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O espelho

Lembro que por volta dos meus onze anos de idade tinha uma vida muito entediada

Minha mãe era uma fiel e rígida católica, não deixava eu sair nem se fosse para o portão de minha casa sem ela presente.

Por conta disso sempre discutimos muito, e eu rebelde que era sempre insultava sua religião e como consequência ela me dava castigos severos para eu aprender a respeitar Deus e os santos,mas claro isso só aumentava o meu ódio

Para passar rápido as tardes entediantes em minha casa eu desde pequeno sempre brincava sozinho,pegava uma bolinha de gude,sentava em frente ao espelho da sala de estar e deslizava bolinha no chão até espelho e observava ela voltando suavemente para mim,fazia esse jogo de vai e volta todos os dias enquanto minha mãe costurava com sua máquina no quarto.

Porém, em um dia não tão distante a discussão foi diferente,foi muito agressiva como nunca foi antes. Eu estava com um ódio que fervia meu corpo,aquelas palavras foram tão fortes que nem parecia que saia da boca de uma criança. Eu disse palavras amaldiçoadas, caçoei dos santos de minha mãe, falei ofensas ardilosas para ela,disse que eu a odiava,que ela me fazia de prisioneiro em casa e que se tivesse oportunidade eu trocaria de vida com qualquer um. Pela minha surpresa,minha mãe não retrucou,pela primeira vez ela não pegou meus braços e me obrigou a ajoelhar para rezar dez credo,dez ave Maria e três pai nosso,pela primeira vez ela ficou em silêncio e essa foi a primeira e única vez que vi seus olhos cheios de lágrimas.

Minha mãe em silêncio pegou seu cesto de linhas de costura e subiu para seu quarto,eu irritado,ainda com ódio, peguei a minha bolinha de gude e como sempre sentei em frente ao espelho. Mas dessa vez o jogo foi diferente, enquanto eu deslizava a bolinha,falava o quanto queria uma vida diferente daquela,de como queria ser rodeado de amigos e coisas desse tipo. Quando joguei com mais força vi que a bolinha não voltou para mim,eu sem entender levantei a cabeça e vi que o meu próprio reflexo estava segurando a bolinha em sua mão,como se ela tivesse atravessado o espelho.

Claro fiquei espantado, paralisado,não acreditava naquilo. Até que olho pelo o espelho a prateleira com os santos da minha mãe que estava atrás de mim,vi pelo espelho a santa na prateleira chorando sangue, eu me assustei e virei rapidamente para trás e quando virei vi que estava tudo normal,como se fosse uma miragem. Quando virei para o espelho novamente, vi meu reflexo sorrindo para mim e eu sem reação encostei minha mão no espelho,e pelo meu espanto o meu reflexo encostou a dele também. Nesse momento eu pulei para trás, e fiquei olhando aquilo de longe, após alguns segundos o reflexo que parecia ser eu se sentou e deslizou a bolinha pelo espelho e ela novamente voltou para mim.

Nesse dia fiquei muito Assustado e parecia não acreditar no que meus olhos tinha visto, porém o tédio daquela casa torturava a mente, então no outro dia eu estava de novo em frente daquele espelho curioso com aquele reflexo. E foi dias e dias e até madrugadas eu na frente daquele espelho,fazendo caretas para o reflexo e ele sorrindo de volta,jogando a bolinha para dentro do espelho e ele jogando ela de volta para mim. E com as semanas eu já podia dizer que tinha arranjado um amigo e ele era eu próprio.

Até que ao passar dos meses,meu amigo mudou,digo isso pois ele já não parecia mais meu reflexo,ele estava tomando uma forma diferente a cada semana que passava mas eu não me importei com isso. Então certo dia meu amigo parecia não querer brincar,eu fazia caretas mas ele não sorria de volta,eu jogava a bolinha mas ela não atravessava o espelho,e eu curioso levantei e encostei minha mão no espelho para ver o que ele iria fazer, Mas a reação dele foi bem diferente das outras vezes .

Ele chegou perto e encostou a mão,e notei que ele estava a forçando como se quisesse sair dali de dentro,eu achei estranho e fui para trás. Quando dei dois passos para trás,eu paralisei novamente ao ver que ele de fato estava saindo do espelho,mas ele não parecia nada comigo,aquela coisa tinha um corpo seco e enrugado,era bem alto,tinha mãos e pés longos horríveis, olhos arregalados,dentes afiados com um sorriso medonho para mim. Quando fui tentar ter uma reação,eu sinto aquela coisa pulando em cima de mim,eu caio no chão e começo a ficar com a vista embaçada, as últimas coisas que vejo é ele bem perto do Meu rosto sufocando meu pescoço,eu acabo desmaiando e quando abro novamente meus olhos,vejo que agora eu sou o reflexo. Me aproximo daquele vidro e vejo minha mãe pegando meu corpo no chão,ela me põe em seu colo e meu corpo abre os olhos, minha mãe me abraça mas não nota que ali não é mais seu filho.

Todos os dias fico nesse escuro, parece que já estou aqui uma eternidade,ao passar do tempo a imagem da minha casa foi sumindo e eu não consegui atravessar de volta,aquela coisa tomou minha vida,minha mãe,tudo que eu tinha. Agora no lugar da minha casa tem apenas um vidro vazio e escuro,assim como eu.

Mas não há com oque me preocupar,pois sei que logo uma pessoa irá querer trocar de vida com qualquer um como eu.