alicealamo Alice Alamo

A cor do seu sangue foi a última das minhas preocupações. Eu me aproximei sem saber quem você era, e gosto de pensar que você me esperava. Ali, sozinha, sentada naquele banco em frente ao lago congelado onde as crianças brincavam, você tinha que estar esperando por alguém, e por que não eu?


Thriller/Mystery All public.

#thelongstoryshort #theauthorscup
6
6.4k VIEWS
Completed
reading time
AA Share

Capítulo Único


A cor do seu sangue foi a última das minhas preocupações. Eu me aproximei sem saber quem você era, e gosto de pensar que você me esperava. Ali, sozinha, sentada naquele banco em frente ao lago congelado onde as crianças brincavam, você tinha que estar esperando por alguém, e por que não eu?

De longe, eu já identificava seus cachos, castanhos, caindo por seus ombros, volumosos, imponentes. Seu olhar estava perdido, e eu me perguntei no que pensava. As crianças pouco te traziam paz, eu podia ouvir seu coração batendo acelerado a despeito da harmonia com que as lâminas cortavam o gelo. E você não parecia as observar exatamente, era como se não as enxergasse ali, como se seu corpo estivesse à minha espera naquele frio banco, mas você permitisse que sua mente voasse longe.

E eu a quis. Poético seria dizer que me apaixonei naquele instante mesmo, ao vê-la tão bela e distraída, mas nós sabemos que um único sentimento me move e dói dizer que não é a paixão.

Paixão me faria sentar naquela neve fria e te contemplar até que a primavera chegasse, ou antes quando o sol da manhã surgisse e queimasse todo o meu corpo. Seria bonito de assistir. Pergunto-me como seus olhos mel ficariam ao refletirem a chama a varrer minha existência, ao presenciarem o meu doloroso morrer por não conseguir deixá-la nessa noite fria.

Se não houvesse medo em seus olhos, horror ou ódio, arriscaria desejar ter feito diferente. Poderíamos sentar lado a lado, respirar a brisa fresca enquanto tomávamos consciência um do outro. Eu iniciaria uma conversa, sempre fui assim, mesmo quando viva, e não permitia que a oportunidade me escorresse pelos dedos. Você certamente riria, ou me olharia em choque, porque as palavras sempre se embaralham nos meus lábios agora vis e já faz muito tempo que não os uso para outra necessidade a não ser a de me alimentar. Como eu amaria rir ao seu lado, poder conhecer o timbre da sua voz e me lembrar da doçura de se ter uma conversa com quem se deseja.

O seu nome não seria mais uma incógnita, apesar de estar mais que claro pelos seguranças ao longe e pelas suas vestes quem você era. Não conhecê-la seria um ultraje, mas ter consciência de seu posição me fez apenas querer entender o que a princesa fazia sem sua coroa. Não que ela lhe fizesse falta, não é mesmo? Não era necessário ouro para coroá-la, sua realeza estava em cada mínimo detalhe, e isso desencadeou mais um passo meu em sua direção.

Sua pele escura eu apostava que fosse macia, como logo pude bem comprovar. Ela brilhava, como uma pedra preciosa já lapidada, que clama por alguém que a colocasse em um altar para contemplação. Minha boca salivou, a mente imaginando mil e uma sensações de como seria afundar as presas nela, de como seria perfurá-la. Quase podia sentir o cheiro que emanaria, o cítrico do perfume que de longe mascarava o doce do sangue que me atraía.

Azul ou não, era o seu sangue que me levou até você, querida; a cor dele foi a última coisa em que pensei ao parar atrás de você. Como em câmera lenta, senti seu arfar surpreso, soube que me notou e pude ver os pelos de seu pescoço a se arrepiarem conforme meus dedos acariciavam a artéria pulsante.

O pulsar forte só me deu mais certeza, como os tambores que antecipam um grande evento. Você desviou os olhos das crianças, mergulhou nos meus por segundos que me foram como séculos, e desnudou minha alma. Eu vi a mim mesma no seu olhar, enxerguei cada ano solitário da minha imortalidade, senti a dor novamente em meu ser como nunca antes e quis fugir.

De todas as formas de se espantar um vampiro, a sua foi a que chegou mais perto de ser efetiva. Ah, se não fosse pela sua beleza, se não fosse pela fome, se não fosse pelo monstro que habita meu peito e clama pelo doce sabor metálico contido em seu receptáculo tão frágil.

Em silêncio, tentei mentir para mim mesma diversas vezes, tentei contar inúmeras formas de dar apenas um pequeno gole, de desfrutar de seus prazeres sem matá-la. Mas sou um monstro, uma louca que perdeu sua humanidade no correr dos séculos e que se apavorou como nunca antes ao entender isso nas profundezas do seu olhar.

Mais de uma vez, olhei para seus lábios, deixei meus olhos me traírem para observá-los na espera de que você me confessasse seu segredo mais secreto, a razão de estar ali sentada no inverno, qualquer coisa! Mas você sorriu, como a princesa que era, educada e doce, ignorando a insanidade que se apresentava diante de si e que vinha ceifar-lhe a vida como se não fosse nada.

Meus lábios tocaram sua pele antes mesmo das presas, beijei-lhe em um pedido de perdão, de permissão, de misericórdia pelo que estava a fazer. Ao longe, seus guardas já deveriam ter me notado, mas meus braços já te apertavam contra meu corpo, e o sangue enchia minha boca antes de deslizar pela garganta.

Se seu sangue era mesmo vermelho ou azul, nunca saberei dizer, eu não me importei com isso ao exigi-lo para mim, ao permitir que fizesse parte do meu corpo. Sua essência me fisgou, seu sangue cegou-me os olhos e nublou completamente meus sentidos.

Mas eu a entendi, minha doce princesa. Você me saudou porque estava pronta para morrer, recebeu-me de braços abertos para que eu lhe servisse, me ajoelhasse diante o seu desejo e o tornasse real. E foi por isso que eu a matei de uma forma diferente, minha querida, foi por isso que colei meus lábios aos seus e deixei que meu sangue descesse pela sua boca em um convite que você não podia recusar.

Eu a estava salvando para que você me salvasse, estendia-lhe minha mão para que você se apoiasse nela e me impedisse de cair ainda mais no silêncio do nada. E você sorriu, ao final de tudo, enquanto fugíamos, você sorriu, e eu soube que havia me agarrado ao fio de esperança correto.

June 8, 2019, 1:27 a.m. 1 Report Embed Follow story
7
The End

Meet the author

Alice Alamo 24 anos, escritora de tudo aquilo em que puder me arriscar <3

Comment something

Post!
Anne L Anne L
Sua história ficou tão melhor que a minha desse desafio que chega bateu a vergonha kkk Nem tinha pensado em fazer fantasia, olha a limitação da pessoa ahuauha arrasou! Tem só uns detalhes que poderia ver para deixar ainda melhor ♥ Tem algumas frases que estão seguindo juntas, unidas por vírgula, mas que deveriam vir separadas, porque falam de assuntos diferentes. Ex: "As crianças pouco te traziam paz, eu podia ouvir seu coração acelerado..." Mesmo que haja relação entre as batidas e as crianças (não me pareceu, but still), faz mais sentido vir separado, já que são frases sobre assuntos diferentes. Há mais algumas frases assim. Tem também um "beijei-lhe" aí que não está correto, já que beijar é verbo transitivo. No mais, adorei a história! Até mais! #TheAuthorsCup #TheGrammarN_zi
July 15, 2019, 21:14
~