Sentada na porta,
Em sua cadeira-de-rodas ficava.
Seus olhos tão lindos, sem ter alegria,
Tão triste chorava.
Sentada, em uma cadeira-de-rodas, com a pele sendo acariciada pelo sol da manhã, eu observava sem ânimo a rua diariamente. Isso tinha começado a virar rotina. Apenas ficar ali, olhando tudo com o vazio que predominava em meus olhos. Observava os pássaros começarem a cantar aquela melodia que antigamente fazia meu dia tão bom... Após o acidente apenas soava indiferente. Mas os pássaros não eram exatamente o que meus olhos fitavam, e sim as “crianças”, de mesma idade que eu, entre 11 e 13 anos. Jogando bola, pulando corda, amarelinha, queimada, vôlei, entre outras brincadeiras que eu infelizmente não poderia participar.
A fatalidade que sofri fora um atropelamento. E foi o que me deixou nesse estado, paraplégica, sem conseguir me mover da cintura para baixo. E isso com certeza foi a pior coisa que me aconteceu. Minha vida era nos campos gramados, com a chuteira nos pés, competindo com outros jogadores, aquela bola sendo chutada bruscamente em direção ao gol e com a torcida gritando meu nome. Meu amor era aquilo. Claro que minha família é muito importante também, porém aquilo era o que eu queria ser para o resto da vida, era o que me animava a acordar às seis da manhã para ir à escola e logo após, aos treinos. Pois, eu não jogava se não estivesse me saindo bem na escola, meu pai sempre foi muito rígido em relação aos estudos.
Então, ficar sentada numa cadeira ambulante para o resto da vida era um destino macabro aos meus olhos.
Mas quando eu passava,
A sua tristeza, chegava ao fim.
Sua boca pequena, no mesmo instante
Sorria pra mim.
Mas um dia mudou drasticamente essa rotina. Minha irmã tinha insistido muito para que eu fizesse um passeio com ela. Como uma ótima irmãzinha eu aceitei... E agora não me arrependo, porém na hora eu queria fugir e voltar para minha monótona rotina.
Nesse dia ela me levou por uma pequena trilha e nós passamos em frente a uma quadra de futsal. Eu não resisti à tentação de assistí-los jogando e sem nem precisar pedir para Hinata me levar mais para perto, ela o fez. Sério, eu a amo por me entender sem precisar de palavras.
Entre tantos jogadores, um deles prendeu minha atenção totalmente. Não porque era bom, longe disso, me chamou a atenção porque era muito ruim. Ele era alto, então o colocaram no gol, porém ele era a definição perfeita de “tamanho não é documento”. E o trocaram de posição. Trocaram-no tanto que ele rodou a quadra inteira. Foi o primeiro dia, desde o acidente, que ri, e ri com vontade. O coitado deve ter percebido, mas gente! Não era minha culpa se ele era ruim em níveis estratosféricos!
Acho que ele tinha se cansado. Tanto de jogar, quanto de ser zoado. Então foi embora. Nem deu satisfações para os colegas que o chamavam. E não sei o porquê, mas eu o segui. Na verdade, eu sei o porquê. Curiosidade. Infelizmente sou um serzinho curioso, mas eu achei que tivesse perdido essa “qualidade” após o acidente. Mas parece que ele despertou a criança curiosa em mim novamente.
Não pensem que eu seguiria ele e minha irmã me deixaria livre assim. Ela ia mais atrás, deixando-me “rodar livremente” por aquelas calçadas infernais. Acho que quando fizeram as calçadas eles pensaram: “Foda-se os cadeirantes e qualquer outro deficiente!”. Era cada irregularidade que eu realmente achava que o mundo estivesse nem aí para os deficientes. Quando o caminho ficou um pouco mais difícil Hinata me ajudou e quando ficou mais plano, deixou-me ir sozinha. Observei ele se sentar numa arquibancada e jogar a cabeça para trás. Então fui me aproximando.
— Você não sabe jogar futebol, né? — Dei um sorrisinho de canto. Ele me encara. Sua expressão era neutra, mas dava para notar uma leve decepção.
— Se veio me zoar, perdeu seu tempo. Sou especialista em ignorar comentários desnecessários. — Ele volta à posição desleixada, com a cabeça para trás.
— Não vim zoar, na verdade nem sei o que vim fazer... — Realmente eu não sabia. Apenas o segui por pura... Curiosidade.
— Então por que veio? Tem um motivo. — Ele continuava naquela posição. Isso estava me irritando... Odeio que falem comigo sem me olhar nos olhos.
— Tem sim. Uma coisa chamada curiosidade. — Respondi. — Mas eu não sei como me interessei por alguém tão ruim. Talvez por não ver alguém ruim assim faz tempo. — Eu queria provocar, admito...
— Realmente. Eu sou muito ruim no futebol. Mas, o que alguém que vive em cima de uma cadeira-de-rodas pode falar sobre um jogo que exige dos pés?! Coisa que eu acho que você não possa movimentar, não é mesmo? — Ele deu ênfase no: “pés”. Estava irritado. Não muito, porém estava. E essa frase foi como uma facada no peito. Ele estava relativamente certo. Ainda tenho meu orgulho!
— Talvez essa cadeirante saiba bem mais que você. Eu não estava nessa cadeira-de-rodas há um ano atrás, e quando podia mover meus pés, eu sabia utilizá-los muito bem. Ao contrario de você! — Só falando que eu me lembrava quanto tempo tinha passado desde o acidente. Mas mesmo assim eu não superava... Eu nem posso falar dele. Somos igualmente fracassados, não? — Prazer, Hanabi Hyuuga! — Eu estendi minha mão para um aperto. Acho que fui meio inesperada... Ele me olhou, e disse sem nem abrir a boca: “Como assim sua louca?”. Mas quem disse que eu me importava?
— Konohamaru Sarutobi... — Ele apertou minha mão. Não mais irritado, porém confuso. — Mas que por... — Eu o cortei.
— Passo TODO o dia nesse endereço. TODO o dia, entendeu? — O entreguei um bilhete minúsculo e amassado.
— Mas por... — Novamente o cortei. Ele começava a ficar indignado por não conseguir terminar sua frase. — Se quiser saber o porquê vá lá amanhã. Tchau! — Virei meu automóvel, vulgo cadeira-de-rodas, e segui até minha irmã. Que estava chocada e feliz... Fazia tempo que não a via sorrir tão verdadeiramente... Acho que eu fui muito infantil e isso a afetou... ela que me cuida como se fosse minha mãe.
Voltamos para casa. Hinata no meu encalço, pois eu não aceitei ajuda nenhuma na volta. Odeio ser carregada. Chegamos quando já estava anoitecendo, jantamos com a família. Só não foi mais um jantar monótono, pois Hinata contou do seu “grande” feito: conseguir me tirar da frente da porta. E isso foi motivo de vários sorrisos durante o jantar. Realmente, só agora percebi o quanto minha infantilidade os afetou. Isso me deixou um pouco triste e ao mesmo tempo agradecida. Triste por eu ter feito eles se preocuparem e agradecida por eles se importarem comigo.
Fui dormir logo após o jantar, e felizmente, não tive insônia naquele dia. Sofria com isso desde o acidente, não dormia mais, apenas cochilava. No máximo 2 horas de descanso para acordar desconfortável e ter de infelizmente chamar Natsu para me ajudar. A empregada/babá minha, era um amor, sempre cuidou de mim e da Hina quando éramos pequenas. Ela sempre me ajudou com TUDO. Sentar, me vestir, tomar banho, entre um monte de coisas relativamente fáceis para os outros. Tinha muita dó de acordá-la de madrugada, porém eu não conseguia voltar a dormir e muito menos me levantar. Então toda a madrugada eu estava novamente em frente à porta de casa, nem quando chovia eu saía de lá. Tinha um toldo em frente à porta mesmo. Molhar, eu não me molhava.
Mas daquele dia em diante a insônia sumiu. Conseguia deitar e dormir a noite inteira sem interrupções.
Acordei às seis e voltei para minha monótona rotina. Um pouco mais feliz, por dois motivos: primeiro, eu não acordei de madrugada, então estou mais disposta; segundo, esperava rever Konohamaru.
E realmente, eu revi Konohamaru. Ele passou pela minha rua e nem precisou checar o número. Eu já estava na frente da porta.
— Nossa, estava me esperando? — Deu um pequeno sorriso convencido.
— Não. Realmente você veio... — Eu disse um pouco pensativa.
— Você fez tanto suspense! Como eu conseguiria não vir? — Ele ergueu uma das sobrancelhas.
— Ah, tanto faz. Natsu! — Chamo a empregada. — Avisa que vou sair. Devo voltar daqui uma hora, estou levando o celular, qualquer coisa eu aviso. — Natsu assentiu, deve ter ido falar com meu pai ou com a Hina.
— Hanabi. — Chega minha irmã. — Onde vai?
— No campo aqui ao lado. — Ela ia falar algo. — Não precisa ir comigo, estou com o celular.
— Uma hora. — Ela me diz. — Vou ficar te mandando mensagens. Ai de você, se não me responder.
— Okay, Hina. — Vou indo em direção ao campo de futebol que fica uma casa depois da minha.
— Ah, Konohamaru, certo? — A Hina pergunta e ele assente. — Cuide da minha irmã, ela é muito irresponsável e cabeça quente.
— Haha, tudo bem! — Ele sorriu, um sorriso bonito.
— Tchau, Hina! — Aceno para ela. — Vamos Konohamaru.
Fomos para o campo de futebol. Ele ficou o curto caminho inteiro querendo saber o que faríamos ali. Quando chegamos eu lhe falei o porquê.
— Eu vou te ensinar a jogar. — Só essa frase foi o bastante para deixá-lo chocado.
Depois dele recusar mil vezes, e tentar me rebaixar só por ser cadeirante, eu o fiz calar a boca e me escutar. Percebi que ele conhecia muito bem o futebol, porém na prática era outra coisa. O Kono sabia muito bem analisar um jogador. Ele seria um bom jogador se soubesse realmente jogar.
Aquela menina era a felicidade, que eu tanto esperei
Mas não tive coragem, e não lhe falei
Do meu grande amor e agora por onde ela anda eu não sei
Os dias foram passando e a minha monótona rotina mudou drasticamente. Eu não tinha mais insônia, não ficava mais o dia inteiro na frente da porta, o Kono sempre passava em frente a minha casa para irmos ao campinho. Alguns dias a gente ia tomar sorvete, passear, jogar algum jogo. Ele passou a frequentar a minha casa e eu a dele. Conheci os pais dele, ou melhor, tios. Os pais do Kono faleceram num acidente de carro, aí a guarda dele foi para o tio, Asuma Sarutobi, que passou a ser como seu pai. Ele é casado com Kurenai Sarutobi, que o cuida como se fosse sua mãe.
Descobri muito sobre o Konohamaru. Tipo: ele não sorria muito após o óbito de seus pais. Depois do acidente em que faleceram, ele se dedicou ao futebol. Esporte que o pai praticava e amava. Ele nunca namorou (não que eu já tivesse). Sua comida preferida é ramem. Ele odeia cebolas. Entre um monte de outras coisas úteis, ou inúteis, como na maioria das vezes.
Podemos dizer que Konohamaru Sarutobi entrou na minha vida para virá-la de ponta cabeça. E ele concluiu esse objetivo. Ambos estávamos tristes por nossos fracassos e perdas e viramos a felicidade do outro. De aluno à amigo. De amigo à melhor amigo. De melhor amigo...
A uma paixão nunca dita.
Após fazer dois anos que nos conhecíamos, eu me mudei. Ele já jogava muito bem, tal como um profissional. Nem parecia que um dia fora um total fracasso com a bola nos pés. Eu fui para longe e não mantemos contato. Soube por causa de uma amiga que ele também se mudou e foi tentar a vida de jogador profissional.
Hoje eu vivo sofrendo e sem alegria.
Não tive coragem bastante pra me decidir.
Aquela menina em sua cadeira-de-rodas
Tudo eu daria pra ver novamente sorrir.
Infelizmente, depois de me mudar, minha felicidade não mais existia. Kono tinha se tornado minha felicidade. E mesmo brigando com meu pai para ficar ao seu lado, ele não deixou.
Então, eu caí em depressão. A mesma monótona rotina de antigamente, só que desta vez eu não o veria passar em frente a minha casa. Estávamos bem longe um do outro.
Eu via seus jogos. Ele virou um jogador conhecido mundialmente, cheio de fãs. O engraçado é pensar que você realizou o meu sonho, e que eu, uma cadeirante, te ensinou a jogar futebol.
Agora mesmo, nesta TV em meu quarto, está passando um jogo ao vivo. Quem será a estrela desse jogo? Sim, Kono. Que acaba de fazer o gol que decidiria o jogo.
É, você é incrível Konohamaru, mesmo de longe, depois de um tempo eu ainda te amo...
Porém, não sei o que você sente. Acho que deve ter me esquecido, talvez sim, talvez não.
— ...Mas quem te ensinou a jogar? — Foi o que o jornalista te perguntou.
— Foi uma garota. Ela era incrível, jogava muito bem, era linda. Porém, ela não pode mais jogar. Ainda na época em que ela me ensinou, já não o podia fazer. — Konohamaru respondeu olhando diretamente para a câmera.
— Mas por que ela não podia jogar? — Indagou o repórter querendo mais informações.
— Ela tinha sofrido um acidente de carro um ano antes de me conhecer. Nesse acidente ela ficou paraplégica. Então ela me ensinou tudo estando em uma cadeira-de-rodas.
— Nossa! E vocês ainda mantém contato? — Repórteres, sempre desenterrando cada resquício de informação.
— Infelizmente não, dois anos após nos conhecermos ela se mudou, desde aí eu nunca mais a vi. — O olhar dele sempre o denunciou. Ele estava tristonho. — Eu espero que ela esteja me assistindo. Pois todos os gols durante minha carreira são para ela. Eu estou realizando o sonho dela por ela.
Ah, Kono... Mesmo de longe consegue me emocionar ao ponto de me fazer chorar. Ele ainda se lembra de mim.
— NATSU! — Limpo minhas lágrimas e chamo a empregada, que adentra o quarto. — Chame meu pai, por favor.
— Sim. — Natsu sai e logo após alguns segundos meu pai entra. A idade já se mostrava presente em sua feição.
—O que foi, Hanabi? — Meu pai, ainda em pé, me encara.
— Pai, quero viajar. Agora. — Falo sem enrolações.
— Como assim filha? — Com certeza meu pai estava confuso.
Sem lhe falar nada eu aponto para a TV, que ainda mostrava Konohamaru sendo entrevistado.
— Ah, entendi. — Todos da casa já sabiam da importância de Kono em minha vida. — Arrume-se e peça para Natsu comprar duas passagens para o Japão. — Ele me abraça. — Eu te amo filha, desculpe-me.
Não nego, fiquei surpresa. Meu pai me deixando ir, abraçando e se desculpando. Isso não é feitio de Hiashi Hyuuga. Mas, retribuí aquele abraço como se fosse o último que levaria dele.
— Eu também te amo, papai. Não precisa se desculpar, você só quer o meu bem. — Ele me solta e dá um beijo na minha testa. Ao sair do quarto, Natsu entra.
— Natsu, compre duas passagens urgentemente para o Japão. Vamos viajar. — Falo e já vou arrumar uma malinha de mão.
A minha fiel escudeira, Natsu, arranjou um voo que parte daqui a meia hora, e como moramos longe do aeroporto já estamos partindo de casa. O carro seguia com Natsu ao volante e eu sentada atrás. A cadeira ambulante já guardada no porta-malas e as malas de mão ao meu lado. Seguimos normalmente até ouvir um barulho alto de pneus sendo freados e sentir o baque.
O gosto metálico e ruim ao meu paladar predominava na boca. Minha visão estava turva, as coisas dentro do carro espalhadas não passavam de borrões. Meus ouvidos zuniam, ouvia gritos assustados e espantados. Meu corpo estava inerte, eu já não o sentia por inteiro. Minha cabeça latejava fortemente, tanto que eu não conseguia assimilar nada. O que acabou de ocorrer? Fechei meus olhos para ver se conseguia entender algo...
Quando os abri novamente uma luz forte parecia me chamar para abraçá-la. E como uma criança curiosa eu fui. O gosto ruim não existia mais, minha visão estava perfeita, meus ouvidos não zuniam, nem escutava barulho algum, sentia meu corpo... Por inteiro.
Olhei para baixo e vi meus pés nus. Assustada e extasiada, eu mexi meus dedos do pé. Logo após dei um passo, dei outro, e mais um. Quando menos esperava eu estava correndo em direção daquela luz que parecia tão calorosa e acolhedora.
Acho que terei de esperar para encontrá-lo...
Espero que Natsu, Hinata e meu pai fiquem bem...
Mais um para a minha lista... Se bem que, por acidente, conhecer Kono foi o melhor que me ocorreu.
Thank you for reading!
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