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A pedra, as flores e a balança

A PEDRA

substantivo feminino, matéria mineral sólida, dura, da natureza das rochas. No seu sentido figurado, algo ou alguém insensível, frio, gélido.

A imagem da ausência da emoção

da força

da Resiliência (...)

O CONTO DA PEDRA

A pedra vivia em um bosque no centro da cidade. Por lá, durante o inverno passavam diversos turistas, entusiastas, fotógrafos e admiradores da margarida inglesa (Planta herbácea, da família das compostas, do gênero Bellis Perennis, de origem europeia, com folhas serreadas e flores em branco, vermelho ou roxo).

A Margarida sempre surgia no inverno, sua estação favorita. Florescia sem medo.

Era bela, colorida, delicada e alegre.

Durante essa época do ano, A PEDRA, em seu âmago, sentia-se abandonada. Não se sentia bonita como as flores. Não era colorida, nem mesmo delicada como todos os outros elementos do bosque.

Pensava consigo:

"Em mim não há beleza

Não há delicadeza

Sou cinza como um dia chuvoso".

Certo dia, durante o festival do Arco-íris (O maior festival realizado naquela cidade) o jardineiro, pai e cuidador de todos os elementos do bosque, colheu todas as flores que ali habitavam. Das mais novas até às mais velhas, as roxas, as vermelhas, as brancas e até mesmo os Dentes de Leão.

No bosque só restaram a pedra e a terra (...)

Meses se passaram, e quando chegou o verão, naquele mesmo bosque, floresceram as Dálias (plantas do gênero Dahlia, da família das compostas, nativas da América Central e da América do Sul, frequentemente cultivadas como ornamentais pela beleza de suas flores).

A Dália mais velha do bosque era também a mais observadora. Há alguns dias passara a observar a Pedra, que vivia imóvel, gélida, sempre de olhos fechados e coberta de limo. Sem conseguir conter a sua inquietação, Dália questionou a terra:

"O que há com aquela Pedra que sempre mantém os olhos fechados?"

A terra por sua vez, ainda que contrariada explicou:

"A Pedra há muito vive aqui. Contemplou invernos, verões, primaveras e outonos. Viu de perto o nascer e o morrer das flores, assim como todas as belezas das estações. Entretanto, durante os primeiros anos de sua vida, sentia-se rejeitada e abandonada pelo Jardineiro, assim como por todos os admiradores e habitantes do bosque.

Desde o último inverno decidiu fechar os seus olhos. Para que assim não veja mais o chacoalhar das flores durante os ventos do inverno e nem as cores do Arco-íris após as chuvas de verão. Estando cega para a beleza do mundo, o seu consciente a faz esquecer de que se sente rejeitada, mesmo que esse sentimento ainda esteja presente em seu subconsciente".

A BALANÇA muito sabia, entre seus pesos e medidas, após terminar a sua leitura DO CONTO DA PEDRA fechou seu grande livro e sentou-se em sua poltrona reclinada, para como de costume, refletir, pesar e julgar a narrativa.

Após alguns instantes, olhando sua pequena plateia para a qual lia os seus livros diariamente, em voz alta, disse:

"Ora, a Pedra em sua má interpretação dos fatos sentiu-se rejeitada e abandonada por todos, vetou-se de observar novas estações, de sentir novas brisas, de observar novos céus, flores e cores, para não se lembrar de sua miséria".

Colocando todos os pesos da narrativa sobre si e tentando encontrar equilíbrio, a Balança completou:

"... que flor habitante do bosque pôde contemplar a Primavera, o verão, o outono e o inverno sem que suas raízes fossem arrancadas da terra ou então apodrecidas nela?

... qual das flores suportou os ventos do inverno e as tempestades rigorosas do verão, sem serem carregadas, sem rumo e sem vida pelas calçadas do bosque?

Nenhuma flor, ou folha sequer. Apenas a Pedra e a Terra".

Em sua busca desesperada pela admiração, humana e principalmente de seu pai, o Jardineiro. A Pedra esqueceu-se de todas as flores que estavam ao seu redor. Sua cegueira a impediu de enxergar que todas aquelas lindas e delicadas flores, admiravam sua capacidade de permanecer ali e invejavam a dádiva que lhe tinha sido dada.

A beleza da pedra era sua força e sua resiliência.

As cores de sua existência eram os seus sentimentos, são eles que dão sentido à vida.

Ao fechar os seus olhos por se sentir rejeitada, a pedra desejava não sentir mais nada.

Sem medo.

Sem tristeza.

Sem felicidade.

Sem euforia.

Pobre pedra, mal sabe ela que sem sentimentos até mesmo as maiores rochas, que nem raízes possuem, apodrecem e morrem.

De tão forte que era, se desfez, e se refez mais frágil do que uma pequena flor do bosque.

O seu corpo está ali presente, sua forma física continua sólida e forte. Como a sua descrição no dicionário.

Porém

o seu significado

Da força

Da Resiliência

Da coragem

Se esvai. E não volta mais.

E é assim que as pedras morrem.

Nov. 22, 2021, 3:54 a.m. 5 Report Embed Follow story
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The End

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Joelma Benette Joelma Benette
Amei 👏👏😊
January 28, 2022, 01:18

TT Theo Tresolavy
Conto incrível 😍😯
November 22, 2021, 12:57
RR Robson Reis
Que texto maravilhoso, escritora super talentosa, ansioso pelos próximos trabalhos. Sou o fan número 1 😍😍 Me identifico muito com a pedra.
November 22, 2021, 04:35
~