luciano-torres-filho1593340246 Luciano Torres Filho

Um cientista deixa uma carta desculpando-se com a humanidade após disseminar uma doença no planeta.


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#conto #carta #apocalipse #desastre #the-walking-dead #reality-z #mortos-vivos #eu-sou-a-lenda
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Epístola

27 de julho de 1996.

Até parece brincadeira, mas a alegria durou pouco. Logo após nossas fontes terem informado sobre a proposta de Ian e Keith, nós começamos alucinadamente a procurar por respostas mais rápidas ao processo da clonagem.

Os testes iniciais eram promissores, e nós tínhamos certeza de que estávamos fazendo história; de que iríamos ajudar as pessoas, iríamos prolongar a vida, seria possível acabar com filas de espera por órgãos, com bancos de sangue vazios, e principalmente, para o campo das pesquisas, não seria mais necessário esperar uma eternidade burocrática para podermos colocar as mãos em cobaias humanas, isso porque nós faríamos nossos próprios humanos. Nós seríamos igual a Deus criando Adão! Se tudo desse certo, em um futuro próximo, os planos era que bastaria o acesso a uma impressora de tecidos e qualquer parte genética poderia ser criada.

Mas nós aprendemos que não é permitido brincar de deus.

Nossas pesquisas estavam dando bons resultados, tínhamos dado passos promissores na genética, decodificado linhas de DNA antes desconhecidas, e entendido como funcionavam todas as teorias da criação das espécies, indo muito além de Darwin.

Entretanto, estávamos ficando sem tempo, já era novembro de 1994 e nós não tínhamos nada em concreto, nada testado de forma prática. Nenhum experimento tinha sido realizado até então, apenas teorias. E os holandeses já tinham utilizando suas ovelhas para reproduzirem clones. Algumas teorias deles haviam falhado, claro, mas logo eles teriam um clone perfeito como resultado de suas tantas falhas, e quanto a nós? Nós estávamos certos de que nossos cálculos eram à prova de falhas, afinal os Estados Unidos da América é o país dos acertos, correto?

Infelizmente não.

Lembro daquele dia com todos os detalhes possíveis. Sei que fazia sol, apesar de estar dentro de um laboratório a setenta metros de profundidade, porque a televisão do segurança no corredor mostrava o último jogo dos RedSox da temporada (e da história). Nosso time estava perdendo, mas isso não faria muita diferença em um futuro próximo.

Mas o que mais me chamou a atenção foi a chimpanzé que jazia sobre a maca de metal que tínhamos em nosso laboratório. Eu não sei ao certo o motivo de o Dr. Armstrong ter escolhido a chimpanzé, apesar de todos os nossos esforços de testar a clonagem em ratos ou mesmo em uma ovelha. Mas para ser sincero, eu lembro que o Doutor estava muito desanimado com as pesquisas a alguns meses, logo após sua última reunião com os financiadores. No íntimo, eu penso que a chimpanzé seria uma forma de mostrar ao mundo uma forma mais humanizada de clonagem, já que se parecem mais fisicamente com o homem do que uma ovelha ou um rato.

Quando entrei na sala, o animal já estava sedado, jazia imóvel, com uma máscara de oxigênio na cara e correias muito firmes nos membros superiores e inferiores. Segundo o que havíamos programado, iríamos fazer a fecundação da chimpamzé ser o mais natural possível, mas para mim, aquilo ali não parecia saudável para o animal. Logo, mais uma vez, discordava da ação do Dr. Armstrong, mas ele era o chefe da equipe, e eu já havia discordado demais com ele em sua sala uma centena de vezes, de certa forma, apesar de algumas coisas saírem de nosso controle, eu não queria perder a oportunidade de toda minha vida, que era a de participar de uma equipe que eu pensava que faria história na ciência, mas outro tipo de história.

Mas então a chimpanzé foi fecundada, e a gestação corria bem, na verdade, foi mais que bem, foi perfeito, quando o pequeno bebê nasceu, todos nós estávamos empolgados, esperamos muito por aquele dia. Demos a ele o nome de Charles, em homenagem ao pai da teoria da evolução.

Nós estávamos à frente dos holandeses. Estávamos para mostrar ao mundo os avanços da genética e o que eles significavam.

Entretanto, Charles se mostrou um bebê inquieto, foi em janeiro deste ano que tudo começou, ele estava com quase oito meses e não havia desenvolvido o esperado. Ele tinha que ficar de quarentena em um cubículo de vidro reforçado, pois seu comportamento violento havia machucado pessoas da nossa equipe. A Dra. Pamella e o Dr. Denis tiveram ferimentos profundos e morreram porque haviam contraído raiva, segundo todos os resultados médicos. Nossos exames não davam resultado diferente, mas o pequeno Charles não tinha raiva, então, descartamos a hipótese de ele ter transmitido o mal aos doutores.

A câmara de contenção do bebê chimpanzé ficava imunda a cada dia mais, e nós não conseguíamos limpá-la. O animal era muito agressivo, com o triplo da força de um homem comum, nós já o havíamos sedado tantas vezes que ele começava a ter algum tipo de defesa natural contra os tranquilizantes. Por fim nós já estávamos decididos a pôr um fim em sua curta vida.

No dia 12 de março de 1996 nós finalmente decidimos que a forma mais eficaz e rápida de tirar a vida do animal era um dardo com overdose de tranquilizante, tudo muito bem calculado para que fosse rápido o bastante, evitando uma morte dolorosa.

Dan apontou a arma para Charles através de um dos orifícios da câmara, o dardo atingiu em cheio a nádega desnuda do animal. O clone debateu-se dentro da jaula, jogando sua sujeira nas paredes e jogando-se contra o vidro. Menos de cinco minutos e o animal jazia sem respiração no meio do cubículo. Um dos membros da equipe adentrou e checou o pulso do animal: ele estava oficialmente morto. Parecia que tudo havia acabado já que nós não tínhamos outro espécime, não tínhamos outra linha de pesquisa, nada. Tudo o que tínhamos havia sido investido em Charles, e ele havia fracassado. Na verdade, nós devíamos admitir nosso fracasso.

Dr. Armstrong estava em sua sala, sem camisa por baixo do jaleco, enchendo a cara com a champanhe que deveria usar para comemorar o sucesso de nosso experimento. Claro que de todos os membros da equipe ele é quem estava mais arrasado. Muitas vezes ele chamou Charles de filho, estar a poucos metros, com seu filho sob a mira de uma arma tranquilizante com uma dose letal é de enlouquecer para qualquer pai.

Quando Oliver saiu do cubículo acompanhado de Dan, informando a condição do animal e reclamando do mal cheiro, seus olhos expeliam sangue, sua boca expelia saliva como se fossem palavras, e ele estava completamente suado. Ele não notou de início, precisou de meio minuto para saber que tinha algo de errado, quando caiu no chão como uma trouxa de roupas sujas jogadas no canto da lavanderia, Dan saiu para acudir o amigo – e foi aí que descobrimos que o vírus se propaga pelo ar. Tão logo Dan saiu da câmara o mesmo que havia acontecido à Oliver se repetiu.

Todos vimos Dan cair morto, e então saímos desesperados, buscando a saída.

Mas o vírus se propagou rápido, na verdade todos nós já estávamos infectados, por toda maldita vez que abríamos o cubículo do chimpanzé para limpeza, ou para extrair DNA, sem perceber, nós liberamos uma porção do vírus. E os purificadores de ar faziam o resto do trabalho, levando nosso gás carbônico para fora e trazendo o ar poluído dos Estados Unidos para dentro do laboratório, com isso nós estávamos envenenando as pessoas inocentes la fora.

Com poucos dias integrantes de nossa equipe começaram a morrer, lenta e dolorosamente. Primeiro os cabelos caem, depois a pele fica infestada de bolhas que pipocam e voltam a crescer, com uma coceira dos infernos junto. Quando as bolhas acabam é hora da visão acabar, e dos sangramentos por todos os orifícios, daí para a morte é menos de vinte e quatro horas. Claro que algumas pessoas, como eu, tem maior resistência. Mas ninguém é imune.

Pessoas estão morrendo em todos os lugares, e a cura reside em um cubículo a setenta metros do subsolo de um prédio condenado. Criaturas horrendas se formaram lá embaixo, resultado de mutação genética e evolução. Pessoas que conseguiram voltar falam algo como um gigante peludo de grandes presas. Eu chamo de Carlie.

Já tive o desprazer de ver uma dessas criaturas atacando um grupo de pessoas que procurava um abrigo. Como temos que mudar de local constantemente e usar máscaras de ar em qualquer momento de nossas vidas amaldiçoadas, por causa do ar infectado, fica difícil se concentrar em tudo a nossa volta, e essas pessoas toparam com os mutantes, que não só mataram, mas devoraram todo o grupo.

Bem. Esse foi o início, foi onde tudo começou, e eu me sinto culpado por não ter saído da equipe quando tive oportunidade. Me culpo por não ter levado mais a sério minhas intuições e ter confrontado com mais vontade o Dr. Armstrong. Talvez ainda pudéssemos ter uma chance.

Não sei como essa coisa se espalha tão rápido, mas eu aconselho a você a ter muito cuidado com as fezes, nunca entre em um local desconhecido nem nunca deixe de usar sua máscara de respiração, não chegue perto de pessoas que demonstram comportamento agitado, muito menos que esteja se coçando com muita frequência. Esqueça pertences desnecessários e junte-se a nós em King Cove/Alaska, em regiões frias o vírus é mais lento, e aqui nós temos abrigo para muitas pessoas, esperamos que você consiga chegar até nós.

Minhas sinceras desculpas por acabar com o nosso planeta.


Dr. Sebastian E. Kenkel, Boston.

Nov. 25, 2020, 2:51 p.m. 2 Report Embed Follow story
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The End

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NíngYì Mèng NíngYì Mèng
Aqui temos algo comum e ao mesmo tempo incomum. Tanto aqui no Inks, quanto em outros lugares, já li muitas histórias que falam sobre o fim da humanidade, um apocalipse e etc. Mas a sua... tem algo especial. Talvez seja por utilizar a teoria de Darwin (eu criei um apego com esse carinha e essa teoria) ou pelo plot de que o vírus se propaga pelo ar e o mundo foi contaminado por um experimento (acho que isso lembra uma clássica teoria da conspiração que todos nós sabemos do que se trata). E também, gostei da forma como o Alasca virou um abrigo contra essa doença (mesmo que na minha cabeça, ainda seja um pouco perigoso). Bem, eu gostei bastante da sua escrita e deste conto. Espero ver mais coisas suas por aqui. 💕
July 22, 2021, 05:20

  • Luciano Torres Filho Luciano Torres Filho
    Eu fico realmente muito feliz quando alguém dedica seu tempo a me dar um feedback, isso é muito importante e me faz crer que eu posso escrever algo de qualidade. Muito obrigado! July 22, 2021, 16:22
~