robertbellmy Robert Bellmy

Um velho homem, com velhas lembranças. Cicatrizes que nunca desaparecerão. Acompanhe e entenda de onde surgiram suas marcas, por mais doloroso que possa ser.


Short Story Not for children under 13.

#terror #horror #conto #violento
Short tale
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Cicatrizes

“Por que seus olhos são vermelhos como sangue, vovô? Por que sua pele é toda queimada, vovô?”. Eu sempre ouvia de meu neto, mas nunca sabia como respondê-lo. Pode parecer loucura minha, mas as vezes me deparo pensando que ele é um deles. Afinal, por que tenho tanto medo de contar minha história? Meu neto realmente é um deles? Perguntas me vêm em mente a todo instante.

É tão sufocante, como se eu estivesse submergido em ácido sulfúrico, enquanto minha pele e carne derretem. Sei disso, pois já senti dores tão sufocantes quanto. Ouvi a morte conversar com minha alma, ela estava bem ao lado dela. Me pergunto então, por que ainda estou vivo? Foi há tanto tempo, quase me esqueço. Quando eu ainda era jovem, ingenuamente fugi de meu lar, doce e terrível lar.

Corri, pela primeira vez. Corri, mas para onde? Não havia lugar para alguém como eu. E ali, naquele gélido chão de praça, me deitei. Sentia frio, mas aquela grama gelada também me aquecia. "Que fome", eu dizia enquanto estava revigorado. Estava tão feliz em viver, que poderia morrer naquele instante.

Então ouço uma bela voz, suave, sedutora. Inocentemente decidi seguir aquele doce tom. Tão hipnotizante, nunca havia ouvido algo assim. Ela me aquece, atordoa minha mente. Tudo girava ao meu redor. Sentia um aroma tão gracioso. Será esse o perfume daquela que estava me chamando? Não sei, mas fiquei tão leve, que de repente caí ali mesmo, adormecido.

Acordei em uma bonita sala branca. Pensei que minha vida chegara ao fim. Ali era o meu descanso, só vinha isso em minha mente. Estava errado. Mal sabia eu que aquela sala branca se tornaria vermelha, um vermelho jorrado de meu corpo. Ouvi algo. Não suave como antes, mas sim uma áspera e assustadora voz. Ela adentrava intensamente meus ouvidos, sem parar, menosprezando meu ser. À cada segundo mais alto e angustiante ficava.

"Faça parar, meus ouvidos não aguentam mais!" Eu gritava, enquanto meus ouvidos sangravam. “Você é um incômodo, alguém que deseja a morte, um defeito.” Essas dolorosas palavras ecoavam em minha cabeça, enquanto me vinha a imagem de um rosto inteiramente machucado, o meu. Por que meu rosto estava assim... deformado? Eu não quero mais vê-lo, faça parar!! Não quero! Não! Essa voz ecoando em minha mente sem parar, não quero mais ouví-la. O meu rosto horrendo, não quero mais vê-lo!!

Meus tímpanos... irão estourar? Então talvez eu não precise mais ouvir essa voz demoníaca em minha mente. Sim, por favor, estoure meus tímpanos. Ah... o silêncio. Eles realmente estouraram haha, não sabia que havia tanto sangue em meu corpo. O sangue jorra de meus ouvidos . Ele pinta toda a sala com essa cor podre. Naquele chão ensanguentado então me atirei. Esse sangue tão quente, nunca senti meu corpo tão aquecido, é reconfortante. Por que a voz mente dizendo que meu sangue é podre? Ele parece ser vermelho como o das outras pessoas...

A porta da sala se abre. Havia uma porta ali? Alguém entra. Quem? Não posso vê-lo, minha visão está turva e vermelha. Meus ouvidos estão dilacerados, mas consigo ouvir seus passos. Até mesmo imagino suas pegadas em meu sangue. Ele então se aproxima e segura meus braços. Desesperado, o vejo dilacera-los por pontiguadas agulhas, mas ao mesmo tempo, quando ele as tirava, eu conseguira sentir minha carne se reconstituíndo, juntamente à minha dor.

Tudo voltava como antes, mas a dor que eu sentia continuava ali, antes e depois, ela estava ali. Por que eu não morria? Por que eu continuava a viver sofrendo? Todo dia, eu era morto de outro jeito, mas ainda continuava a viver. Meus pequenos olhos já não aguentavam mais ver tanto sangue, nem o vermelho. Aliás, que outras cores existem a não ser essa cor suja de meu sangue? É isso, só quero ver sangue! Então talvez assim essa realidade pareça confortante.

Queria tanto fazer minha dor desaparecer, mas aquelas malditas cicatrizes, elas continuavam ali, para que eu me lembre. Para nunca esquecer minhas dores de ontem. Elas diziam que teria de suportar tudo outra vez. Todos os dias surgiam mais cicatrizes e junto delas vinha meu desespero. Minhas únicas companheiras são essas marcas que não se vão.

“Por que seus olhos são vermelhos como sangue, vovô? Por que sua pele é toda queimada, vovô?” é isso, você é uma delas, uma de minhas cicatrizes! Você me faz lembrar do que eu passei ontem e passarei hoje! E minha cicatriz repetia, com um sorriso no rosto, dizia tudo aquilo que me machucava, enquanto meus ouvidos sangravam e em cima de meu corpo me esfaqueava. “Preciso que lembre, vovô”, meu querido neto dizia.

Sept. 23, 2022, 3:25 a.m. 0 Report Embed Follow story
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The End

Meet the author

Robert Bellmy Escrevo em meu tempo vago, quase nunca. Penso em escrever quase sempre.

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