigar com você ainda, mas somos melhores juntos na mesma causa. Não acha?

MULDER: - É, eu gosto da ideia de brigar com os andadores num asilo, mas acho melhor ficarmos velhos e reumáticos brigando pela última cerveja enquanto olhamos pro traseiro das enfermeiras e contamos piadas sujas. Isso se lembrarmos das piadas sujas por causa do Alzheimer.

KRYCEK: - Eu não o matei.

Mulder olha pra Krycek com surpresa.

KRYCEK: - Você me disse uma coisa há muito tempo, que quando sentia ódio tinha vontade de matar seu pai, mas a morte era boa demais pra ele. E você tinha razão, a morte seria boa demais para o Fumacinha. Como a morte é boa demais para Sharapov. Ele precisa sofrer, pagar pelos pecados dele. Como eu paguei pelos meus. Matá-lo não vai trazer Karel de volta. Não vai desfazer o que ele fez comigo. Como matar o Fumacinha ou eu mesmo, não vai trazer seu pai de volta, nem desfazer as coisas que aconteceram com você e Scully. Você tem razão sobre o passado. O lugar dele é no passado. Cabe a nós mudarmos o presente.

Mulder sorri.

KRYCEK: - Se você tivesse me matado, teria sido bom demais para o Alex Krycek traidor e assassino. Eu segui errando, caindo e levando rasteiras até que caí na real quando perdi Marita. Você me ensinou o perdão quando me ajudou e me perdoou. Eu queria retribuir esse perdão, mas não consigo perdoar aquele canalha lá dentro. Eu quero mais que ele pague caro. E tenho certeza que na prisão não tem perdão pra aliciador de meninas. Ele vai sentir na pele o que fez comigo.

MULDER: - Situação diferente, Krycek. Nem eu conseguiria perdoar se estivesse no seu lugar. Uma coisa é você sentir ódio por ser traído, outra é ficar anos tentando superar um trauma. Mas certamente o "desorelhado" aí vai ter que servir o traseiro dele lá dentro. Isso sim é uma bela vingança. Ou uma bela justiça poética?

KRYCEK: - Vou ligar pro delegado Norris ou você liga pro FBI?

MULDER: - Vamos pensar... O que vamos dizer?

KRYCEK: - Melhor chamar o Norris. Os assassinatos das garotas ocorreram na região do meu distrito e eu sou da homicídios. Vou dizer que o reconheci como sendo da máfia russa, o segui e dei umas porradas nele pra falar a verdade. Norris vai adorar isso. Depois o FBI vai aparecer, sem dúvida. E o que vai dizer ao FBI?

MULDER: - O que você vai dizer?

KRYCEK: - Que somos amigos, fomos tomar um café juntos e nos deparamos com um suspeito e o resto eu fui o responsável. Sharapov pode chiar o que quiser, é a palavra de um aliciador da máfia russa contra a palavra de dois policiais.

MULDER: - Quer suspensão?

KRYCEK: -O máximo que vou ouvir do Norris é: (IMITA A VOZ FURIOSA DO DELEGADO) "Aqueles malditos federais, meu detetive conseguiu pegar o safado que eles não conseguiram e os filhos da mãe engravatadinhos de perfume burguês levaram os créditos! Devia ter batido mais nele, Checov, para o FBI, os 'Fucking Bastards Idiots' terem o trabalho de recolher os restos com uma pá"!

Os dois riem. Mulder liga o carro. Sai do cais.

MULDER: - Combinei de jantar com a Scully. Não quero me atrasar. Não sei quanto a sua garota, mas a minha fica num mau humor insuportável quando está com fome.

KRYCEK: - A minha já nasceu com fome.

MULDER: - Ahá! Já é sua então? E aí, ela é quente? Aposto que é quente!

KRYCEK: - Quer que eu arrume uns andadores agora ou vai esperar a velhice pra apanhar?

MULDER: - Ei! Eu avisei que elas chegam com sobremesa gourmet só pra pegar o cara pela barriga. A sua garota consegue ser mais cruel que a minha, usa até ganache! O próximo passo dela será deixar umas roupas e a escova de dentes na sua casa. Só estou avisando.

KRYCEK: - E depois?

MULDER: - Ela vai rasgar a sua agenda de namoradas casuais, se livrar da sua pornografia e alegar que sua casa é mais confortável que a dela.

KRYCEK: - E depois?

MULDER: - Depois? Depois você acorda junto todo o dia, com uma coleira invisível no pescoço e pagando as contas. E depois? Não tem depois. Você já era como homem, como indivíduo. Depois tudo é "como eu me meti nessa encrenca"? E quando você está prestes a descobrir a resposta da pergunta, lá vem o filho.

KRYCEK: -(RINDO) Desisto agora, Mulder?

MULDER: - (RINDO)Tá maluco, Rato? É muito bom ser domesticado! Tem vantagens que a selva não oferece pra homens como nós.

KRYCEK: - Tipo?

MULDER: - Tipo esquecer dos problemas, do mundo lá fora, daquela velharada conspiradora, ombro pra chorar, abraço pra dormir... Só cuidado, elas fazem quitutes com a intenção de engordar você para as outras perderem o interesse... Eu vou dar uma dicas pra você, fiquei expert nesse assunto...

KRYCEK: - (RINDO) Além de meu psicólogo ainda quer ser meu conselheiro sentimental? Mulder, vá se ferrar! Eu vou atirar em você!

MULDER: - Ah, é assim que você me agradece? Eu vou socar a sua cara, Rato! Já me bateu a saudade!

KRYCEK: - Ah, fala sério, amorzinho, você sempre arrumava um jeito de me socar como desculpa inconsciente pra ter contato físico comigo! Você me ama!

MULDER: - Ah, amorzinho, eu te amo tanto quanto amo uma cirurgia de apendicite! Você que não larga do meu pé!

KRYCEK: - Você que não sabe mais viver sem mim!

MULDER: -Você é folgado, sabia?

KRYCEK: - E você me traz bombons!

MULDER: - Na próxima coloco veneno pra rato!

KRYCEK: - Sabe que pele de raposa dá um bom dinheiro?

MULDER: - Avise sua namorada que dormir com rato causa leptospirose.

KRYCEK: - Agora entendi porque Scully está sempre com aquela cara. Dormir com raposa transmite raiva.

Os dois seguem discutindo dentro do carro.

Esconderijo de Alex Krycek - 7:12 P.M.

Krycek entra com uma garrafa de vinho numa das mãos e segurando um buquê escondido nas costas. Barbara na cozinha fazendo jantar, colocando algo no forno.

BARBARA: - Hermoso! Espero que não fique aborrecido, mas você me deu a chave.

Barbara vai até ele. Os dois trocam um beijo. Krycek entrega o vinho. Ela, curiosa tenta ver o que ele esconde na costas. Krycek entrega as flores. Barbara abre um sorriso.

KRYCEK: - (SORRI) Pra você, sua curiosa.

BARBARA: -(SORRI/ EMPOLGADA) Pra mim? Adorei!!!

Barbara envolve os braços no pescoço dele e lhe dá um beijo na boca. Então vai pra cozinha com as flores.

BARBARA: - Como foi seu primeiro dia de volta ao trabalho?

KRYCEK: - ... Confuso. Mas não quero falar disso agora.

Barbara revira os armários. Pega uma jarra e coloca água.

BARBARA: - Estou fazendo bolo de carne, gosta?

KRYCEK: - Eu tô começando a achar que o Mulder tem razão...

Krycek senta-se na cadeira. Barbara coloca as flores na jarra e põe sobre a mesa.

BARBARA: - E no que Mulder tem razão, mi Ratoncito?

KRYCEK: - Que vocês nos engordam para as outras perderem o interesse... Pensando bem, geralmente os caras casados são gordos.

BARBARA: - Quanta conspiração! É apenas um inocente bolo de carne, feito com amor para o meu namorado. E posso perguntar por que o vinho? Quer me deixar bêbada?

KRYCEK: - Quero apenas relaxar... Eu deveria comemorar com você o fato de que Norris sabe minha identidade, vai mover forças pra me deixar na polícia e não vou mais precisar mentir. E você sabe que estou gostando da coisa de ser detetive. Eu tenho ação. Eu preciso disso. Eu só sei fazer isso na vida!

BARBARA: - Então vamos comemorar! Abra o vinho. Como isso aconteceu?

Krycek abre o vinho. Barbara pega duas taças.

KRYCEK: - Mulder e Skinner. Eu fui agente do FBI, pelo menos no papel. É o que querem sempre não? A burocracia... Ah deixa pra lá! Tô cansado. Tô aborrecido, mas também não tô. Eu nem sei o que estou sentindo.

Barbara pega a garrafa das mãos dele e serve as taças. Entrega uma pra ele. Senta-se no colo dele.

KRYCEK: - Escreveu seu artigo?

BARBARA: - Sim, até já enviei. Quero falar uma coisa pra você. Uma emissora de televisão local... Quer falar comigo.

KRYCEK: - (SORRI) Sério?

BARBARA: - (SORRI) Amanhã vou lá ver o que querem. Do jeito que as coisas estão, topo até apresentar programa de culinária!

Barbara começa a desabotoar a camisa dele. Krycek tira uma flor do vaso.

BARBARA: - Anda, vamos tirar essa camisa. Você tá muito tenso. Vou fazer uma massagem nos seus ombros. Seu dia deve ter sido cheio.

Krycek coloca a flor no cabelo dela. Barbara sorri.

KRYCEK: - Preciso de um banho, malyshka.

Barbara se levanta, ajudando ele a tirar a camisa.

BARBARA: - Precisa de uma massagem antes. Deixa eu pegar minha mochila.

KRYCEK: - (SORRI) Ah! Você trouxe mochila? Vai deixar alguma coisa aqui, tipo roupas e escova de dentes?

Barbara revira a mochila e volta com um vidrinho.

BARBARA: - É. Você se importa?

Krycek segura o riso. Ergue o copo.

KRYCEK: - É, Mulder... Acho que vou pedir pra você os números da loteria na próxima vez.

BARBARA: - Vou passar um óleo de ervas...

Barbara começa a fazer massagem nos ombros dele. Krycek inclina a cabeça pra trás.

KRYCEK: - Ah, eu posso me acostumar com essas coisas... Agora estou entendendo o quanto é bom ser domesticado...

BARBARA: - (RINDO) Acha que vou domesticar um rato selvagem?

KRYCEK: -Vai ser difícil.

BARBARA: - Nada! Já comecei a colocar o queijo na ratoeira.

KRYCEK: - Vai confiando... Eu tenho fama de ser duas caras e traidor.

BARBARA: - Você não é geminiano né?

KRYCEK: - Não.

BARBARA: - Ah, então estou tranquila! Geminianos são volúveis. Quebrei a sombrinha na cabeça da vadia que andava com o meu ex. E olha que eu não gostava tanto dele. E de você eu gosto muito. Entendeu? Preciso ser mais clara? Eu não sou ciumenta, mas não ouse me testar.

KRYCEK: -Ok, já me sinto avisado.

Barbara vai pra frente dele.

BARBARA: - Mais relaxado?

KRYCEK: - Bem melhor.

Barbara se agacha na frente dele. Krycek olha pra ela curioso.

KRYCEK: - O que foi?

BARBARA: - (SORRI) Acho que você precisa relaxar mais, mi Ratoncito...

Barbara leva as mãos às calças dele. Krycek inclina a cabeça pra trás.

KRYCEK: - Ferrou... Fui fisgado nessa ratoeira.

Corte.


Os dois na cama entre os lençóis. Barbara nos braços dele. Krycek afaga o braço dela com a ponta dos dedos.

KRYCEK: -Passa o dia comigo amanhã? Fica aqui?

BARBARA: - Alex... Eu não sei se é uma boa ideia. Você vai enjoar de mim.

KRYCEK: - Como eu posso enjoar de você?

Krycek leva a mão entre os cabelos longos dela, como se os penteasse.

KRYCEK: - Negros como as noites de Moscou...

BARBARA: - Não é um bom sinal?

Krycek olha pra ela, impressionado.

KRYCEK: - Adoro olhos escuros. Não são comuns. São olhos sinceros. Profundos... Há paz neles.

Barbara ergue-se, olhando pra ele.

BARBARA: - Então estamos namorando, é isso?

KRYCEK: - (COMEÇA A RIR) E como isso funciona? Eu nem sei namorar! Nunca tive namorada.

BARBARA: - Ah eu ensino você. Que tal? Podemos nos encontrar só nos fins de semana para não sufocar você. Não estou exigindo nada.

KRYCEK: - Você conquista tudo o que quer dessa maneira?

BARBARA: - Não... Geralmente eu grito, desço do salto e faço tragédia. E dependendo, uso a minha sombrinha também.

Barbara sobe sobre ele. Os dois trocam um beijo. Barbara se aninha nos braços dele. Faz carinhos em seu peito.

BARBARA: - ... Posso perguntar uma coisa que está me deixando curiosa desde ontem?

KRYCEK: - Pergunte.

BARBARA: - Qual foi a primeira coisa que você fez quando chegou nos Estados Unidos? Hum?

KRYCEK: - Você não acreditaria se eu contasse...


1991

Aeroporto Internacional JFK – Nova Iorque - 5:00 P.M.

Krycek sai do desembarque, segurando a sacola de viagem e ajeitando a bandagem na cabeça. Observa o saguão do aeroporto. Cartazes e propagandas em inglês por todo o lado. Krycek sorri, num alívio.

KRYCEK: - (MURMURA) Freedom, papa. América.

Krycek segue caminhando pelo saguão. Procura seu contato, mas não encontra. O veterano de guerra na cadeira de rodas segura uma placa: "Get out Bush"!!!

Krycek olha para todos os lados, impressionado. As pessoas passam por ele, com sacolas de compras, malas. Famílias juntas. Krycek para em frente a loja, estarrecido. Abre um sorriso ao ver a imagem colorida na TV. Passa a mão no vidro. Olha para todos os lugares, impressionado com as máquinas de refrigerante e chocolates. Krycek então entra numa lanchonete. A garçonete aproxima-se com o bloco de pedidos, olhando para a bandagem na cabeça dele.

GARÇONETE: - (MASCANDO CHICLETES) Nossa, pegaram você de jeito. O que vai pedir, bonitão?

KRYCEK: - Eu quero aquilo ali.

Krycek aponta para o fundo do bar, num sorriso de garoto bobo. A garçonete olha pra ele incrédula.

GARÇONETE: - Só isso?

KRYCEK: - (SORRI) Tudo isso.

A garçonete se afasta, sem entender. Krycek respira fundo, perdendo os olhos no nada. Um misto de medo e alívio.

A garçonete se aproxima, deixando a garrafa de Coca-Cola sobre a mesa.



Конец

(FIM)
05/01/2003

Nov. 30, 2019, 2:12 a.m. 0 Report Embed Follow story
2
The End

Meet the author

Lara One As fanfics da L. One são escritas em forma de roteiro adaptado, em episódios e dispostas por temporadas, como uma série de verdade. Uma alternativa shipper à mitologia da série de televisão Arquivo X.

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