A panela de pressão chiava na cozinha e, na pequena sala, o menino conversava com alguém, concordando com a cabeça, todo metido a homenzinho. A mãe riu da cena e tornou a cuidar do almoço.
Foi o suficiente.
Pela visão periférica, ele percebeu algotentandovoar e batendo violentamente contra a parede nas tentativas.
A intrusa aquietou no móvel da TV.
O mocinho checou por cima do balcão americano se a mãe ainda estava atenta e como não, pegou o copo de vidro que estava lá e foi, tentando não assustar a criatura.
Observou os simples tons de marrons, as asas pareciam uma capa feita de troncos de árvores, eram feias e nas pontas,defeituosas. O que encontrou de interessante naquilo foram os detalhes brancos entre os marrons, que se assemelhavam ao sal do mar na beira da praia, ou, às rendas brancas do vestido de Nellie.
Aproximou-se com o pouco de curiosidade que restava, era preferível não. Os olhos esbugalhados e nebulosos eram…fascinantese…lacrimosos. A boca, lenta e silenciosa, fazia como se quisesse gritar, mas, faltasse o ar.
Ele contraiu as sobrancelhas, as pupilas ficaram miúdas.
— Filho — chamou a senhora na cozinha.
O moleque se virou dando um sorriso forçado — comum de quando cometia estripulias —. A mãe fez uma cara desconfiada, que ele entendeu como: "deixa de aprontar e vem almoçar".
Assim que a mãe deu as costas, ele capturou a criatura com o copo e por muito pouco não arrancou a cabeça da mariposa fora. Correu antes que a mulher tivesse tempo para reagir ao barulho, deixou o recipiente na estante do seu quarto e só voltou quando a escuridão chegou e os bichos cantaram. Eles faziam um ótimo trabalho cantandopara ele.
(...)
Deixou a camisa do dia e a toalha pendurada no espelho da cama, vasculhou o pequeno guarda-roupa procurando um pijama limpo.
Algo o espreitava, encarou a janela de vidro um pouco acima da cama, viu apenas o mato,como de costume. A porta aberta do quarto também o inquietou, foi até o corredor, os pais assistiam TV na sala, porém não encontrou nada. Isso não deixou seu coração mais calmo, mas voltou e se vestiu.
Deitou na cama e acomodou o rosto de lado no confortável edredom azul-claro com estrelas amarelas, do tema do quarto.
O som de atrito de muitos tecidos veio corredor adentro, acompanhado de passos bravos que pararam na porta.
Ele sentou, já sabendo quem chegara: Nellie. Que ficou subitamente estática, as mãos enluvadas entrelaçadas à frente do vestido pomposo antigo se soltaram e apertaram os tecidos. Somando aos ombros altos, impossível mentir: estava aflita.
O menino lembrou e encarou.Claro,a mariposa na estante. Com a respiração saindo do automático e mãos geladas, deslizou até o bicho.Aquiloainda tinha os olhos lacrimejantes e gritava sem som, mais medonho apenas seus piores pesadelos.
A dona das atenções começou a andar pelo copo a passo lento, voltando à posição inicial. As orbes tinham brilho vermelho, vitoriosas. E elas o encontrariam durante a noite.
O menino tomba para trás.
— Nellie…Nellie. Nellie!— suplicava desesperado num sussurro falho, mas Nellie se fora.
Chutou o nada tentando se afastar, suas costas bateram na cama. Queria atirar a monstruosidade na parede, com sorte ela morreria no impacto, com os cacos a atravessando, mas só o que conseguiu foi jogar a muda de roupa pendurada, por cima do copo. Encostar a porta e, chorando, se embrulhar, até que seu peito se acalmasse e fosse levado pelo sono.
(...)
Via as nuvens embaixo, então, tinha que esticar o pescoço para ver a copa das árvores, as mais altas do mundo, a luz que atravessava as poucas folhas que se mantinham, era de uma pequena lua longínqua.
Ar rarefeito.
O vento sibilou, pôde mais sentir que ouvir. Assim como sentiu a folha parar no seu pé, pegou-a, estavaseca, seca como os caules das árvores, como os galhos, como as folhas altas que por alguma força maior não caíram,secaigual ao solo pedregoso e o limo craquelado sobre as pedras.
Secos como ossos.
Um vento surdo veio de trás e levantou algumas folhas, levando para bem longe… Ele abriu a mão com hesitação e deixou a sua escapar também.
Num disparo ele correu por entre as árvores derrubadas, arranhando várias partes, cortando outras nas pedras com quedas.
A busca por oxigênio falhava, o peito doía, o sangue esquentava.
De frente à maior das maiores, a que as outras respeitosamente faziam num círculo perfeito em seu entorno, ele caiu de joelhos, a adrenalina se negou a permitir dor. Tocou as orelhas inúteis, castigou-as com murros entre prantos, fitou a roupa que se tornara trapos.
Erguendo o olhar, lembrou de Nellie, da mãe e do pai. Achando no meio da Rainha os mesmos olhos perdidos e assombrosos. Ele já nem sabia o que sentir. De repente, um gemido sufocado saiu da boca horrenda dela.
No lugar de patas, raízes que ameaçavam se alçar do chão completamente a qualquer momento e varar a criança, em vez de asas, folhas mortas nos galhos afiados, em vez de corpo de verme nojento, um caule velho, rico de tons de marrons. E perdera sua beleza em detalhes brancos.
A Bruxa fundida à árvore ergueu dois galhos até o menino catatônico, a alma dele ia se unificando com ela.
O que ele conseguiu dizer-lhe, saiu com as últimas forças.
— Quem… fez isso contigo?
Thank you for reading!
We can keep Inkspired for free by displaying Ads to our visitors. Please, support us by whitelisting or deactivating the AdBlocker.
After doing it, please reload the website to continue using Inkspired normally.