Macarrão com molho branco de brócolis. Resolvi cozinhar naquela noite chuvosa e relativamente fria, bem do jeito que eu gostava. Peguei o melhor (e único) vinho que eu tinha e aproveitei minha própria companhia. Há muito tempo que eu não fazia isso, pois estava constantemente preocupado com o trabalho. Mas decidi que naquela noite seria diferente. E foi, mas não como planejado.
Batidas na porta. Quem poderia ser? Eu definitivamente não estava esperando visitas. Revirando os olhos e bufando por causa dessa surpresa, levantei-me da cadeira e fui em direção à porta. Pelo olho mágico, não enxerguei nada. Com receio, abri a porta ao mesmo tempo que minha outra mão buscava meu taco de beisebol que ficava do lado; mas era apenas uma criança. Uma pequena mocinha usando uma capa de chuva rosada. Sem muita reação, perguntei-a se precisava de ajuda.
"Moço, o carro da minha mamãe estragou e a chuva tá ficando forte. Você pode nos ajudar!?" - disse a criança, com um ar de óbvio desespero.
Mas antes que eu pudesse responder, ouvi a voz de uma mulher chamando "Clara! Clara!". Quando avistei a mulher, não pude acreditar. Era Débora, uma ex-namorada da época da faculdade. Pude ver a reação dela quando se deu conta de que era eu: uma mistura de alívio por ser um conhecido e desprezo por ser um ex-namorado. Não terminamos da melhor forma.
Ela chega até nós, coloca suas mãos nos ombros de sua filha como quem estaria se preparando para impedi-la de uma próxima fuga. Nós dois dissemos "oi" ao mesmo tempo e com a mesma entonação de surpresa, seguidos de um sorriso amarelo.
- "Desculpa, eu falei pra ela ficar no carro, mas ela saiu correndo". - disse ela de modo ligeiramente ríspido, enquanto olhava para a menina, que fez cara de cachorro coitado e olhou para o chão.
- "Sem problemas, eu não tinha planejado nada de especial para esta noite".
- "Então, não querendo incomodar mais, mas por acaso você não aprendeu nada sobre carros nesses últimos 8 anos?" - perguntou ela, dando uma risada.
- "Infelizmente não... Mas entrem, vocês estão ensopadas e a chuva não parece que vai dar trégua tão cedo. Pode usar meu telefone para chamar o guincho... Ou alguém que saiba algo sobre carros".
Ela riu e agradeceu. A menina também agradeceu. As duas entraram e peguei toalhas para elas. Para Clara, peguei uma toalha que ganhei quando tinha 12 anos e nunca mais tinha usado, mas ainda estava em bom estado e, por algum motivo, nunca consegui me desfazer dela. Era uma toalha do Homem-Aranha, que era meu super-herói favorito quando eu ainda lia histórias em quadrinhos.
- "Eu AMO o Homem-Aranha!" - disse ela, em tom enfático.
- "Mesmo?" - perguntei. "Se quiser, pode ficar com a toalha".
Antes que sua mãe pudesse dizer que não, Clara me abraçou e me agradeceu inúmeras vezes.
- "Nossa, nunca pensei que você iria se desfazer dessa toalha" - disse Débora.
- "É, nem eu. Mas já estava na hora".
Conversamos a noite inteira, relembrando histórias antigas de nossa época juntos e contando outras que tinham acontecido durante esses 8 anos sem contato. Enquanto isso, Clara acabou dormindo no sofá. Nos distraímos tanto que ela até esqueceu de chamar o guincho.
Eu pensei que seria uma noite desagradável depois de convidá-las para entrar, pois houve muita mágoa após o término, de ambas as partes. Mas acredito que, naquela noite, conseguimos deixá-las de lado, mesmo sem termos tocado em assuntos delicados para nós.
Eram 6:30h da manhã e Clara acorda com nossas gargalhadas. Nesse momento, Débora se dá conta de que não chamara o guincho. Ela pede desculpas (com certeza desnecessárias), pega o telefone e liga. Após a chegada do guincho, as duas me agradecem, Débora se desculpa novamente e me dá um beijo levemente demorado na bochecha. Uma parte minha queria beijar sua boca e eu pude sentir uma breve hesitação dela, como se tivesse pensado o mesmo que eu.
Seria uma noite tranquila comigo mesmo, mas acabou se tornando em uma das melhores noites que tive nos últimos anos. E agora, será que ligo para ela ou deixo nossa história terminar assim, de forma leve?
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