No campo aberto, o cervo caminhava sutilmente, quase misturado à linha do horizonte. Will observava o desenho de sua sombra em ciranda, uma sombra larga que arranhava o solo em direção a si, perseguindo-o, insidiosa, gritando com as unhas a sua proximidade enquanto rangia os dentes como um pesadelo.
Todavia, esperou até que o cervo chegasse e o envolvesse na sua escuridão. Will tocou sua cabeça, sentindo a textura do seu pelo entre os dedos, suave... um suspiro acariciando sua pele...
Súbito, o animal caiu morto.
Devagar, seu corpo foi rasgado de dentro por uma figura humana que emergia vestida apenas do líquido incandescente, quase fogo queimando em seu corpo. Ela ajoelhou-se diante de si abaixando a cabeça e Will voltou a passear os dedos pelos cabelos ensopados. De início, para ele era impossível distinguir as feições da criatura aos seus pés, por estar imerso em cheiros e tons a revelar a morte do animal e a vida que acariciava, ficando mais intensos conforme a figura abraçava sua cintura e o sangue se misturava às suas roupas, à sua pele... Embriagado, Will também caiu ajoelhado, prostrado diante dele que não hesitou em puxar o seu rosto e colar os lábios indecifráveis aos seus.
Assim, a escuridão de fora subiu-lhe pelo corpo e entrou por sua boca ávida como se cada passo em direção a ele mascarasse esse momento, Will dava-se conta. A figura levantou-se, foi tomando forma e revelando-se cada vez maior e maior e maior. Ele permanecia imóvel, paralisado de terror por tudo o que sentia e via com a escuridão a tomar conta de si: com ela vinha uma lucidez monstruosa igual ao terror noturno acordado: Hannibal já estava dentro de sua cabeça e não havia o que fazer.
— Olá, Will — a voz ecoou no mesmo instante em que a figura definiu-se por completo em sua mente.
— Olá, doutor Lecter — Will respondeu de dentro da cela.
Encarava Hannibal, mas enfim o via pelo que era: um abismo. Lecter poderia haver entrado em sua mente, mas, se pudesse ver, saberia que o terror derramou-se em ódio em suas veias: fosse como fosse, haveria de mostrar a verdadeira face da criatura à sua frente, a mesma agora gravada do lado de dentro dos seus olhos.
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