Notas Iniciais:
tema "infância".
disc: A arte utilizada como capa pertence à Hikanon1336
Ajude uma autora a produzir mais material, deixe um comentariozinho com a sua opinião <3
___________________________
Já era o terceiro dia e ele continuava ali, batendo forte contra o tronco em sua frente.
As mãozinhas sequer faziam diferença na madeira sólida além de tingi-la em vermelho e suor, mas socavam com a intenção de partir o poste em dois.
Era um menino estranho com roupas estranhas, já esfarrapadas de treino e sol. Gaara nunca havia visto alguém assim. Ele não se intrigava com pouco, não se surpreendia com nada. A visão de uma criança se debatendo não era das mais espetaculares. Não atraía a todos. Só que a ele, atraiu.
Não porque era diferente ou porque fizesse barulho em exagero para qualquer habitante daquela vila estoica. Nem mesmo pelo brilho dos cabelos sujos de areia que agoniava quem olhasse, pois ele não se importava em limpar.
Mas porque o menino se feria muito. Por horas. E, no dia seguinte, com um novo curativo, retornava para se ferir de novo. E no dia seguinte, de novo.
Eram três dias.
E os ventos sabem... Gaara já estava cansado de ficar sozinho naquele pátio.
As pessoas não se aproximam dali, então o que aquele menino pensa que está fazendo?
Batendo. Batendo...
Gaara já tinha ouvido que dor não era uma sensação agradável e que todos evitavam. E podia dizer que doía quando o menino parava de bater para sacudir as mãos marcadas e então começar a chutar.
E da quarta vez que fazia isso os chutes já não tinham mais a mesma intensidade.
De novo e de novo.
E ele não entendia, por isso ficava lá, relembrando das palavras que lhe foram ditas em algum momento:
"A dor é algo penoso... e aflitivo..."
O menino, tão concentrado no que estava fazendo, sequer olhava para trás e isso irritava Gaara.
Ora essa! Ele não estava nem se escondendo. Mesmo assim, sentia que não devia se aproximar. Não queria. Pessoas diziam palavras ruins, jogavam coisas nele, fugiam dele.... os aldeões tinham medo.
Ele apertou o urso em seus braços.
Com o tempo, o menino cansou, juntou as mãos em um selo, fechou os olhos, fez força. Estranho. Ele fez ainda mais força... O que estava tentando fazer? Ele cansou de novo e tacou a testa no tronco, frustrado, e ficou lá.
Só... ficou lá.
Ele estava de costas e por isso Gaara não conseguiu ver, só ouvir um fungar.
Hoje, o menino chorava.
O ruivinho olhou para os lados, como se estivesse prestes a fazer alguma proibição e corresse o risco de receber uma bronca se alguém o pegasse, e, em tímidos passos, se aproximou pelo campo arenoso.
- O que... você está fazendo? - perguntou, em um fio de voz.
O menino pulou como se levasse um choque, mas não chegou a se virar, só fungou mais fundo e pareceu dar o seu melhor para não deixar tremer a voz enquanto respondia alto.
- Treinando!
As mãozinhas encostadas ao poste já estavam começando a inchar. O sol que era a pino começava a se aproximar da linha do horizonte e Gaara tinha cada vez mais certeza que nunca viu aquele menino por tais bandas. Isso o intrigou.
"...É uma sensação que normalmente não se aguenta por muito tempo..."
- ...Por que?
O menino estava quieto, mas Gaara estava acostumado ao silencio como resposta. Pensou até em fazer a pergunta novamente, quando o escutou resmungar, se contendo em dizer.
- Me chamam de perdedor... eles riem de mim. Eles estão errados... – ele fechou as mãos, o rosto se contorcendo em uma careta – Eu vou mostrar que estão errados!
"...Acho que basta dizer que é muito desagradável."
Gaara inclinou a cabeça para o lado para olhar melhor. O menino estava tremendo e aquela franja era tão comprida que quase cobria metade do seu rosto. Gaara não gostava de não conseguir ver seu rosto.
- Então... por que está chorando? – insistiu.
- Por que dói! – o pequeno gritou em plenos pulmões, escorregando sentado ao chão enquanto grossas lágrimas escorriam por suas bochechas raladas – Está doendo!
Gaara não teve muita certeza do que fazer...
Ele não era familiarizado com a palavra 'dor', ainda menos com a sensação. Mas o menino estava machucado. E chorava. O que podia fazer?
Ele parou e pensou.
Uma vez quando doeu, Yashamaru se inclinou e beijou sua cabeça. Aquilo o fez se sentir melhor. Gaara não entendeu muito bem o que aconteceu, mas Yashamaru sabia muitas coisas e havia dito alguma coisa sobre remédios e amor, isso ele lembrava. E havia funcionado.
Sim, era isso! Amor!
Ou era xarope de flor... alguma coisa que cicatrizava ou não. Ele não tinha certeza.
Gaara pertou forte o urso em seus braços, se ajoelhou na areia e, antes mesmo que o menino notasse, se inclinou e o beijou. Não queria o machucar mais do que já estava, por isso foi rápido e na bochecha que não estava ferida.
O ruivinho parou um momento, examinando-o com olhos curiosos e enrugou a testa em frustração.
Não funcionou! Os machucados e raladuras continuavam ali. Por que não funcionou? Ele tinha amado igual Yashamaru... ou não tinha?
Esse negócio de amor era complicado.
Mas o menino havia parado de chorar.
O pequeno fungou fundo e passou o braço pelo rosto para tentar limpar com a manga da camisa. Ou talvez só tentando tirar a franja da cara para conseguir enxergar.
Ele tinha tanto cabelo...
- O que... – ele iniciou, a voz ainda anasalada pelo nariz entupido – você fez?
- É amor! – Gaara respondeu prontamente, como se fosse óbvio – Devia curar você! Mas não deu certo... – e se deparou com a surpresa alheia quando perguntou, extremamente sério – Posso tentar de novo?
Por algum motivo que não entendeu, o menino ficou vermelho até a ponta das orelhas. Mas o viu abaixar a cabeça rápido e profusamente indicando que sim.
Gaara respirou fundo. Dessa vez iria fazer certo. Ele estava decidido, dessa vez iria se concentrar.
Mas ele ainda não queria machucar o menino, então em vez de usar mais força apenas se demorou um pouco mais em sua bochecha. Mesmo assim, o menino se espantou de novo. Ele se mexia demais.
E nada. Não aconteceu nada.
Gaara então se afastou e sentou, abraçando as próprias pernas. O urso foi abandonado no chão. Ele estava zangado.
O menino, que havia fechado os olhos com força os abriu assim que sentiu necessário, foi só então que ele se virou de frente para o ruivinho com grandes olhos.
- O que aconteceu? O que foi?
Gaara fez um bico, bufando em resposta:
- Eu não consigo amar direito!
Depois daquilo o menino ruivo se encolheu quieto. As engrenagens começaram a funcionar dentro da cabecinha do outro.
O pequeno não conseguia entender, mas parecia que aquilo era muito importante para o seu amigo, então daria seu melhor para tentar!
Seu pai já havia feito isso, mas ele não sabia que se chamava 'amor'. Ele franziu as sobrancelhas, pensando que fazia sentido. Algumas vezes quando seu pai triscava os lábios em sua cabeça, ou até mesmo quando fazia isso em sua mãe, vinha acompanhado de um 'eu te amo'.
É claro! Devia ter sabido melhor. Então era isso.
Ele não sabia que amor era tão poderoso assim... Mas sim, fazia sentido. As pessoas também faziam isso nos hospitais, não é?
Gaara permanecia com a cabeça enterrada entre os braços e os pés afundados na areia.
O sensei também havia dito algo parecido na academia. Uma vez na aula ele ouviu que o amor, quando não correspondido, podia ser muito doloroso para as pessoas... Sim, lembrava desse dia, mesmo que precisasse se concentrar no significado das palavras que se juntavam, formando uma imagem em sua mente infantil.
Era esse o problema? Por isso o menino ruivo estava tão triste?
Não queria que ele ficasse triste, então soube o que podia fazer. Se aproximou e beijou os cabelos vermelhos – que eram MUITO vermelhos.
Gaara levantou o olhar de onde estava.
- Você viu? Eu amei você de volta! – ele explicou, exibindo um sorriso brilhante – Eu te amei de volta! Não fica triste.
O menininho colocou a mão sobre a cabeça e tinha uma expressão espantada no rosto.
Mais do que pelo beijo, aquilo foi um toque. O escudo não se ergueu. Foi um toque. Ele foi tocado! Não tem como ele ser tocado a menos que...
- A areia não repeliu você.
O menino fechou o semblante, não entendia nada que aquele ruivinho desconhecido dizia, mas isso não parecia ser nada legal.
- Devia repelir você. – o outro continuava a falar, assustado.
- Tem certeza? – com olhos curiosos, estendeu o indicador e cutucou o nariz de Gaara, uma, duas, três vezes. Até ter a mão afastada dali. – Deve estar quebrado.
Sim, Gaara tinha certeza! Ele já tinha repelido uma ou duas crianças, e machucado gravemente outra. Mas havia algo nas mãos feridas daquele menino suado que sua areia não reagia. Foi a primeira vez que foi tocado por alguém que não fosse Yashamaru e sua areia não. se. moveu.
Isso não era nada bom.
Não podia estar quebrado! Como ele ia se proteger agora?
Ele tirou a mãozinha que ainda pressionava o local do beijo e olhou a própria palma como se tivesse a procurar alguma marca de ferida.
Foi por causa disso? Foi porque ele foi amado? Ele nunca foi amado por mais ninguém.
Por que ninguém nunca o disse que amar podia matar? Que perigo.
Em algum momento aconteceu e ele não viu. O menino pegou o urso derrubado ao chão, limpou, e quando Gaara deu por si ele estava perto novamente. E ele, desprotegido.
Isso o fez recuar.
Ele não podia se defender do risco de um ataque desse jeito e ainda não conseguia controlar a areia por vontade própria. Por que as coisas não podiam funcionar sob controle só uma vez? E ele tentasse alguma coisa? E se...
- O amor não vai te machucar.
E é só o que o outro diz.
Gaara olhou para o bicho de pelúcia estendido em sua direção. O menino estava sorrindo, não estava com medo. A areia ainda permanecia calma e imóvel por entre as suas sandálias. Tudo bem.
Ele se abraçou no seu ursinho e levantou do chão.
- Eu sou Lee.
Lee não é uma ameaça. Ele não é uma ameaça para Lee.
- Gaara.
E tudo o que mais queria era sorrir também, então sorriu.
Naquele dia, Gaara fez o seu primeiro amigo.
Claro que o tal de amor era uma fraude e não curava nada, mas, em algum lugar daquela tarde estranha que passou com aquele menino esquisito, Gaara foi apenas outro menino.
Ele se esqueceu que não tinha amigos, esqueceu que não era bem vindo e esqueceu que não era digno.
É que Gaara não percebeu, mas já fazia muito tempo que Lee havia esquecido de seus machucados também.
Acabou que não viu mais aquele menino, e não tinha como saber se o veria de novo ou se minimamente se lembraria mais adiante, mas naquele dia Gaara se sentiu feliz. E também confuso. Isso ele não podia esquecer.
Quando voltou para casa, mais tarde, tinha perguntas demais que precisava fazer a Yashamaru.
Ele não gostou de ter sido tapeado!
__________________________
Notas finais:
Os pedaços entre parênteses sobre o significado de dor são explicações do Yashamaru, retiradas do anime/mangá.
Thank you for reading!
We can keep Inkspired for free by displaying Ads to our visitors. Please, support us by whitelisting or deactivating the AdBlocker.
After doing it, please reload the website to continue using Inkspired normally.