As folhas laranjas e amarelas cobriam as calmas águas do rio. Barcos de pequeno porte estavam atracados ao modesto porto daquela cidade interiorana, que já havia sido mais movimentada anos atrás. Era natural que as pessoas começassem a migrar para o mundo excitante e movimentado da cidade, com prédios tão altos que podiam tocar o céu e tanta gente para se conhecer.
Entretanto, enquanto a sociedade se moldava aos padrões fixos do mundo moderno, Byun Baekhyun nadava contra a correnteza. Ele não havia se despedido da capital, Seul, por vontade própria, mas não se arrependia de ter dado uma chance para o que antes considerava pacato. Porque apesar de poder tocar o céu, Baekhyun queria ver o céu. E apesar de andar ao lado de tantas pessoas diferentes todos os dias, Baekhyun queria que elas fossem mais do que apenas estranhos.
Assim, o jovem escritor andava pela rua do Porto, sentindo a brisa do outono balançar seus cabelos acobreados recém-pintados – tudo para combinar com a sua estação favorita. Após meses refazendo o mesmo caminho desde que se mudara para a cidade, seus pés andavam mecanicamente, deixando-o livre para observar a vida ao redor. Alguns pescadores preparavam seus barcos e redes para mais um dia de trabalho, outros já haviam voltado – os animados carregavam uma infinidade de peixes, ao contrário dos mais quietos. A carne era vendida em algumas barracas espalhadas pelo Porto, geralmente administradas pelas esposas dos pescadores.
Mas Baekhyun não estava interessado pela pesca. Após o último barco atracado havia a âncora do escritor: a Biblioteca Municipal. Era um dos prédios mais bonitos da cidade, arquitetado aos modelos europeus. Os dois andares eram quase totalmente repletos por prateleiras com livros diversos, além de mesas e poltronas para o aconchego dos leitores. O segundo andar era o preferido de Baekhyun: as grandes janelas proporcionavam uma das melhores vistas da cidade. De um lado era possível ver as casas e o comércio do centro, do outro podia-se observar o Porto e a serenidade do rio.
Assim como nos outros dias em seu horário de almoço, Baekhyun se sentou em sua mesa de sempre e abriu o notebook, o copo de café quente ao lado do aparelho. Ele observava aquela linha aparecendo e desaparecendo na página totalmente em branco do Word, os dedos estáticos sobre o teclado. Por mais que ele tentasse pensar em uma história boa o suficiente para seu próximo livro, nada conseguia superar aquele longo bloqueio criativo, nem os insistentes e-mails da editora o relembrando de que o prazo para a entrega de novos capítulos estava acabando.
Ele ajeitou os óculos redondos e tomou um longo gole do café, se sentindo aquecido. Café o lembrava de sua mãe, que sabia como fazer a bebida como ninguém. Ela estava em Seul, assim como o pai. Os dois eram donos de uma lanchonete na capital e trabalhavam juntos, com o auxílio de mais dois funcionários. Baekhyun já havia ajudado os pais com o negócio, mas eles sonhavam em um futuro melhor para o filho: queriam que ele estudasse na universidade de Seul e fosse um grande empresário. A senhora Byun sempre se gabava do filho inteligente que iria ser o dono de uma rede de lojas.
O ruivo até havia entrado na faculdade de Administração de Empresas, mas o mundo empresarial nunca seria tão atrativo quanto o dos livros. Desde pequeno Baekhyun se via vivendo a vida de seus protagonistas preferidos e sonhava no dia em que faria seus próprios leitores se sentirem da mesma maneira.
Ele escreveu o primeiro livro às escondidas, durante as aulas de economia, marketing ou matemática financeira. Era sobre uma simples história de amor, mas foi cativante o suficiente para ser publicado por uma Editora. O trabalho tinha sido um sucesso razoável para quem estava começando e isso instigou Baekhyun a realmente tentar aquilo profissionalmente. Mas para seus pais, ser escritor definitivamente não era ter uma profissão.
Foi quando um simples jantar de família resultou em uma tremenda discussão entre pai e filho, gerando um forte clima de tensão entre os dois. A decepção era um sentimento mútuo e mesmo com as tentativas da senhora Byun para aliviar os ânimos, Baekhyun decidiu que era hora de tomar o próprio rumo: pesquisou alguns apartamentos, jogou algumas roupas na mala, pegou seus dois gatos e entrou no primeiro ônibus para bem longe de Seul.
Parecia tudo tão certo. Mas agora ele não se sentia tão certo assim. Seu maior medo era de que as palavras ríspidas do pai se tornassem verdade, de que seu orgulho seria ferido, de que teria que voltar e ouvir um “Eu te avisei, seu garoto irresponsável. Vinte e três anos não te ensinaram nada sobre a vida?”
“Não sei nem quem é Byun Baekhyun, quanto mais sei sobre a vida.”, ele pensou, fechando a tela do notebook.
O ruivo olhou para a janela. As folhas continuavam a cair sobre o rio, mas algo além lhe chamou a atenção. Sobre o cais do porto estava sentado um garoto – um estudante, na verdade: o uniforme escuro do ensino médio se destacava entre as folhagens de cores quentes. Baekhyun não conseguia distinguir exatamente o que ele estava fazendo, parecia fitar a floresta que emoldurava a outra margem. De repente, o garoto se levantou e começou a andar lentamente até chegar à borda do cais. Ele se virou de costas, revelando sua face ao escritor. O estudante fechou os olhos e deixou seu corpo cair para trás, fazendo com que suas costas se chocassem contra a água.
Baekhyun se aproximou da janela. Ele depositou suas mãos no vidro e prendeu a respiração, procurando pelo garoto no meio das águas. Quando já sentia se coração pular de nervosismo, o ruivo viu o estudante emergir com um grande sorriso no rosto. Ele subiu no cais novamente e levantou os braços para a cima, gritando. Baekhyun não conseguia ouvir, de fato, mas ele conseguia sentir.
Sem ao menos perceber, seus dedos se deslizaram pelo teclado. Na página do Word se lia “liberdade”.
\(^_^)/
O vento gelado esfriava a espinha de Park Chanyeol. Ele apertava os braços cruzados contra o peito enquanto corria pela rua do Porto até o ponto de ônibus. A mochila preta batia em suas costas, um pouco de água ainda escorria pelas mangas do uniforme e pelos cabelos escuros, completamente encharcados. Talvez ele devesse ter esperado o verão para fazer mais uma de suas pequenas loucuras, mas era como dizia o ditado “A gente nunca deve esperar muito para viver boas novas experiências”.
- E quem disse isso? – foi a reação de Sehun quando ele ouviu o melhor amigo proferir a frase pela primeira vez, alguns anos antes.
- Eu mesmo, acabei de inventar. Daora, né?
Park Chanyeol era só mais um garoto comum. O terceiro ano do Ensino Médio era entediante demais para sua ânsia de viver e, como seu destino estava traçado àquela cidadezinha – pelo menos por enquanto -, ele tentava construir seus grandes momentos ali mesmo. Eram coisas simples, até porque Chanyeol não era nem um pouco complicado. Coisas que o faziam sentir dono de si próprio, que o deixavam com adrenalina nas veias, leve e despreocupado. Coisas para contar para seus netos, mas, enquanto ele não os tinha, compartilhava suas histórias com Sehun mesmo.
Oh Sehun era seu companheiro de todas as horas. Tinham se conhecido no Ensino Fundamental e desde então os dois já haviam feito coisas meio burras como explodir uma bomba de fedor no escritório da diretora no último dia de aula no nono ano (que infestou o andar inteiro, inclusive a sala deles) ou derrubar sem querer uma pilha de bebidas de um bar para maiores de idade (e serem expulsos). Entretanto, às vezes viver intensamente dependia de coisas muito mais simples. Os dois viviam indo acampar na floresta que rodeava a cidade a fim de olhar as estrelas e bater um bom papo-cabeça por horas.
Entretanto, enquanto os vestibulares se aproximavam a cada dia, Sehun não tinha mais tempo para viver intensamente. Não havia mais sentido: nada o fazia se sentir mais vivo do que a dança. O sonho do Oh era se apresentar em grandes musicais e fazer parte de uma coisa maior que ele próprio: a arte.
Sem o melhor amigo ao lado, Chanyeol se sentia estranho. Enquanto seu eu interior gostaria de estar desbravando o mundo, seu físico estudava por horas num quarto fechado para prestar uma prova poderosa o suficiente para determinar o futuro de uma vida. E para quê? Ele nem sabia o que queria fazer. Nunca havia se conectado com alguma coisa de verdade. Por que tudo fora construído para ser tão complicado? Por que a vida não podia ser somente feita de bons momentos? Por que ele deveria escolher seu futuro ao invés de deixar o destino se encarregar disso?
Tantas perguntas em sua mente, tantos pensamentos. O estudante tentava afugentar toda a raiva, tristeza e decepção que o rodeavam e aceitar a realidade. E quando finalmente cedeu, percebeu que não sentia mais nada. Park Chanyeol era vazio. A vida era vazia.
Chanyeol só queria ser o mesmo de antes, só precisava sentir e quando se deu conta, seu corpo já estava envolto pelas águas límpidas do rio. A correnteza trouxe a coragem, a adrenalina o reanimou e a pequena loucura resultou no retorno de sua felicidade. Ele gritou e pulou, procurando aproveitar aquela sensação ao máximo, pois o mundo real não o esperava por muito tempo.
Batendo os dentes, o estudante voltava da escola em seu caminho usual, um pouco mais tarde do que deveria. Ele havia se desviado de sua rota quando pulou no rio e teria que explicar para a mãe porque suas roupas estavam naquele estado, talvez até pegasse um resfriado. Mas não importava: o Park estava vivendo intensamente.
O ponto de ônibus não estava vazio. Um garoto de cabelos ruivos lia um livro: seu tronco inclinado para a frente, longe do encosto do banco, denunciava sua má postura. Infiltrado no livro, ele ajeitava os óculos redondos que caíam constantemente sem ao menos desviar o olhar das páginas – sem ao menos notar a presença de Chanyeol, que havia se sentado ao seu lado.
O estudante queria saber por que diabos uma pessoa podia ficar tão vidrada num livro, pois ele – que já havia experimentado a leitura – não conseguia entender o que eles tinham de tão interessante. Eram só um amontoado de papéis que contavam longas histórias e o Park não tinha muito tempo para elas, afinal, possuía sua própria história para viver.
Chanyeol se inclinou para tentar descobrir o nome da obra, mas acabou se esquecendo de que estava ensopado e já era tarde demais quando um pingo de água caiu de seus cabelos e se espatifou na página ocre, deixando uma espécie de círculo borrado no papel.
- Mas que caralhos. – o garoto ruivo resmungou baixinho. Ele ajeitou os óculos e voltou seu corpo para Chanyeol, a irritação transparente em sua feição.
- Eu… Eu sinto muito, cara. – e passou a mão entre os cabelos molhados, tentando pensar em como se desculpar. – Eu posso comprar outro se você quiser e…
Vendo a preocupação no rosto de Chanyeol, o ruivo mudou seu semblante.
- Olha, tá tudo bem. É só um livro. Um livro bem antigo e importante que eu ganhei há alguns anos… - ele olhou para o objeto em suas mãos, com dor no coração. – Mas ainda assim é só uma palavra borrada. Você não precisa comprar outro. – sorriu – Sei como é difícil ser um estudante e não ter dinheiro para nada. E eu já o li tantas vezes que a história está inteirinha aqui. – apontou para a cabeça.
Chanyeol olhou para o outro, pasmo. Quando o vira pela primeira vez tinha achado que ele era um estudante também.
- Uau, e eu achando que você era mais novo do que eu. Que creme você usa?
O garoto sorriu.
- Eu te vi. – Chanyeol se demonstrou confuso com a fala do outro. – Pulando do rio, eu digo. Dá para ver uma grande parte do Porto do segundo andar da biblioteca. Primeiro achei que você ia se machucar de propósito, mas depois…
O estudante fitou o mais velho, esperando seu julgamento. Porém, a frase não foi terminada e no, lugar das palavras, ouviu-se um suspiro.
- Você deve achar que eu sou louco, não é?
O ruivo olhava para o vento balançando as águas do rio, pensativo.
- Não sei. Talvez uma parte de mim te entenda. Mas a outra parte… - ele olhou para o estudante que tremia com o vento gelado. – A outra parte acha que você é louco e quer pegar uma pneumonia.
Chanyeol riu, seu corpo se contraía em uma mistura do frio com o riso fácil.
-Toma. – o Park viu o outro tirar o casaco grosso e o estender para si. – Não é bom ficar nessa friagem desprotegido. Não se preocupe comigo, eu sou imune ao tempo.
Chanyeol vestiu a blusa de frio e apertou os braços contra o corpo, a fim de se aquecer mais depressa.
- Muito obrigado, senhor… - ele levantou do banco e estendeu a mão direita ao ruivo, que também ficou de pé, o que evidenciou sua baixa estatura em comparação a Chanyeol.
- Byun Baekhyun.
O estudante sorriu, mostrando os dentes.
Viver intensamente era como conhecer um estranho na rua.
Era como um simples aperto de mãos.
- Prazer, Park Chanyeol.
\(^_^)/
- Cara, eu não acredito que você é um escritor! Eu sempre quis que alguém escrevesse a minha biografia.
Sentados lado a lado no ônibus, o estudante e o escritor conversavam. Para falar a verdade, Baekhyun respondia às perguntas de Chanyeol na maior parte do tempo. O primeiro parecia estar mais distraído pela paisagem do outono enquanto o Park, curioso, se divertia com a situação.
- Você só tem dezoito anos, tem poucas histórias para contar e muito chão pra viver.
Chanyeol rebateu.
- E é aí que você se engana, meu caro amigo Baekhyun. – o ruivo fitou a expressão convencida do maior. – Às vezes, um jovem tem muito mais histórias para contar do que alguém viveu por cem anos. Tudo depende de uma coisa.
- Do quê?
O maior hesitou um pouco, como estivesse revelando uma relíquia esquecida da humanidade.
- Do caminho que seu coração quer seguir. – ele colocou a mão sobre o peito - Não importa quantos anos você tenha, a partir do momento em que você não ignora os seus sentimentos e decide correr atrás daquilo que o seu coração quer, você está vivendo intensamente.
Baekhyun pensou em seu sonho e em como talvez tudo estivesse à beira do colapso justamente por ter seguido seu coração. “Mas Chanyeol”, ele pensou, “é só um garoto bobo que quer dar significados especiais à coisas simples.”
- E qual caminho o seu coração quer seguir, Chanyeol?
O estudante olhou para si mesmo.
- Ele ainda não sabe. – disse, pensando em como desejava se conectar com algo que o deixasse tão leve quanto um pássaro levantando voo. – Mas enquanto isso, ele quer que eu sinta.
- Por isso o episódio do rio. – Baekhyun afirmou.
- Por isso o rio e muitas outras coisas.
O escritor voltou a olhar a paisagem. As folhas alaranjadas despencavam das árvores a medida que as rodas do veículo paravam. Aquele era seu ponto de descida. Apressado, Baekhyun se contorceu para chegar no corredor e Chanyeol acreditou por um instante que ele nem ao menos iria se despedir, mas o ruivo olhou para trás.
- Ouça a voz de quem um dia já foi como você, Chanyeol. Tudo o que nós temos que seguir é a realidade. O resto é um mundo de sonhos inalcançáveis. O que você prefere: viver uma coisa concreta ou esperar por algo que nunca vai acontecer?
Antes que o estudante pudesse responder, Baekhyun já estava barrado por outros passageiros. Chanyeol só o viu novamente quando o ônibus voltou ao seu ritmo: o ruivo ajeitava os óculos enquanto andava esbaforido para o outro lado da rua. Ele observou a figura do mais velho ficar menor a cada segundo até desaparecer no horizonte. Sem ao menos perceber, estava pressionando seus braços contra o corpo: o casaco apertado do escritor ainda o protegia da brisa do outono.
- Olha para ele, todo “eu sou o senhor experiente da vida”. Parece até um velho gagá. – ele sorriu, as palavras do ruivo ainda ecoavam em sua mente. – Você não é tão velho quanto pensa, Baekhyun. – e abrindo a boca para continuar com seu pensamento ele sentiu uma coceira forte no nariz que o fez parar por um instante.
O primeiro espirro foi seguido de outros e mais outros. É, talvez ele realmente tivesse pego um resfriado. Talvez ele deveria mesmo ter esperado o verão. Talvez ele nunca mais visse Baekhyun na vida. Mas é o que dizem: “A gente nunca deve esperar muito para viver boas novas experiências.”
Chanyeol se escorou na janela. As folhas do outono continuavam a cair.
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