Era sobre um garotinho estranho, magro e de cabeça grande, que tinha dificuldades para brincar. Ele mastigava com a boca aberta (levava um tabefe da mãe como forma de repreensão) e limpava o nariz escorrendo com algum dos pulsos.
Na hora de brincar, preferia permanecer sentado sossegado em algum canto, mexendo nos próprios dedos e pensando sabe Deus em que.
Já o tinha visto cair de sua bicicleta (coisa medonha, o pneu frontal entortou e o tombo foi doloroso só de olhar), a cabeça dele bateu e quicou no chão pedregoso, e quando seu rosto se ergueu havia uma mancha feiosa de sangue cobrindo seu nariz, boca e queixo. O esquisitinho nem sequer chorou. Ele não era de chorar. Ninguém nunca o vira derramar uma lágrima.
As pessoas da região diziam que seus olhos eram tão secos quanto o lago local em época de verão. O braço dele certa vez quebrou, — parecia que possuía dois cotovelos na ocasião — ficou num ângulo torto horroroso, e aquele garoto nem careta fez. Ele me dizia que sentia dor o tempo todo, que seu corpo doía como se milhares de agulhas quentes o espetassem, e saiba que este velho aqui acreditava nele, talvez o único que tinha esse sentimento de proximidade. Não éramos amigos (longe disso, o esquisitinho preferia o silêncio a dar um olá), mas vez que outra, os olhos dele caíam sobre os meus e decidíamos jogar conversa fora por alguns minutos. Falei conversa?
Não, nada disso. Quem falava era apenas eu. Ele só escutava e prestava atenção. Dizia que as palavras faziam sua garganta arder. Contou isso e vi seu pomo-de-Adão subir e descer como se estivesse engolindo algo grande demais para a própria boca. Ainda naquela época, por volta de um inverno chuvoso e gelado demais para explicar em detalhes, fomos ao velório daquele garoto acompanhados de uma estranha sensação que com meus oito anos não sabia o que era, mas que hoje com meus noventa sei muito bem. Estávamos aliviados. Aliviados por ele. O garotinho que possuía apenas dor vivendo dentro dele, e ela era tanta que tinha sede e bebia suas lágrimas. Por isso era incapaz de chorar. Naquele velório a cidade inteira estava presente, alguns fazendo orações enquanto outros batiam papo como se estivessem em um bar. A mãe do menino não saía do lado do pequeno caixão coberto de flores, os olhos fechados e uma das mãos sobre a testa fria e pálida do pobrezinho. Por isso digo até os dias de hoje que fui o único a ver aquilo, e mesmo tantos anos depois, ainda sou capaz de lembrar.
— Ver o que, vovô?
— Que aquilo que escorreu por debaixo da pálpebra fechada daquele menino esquisito e morto, era sim uma lágrima.
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