darleca Darleca Snow

O ano é de 2020 e, em meio ao caos de uma pandemia inesperada, relatos absurdos sobre a ressurreição de desmemoriadas estrelas do rock correm pela internet. E quando alguém idêntico ao irreverente vocalista do Queen ressurge, os relatos não parecem mais tão absurdos assim para os amigos Edgard e Letícia.


Fanfiction Bands/Singers Not for children under 13.

#pandemia #amizade #Freddie-Mercury #queen #nostalgia #Brian-May #John-Deacon #Roger-Taylor
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Capítulo Um

Edgard se deu conta que fizera uma tremenda loucura apenas quando sua amiga de infância e vizinha de apartamento, Letícia, dava gritinhos histéricos – abafados pela máscara – no meio da sua sala como uma fã desesperada por atenção do ídolo ali presente.

Dando-lhe a certeza de que a figura que trouxera para dentro do seu lar era de fato quem ela parecia ser.

Relatos de saudosas estrelas do rock avistadas no meio da rua, perdidas e desmemoriadas se tornaram o Trending Topics mundial, mas Ed – como gosta de ser chamado – não acreditava que coisas assim pudessem realmente acontecer.

Querendo ou não, nem mesmo uma pandemia em pleno século XXI soava possível até ela ser decretada.

Bom, é claro, existem sósias de pessoas famosas pelo mundo afora, é uma profissão, inclusive. E acontece de pessoas que se parecem com outras, famosas ou não, não fazerem nada em relação a isso.

Aliás, uma vez, no trabalho como atendente na farmácia, Ed deu o troco errado para um senhor que ele desconfiou ser o próprio Tarcisio Meira, embora o cliente comprovasse que seu nome era João Francisco enquanto reclamava das moedas que lhe faltavam.

Mas não se tratava de simples sósias simulando situações inusitadas.

Por essa razão, Ed tentou ser lógico: o que acontecia atualmente deveria ser apenas uma piada tirada do TikTok ou alguém que inventou um app daqueles deep fakes impressionantes que você só encontraria num pornô, que acabou virando febre nas redes sociais.

Deveria ser... contudo, essa história viralizou a ponto de passar nos telejornais de todos os países, o que deixou o descrente rapaz de 25 anos com uma pulga enorme atrás da orelha: supostamente, Janes Joplin passeava em Machu Pichu acompanhada por uma guia; Jimi Hendrix apareceu no meio da maior avenida de Tóquio, quase sendo atropelado; e Elvis Presley aparentemente não havia sequer morrido, pois foi encontrado na Praça Vermelha em Moscou, bebendo vodka.

E o destaque dos noticiários nacionais foi para os brasileiros que moravam no Canadá e afirmaram a aparição de Cazuza numa cafeteria. Quando tentaram entrevistá-lo, Cazuza parecia desorientado, não disse uma só palavra e foi embora do local praticamente fugido!

Diante disso tudo, Ed se perguntava se seria realmente possível que pessoas que morreram há tanto tempo pudessem ser ressuscitadas.

Ao contrário de Jesus Cristo que ressuscitou no terceiro dia após a sua morte, sendo até então o único a realizar tal proeza, fazia-se décadas que os envolvidos por esse fenômeno jaziam de seu descanso final, alguns deles foram até cremados. O que, para Ed, impossibilitava uma ressurreição em carne e osso. Claro, considerando que ressuscitar os mortos fosse realmente possível.

Então, a pergunta que mais se fazia no momento era: O que diabos estava acontecendo no mundo?

No trabalho, horas antes da histeria de Letícia em seu apartamento e enquanto assistia a matéria no telejornal da noite sobre os supostos artistas revividos, Ed mandou um “zap” para a sua amiga.

Ed:“E oq o universo tá tentando nos dizer trazendo esse povo à vida, Lelê?”.

Não demorou para Letícia responder via áudio:

Talvez seja uma resposta àqueles que achavam que o “rock’n’roll“ estava morto? – Sua risada prostrada denunciava o seu nível alcoólico. — Ah! Bom, mas para ser ressuscitado precisaria estar morto primeiro, então, eles estavam certos no final das contas... Percebe-se que eu não parei pra pensar nisso, porque... né? – Houve uma pausa. — Esse ano está muito louco, Ed.

“Esse ano está muito louco” era quase uma constatação diante do suposto apocalipse que se vivia.

Ed insistiu:

Ed: “olha só”.

Ed: “tô tentando entender até agora essa pandemia”.

Ed: “daí, do nada, trazem de volta os roqueiros mortos?”.

Ed: “por quê?”.

Depois de um tempo, Letícia mandou outro áudio, desta vez, com trilha sonora ao fundo, da qual fez questão que seu querido amigo a ouvisse.

É um tipo de magia! – cantando conforme a música, Letícia fez sua versão abrasileirada de “A Kind of Magic”, um dos sucessos de sua banda favorita, como resposta.

Ed, por sua vez, ao sentir um princípio de um mal-estar não a respondeu e deixou de ouvir aos áudios seguintes, imaginando que sua amiga praticamente gritava desafinada a canção.

Neste estado, Letícia não levava nada a sério.

De certa forma, Ed nutria um pouco de inveja dela, afinal, Letícia não parecia se afetar com nada do que estava acontecendo enquanto ele esteve à beira do colapso inúmeras vezes quando se viu obrigado a ficar em casa, enfrentando uma pandemia, sozinho.

Bem, não tão sozinho, já que Letícia vive no apartamento ao lado, então, eles se viam com frequência pela varanda.

Mas Ed é hipocondríaco, tomava todas as vitaminas e remédios que achava necessários ao acreditar estar doente mesmo quando não sentia absolutamente nada, nenhum sintoma. E quando ouviu sobre os assintomáticos, sua ansiedade piorou.

Sentira-se péssimo, por antecipação, sabendo que poderia ter contaminado sua única e melhor amiga.

Queria ir ao posto de saúde para ter certeza do diagnóstico, mas perdera a coragem de sair de casa.

Além do mais, demorou para se convencer a voltar ao trabalho na farmácia, pois o descaso das pessoas – principalmente dos moradores do prédio onde mora – sobre o uso da máscara e em seguir as medidas recomendadas deixou Ed ainda mais apavorado.

Letícia esteve com ele – via vídeos chamadas e mensagens ou conversas pela varanda – em todos esses momentos, ajudando-o a controlar a ansiedade e dominar seus medos. E, por serem amigos de infância, ela sabia como reverter, à sua maneira, quase que qualquer situação estressante.

Porém, uma vez ou outra, Lelê vacilava; como “obrigá-lo” a ouvir qualquer música da banda favorita dela.

Não era como se Ed não gostasse das músicas ou achasse a banda ruim, longe disso. Entretanto, o que fosse relacionado ao Queen trazia à tona sentimentos que o machucavam muito, algo que ele nunca soube lidar bem desde criança, o que gerou também sua hipocondria e ansiedade.

Evitando pensar nas suas angústias, Ed buscou se distrair até terminar seu expediente monótono; naquele 31 de Outubro havia poucos clientes.

Por fim, arrumou a mochila e pôs a alça sobre o ombro esquerdo, passou mais uma vez aquele dia o álcool em gel nas mãos e ajeitou a máscara e o face shield no rosto.

Colocou os fones de ouvido e deu play num podcast, como de costume, seguindo a rotina de volta ao lar.

Um clarão o recepcionou na saída da farmácia como um anúncio de chuva. E não mais que de repente, um homem praticamente surgiu na sua frente.

Uou! – exclamou Ed, desviando-se dele. — D-desculpa, não te vi...

Não se ouviu uma resposta do outro que agia como se nada tivesse acontecido; tirava um maço de cigarros do bolso da calça jeans, o descobrindo vazio, resolvendo jogá-lo numa lixeira próxima, o que fez Ed observá-lo com mais atenção, não antes de apertar as pálpebras para dispersar a sombra causada por aquele estranho clarão.

Ed sabia que não estava tão distraído, mas cogitar que aquele homem brotou do nada seria ilógico.

Aos poucos, a garoa virava uma chuva considerável e, debaixo do toldo da farmácia, Ed teve tempo para reconhecer o sujeito calado que se encontrava novamente próximo; um tanto controverso, afinal, quem usa ósculos de sol à noite?

Ele estava sem máscara, tinha bigode e os dentes frontais um pouco à mostra eram tão característicos que só podiam ser...

Ed sentiu frio na barriga. Suas mãos gelaram na hora. As pernas quase perderam a firmeza. E se pudesse se olhar no espelho, diria que vira um fantasma.

“Não é possível...”, não queria acreditar no que aconteceu bem na sua frente.

O homem retirou seu óculos de aviador, finalmente não tendo motivos para usá-lo, e o guardou no bolso da frente da camisa branca com mangas dobradas acima dos cotovelos.

Olhou ao redor e depois para Ed, franziu a testa por talvez estranhar aquela proteção facial de acrílico e da máscara do rapaz e demorou quase um minuto para abrir a boca, parecendo dizer alguma coisa, porém, Ed não ouviu qualquer som sair dali.

Então, o mais novo retirou os fones dos ouvidos, deixando-os pendurados no pescoço, contudo, o outro continuava a não soar qualquer mísero ruído.

Por sua vez, Ed achou curioso o fato do suposto vocalista da banda inglesa estar mudo, pois se tornava bastante conveniente assumir, em tal condição, ser o “tal artista ressuscitado” ainda que não pudesse provar.

Mas, apesar do outro ser um pouco mais baixo, Ed sentiu o baque da sua presença quando o homem se aproximou um passo à frente.

Não é possível que é ele mesmo... Porra! Não posso estar delirando!”.

De repente, Ed lutava contra as lembranças que há tempos não as visitava; momentos bons que passara com sua mãe, Amélia, e a dor que eles causavam por conta do luto.

Por isso, tentou controlar a própria respiração descompassada, de olhos fechados e, apesar de ainda não acreditar totalmente, tentou ser racional.

Precisava se comunicar com aquele cara.

Talvez, Freddie Mercury até soubesse algumas frases em português que aprendera quando fizera shows no Brasil, mas isso aconteceu nos anos 80 e possivelmente ele não se lembraria mais disso, caso estivesse vivo.

Além do mais, os relatos diziam que as pessoas supostamente ressuscitadas não tinham memória de seu passado glorioso ou de quem elas eram, portanto, se aquele cara era o próprio dito cujo, era fácil supor que o sujeito não soubesse ou lembrasse de nada além da língua nativa.

Neste momento, Ed lamentou-se por ter perdido a oportunidade de falar inglês fluente quando recebera uma proposta para morar na Austrália, por medo de ser morto por uma aranha gigante. Mas tentaria se comunicar com o seu inglês de jogos eletrônicos.

Abriu os olhos, convicto do que fazer.

— Er... Oi, er... Meu nome é Edgard, posso te ajudar? — disse em inglês, pausadamente e em bom tom, e quando voltou os olhos para o suposto Freddie Mercury, percebeu uma enorme interrogação nas feições tão marcantes do sujeito. —Você entende o que eu falo, certo?

O homem suspirou, um pouco impaciente, e voltou a gesticular freneticamente para se fazer entender enquanto movia os lábios, apesar de Ed ter clara dificuldade em ouvir ou mesmo compreender o que o outro queria dizer.

Por fim, Ed teve a ideia de ligar para Letícia. Apenas ela saberia lidar com essa situação, embora houvesse uma enorme chance de Lelê pirar primeiro antes de ajudar, de fato.

Fez um sinal de pare em direção ao outro, interrompendo-no, e tirou o celular do bolso da calça. Ed virou-se de costas para o sujeito e tirou uma selfie, mantendo os dois no enquadramento numa distância segura e mandou a foto para Letícia.

O “ressuscitado” não parecia impressionado com aquela tecnologia, aparentemente.

Em seguida, fez a ligação e quando Letícia atendeu, Ed foi direto ao ponto:

— Letícia, preciso da sua ajuda, agora. Veja a foto que te mandei.

Céus, Ed... – resmungou ela. Foi perceptível que Letícia afastou o aparelho do rosto ainda que desse para ouvi-la reclamar. — Não estou com cabeça pra te ajudar em puzzles, não!

E então, ouviu-se um grito absolutamente agudo do outro lado da linha que até o “motivo da ligação” voltou sua atenção ao que estava acontecendo ali.

Ed, caralho! – ela disse, estridente.

— Letícia, preciso que você me ajude – Ed insistiu para que sua amiga mantivesse o foco. — Ele não fala e não parece entender o que eu falo, mesmo em inglês. Eu não sei o que fazer! – De vez em quando, olhava para o homem atrás de si, que permaneceu ali, esperando, parecendo não entender muito bem o que estava se passando.

Cacete, Ed! – continuou ela, agitadíssima. — É o Freddie “Fucking” Mercury!

Ed massageou as têmporas, não teria paciência para a tietagem da amiga.

— Seja lá quem ele for, não sei como ajudá-lo. Quer dizer, não quero–

Letícia o interrompeu rapidamente:

Passe o celular pra ele, Edgard, por favor!

Ed foi pego de surpresa.

— Não, como você saberá que ele te entendeu? E-e se ele estiver fingindo ser o cara só pra pegar meu celular?! – Ed cochichou, muito apreensivo.

Deixa de ser paranoico! Te compro outro se esse for roubado, tá bom? – Letícia estava quase chorando.

E, só por isso, Ed obedeceu o pedido da amiga. Ofereceu o celular ao homem, que o colocou ao ouvido e, aparentemente, apenas ouviu Letícia falar. Pouco tempo depois, o celular foi devolvido e Ed voltou a ouvir a voz eufórica de sua amiga.

Traga ele pra cá, agora!

Aquilo era um absurdo.

— O quê? Não! Isso é um absurdo!

Tá bom, então, eu vou aí, trago ele pra cá e Freddie ficará aqui até sumir! – Foi incisiva para que Ed não duvidasse de que ela falava sério. A propósito, Letícia parecia se mover pelo cômodo onde estava, até soar o seu molho de chaves.

Mas algo naquela afirmação deixou Ed em alerta.

— Espera! Como assim “até sumir”? – Olhou com preocupação para “Freddie”, que observava a chuva, pensativo, com os braços cruzados, como se esperasse o aguaceiro passar para poder seguir seu caminho sem rumo certo.

Falarei disso depois, agora, por favor, traga Freddie pra cá porque estou numa pilha de nervos. E bota uma máscara nele, Edgard! – ela gritou feliz, outra vez, antes de desligar.

Ed estava perplexo quando guardou o aparelho no bolso.

Letícia sabia de alguma coisa. Algo sobre os ressuscitados. Afinal, não era difícil supor que Letícia vasculhava a internet atrás de informações sobre o seu ídolo até que descobriu que os ressuscitados podiam sumir.

Entretanto, ele estava mais preocupado em tentar convencer a si mesmo a levar um desconhecido para sua casa, o que era loucura, muito mais do que encontrar o próprio Freddie Mercury em frente à farmácia.

Mas quando se deu conta, havia dado uma máscara – comprada na farmácia – para o outro usar, retirou o guarda-chuva de dentro da mochila e o convidou a lhe acompanhar.

Oct. 31, 2020, midnight 0 Report Embed Follow story
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