O corpo do Filho na cruz foi arrancado da parede e atirado ao chão.
Ali, dentro da igreja, as sombras projetavam-se sobre o padre Alonso, que rezava em silêncio, ajoelhado em frente ao altar. O sol nascia, e as serpentes de luz esgueiravam pelos vitrais e invadiam o piso de pedra da grande nave. O gótico ali só potencializava a pequenez que o padre sentia. As lágrimas de culpa escorriam pela sua face. E o corpo sagrado estilhaçado em sua frente forçava-lhe a impor mais vigor em sua reza. A cabeça com olhar pesaroso do Filho julgava-o como ninguém mais já o fez. E era justamente apenas àqueles olhos que Alonso almejava a dignidade de elevar-se ao reino dos céus.
A dúvida chegara sorrateira em sua mente há tempos. Havia algo suspeito num credo que proíbe a árvore do conhecimento. Alonso, profanamente febril, mordeu a maçã. E a cobra enrolada no galho daquela árvore silenciou-se e recuou para a sombra de onde havia saído. A mordida abriu portas na mente do padre; portas que nunca ousou sequer olhar, mas que, naquele momento, erguiam-se escancaradas. E Alonso atravessou cada uma delas.
Temente à ira divina, Alonso colava o corpo quebrado, peça por peça. Não o fazia pelo Filho, nem por si próprio, o fazia pelo Pai. O Pai não trincaria. O Pai era incorruptível em toda a sua corrupção. O Filho era humano.
O corpo remendado do Filho na cruz foi levantado do chão e colocado na parede.
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