Assim que acordei, senti dor. Estava sendo levado em um tipo de carroça. Minhas mãos estavam amarradas firmemente, ao ponto de cortar meus pulsos e todo meu corpo doía, como se tivesse levado uma surra. Havia alguma coisa cobrindo meu rosto e devia ter batido a cabeça, pois sentia meu cabelo molhado e o cheiro de sangue embrulhava meu estômago. E estava absurdamente frio.
— Devo verificar se ele está vivo? — uma voz feminina perguntou e deduzi que fosse mais de uma pessoa me levando — Não podemos chegar até Ela com um cadáver, não vai funcionar.
Passamos em um buraco na estrada e eu gemi de dor quando rolei com o movimento e a corda em meus pulsos foi esticada. Um homem riu ao ouvir.
— Ele está bem vivo — falou — tenho certeza que vai agradá-la.
Não tinha forças para nada, então me encolhi o máximo possível para buscar manter algum resquício de calor, apesar de saber que era praticamente inútil, a temperatura só caía cada vez mais .
Depois de alguns torturantes minutos em que fiquei jangalhando no chão de madeira da carroça, paramos. Ouvi passos e alguém me puxou violentamente pelos pés, abrindo talhos em minhas costas por conta das farpas das tábuas. O ar me fugiu dos pulmões quando atingi o chão. Que tipo de criatura teria tamanha força para me mover daquela forma? Tossi e mal tinha me recuperado quando levei um chute no estômago.
— Levanta! — era a voz feminina. Demorei para obedecer e levei outro chute.
Levantei com dificuldade antes que ela pudesse fazer qualquer outra coisa. Um dos dois me puxava pela corda em meus pulsos e sabia que o outro andava ao meu lado, conseguia ouvir os passos nas folhas. Estava muito frio, tinha a impressão de que o suor que empapava minha roupa poderia congelar a qualquer instante. Comecei a bater os dentes e tremer, nem sentia meus ferimentos doerem, tudo o que eu percebia era o frio.
Andamos por mais alguns minutos, então me mandaram parar e desamarram minhas mãos, descobrindo minha cabeça em seguida.
Eu soube quem ela era assim que a vi.
Estávamos numa clareira em uma floresta e ela parecia brilhar no escuro. Seus olhos eram completamente negros e os cabelos brancos feito a neve, assim como a pele. Usava uma coroa de rosas vermelhas congeladas e uma túnica cinza, com dois chifres curvos se projetando da cabeça. Tinha marcas vermelhas e douradas pelas bochechas e pescoço e era assustadoramente linda.
Estava sentada no centro de uma estrela de seis pontas desenhada na geada e abriu um sorriso perverso ao nos ver.
Se levantou e vi que os dois que me trouxeram estavam ajoelhados com as testas no chão, a reverenciando. Ela estendeu uma das mãos e disse:
— Venha para mim — sua voz era aveludada e doce.
Senti-me enfeitiçado. Apesar de meu cérebro gritar que não deveria fazer aquilo, meu corpo era atraído em sua direção, como um imã.
O que eu estava fazendo?! Deveria estar correndo para longe dali, mas ao invés disso estava indo pacificamente em direção à morte!
E continuei, até entrar no pentagrama e ela se mover rapidamente, agarrando meu rosto. Suas grandes unhas negras perfuraram minha pele, e foi como se ela injetasse gelo líquido em minhas veias, que passaram a congelar lenta e dolorosamente. Caí no chão me contorcendo e gritando.
Em algum momento eu vi o casal que me trouxe. Uma mulher de uns vinte anos e um homem; ele era velho, mas rejuvenescia na mesma medida em que o gelo se espalhava por minhas veias.
Quando acabou, ele parecia ser mais novo que eu.
Comecei a sentir meu coração desacelerar aos poucos. O demônio, que me olhara com divertimento durante todo o processo, voltou-se para os dois.
— Sua parte está feita — falou no mesmo tom aveludado — os espero em cinquenta anos.
Eles a reverenciaram novamente e se retiraram.
Ela voltou a me observar, em deleite. Àquela altura, eu já sabia para onde ia.
— Por que não me mata e me deixa queimar logo? — Perguntei com dificuldade — não aguento mais o frio…
Ela riu melodiosamente e meus olhos embaçaram, indicando a última batida do meu coração.
— Nunca te contaram, querido? — falou — o inferno é feito de gelo...
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