Uma pancada na madeira e então silêncio na sala de estar.
A porta da frente, agora fechada, não oferece mais sensação de abrigo.
Manchadas, as paredes da nossa casa se transformaram em prisão e eu estou parado em meu lugar. Tento mover minhas mãos e meus dedos se sentem inchados por baixo das faixas. Tento mover os pés, mas os pesos nos meus tornozelos apertam mais do que consigo suportar.
O coração bate forte em meu peito, como tal precede uma série ou mesmo a pior das missões, mas eu nada antes fiz. Estou cansado, mas não estou feliz.
Nada fiz. E nada faço. A cada segundo desperdiçado é um passo a mais que te distancia de mim, que me distancia de nós. E eu simplesmente fico aqui.
Eu reconheço o gosto amargo que me mantém estático ao chão. E eu não faço nada. Gaara, o que nós fizemos?
Há uma poltrona por perto e eu já não preciso me manter em pé, por isso eu sento e por isso eu choro, mesmo que em silêncio.
E é necessário o silêncio porque me falta coragem para interromper a calmaria que a tua partida deixou.
Por mais que o silêncio me pareça tão mais doloroso do que os gritos anteriores, havia uma espécie de solenidade naquela falta de barulho que eu não seria capaz de quebrar. Mesmo que pelos motivos errados.
E ainda que eu não consiga diferenciar as lágrimas de tristeza entre as de raiva, eu não seguro e elas escorrem.
Porque eu estou cansado, Gaara. E porque eu não sei o que fazer.
Eu não quero mais passar por isso. Não aguento mais ficar assim. Não aguento mais nos ver assim.
Não importa o quanto eu tente, minhas prioridades me parecem equivocadas e eu simplesmente não consigo suportar. Parece que atingi ao limite e, em algum momento da minha vida, das nossas vidas, o controle simplesmente escapou por entre minhas mãos.
Eu não entendo porque sempre que tentamos resolver alguma coisa acaba se estendendo até transformar em disputa. E tanta mágoa. E tanto rancor.
Eu não quero isso, Gaara. Não precisamos disso. Não somos assim. Então, por que acabamos assim?
Até onde sou capaz de continuar errando com você?
Isso me custa, isso te custa. No fim das contas a razão tem um preço muito alto a se pagar. E daqui de onde estou, só e em silêncio, ela me parece mais uma praga do que um prêmio.
Eu limpo o rosto e me levanto, porque não tenho o luxo de poder. Estou sujo, exausto. Nós perdemos tanto tempo nos violentando e não temos como recuperá-lo tentando nos recompor...
Você precisa lembrar, Gaara, tal como eu jamais posso esquecer: não estamos sozinhos.
A água do chuveiro é gelada. Ainda permanece gelada porque ninguém ainda consertou direito o regulador de temperatura, mas eu até prefiro assim. "O frio clareia as ideias" me disseram, embora tudo o que eu deseje é que também fosse capaz de levar os pensamentos ruins embora.
E também os bons. Eu não preciso deles aqui e agora para me tentar a voltar atrás, porque eu não posso ceder.
Eu sei, Gaara. Eu conheço cada fase da tua vida e vi cada lágrima de sangue que você derramou. Sei tudo aquilo que te faz hesitar e de cada pequeno grande medo que ainda te mantém acordado à noite... E me dói, na agressividade de suas últimas palavras, perceber que você está tão perdido quanto eu.
Mas, meu amor, nós não podemos mais viver desse jeito.
Eu preciso que você volte, preciso que você fique, mas eu não sei o que você quer. Eu não sei o que acontece.
Você está caindo porque se julga incapaz de amar e eu não sei mais o que posso fazer. Me mostre o que posso fazer, Gaara.
Você se afunda em seu casulo e eleva suas paredes de areia. Distribui as recompensas das pequenas felicidades que conquistou para todas as pessoas ao seu redor e mantém para si apenas as pedras do caminho.
Não foram eles, Gaara. Não fui eu. Foi tudo você. Foi sempre você.
Você nunca precisou da pena de ninguém. Só da chance para provar que eles estavam errados.
E tudo o que eu mais quis foi estar por perto para presenciar o quanto você seria capaz de se fortalecer. Por isso fiquei. Por isso fico.
Você é o único que não vê que não precisa comprar a companhia de ninguém. Me diz, o que é preciso para te fazer entender?
Você acha que eu não vejo, acha que eu não percebo. Você se esconde na multidão colecionável que você exibe, orgulhoso, como os selos mais valiosos de sua coleção.
Você se esconde e você desaparece. Do que você foge, Gaara?
O que tanto te assusta?
Você não é nenhum monstro. Você nunca foi um monstro. Você é forte, você é um sobrevivente. Por que você não consegue deixar que te vejam assim?
Por que você não consegue soltar as amarras que tanto te puxam em direção ao chão?
Às vezes eu erro e muitas vezes eu esqueço. Eu e você não somos iguais.
Eu digo coisas que sei que podem te machucar e, mesmo tendo certeza que me custe admitir, eu faria tudo de novo se me fosse dado a chance de voltar atrás. Porque tem certas coisas que me machucam, mas eu não posso abrir mão.
Eu te forcei. Te acurralei ao ponto que você precisou fugir para não se despedaçar.
Isso partiu meu coração. E me doeu, está doendo até agora. Mas disso eu não me arrependo.
Será que você poderá me perdoar?
Eu já não sou capaz de manter calado quando testemunho o quanto isso te desfaz.
Eu já não tenho coragem para correr atrás de você e te cobrir com todo os beijos que gostaria de te dar, todas as carícias que gostaria de proporcionar e fingir que tudo está bem, quando isso está nos consumindo aos poucos. A nós dois e a tudo que construímos.
Eu já não posso te proteger quando tudo o que está te destruindo também faz parte daquilo que te mantém em pé.
Eu já não posso mais repetir o totem barato de que tudo vai ficar bem quando palavras vazias já não me servem mais nem como prece.
Eu já não posso mais tomar partido de uma luta que é sua e você é o único que tem o poder de vencer.
Me diz, Gaara, você pode me perdoar?
Quando entro no quarto que deveríamos dividir, o ambiente está escuro e nossa cama está cheia. Eu não sei em que momento se deu, mas de alguma forma eles conseguiram escapar de seus quartos e se amontoar ali.
Parado, no batente da porta, eu me pergunto o que você diria se visse Metal e Shinki tão próximos assim sem tentar se matar... Teria sido engraçado e nós dois riríamos se o contexto fosse um pouco menos triste.
Talvez ainda seja. Porque a verdade é que, por mais que me doa nossos últimos passos, eu não consigo acreditar que tenham sido os últimos.
Podem me chamar de tolo, ou mesmo de sonhador, mas esse pequeno pedaço de nós dois ainda existe e está vivo. Aglomerado em nossa cama como fazíamos... fazemos, a tantos anos em noites frias de tempestades.
Ainda que dessa vez a tempestade tenha sido causada por nós dois.
Eu não quero me desfazer dele, Gaara. De nenhum deles. Mas eu não posso te culpar.
Não posso te culpar, Gaara, qualquer que seja sua decisão pois eu falhei com você. Falhei com a nossa família.
Não deveria ser eu mais um dos motivos que te mantém insone. Não deveria ser eu mais uma das pessoas a te fazer sentir sozinho.
Deveria ser eu a te encontrar e não a te deixar perdido.
Eu permiti que você saísse por aquela porta e não fui atrás. Eu não fui atrás nem mesmo sob a perspectiva de que você pudesse nunca mais voltar. E pela primeira vez, pela primeira e última vez, não fui capaz de pedir para você não ir.
Mas, meu amor, eu juro por Deus, eu não me arrependo.
Porque eu não sei o que acontece, Gaara, mas de alguma forma, machucado ou confuso, eu confio que você fará o melhor dos julgamentos. E por isso, eu peço que você me perdoe por não conseguir voltar atrás.
Eu peço que me perdoe por não conseguir me arrepender. Eu peço que me perdoe por te dar o espaço que você me pediu e ficar aqui.
Mas você não está mais sozinho e eu preciso que você perceba isso.
Eu preciso que você perceba e que você volte.
O pequeno Metal derruba seu bicho de pelúcia no chão, embora o braço de Shinki o esteja protegendo da queda. Eu não me atrevo a tira-lo dali. Só o coloco mais ao meio do colchão e ajeito a manta que já havia sido puxada inteira para o outro lado.
Talvez, por hoje, seja melhor eu dormir no sofá.
E sim, eu não sei o que acontece, e não sei onde iremos parar, mas esta é a nossa casa, Gaara.
Haja o que houver... estaremos aqui.
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Notas finais:
Essa fic é parte de um projeto que compartilho com minha amiga Bruna, onde ela interpretou Gaara num RPG e eu fui Lee. Eles acabaram brigando por motivos fora do nosso controle e ela escreveu Breathe. Em contraponto escrevi Home.
link para Breathe: https://fanfiction.com.br/historia/766049/Breathe/
Agradecimentos à minha amiga Trillian que fez a capa com o maior carinho.
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