paolaconsigliere Marcella Holland

Raen é um tritão que está sempre entediado e busca se divertir ao observar as civilizações humanas na terra. No entanto, apesar de sempre admirar sua cultura e a forma como se relacionavam, Raen nunca conversara ou se mostrara para nenhum humano até conhecer Zell, uma guerreira pertencente a um clã violento ao sul do Mar Austra. Com medo das histórias assombrosas pelas quais a raça humana era conhecida, Raen tem muito receio de se aproximar da humana que já se mostrara ser sanguinária, mas simplesmente não consegue resistir ao seu encanto e evitar se apaixonar, o que causará também a sua ruína.


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A canção

A água fazia a luz de fora tremeluzir até ficar completamente disforme, ali embaixo só se ouviam as bolhas que subiam para a superfície originadas pela sua movimentação e, por vezes, o som de algum peixe nadando para o longe. O mar era um lugar calmo, mesmo quando os predadores saíam à caça, mesmo quando os cardumes migravam, mesmo quando os humanos jogavam suas redes ou quando batalhavam entre si com seus canhões. Era um caos silencioso.

No entanto, ali, tão perto da superfície, Raen podia ainda ouvir o som abafado de um voz feminina cantarolando – e, na verdade, fora isso o que o atraíra para tão perto da terra. Ele nada podia ver dali a não ser a forma turva de sua silhueta e tinha medo de colocar a cabeça para fora, afinal, não sabia como ela reagiria à sua presença. Ao norte do Mar Austra moravam povos que faziam da caça aos sereianos um esporte, muitos deles preferindo capturá-los para fazer deles seus escravos sexuais ou usar de seu sangue com propriedades curativas que os permitiam viver mais. Era verdade que muitos de seu povo possuíam uma forma terrena e podiam caminhar na terra como os demais, mas nenhum sereiano suportava ficar tanto tempo longe da água, se a sua mente não enlouquecesse o seu corpo secaria e morreria com o tempo.

A figura feminina do outro lado se movimentava de um lado a outro, fazendo com que o som de sua voz ficasse mais baixo ou mais alto dependendo de para onde ela ia. Raen tentava acompanhá-la por baixo da água, mas as rochas da margem muitas vezes o impediam de se locomover com tamanha liberdade.

Ele gostaria de ver a sua aparência. Desejava ver o rosto do anjo que cantava tão bela canção. Não havia muita música ali embaixo, os sereianos eram um povo frio como as águas das profundezas e o máximo de música que ele já ouvira em seus parcos anos de vida – se comparados com a idade de seus anciãos – vinha do povo da terra. Estes, sim, pareciam gostar muito de dançar, cantar, gritar e rir. Por vezes, Raen se via desejando ser um deles. E ele realmente podia, temporariamente, mas sabia que nunca seria um deles mesmo em sua forma terrena e mesmo Raen não sabia se gostaria de ser um deles em sua totalidade. Ele só queria dançar e cantar, era só isso.

Muitos de seu povo o considerariam um traidor por se sentir assim. Há milênios que o povo subaquático estava em guerra com o povo da terra, não havia trégua e sangue inocente eram sempre derramado. Raen não se sentia assim, não cultivava esse ódio pelo povo da terra, muito pelo contrário, tinha grade curiosidade. Só precisava ter cautela.

Com um plano em mente, Raen se escondeu atrás de uma pedra grande e de superfície lisa devido ao impacto das ondas do mar ao longo dos anos. Em seguida, colocou apenas os dois olhos para fora da água cautelosamente, confirmando que o topo da pedra cobriria sua presença. Por fim, colocou toda a cabeça para fora da água, agora podendo ouvir claramente o som encantador e sentindo a presença da outra a alguns metros de distância.

Dando uma espiada por detrás da pedra, Raen pôde ver o céu azul e límpido acima deles, a margem coberta por rochas irregulares de todos os tamanhos e, atrás, uma alta e densa floresta. A água à sua frente estava completamente transparente, podendo-se ver o fundo de uma areia branca e fina. Na direção da fêmea humana que cantava, viu...

Seus olhos se arregalaram com a imagem do suposto anjo que ele acreditara ser.

Não era exatamente o conto de fadas que ele imaginara. A fêmea vestia um peitoral de couro fervido desgastado e sujo, seu cabelo quase branco e trançado também continha o mesmo tipo de sujeira escura que, com algumas fungadas, Raen descobriu ser sangue seco. De onde estava, via que ela fincava estacas de madeira entre as rochas com cabeças decepadas no seu topo.

Encarou o horizonte atrás dele, o mar azul se estendendo infinitamente, e constatou que aquela devia ser uma rota de navegação e aqueles que ali atravessassem iriam ver a mensagem presa entre as rochas.

Raen quis fugir para não ter de encarar aquela barbaridade, mas algo dentro dele – talvez o seu lado encantado pela música – ficou extremamente curioso para conhecer mais sobre aquela fêmea que cantava enquanto segurava cabeças.

Ignorando todos os seus instintos de sobrevivência, aproximou-se ainda mais da margem até seu abdômen roçar na areia fina do fundo.

Sem estar mais escondido por uma rocha, a estranha não pôde deixar de repará-lo, sua longa cauda laranja salpicada com manchas brancas com certeza o destacava na água límpida. Ela caiu para trás quando o viu, com um arquejo saindo de seus lábios e substituindo a canção que agora cessara. A estaca em que ela tentava equilibrar também caiu junto com ela e ambos quase despencaram da rocha coberta por musgos.

Em um movimento vão e desesperado, ela tirou uma faca de sua cinta e apontou para ele.

– Não se aproxime. – ela disse inutilmente. Ele não poderia subir na rocha com uma cauda, não é mesmo?

– Não vou me aproximar. – ele respondeu na língua dos terrenos, sentindo a língua ainda meio endurecida devido à falta de uso. – Eu nem poderia.

– É claro que poderia. – ela rebateu, ódio estampado em sua voz. – Você acha que eu não sei o que o seu povo faz?

Ele se manteve em silêncio.

– Vocês nos arrastam para o mar e nunca mais somos vistos.

Era verdade. Muitos sereianos, movidos pela crueldade em seu sangue e até por certo maravilhamento, encantavam humanos nas baías e os atraíam para a água. Uma vez dentro do mar, eram levados para as suas profundezas, guiados pelo encantamento das criaturas subaquáticas. E o que acontecia com eles? Morriam com o tempo, obviamente. O beijo de um sereiano podia permitir com que os humanos respirassem embaixo da água, mas respirar não era o suficiente para sobreviver.

Raen nunca fizera isso. Recusava-se a usar seu encanto para atrair terrenos para as profundezas. Apreciava apenas observá-los de longe.

– Não vou fazer nada, juro. – prometeu ele. – Não precisa ter medo.

Os olhos escuros da fêmea reluziram.

– Não tenho medo. – com a faca ainda em mãos, ela se levantou e pulou na rocha mais próxima a ele com uma agilidade felina. – Se tentar me seduzir eu corto a sua garganta.

Agora, tão perto dela, ele podia ver as marcas de sangue seco por todo o seu rosto, pescoço e ombros expostos, sangue misturado com tinta preta que contornava sua face em desenhos tribais, agora borrados. As mãos eram cobertas por braçadeiras de couro sem dedos que chegavam até seus cotovelos; a túnica negra por baixo da couraça caía até as suas coxas e mais tiras de couro pendiam de sua cinta, contornando seu quadril como a saia de um vestido, chegando até a altura de seus joelhos.

O cheiro de sangue se tornara mais forte e Raen não conseguiu evitar se encolher próximo à rocha atrás dele para fugir daquela lâmina.

– Se eu te encantasse você não poderia cortar a minha garganta. – rebateu ele de forma ousada e aprovando internamente a própria coragem.

– Quer tentar? – ela sorriu ameaçadoramente.

Ele não queria.

– Que música era aquela? – perguntou, mudando de assunto.

A humana franziu o cenho, confusa.

– Quê?

– A música. – explicou. – Que você estava cantando agora mesmo.

– Por que quer saber?

– É bonita.

– Hm. – ela pareceu ficar contente com o elogio e guardou a faca. – É uma canção do meu povo que inicia o ritual da colheita.

Intrigado, Raen se aproximou da rocha em que a humana estava apoiada de cócoras.

– Tem dança também? – sabia que provavelmente seus olhos estavam brilhando.

Ela se aproximou ainda mais o rosto do dele.

– Muita dança. Muito sexo. E muito vinho.

– Vinho?

– Vinho. – ela repetiu, mas quando viu que ele não reagia àquela afirmação, perguntou: – Não sabe o que é vinho?

Ele balançou negativamente a cabeça.

– É uma bebida com álcool feita com o suco da uva.

Álcool ele sabia o que era, por mais que nunca tivesse provado. Aparentemente, bebidas desse tipo deixavam os humanos muito mais felizes do que o normal.

– Parece bom! – disse, animado. – Eu gostaria de experimentar.

– Gostaria? – ela franziu o cenho, provavelmente estranhando toda aquela atitude dele.

– Sim! – apoiou as mãos na rocha, com expectativa. – Você tem um pouco aí para mim?

– Não. – respondeu ela em um tom de obviedade. – Eu vim espetar estacas. – ela apontou para as hastes de madeira. – Não para beber.

– Oh.

A humana se levantou e escalou a rocha onde estava anteriormente, voltando a trabalhar com as cabeças.

– Por que vocês os mataram? – quis saber, não mais tão intimidado quanto antes.

– Não importa. – respondeu ela, seca. – Só importa que morreram.

– Eu não acho que não importasse para eles.

Ela deu de ombros.

– Eles estão mortos demais para se importar, não acha?

Quando Raen ficou em silêncio, sem saber exatamente como revidar, ela respondeu, resignada:

– Invasores. – explicou. – Uns imbecis de Honevein querendo vender as merdas das mercadorias deles no nosso território.

– E qual o problema?

– Honeveianos não são bem-vindos desse lado do Mar.

– Por que não?

Ela suspirou com impaciência. Àquela altura ela já conseguira firmar uma estaca, deixando a cabeça exposta para qualquer um que atravessasse aquele ponto.

– Não te interessa. Por que não vai nadar por aí como os peixes fazem?

Ele riu da tentativa de dispensá-lo.

– Não é tão interessante. – ele cruzou os braços em cima da rocha pequena mais próxima e apoiou a cabeça entre eles.

– A sua vida deve ser realmente um saco, então.

– Não é mesmo. – bocejou. – Só é um pouco parada.

Ela riu com desprezo.

– Eu não esperava nada diferente de peixes.

– Não somos exatamente peixes. – rebateu. – Somos mamíferos, como vocês.

Ela parou o que estava fazendo para analisá-lo.

– É mesmo? Porque me parece um peixe com essas escamas coloridas. – apontou para a sua cauda balançando na água. – E com essas...coisas. – referiu-se às suas barbatanas nas orelhas e às guelras no pescoço. – Até pensei que fosse um peixe-dourado.

Ele fez uma carranca.

– Não tem graça.

– Não era para ter.

– Peixes-dourados nadam em água doce. – explicou ele.

– E vocês são de água salgada. – concluiu ela.

– Sim.

– Ótimo. – ela sorriu. – Sempre gostei mais do gosto de peixes de água salgada.

Raen fez uma careta de assombro.

Agora ela terminava de firmar a segunda e última cabeça, esta pertencia a um senhor de idade com longos cabelos brancos agora manchados de sangue e morte.

– Eu tenho uma forma humana também. – simplificou, não era bem humana e obviamente não diria isso a ela para que pudesse esnobá-lo ainda mais.

Mas fez as sobrancelhas dela se arquearem em espanto.

– Tem mesmo?

– Sim. – confirmou, orgulhoso por ter despertado aquela reação.

– Nunca ouvi falar sobre isso.

– É porque nunca nos mostramos a vocês terrenos. – e era verdade, ele nem ao menos devia estar tocando naquele assunto. Quanto menos humanos soubessem, melhor.

– Duvido, mostre.

– Hmm. – percebendo que agora Raen estava em uma posição de vantagem em que ela quem sentia curiosidade sobre ele, decidiu que gostaria de manter o momento pelo maior tempo possível. – Não posso sair mostrando minha forma para vocês.

– Por que não?

– Porque – ele subiu na pequena rocha em que estava apoiado para se sentar ali. – Apenas os merecedores podem ver.

Os olhos dela se semicerraram.

– E como se torna um merecedor?

– Você tem que me fazer um favor. – encarou-a com um olhar inocente.

Ela riu.

– Ah, já entendi tudo. – com uma última pressão na haste de madeira, a estaca se prendeu ali entre as rochas na posição vertical. – Você acha que pode me enganar para conseguir alguns favores assim, de graça.

– Juro que não é o caso. – respondeu calmamente. – Aliás, se eu precisasse de algum favor seu eu só precisava encantá-la.

Ela revirou os olhos e soltou um suspiro irritado.

– Você não está curiosa? – provocou com um sorriso malicioso. Estava realmente adorando aquilo, era tão emocionante.

Com os braços cruzados, ela o olhou de esguelha e depois se rendeu:

– Tudo bem, o que você quer?

Ah, ele conseguira! Poderia pedir o que quisesse, mas o que seria? Vinho? Álcool? Ou aquelas comidas exóticas que Raen os via comer com as mãos? Morangos? Ah, ele ouvira falar dos morangos uma vez, mas não fazia a mínima ideia de como eram e qual era o seu gosto.

Poderia pedir roupas! Sempre achara sensacional os tecidos nos quais os humanos se enrolavam, os deixavam tão bonitos – apesar de Raen suspeitar que eles os utilizavam para se proteger do frio, problema que ele e os sereianos não tinham uma vez que sua temperatura corporal era completamente adaptada ao ambiente em que viviam e este não era suscetível a mudanças de temperaturas de forma tão extrema.

O que pediria? O que pediria?

– E então? – insistiu ela, despertando-o de seus devaneios.

– Ahn, eu quero vinho e... – segurou o seu queixo em uma expressão pensativa. Vinho era um pedido muito fácil, uma vez que humanos bebiam o tempo todo, teria de ser algo mais. –... um beijo!

– Um beijo? – ela fez uma expressão de choque.

– Sim! Um beijo.

O beijo era outra coisa da qual ele só ouvira falar, mas nunca experimentara. Sabia que era algo que se fazia com os lábios e apenas isso, queria sentir a emoção que seus amigos diziam ter sempre que descreviam seus momentos mais íntimos. Raen ainda era muito jovem e sabia pouco sobre acasalamento e coisas do tipo, apesar de estranhar o motivo pelo qual o beijo estava atrelado a isso.

– Pensei que era só um favor. – ela colocou as mãos na cintura. – Vai ter que escolher.

– Mas eu quero os dois. – insistiu ele com uma voz quase manhosa.

– Oh, tudo bem. – ela não parecia certa sobre isso e sua paciência aparentava estar quase no fim. – E então eu serei merecedora para ver sua forma humana?

– Sim!

Ele mostraria a ela, não havia problema nisso. Ele achava.

– Então está feito. – ela bateu as mãos umas nas outras para limpar a sujeira. – Nos encontraremos amanhã neste mesmo local, neste mesmo horário com o seu vinho e o seu, er, beijo.

Ele mal podia conter a sua alegria, queria gargalhar e gritar para todo o Mar que tivera sucesso em uma barganha com uma humana! Seu povo considerava a raça humana como o tipo mais trapaceiro e ardiloso de todos, mas Raen conseguira barganhar de forma favorável a ele.

– Ei! – Raen percebeu que ela o chamava enquanto ele estava perdido em pensamentos. – Eu perguntei se você tem um nome?

– Ahn, sim. – disse. – Raen é o meu nome.

Ela abriu um meio sorriso e se inclinou do alto da rocha para estender uma das mãos em sua direção.

– Prazer, Raen. Meu nome é Zellthine, mas as pessoas só me chamam de Zell.

Raen encarou a mão aberta estendida em sua direção e ficou pensando o que deveria fazer com ela, pois Zell parecia esperar que algo acontecesse.

– Você deve apertar a mão, Raen. – explicou ela ao perceber a confusão em seu rosto. – É um gesto de companheirismo.

– Oh!

Ele estendeu o braço para apertar a mão quente e áspera dela, o contraste da cor de pele deles se tornando evidente com aquele contato.

Percebeu que aquele era também um gesto de confiança, uma vez que Raen, se estivesse mal intencionado, poderia muito bem aproveitar aquele momento para arrastá-la para o fundo do mar e Zell mal teria como se defender. Afinal, a água era o seu lar e ele sabia muito bem como manejá-la. No entanto, ela quem tivera a iniciativa de tocá-lo, demonstrando a quantidade de confiança depositada nele.

Decidiu que gostava de Zell e confiava nela.

– É um prazer. – repetiu as mesmas palavras dirigidas a ele e sorriu.

Nov. 7, 2020, 2:19 a.m. 2 Report Embed Follow story
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Davi Morais Davi Morais
Apesar da descrição da história já dar um certo spoiler, o que me faz imaginar quase o que vai acontecer no encaminhar da história, me parece interessante o que você está propondo dessa vez... Apesar de achar muito que esse encontro vai ser uma bela de uma armadilha, espero que você atenda as minhas expectativas em animar meus finais de semana, autora. kkkkk
November 07, 2020, 02:46

  • Marcella Holland Marcella Holland
    OLÁAA KKKKK o que você imagina que vai acontecer? Tipo, é claro que será um romance (inclusive será um bem curtinho, de apenas 10 capítulo aproximadamente), mas espero que você goste!!! Estarei postando toda sexta-feira como sempre! November 07, 2020, 02:54
~

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