Em meados dos anos noventa, quando eu tinha cinco anos e as pessoas usavam roupas bem mais estilosa do que as de hoje e todos escutavam praticamente o mesmo estilo de música, meu pai apareceu em casa com uma caixa um tanto grande e pesada, exalando alegria e rindo feito o idiota que era naquela tarde refrescante de primavera.
— Vocês não vão acreditar no que eu encontrei em uma venda de garagem!
Meu pai era rei de visitar sebos, vendas de garagem e ferro velhos, sempre indo atrás de bens preciosos que eram esquecidos. Sempre que ele saia mais cedo de um de seus trabalhos, era certo que ele voltaria com alguma geringonça e uns dólares a menos para casa.
— O que encontrou desta vez? — Minha mãe perguntava da cozinha.
— Uma Polaroid! Vocês acreditam? Paguei vinte dólares em um modelo antigo que ainda tem alguns refis.
— Que legal, pai! — lembro-me com nitidez até hoje da alegria do meu velho ao mostrar a velha câmera enquanto sentava ao meu lado no sofá mofado.
Era uma Polaroid do ano de 1987, modelo Sun autofocos 660, parecia mais um tijolo do que uma câmera, era realmente uma raridade, uma raridade pois anos depois, em 1997, a marca faliu e todos os amantes de fotos na hora ficaram arrasados, incluindo meu pai.
Naquela mesma tarde meu pai fez eu e minha mãe de estatuas na frente da casa para que ele pudesse tirar a foto perfeita. Vira, mexe, ajeita. Pronto, um barulho estranho — e um flash que quase me deixou cego — e logo estava ali, o quadradinho branco que devia ser agitado para revelar a nossa foto.
Meu velho estava ansioso para ver o resultado da primeira foto, mas não era como se ele não soubesse o que o que era uma foto ou uma câmera, mas sim porque aquela era a sua câmera. Todas as nossas fotos foram tiradas por parentes ou pelas câmeras que pegávamos emprestado, elas eram meio caras às vezes, por isso valia a pena esperarmos alguns anos para encontrar elas nas vendas de garagem. E bem, nós não tínhamos bem a necessidade de ter uma câmera só para nós — e muito menos paciência para esperarmos a revelação do filme.
As câmeras já estavam modernas naqueles anos, já haviam filmadoras, rádios bem modernos, programas de televisão, letreiros de neon, e por incrível que pareça, em meio ao “início” da era tecnológica, você ainda podia encontrar alguns hippies por aí. Não me julgue; os anos 90 não foram a tanto tempo quanto parece, pelo menos nas minhas memórias.
Bem, nossa casa não era algo luxuoso, era confortável e tinha o que precisávamos. Meu pai era um faz tudo e sempre estava fazendo serviços por aí, já minha mãe era escritora — nos tempos livres —, na realidade ela trabalhava em uma loja de roupas no centro da cidade.
Apesar de eu ser um moleque meio brigão, eu me contentava com pouco, e era por isso que eu me orgulhava dos meus velhos. Eles não tinham o emprego dos sonhos, mas dava para o gasto e nos vivíamos bem e felizes com o que tínhamos.
E pensar que Polaroid velha fosse representar exatamente tudo isso e só anos depois eu realmente me daria conta.
[...]
A segunda foto veio acompanhada de muitas pizzas e refrigerante, mensalmente nós prezávamos por fazer algo diferente, que representasse uma boa memória nossa, por conta disso, decidimos jogar um RPG de livro.
A foto era eu sentado em algumas almofadas para ficar mais alto na mesa, em minha frente havia dois litros de refrigerante, uma pizza despedaçada e alguns bonequinhos de brinquedo que usávamos para fingir que eram os personagens.
Nós havíamos ficado até altas horas da madrugada acordados naquele sábado, havíamos nos perdidos, diversas vezes e após um longo tempo e muitos rabiscos em um caderno nós conseguimos finalizar o jogo.
[...]
Bem, aquela câmera quadrada e velha realmente registrava os melhores momentos possíveis.
A terceira foto foi feita pela minha mãe e na minha humilde opinião era a melhor de todas. Não desmerecendo o talento do meu velho para a fotografia, mas aquela representava algo a mais.
Na foto estava eu, com os braços estendidos segurando um brinquedo quebrado e rindo muito. Eu estava sem os dentes da frente naquela foto e tinha grama nos meus cabelos, atrás de mim estava Neito, meu vizinho desgraçado.
Nossas mães e nós nos odiávamos desde sempre, para ser sincero, mas vira e mexe Monoma atravessava a rua para jogar na minha cara o brinquedo novo que ganhou, e para exibir o quão rico seus pais eram e como ele era melhor que eu em tudo.
Todas às vezes, a história se repetia, eu e ele brigávamos até alguma das velhas chegar e separar a briga, para depois elas baterem boca com o quão irresponsável elas eram com seus filhos.
Minha mãe riu na cara da mãe de Monoma e a mandou enfiar os brinquedos do filho no rabo, já que ninguém ali se importava com as coisas de Neito.
Depois daquele dia o moleque loiro sempre ficava me encarando da janela da sua casa e dando umas risadas bizarras enquanto esfregava seus brinquedos na janela.
Ele era um pirralho estranho.
[...]
As próximas fotos sempre eram de nós três, seja no primeiro passeio de barco, seja visitando o Grand Canyon, seja indo ver a família no Texas, seja em muitas situações que representavam algo importante.
Situações que representavam boas memórias.
Mais precisamente, as outras 19 fotos que se sucederam nos 19 meses após a compra do tijolo de fotografias. Sim, uma foto em cada mês.
A última foto dessa batelada de quadradinhos brancos era em maio de 1998.
E dentre todas, ela era a mais especial, não por causa do lugar, não porque foram meus pais que a tiraram em um momento legal, era simplesmente porque foi eu quem tirei aquela foto.
Era a foto em uma praia em que fomos visitar sem motivo aparente.
Aquele era o último refil da câmera, era justamente a última foto.
Meu pai via o quanto eu amava as fotos mensais que tirávamos e então deixou que eu experimentasse essa sensação quando eu tinha por volta de sete anos.
A partir dali eu vi o quão apaixonante a fotografia podia ser.
[...]
Quando eu tinha por volta dos 15 anos eu havia esquecido um pouco meu amor pela fotografia, então coloquei na cabeça que queria cursar física na faculdade. A fotografia havia se tornado um pouco distante de mim depois do fim das fotos mensais, então cogitei mudar de gostos.
Já eram anos 2000 quando eu estava no ensino médio, mais precisamente entre 2003 e 2004. No primeiro ano, quando começamos a ver física, eu havia me encantando pela área, era simplesmente incrível, porem eu ainda não tinha certeza se era realmente aquilo que eu desejava fazer durante o resto da minha vida, era uma dúvida constante que me consumia nos momentos de silencio do meu quarto.
No final daquele ano havíamos começado a aprender óptica, a parte da física que estudava os fenômenos relacionados a luz, conteúdo que mostravam como se formavam as imagens em espelhos e lentes.
Por ironia do destino, naquele ano minha escola fez uma oficina de fotografia, pedindo então para que os alunos que tivessem uma câmera — atual ou velha —, a levassem para que pudéssemos estudar sobre como funcionavam os aparelhos ópticos.
Dito e feito, na quinta-feira pela manhã estava eu com o tijolo fotográfico na minha classe.
— Parece que a minha câmera é bem melhor que a sua, Katsuki — Monoma mostrou a língua enquanto exibia a câmera nova.
— E por que você não enfia ela no cu, Neito? Parece mais divertido que esfregar na minha cara — ralhei.
— Vou enfiar ela no seu! — gritou.
— Ah, cala a boca babaca! — retruquei.
E faltando milésimos de segundos para que eu e ele desencadeássemos uma nova briga, a professora entrou no recinto sendo seguida por um rapaz magro, alto e com o cabelo de duas cores.
— O cara parece a bandeira do Canadá! — ria Kaminari.
Riamos de maneira engasgada, evitando todo e qualquer contado visual com a professora e com o rapaz.
— Bom dia classe, ansiosos para a oficina de hoje?
E como toda a boa turma, respondíamos “animados” aos cumprimentos.
— Este rapaz ao meu lado chama-se Todoroki Shoto. Ele formou-se recentemente na faculdade de física e está aqui para dar uma aula teórica sobre equipamentos ópticos. Vai nos explicar o funcionamento destes equipamentos que estão ficando cada vez mais inovadores! — A professora anunciava com graça e animo.
Eu encarava Shoto de uma maneira julgadora, o garoto não devia ter muito mais do que 20 anos, parecia nervoso e incomodado de estar ali.
— Bom dia alunos — A voz grave ecoava na sala — No final da manhã você terão uma aula prática e aprenderão a revelar as fotos a moda antiga — Ele deu um leve sorriso.
Aquela última frase foi motivo para me deixar inquieto a manhã inteira.
Era por volta de nove e meia da manhã quando a aula realmente me prendeu a atenção e eu consegui compreender o que ele dizia. Meu caderno — que era quase que noventa por cento desenhos e rabiscos estranhos —, pela primeira vez naquele mês estava vendo letras e palavras conexas que não fossem piadas sobre alguém — e pintos feitos por Kaminari.
Com palavras meio enroladas e algumas engasgadas o jovem físico se virava tentando ensinar o conteúdo para a galera do primeiro ano, sendo que além da sua voz, apenas os suspiros das garotas podiam ser ouvidos nitidamente.
Nojento.
Mas eu tinha que admitir, como professor, Todoroki Shoto era um ótimo pedreiro.
Eu não havia entendido merda nenhuma daquela aula, o básico eu acabei aprendendo meio sem jeito e lendo o que ele passava e desenhava.
A câmera era um aparelho fotossensível, deixava a luz passar por um período curtíssimo de tempo, fazia produtos químicos reagirem e depois gerava a imagem. Ao pé da letra e de maneira extremamente grosseira, era assim que funcionava.
Eu entrei sabendo nada e sai sabendo menos ainda.
“A aula desse cara é pior que a do Hizashi, bro” Kirishima cochichava.
“Acharam esse cara no lixo, não pode ser” respondi.
Meses depois eu descobri que Todoroki era filho do diretor da escola, o seu pai o havia obrigado a apresentar algo para mostrar que se formar em física não era algo completamente inútil.
[...]
Logo após o intervalo nós fomos direcionados novamente à sala de aula onde nos fora passada as instruções. Tiramos uma foto da turma inteira e logo iriamos aprender como revelá-la
Fomos divididos em quatro grupos de seis pessoas, e como sempre, nosso grupo fora o último, e para completar a manhã, Monoma estava nele.
Ele sempre tinha o prazer de querer fazer essas coisas apenas para se aparecer e incomodar.
A revelação por produtos químicos funcionava em cinco etapas: Revelação, interrupção, fixação, lavagem e secagem. Após seguir estes passos como uma receita de bolo, conseguíamos transformar a imagem latente do filme em imagem visível.
Na revelação usava-se um produto chamado “revelador”, neste produto de solução alcalina continha prata, através reações químicas, essa prata era convertida em prata metálica, gerando a cor na foto. Por ser uma solução básica, na parte de interrupção, usava se ácido para que a foto não ficasse inteiramente negra, normalmente usando ácido acético glacial nesta parte.
Mas você deve se perguntar, “porque meu pai me explicou todo esse processo químico?” e eu lhe respondo: Expliquei tudo isto para poder dizer que joguei ácido acético nas calças e Monoma e menti dizendo que ele havia se mijado.
Não me julgue mal, eu tinha 15 anos e nós nos odiávamos.
Para a realização daquela oficina, a escola desocupou uma sala de antiga de produtos de limpeza, ela era grande e continha uma pia que podíamos usar para realizar a “experiência”.
Como éramos moleques, por segurança nós tínhamos de ficar a uma distância segura da bancada, nada mais justo e correto.
Durante todo o processo, Neito ficou enchendo o saco, fazendo afirmações e perguntas ridículas, irritando a nós e a Shoto — que vez ou outra revirava os olhos e bufava.
Sabe, eu nunca fui um ser que esbanjasse paciência, e naquele momento eu estava bufando de raiva prestes a quebrar uma cadeira nas costas dele.
Desde que saímos da sala eu estava com a câmera em mãos, eu havia vivido tantas memorias boas ao seu lado que não achei justo ela não estar presente neste momento. Como não havia mais refis para as fotos, eu apenas a segurava com todo o cuidado do mundo, mas ledo engano meu.
No fim da aula, após observarmos a foto pronta, eu pude ficar perto da mesa por poucos segundos, e nestes segundos, Monoma riu em meu ouvido, esgotando totalmente minha paciência e ética.
Em um movimento rápido peguei o recipiente que possuía apenas alguns goles de ácido cético.
“Ácido acético é vinagre, não é?” pensei.
Bem, não literalmente.
Em um movimento brusco, lancei o liquido nas calças de Monoma e logo arregalei os olhos.
“Meu Deus, o Monoma se mijou mano!”
Riamos feito idiotas enquanto o outro loiro se mantinha imóvel olhando para as calças.
Rapidamente liguei minha câmera e fingi tirar uma foto apenas para irrita–lo, mas bem, a máquina fez um barulho que não deveria ser feito, e logo o quadradinho branco com a cena de Monoma com as calças molhadas e a cara espantada se fez presente.
Eu achei que fosse passar mal naquele final de manhã, o rapaz começou a gritar e fazer um escândalo por causa do “acidente”. Antes de tentar a roubar a foto de nossas mãos, ele saiu correndo para o banheiro dizendo que suas pernas estavam geladas e coçando muito.
Mina escondeu a foto dentro da blusa — já que entre os cinco ela era a menos suspeita — e nós fingimos que ele havia realmente se mijado.
O fato de sempre estarmos brigando foi usado como argumento, já que a culpa veio voando para cima de mim. Mas por conta disso, conseguimos fazer a cabeça do diretor e desta vez passamos impunes da barbaridade que fiz.
Eu voltei feliz para casa naquele dia, não pela aula, não pela foto, não por não ter levado suspenção. Estava feliz por ter refis na câmera. Não havíamos visto que ainda restavam alguns de quando havíamos comprado ela, e ali, naqueles outros oito quadradinhos brancos eu tive mais oito memórias incríveis.
Dias depois Monoma jogou a calça na minha cara quando chegou na escola, ela estava com uma coloração estranha e alguns furos aonde havia sido derramado o líquido.
[...]
Aos 16 anos consegui meu primeiro emprego em uma rede de fast foods, nisto, lá estava Mitsuki com a Polaroid na mão para registrar a minha cara mau humorada apoiada por minha mão no caixa do estabelecimento, era a foto que tinha a legenda “meu bebê cresceu”. Aquela velha só me envergonhava.
Durei cerca de três semanas lá, em meu último dia de trabalho eu joguei um hambúrguer na cara de uma cliente e a mandei fazer a própria comida ao invés de encher o saco dos outros com suas frescuras.
Quase fui processado.
[...]
Depois disto minha vida deu um salto, eu me formei no ensino médio, e com isso veio a única foto da minha adolescência na qual eu estava sorrindo. Éramos nós no palco, eu no meio, Kirishima e Mina ao meu lado e ao lado deles Kaminari e Sero. Estávamos com os cones nas mãos e as togas esvoaçantes por conta do vento, riamos todos juntos. Dói–me o coração lembrar daquela época, pois mantive contato apenas com Kirishima e Mina – e agora somente com Kirishima –. Nunca achei fosse sentir tantas saudades dos pintos que Kaminari desenhava em meu caderno.
Depois do ensino médio comecei a ajudar meus pais em bicos por aí, enquanto eu os fazia, estudava para passar em uma boa universidade, e assim finalmente ingressei na faculdade aos 20 anos.
E novamente Mitsuki estava lá para registrar o momento.
Eu estava sentado na grama com as pernas próximas ao tronco, estava com um casaco colegial velho e uma calça jeans rasgada, eu usava meus tênis da sorte e estava nervoso para a primeira aula.
Na foto eu estou mordendo o pirulito com mais força do que parece.
Meus velhos estavam felizes e orgulhosos, Masaru chegou a chorar quando se despediu para ir para casa, aquilo me fez achar graça daquele casal.
Eles eram pais incríveis.
Naquela manhã, durante a minha primeira aula do curso de artes plásticas, eu olhei para a porta e então vi seu pai pela primeira vez, acompanhado de sua madrinha. Eles passavam calmamente pelo corredor enquanto sorriam.
Desde aquele momento eu nunca mais parei de olhar para a porta durante as aulas daquela velha.
[...]
Logo após começar a cursar a faculdade, tive a sorte de encontrar Shoto em um dos corredores da universidade, na minha maior cara de pau eu o chamei e agradeci pela péssima aula de física, pois graças aquilo eu vi que não queria nem chegar perto daquela área, descobrindo então no outro ano meu amor por artes plásticas.
Shoto não sabia se me agradecia ou se mandava eu ir me foder.
Tempos depois viramos amigos em uma festa.
[...]
Depois do meu primeiro semestre eu havia descoberto que não queria artes plásticas, e sim fotografia.
Apenas aos 21 anos eu decidi me render há aquilo que me acompanhou a vida toda e eu não havia dado moral, apenas achando que era um simples hobbie.
Minha mãe ficou feliz quando assumi o que queria verdadeiramente cursar, e dentre todos ela foi quem mais me apoiou.
“Faça o que se sente bem fazendo”.
Masaru não podia estar mais radiante quando soube da notícia.
Após me inscrever para o curso — atrasado por sinal — eu tive a minha primeira aula, introdução a fotografia, ensinando todos os fundamentos básico necessários.
Agora não tendo mais uma velha como professora, eu finalmente consegui me concentrar na aula e não na porta — ainda mais porque a pessoa de meu interesse estava na mesma sala que eu e eu percebi apenas depois.
Naquela aula nós víamos a história da fotografia e o funcionamento básico de seus equipamentos.
A fotografia é uma técnica de exposição luminosa, que fixa a imagem em uma superfície fotossensível.
O conceito de fotografia é antigo e vem sendo aperfeiçoado por muitas pessoas durante muito tempo, mas apenas em 1800 começaram a aparecer as primeiras fotos e câmeras escuras, sendo base para a fotografia do século 19. A primeira foto em preto e branco foi em 1821 e a primeira colorida em 1861.
As câmeras escuras eram aparelhos que na realidade eram caixas, que podiam ter várias dimensões, que possuíam um buraco que deixava a luz passar. Essa luz é refletida em um objeto externo e ao passar pelo “furo”, se fixa no interior da caixa, gerando a imagem invertida, que é menor que a imagem real.
Após a época das câmeras escuras, surgiram os filmes coloridos, que ajudaram a popularizar a fotografia, melhorando seus recursos e as deixando mais baratas e acessíveis as pessoas.
O funcionamento das novas câmeras é parecido com a da câmara escura, sendo um aparelho que agora possui uma lente convergente, ou seja, uma lente que converge a luz para um único ponto, fixando-a do outro lado em um filme sensível a luz. Entre a lente convergente e o filme existe um mecanismo chamado diafragma, que protege o filme do contato com a luz, o diafragma é ativado quando apertamos o botão e realizamos o “clic”. Ao tirar a foto, o diafragma se abre por um milésimo de segundo e deixa a luz passar, gravando então a imagem no negativo. Tais lentes também podiam focar a imagem, a ajustando e a mantendo nítida — quando menor o buraco da luz, mais nítida será a imagem.
As digitais seguem o mesmo princípio, porem a principal diferença entre elas é a forma de gravar a imagem, o que antes era apenas em negativos, agora é salva em uma placa denominada CDD, que converte a luz em sinais eletrônicos — bites e bytes —, gerando a imagem digital. Para a impressão, a imagem era projetada em um papel — também sensível a luz — e invertida novamente para ser fixada no papel.
Mas dentre todas estas informações, eu me perguntava como eram feitos estes processos nas câmeras instantâneas Era incrível pensar que isto ocorria por causa da luz! Chegava a ser insano para mim pensar que existiam equipamentos que podiam gravar qualquer momento da sua vida, seja quadro aberto ou fechado, seja com luzes ou com um flash, seja de qualquer forma. Era uma forma de eternizar para sempre um momento que você viveu. Era isto que me encantava na fotografia.
Na terceira aula nós aprendemos sobre as câmeras instantâneas.
A luz entrava pela objetiva e refletia em um espelho chamado “Fresnel”, que concentra a luz e a reflete direto no filme, — o processo é o mesmo da impressão comum, a diferença é que ocorria na hora.
Ao apertar o disparador, o filme passa por dois roletes que que logo passam por uma mistura de bloqueadores de luz e ácido neutralizador, o líquido é espalhado no papel-filme e então, graças a reagentes químicos compostos no papel, reagem de formas diferentes — conforme a intensidade luminosa do cenário — e que ativam os relevadores, que soltam as tintas coloridas para formar a foto na camada da imagem.
Nesta mesma aula eu havia descoberto o porquê de a foto sair “molhada”, e fiquei apavorado saber que não podíamos balança-la para secar mais rápido, pois poderia borrar e distorcer a imagem.
Após descobrir tantos conceitos que me deixavam curioso — mas que eu tinha preguiça de ir atrás para saber mais —, eu reconheci seu pai no fundo da sala.
Um homem alto, musculoso e de cabelos verdes levemente compridos. Assim como me interessei por ele através da porta naquele semestre, eu voltei a me encantar por ele naquela aula, vê-lo ao vivo e em cores na mesma sala que eu era até um pecado, sua voz era coisa mais gostosa que eu tinha ouvido a minha vida inteira — até mais do que as bandas que eu ouvia.
Em uma aula ele havia chegado atrasado e por uma sacanagem do destino ele sentou ao meu lado, quase tive uma crise asmática ao sentir seu perfume — e ele o usa até hoje—.
Aos poucos ele foi vencendo minha carranca e mau humor, me fazendo sorrir e dizer besteiras com um sorriso no rosto. Era estranho eu me sentir assim, eu me sentia bem fazendo isto com ele, então aos poucos fomos nos tornando amigos.
Na mesma medida em que nos tornávamos próximos, eu me tornava inteiramente apaixonado por ele.
...
— Não vai dormir? Está tarde para ficar olhando a caixa de fotos, não? — questionava Izuku.
— Estou sem sono — bufei ao me jogar contra o encosto da cadeira.
— Ela não falou por mal, sabe disso.
— Eu sei, só que... argh! — resmunguei enquanto mexia nos cabelos — Você sabe quanto elas significam.
— Eu sei, e logo ela vai saber também. Ela é tão explosiva quando você, querido, vocês estavam de cabeça quente na hora, sabe que vão voltar a se dar bem. Ela disse isso da boca para fora — Ele dizia ao encostar-se à parede.
— Eu tenho ciência disso, Izuku — suspirei pesado — Só que isto machucou muito, eu queria que ela entendesse que não é apenas meu trabalho, eu amo o que faço, é importante!
Ele odiava quando eu e ela brigávamos.
— Tudo bem — suspirou — só esqueça isso, por favor. Ficar remoendo isso não vai ajudar — Ele me olhou com carinho — O que está fazendo com elas?
Fiquei quieto ao observar as grandes mãos cheias de cicatrizes mexerem nos delicados pedaços de papel atrás das fotos.
— Você tem o mesmo talento da sua mãe. Vocês são bons contanto histórias — sorriu.
— Não diga isso, creio que de todas as características que herdei dela, essa foi de longe a única que não peguei — falei sereno — mas não diga estas coisas para me acalmar, eu ainda estou brabo.
— Falei apenas a verdade, senhor Midoriya.
Sorri.
— Você está me incomodando agora — falei debochado.
— Estou? Então isto significa que está na hora de eu ir dormir — Izuku beijou minha cabeça — não vá dormir muito tarde. Boa noite.
— Logo estarei na cama, não se preocupe. Boa noite — falei ao voltar a mexer nos posts amarelos espalhados pela mesa de jantar.
Eu achava graça dele. Um homem grande, musculoso, com um jeito todo bruto, mas com um coração mole e um sorriso encantador. O que Midoriya não tinha de coordenação motora com o resto do corpo, ele tinha de talento nas mãos marcadas.
Um artista plástico incrível.
Ele andava pelo corredor que dava acesso aos quartos na ponta dos pés, todo sem jeito cuidando para não fazer barulho.
Após admirar meu belo marido indo para o quarto, voltei minha atenção as fotos.
...
Em uma das aulas foi solicitado um trabalho escrito e em dupla. Não deu outra, no sábado de manhã eu estava com a maldita Polaroid na mão na frente da casa dos Midoriya.
Fizemos o trabalho e catalogamos a câmera, na hora de ir embora eu estava tão distraído com seu pai, que esqueci a máquina em seu quarto, lembrando apenas quando cheguei em casa.
O mandei guardar aquele tijolo com a própria vida, que eu iria buscá-la quando pudesse. Deus o livre aquele homem desastrado encostar nela.
Aconteceu que eu me esqueci dela, lembrando apenas quando voltava para a casa dele depois de uma festa em que havíamos ficado até altas horas da madrugada.
Durante aquela noite ele me pediu em namoro, então “dormi” em sua casa. Por isto há uma foto do seu pai dormindo e sem camisa aqui na caixa.
Esta é uma memória que me recuso a esquecer, pois naquela noite eu me entreguei a ele de todas as formas existentes que um ser humano pode ter.
E eu havia amado minha sogra.
Depois daquilo eu me aproximei muito de sua madrinha, mas em um ataque de ciúmes eu e ela brigamos.
Graças a ela eu tenho esta cicatriz em meu queixo.
Uraraka é um monstro e eu posso provar.
[...]
Um ano antes de eu me formar na faculdade seu pai me pediu em casamento em um show de uma banda que gostávamos. Um ano depois estávamos casados e morando juntos, eu formado em fotografia e ele, dois anos mais velho que eu, formado em artes plásticas.
Depois de três anos de casamento decidimos adotar alguma criança — os gatos dentro de casa já não eram companhia o suficiente para nós.
Quando fomos visitar o lar, descobrimos você. Você tinha por volta de um ano e alguns meses, já caminhava e dizia algumas palavras estranhas. Eu me apaixonei por seus olhos, assim como você se apaixonou pelo meu cabelo espetado.
A responsável disse que você estava sendo rejeitada pois tinha problemas de respiração e parecia ser “atrasada” em relação as outras crianças — com muito cuidado resolvemos seus problemas respiratórios e você finalmente pode correr pelo bairro com seus amigos da escolinha, ralando o seu joelho quase todo o dia.
Que bobagem! Eu falei minhas primeiras palavras com quase dois anos — e suponho que não tenha sido algo muito bonito de ser dito por uma criança.
Papelada vai, papelada vem e logo pudemos buscar você. Seu quarto estava pronto e eu chorei quando te peguei nos braços a primeira vez e pude finalmente te chamar de filha.
E é isso que essas últimas três fotos representam, meu amor por você e por seu pai.
Na foto você estava mordendo uma colher, eu achei aquilo tão lindo que tirei uma foto, logo recebi um xingão dele pois aquilo poderia machucar sua boca.
[...]
Nesta outra você estava indo para o seu primeiro dia de aula na escola, quando fomos te largar em sua sala, você chorou e veio para o meu colo. Neste dia eu descobri que a sua professora era a minha antiga colega de escola, Yaoyorozu Momo. Fiquei aliviado de saber que você estava em boas mãos.
[...]
Aos 10 anos você encheu o saco quando inventou que queria ir para a Disney. Eu achava aquilo uma asneira, Disney? Qual foi? Poderíamos viajar para qualquer lugar e você me escolheu o lugar mais cheio de gente possível.
Mas, sabe, nesta foto que você e seu pai riam lado a lado enquanto eu abraçava o pato Donald, eu descobri que foi o dia mais feliz da minha vida e que talvez a Disney talvez realizasse mesmo sonhos.
[...]
Nós tínhamos muitas fotos nas nossas outras caixas e pen drives, mas a graça mesmo era levar aquele tijolo para todos os lados, cuidando mais dele do que de mim.
Agora já fazem 5 anos desde a última foto que tiramos com ele. Hoje você briga comigo pois eu sou um “maníaco das fotografias”, que eu cuido mais delas do que você. Isso é a maior calunia que você, moça de cabelos pretos e olhos verdes, pode dizer na sua vida! Você é o bem mais precioso que eu tenho, então não venha me dizer que as fotos valem mais do que você! Idiota!
Você me deixa noites sem dormir quando me diz essas bobagens, você parece eu quando era moleque! Agora começo a ter pena da minha mãe só de imaginar ter que conviver comigo.
Porque você tem que ser tão igual a mim?
Só saiba que assim como essas fotos e essa câmera velha caquética, você importa muito e muito mais do que estes pedaços de papel. Mas tente entender, tudo isto são memórias importantes que vou deixar para você e acho que isso importa muito mais do que bem materiais, elas representam tudo de bom na minha vida.
Apenas tente juntar tantas memórias boas como eu e seu pai, entende?
E saiba que eu não espero que você leia isso antes dos seus, sei lá, 25 anos?
Então eu digo, você no auge dos seus 15 anos é insuportável, assim como eu.
Pelo menos se for para ser tão parecida comigo no quesito mau humor, pelo menos bata nos seus colegas e me dê um bom motivo para discutir com o diretor da sua escola.
Você é meu maior orgulho, hoje e sempre. Não importa o que você faça.
E seu pai é mais alucinado por você do que eu, então não se esqueça de achar graças das bobagens que ele te diz, ele ama seu sorriso, então sorria mais para ele.
...
Era uma manhã chuvosa e quando fui te levar para a escola em meu carro. Você estava rabugenta e nós nem nos olhávamos direito. A música estava alta no carro e quando paramos em frente à escola nos falamos brevemente.
— Boa aula.
— Bom trabalho — respondeu sem humor.
Enquanto você atravessa calmamente a rua com seus fones de ouvido, eu peguei a velha Polaroid no banco de trás e a preparei para tirar a última foto.
Quando você chegou do outro lado da calçada, eu abri o vidro e logo buzinei com toda a força do mundo, assustando todos na calçada.
Você se virou assustada e eu lhe mostrei o dedo do meio, você sorriu e mostrou o dedo de volta.
Neste momento eu tirei a foto, fazendo você me olhar com uma falsa cara desapontada, voltando a andar para dentro do pátio da sua escola.
Naquele dia eu me senti bem indo para o trabalho, pois sabia que tudo estava bem entre nós e também porque eu estava sentindo que estava começando a entender você.
Agora, a última foto que sobrou daqueles oito quadrados velhos que tinham mais de 20 anos era você, sorrindo, com seu moletom velho e sua mochila suja que tinha um chiclete grudado em baixo.
E você ainda tinha o chaveiro do Mickey de quando viajamos para a Disney.
Desde então eu nunca mais usei a Polaroid, pois achava que eu deveria viver mais do que me preocupar em registrar para sempre essas boas memórias.
Talvez eu tenha prendido alguma coisa com você, filha.
Thank you for reading!
We can keep Inkspired for free by displaying Ads to our visitors. Please, support us by whitelisting or deactivating the AdBlocker.
After doing it, please reload the website to continue using Inkspired normally.