pedro-moreira1557072222 Pedro Moreira

Se te apaixonasses em sonhos pela pessoa que amarás no futuro, que farias para a encontrar?


Microfictions Alles öffentlich.

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Projeção

- São quase nove da noite e o carro marca trinta e oito graus. – Diz Antunes, sentando-se ao volante do Dacia Duster branco e rodando a chave, enquanto outros dois passageiros se sentam, um no banco do pendura, outro no banco de trás.

- Não é quase nada… Abaixo dos quarenta é fresco. - Responde João, ironizando, habituado ao calor alentejano.

- Fala por ti. Já não estou habituado a isto. – Queixa-se Diogo, sentado no banco traseiro, de regresso a Mértola depois de largos meses fora. Anos, para dizer a verdade. Tinha estado a estudar línguas e literaturas na Universidade do Minho, primeiro a licenciatura, depois a pós-graduação, e agora o mestrado, que fazia nas horas vagas que arranjava entre o trabalho numa escola profissional, as tertúlias improvisadas, as esplanadas dos cafés e os balcões das tabernas. Era o mais velho dos três rapazes, todos com vinte e poucos anos, na flor da idade e com energia para passeios e copos diários.

O sol punha-se na Mina de São Domingos. Uma magnífica praia fluvial, de água tépida e opaca, repleta de peixes e sanguessugas, mais conhecida entre as más línguas como a praia dos tesos, pois só lá ia quem não tinha dinheiro suficiente para fazer a viagem de menos de cem quilómetros até ao Algarve. Enquanto atravessavam o paredão que servia simultaneamente de barragem e estrada de saída, observavam em silêncio a esplanada do pequeno quiosque, estrategicamente colocado no meio do areal improvisado que pretendia, sem êxito, recriar uma praia a sério. Havia ainda muita gente a comer petiscos, sobretudo caracóis, degustados com pão, manteiga e minis, iguarias que atraiam mais turistas que os banhos.

- Devíamos ir comer qualquer coisa… - Suspira João, enquanto passavam pelo último restaurante da pequena localidade, habituado a jantar religiosamente às oito da noite, acompanhando o telejornal, hora que já lá ia. Os outros não concordaram.

- Achas? Estou cheio de caracóis e minis até às goelas. – Responde Antunes, ainda farto do lanche que durou desde as seis da tarde. – E deixa lá ver se não anda aí a bófia, se me mandam parar lá se vai a carta.

- Vamos antes dar uma volta à serra. Ver o rio lá do alto. Não me apetece ir para casa. – Acrescenta Diogo, cuja relação algo conflituosa com os familiares que não tinha outro remédio senão visitar nas férias o levava a manter-se na rua tanto tempo quanto possível.

- Tu queres é ir ver ovnis. – Responde Antunes, rindo.

- Ovnis? Aqui? – Pergunta João, espantado, achando a ideia estapafúrdia.

- Claro, onde havia de ser? Na Serra de Mértola há mais relatos de avistamentos que em qualquer outro sítio em Portugal. – Responde Diogo, prontamente. – Dito pela Associação Portuguesa de Ufologia, pela Associação de Pesquisa Ovni, entre outras.

- Entre outras? Há associações disso? – João, estupefacto, admira-se.

- Claro! Só em Portugal tens dez ou doze associações que estudam os ovnis. Aqui em Mértola e na zona do Carregado é onde há mais avistamentos.

- Deves estar é doido, pá, isso não existe. Muito menos aqui, no meio do nada. Ovni que se preze aparece na América e os extraterrestres falam inglês, como em qualquer filme. – Troça João, enfurecendo Diogo, adepto e crente de longa data em tudo o que é fenómeno paranormal.

- Não existe o quê? Não existe? Claro que existe! Olha aqui, este foi filmado aqui há uns anos! – Diogo apressa-se a sacar do telemóvel e a apresentar um vídeo filmado ali perto, onde alguém de telemóvel em punho corria por meio do montado, vendo-se apenas luzes desfocadas e vultos que tanto poderiam ser árvores como pessoas. No final, um objeto em forma de disco, nítido e repleto de luzes que encandeavam qualquer um que pudesse assistir ao vídeo, passa mesmo em frente da câmara.

- Que montagem tão mal feita! Tu acreditas nisso? – Antunes, rindo à gargalhada, abrandava e encaminhava o carro para uma estrada de terra batida.

- Então não estás vendo? Querem ver outro, para ver se acreditam? – E põe um novo vídeo, desta vez com alguém a filmar o céu, onde se vêm várias luzes extremamente pixelizadas a pairar num vídeo em alta definição. Depois de nova gargalhada, João pergunta:

- Foi das minis, ou acreditas mesmo nisso?

- Então não vês? Não viste as luzes? É mesmo verdade, pá!

Rindo, Antunes e João levaram o resto do caminho a ouvir uma bela dissertação sobre ovnis, alienígenas, a relação entre os extraterrestres e as pirâmides no Egipto, na América Central, na China, na Bósnia, no fundo do Atlântico, assim como sobre as oitenta e seis espécies de extraterrestres que já vivem entre nós, destacando-se os reptilianos e os homenzinhos cinzentos, magros, de cabeça grande, olhos negros e corpo sempre desnudado.

- Credo, meu, ouvir-te ou ver um episódio do Ancient Aliens é a mesma coisa. – Diz João, tentando dissuadir Diogo das suas crenças.

- Isso tudo que aí dizem é verdade! Isso era do canal História, são coisas provadas! Sabias que o primeiro homem na Lua não foi o Niel Armstrong?

- Não? Então quem foi?

- Foram os alemães! Lá no Ancient Aliens também falam dos discos voadores do exército nazi e da base que eles tinham na Lua! Foram lá muito antes dos americanos!

Os outros dois já nem falavam. Só se riam. No topo de uma colina, ao som das conspirações governamentais que eram usadas para encobrir tudo, vociferadas pelo crente, mencionando todos os textos que tinha lido em blogues dedicados ao tema dos ovnis, estacionaram o carro e depararam-se com um cenário glorioso, quando finalmente saíram e chegaram à beira do precipício que mergulhava no Guadiana. O sol tinha acabado de desaparecer no horizonte, mas ainda era visível a sua aura. Mértola, do outro lado do rio, iluminava-se numa calma serena, apenas habitada pelo silêncio das ruas vazias numa hora a que todos jantavam. João sentia agora o vento na sua pele, um vento quente, que apenas se tornaria agradavelmente fresco dali a muitas e muitas horas. Puxou de um cigarro, gesto prontamente imitado pelos outros dois. Diogo, imitando a vila, tinha-se silenciado, finalmente.

- Pois eu ando a ler outras coisas. – Declara o Antunes, interrompendo o silêncio. – Ando mais interessado em psicologia do que em avistamentos.

- Psicologia? Isso não serve para nada. – Afirma João, prontamente. – Há coisa mais inútil neste mundo que os psicólogos? Não fazem mais que ouvir os pacientes a queixarem-se e dão-lhes conselhos baseados em coisas do senso comum.

- Os psicólogos, talvez. Mas a psicologia não é inútil. O que me interessa são os padrões de comportamento.

- Como por exemplo?

- Ainda no outro dia li um artigo sobre os comportamentos que as mulheres têm quando estão interessadas em alguém. – Diz, arregalando os olhos, sorrindo com um misto de marotice e triunfo.

- E que dizia? Já agora quero saber! – Pergunta Diogo, esquecendo os ovnis.

- Olha, muita coisa. Sobretudo elas denunciam-se pela linguagem corporal. Mexem no cabelo, sorriem mostrando apenas os dentes de cima, as pupilas dilatam-se, olham-te nos olhos.

- Só isso? – Questiona Diogo, novamente.

- Não, lá também se dizia que podem morder o lábio inferior, ou tocarem-te no braço, ou na mão. Se procurarem o contacto é porque lhes dizes qualquer coisa.

- Ora aí está o que eu dizia! – Exclama João. – Não me digas, a sério, se uma mulher te dá a mão está interessada em ti? É mesmo preciso um estudo de um psicólogo, ou de uma equipa inteira, para te dizer isso! Francamente, ó Antunes… - Dando o braço a torcer, Antunes não responde. Ficam ali, em silêncio, fumando e vendo a noite cair. Sem segredo, Diogo olhava para o céu, na esperança de avistar alienígenas, só para poder dizer aos outros que tinha razão. Quando voltam para o carro, apagados os cigarros, tinha por força que arranjar uma desculpa para ainda não ir para casa.

- Mas já que falas em psicologia, aprendi a fazer uma cena nova lá em cima.

- Lá em cima? – Pergunta João, sem entender a que se referia.

- Lá no Norte, onde trabalho. Já ouviste falar em regressões?

- Mais tretas de psicólogos. Hipnotismos e recordar vidas passadas, querem ver?

- Sim, essa parte é treta, mas o que eu aprendi a fazer é bem melhor. Eles chamam-lhe projeção em vez de regressão. Vês o futuro em vez do passado. – A gargalhada do Antunes interrompe-o, outra vez. – Não acreditas? Mas tu não acreditas em nada? Olha, pensa em termos de Física: o tempo não é a quarta dimensão? – Diogo, sabendo que Antunes se interessava também por estudar Física, levou para aí a conversa.

- Dizem que sim. Onde é que queres chegar?

- Pensa num objeto a três dimensões. – Diz, segurando o maço de tabaco e esticando-o até aos bancos da frente. – Tens aqui o princípio, o meio, e o fim. – Diogo apontava com o indicador ao longo da caixa. – Consegues ver tudo ao mesmo tempo, não é? Porque estás na quarta dimensão e o maço de tabaco está na terceira. Se estivesses na quinta dimensão, conseguias ver a quarta, a passagem do tempo, como se fosse um objeto com princípio, meio e fim.

- Achas? Isso não funciona assim!

- Funciona, funciona! – Diogo gritava, novamente. – Na quinta dimensão vês o passado, o presente e o futuro, como se fosse um objeto.

- Então isso queria dizer que o futuro é inalterável. – Constata João. – Se é como um objeto…

- E é! É isso mesmo! Porque é que achas que existe o destino? Está tudo escrito, está tudo traçado, desde que nasces até que morres.

- E não mando em nada? Não mando na minha vida? – João, não acreditando no que ouvia, começava a questionar mais uma das teorias tresloucadas que ouvia daquela boca.

- Tu não mandas em nada, o futuro que vês é o que vai acontecer. Se vires o futuro e quiseres evitar o que viste vais fazer tudo de maneira a ires ter a esse futuro e vais causar que ele aconteça só por o teres visto.

- Agora perdi-me… - Responde João, já sem entender nada. – Mas agora a gente pode ver o futuro, é isso?

- Projeção, meu amigo, projeção. Faz-se aquela coisa que eu aprendi e vês parte do futuro, ali, à tua frente.

- Cuidado, não vás parar à quinta dimensão… - Responde João, troçando, ao som das gargalhadas de Antunes. – Olha que depois o Antunes já não te consegue dar boleia para casa.

- Ai estás gozando? Ai estás gozando? Espera que já te digo. – Diogo passa para o lado esquerdo do banco traseiro e estica o braço, esgueirando-se entre os bancos, para acionar a alavanca que deitava o banco do pendura. João, apanhado de surpresa, vê-se deitado. Não que isso o incomodasse, pelo contrário, depois daquele dia de calor e cansaço ficou estiraçado no banco, fechou os olhos, e espreguiçou-se, bocejando.

- Mesmo agora ficava aqui a dormir…

- Não, não, agora vais ver o futuro. Fica aí deitado e não te mexas. Fecha os olhos e não te mexas.

- Então assim durmo mesmo… - Diz João, sorrindo, ao som de mais um riso de Antunes.

- Caluda! – Grita Diogo, já exaltado. – Agora quem fala sou eu. Põe-te confortável e não mexas um músculo.

João obedeceu-lhe. Já agora, queria ver que raio de experiência é que Diogo queria fazer. E achava melhor não o contrariar mais, com o seu mau feitio ainda ficava chateado. Sem mexer um músculo, difícil mesmo era não adormecer.

- Estás a sentir os dedos dos pés quentes. – Sugeriu Diogo. Estranhamente, quase de imediato, João começou mesmo a sentir os dedos dos pés a aquecer, apenas um pouco, de forma aconchegante. – O calor está a espalhar-se. Sentes os pés quentes. Estás a sentir?

- Por acaso, sim… - Responde João, ainda sem saber muito bem onde é que aquilo iria parar.

- Agora, vais deixar de os sentir por completo. O teu corpo só existe dos tornozelos para cima. – Novamente, quase de imediato, João deixa de ter sensibilidade nos pés, após a sugestão. – O calor espalha-se pelas tuas pernas, até chegar aos joelhos, até que os deixas de sentir. Chega-te à cintura. Chega-te ao peito. Chega-te aos braços e à ponta dos dedos. Chega-te ao pescoço. – João começava a assustar-se. Perdia a noção de ter cada uma das partes do seu corpo a cada frase do amigo. O que quer que fosse aquilo que ele lhe estava a fazer, estava a resultar, ou pelo menos estava a fazê-lo sentir algo estranho, a imaginar que sentia algo, talvez.

- Só sinto a cabeça. – Afirma João, com a voz sumida.

- Ótimo. Agora vais começar a sentir a cabeça quente. Esse calor é emanado por uma luz. Vês a luz?

- Vejo. – João sentia-se quente. Sentia a cara quente, e não sentia nada mais em todo o seu corpo. Via uma lâmpada acesa a um palmo dos olhos, via-a tão claramente como se estivesse de olhos abertos.

- Essa luz vem do exterior. Estás num túnel. Vês as paredes do túnel? São feitas de quê? – A cada sugestão de Diogo, materializava-se na mente de João o que ele perguntava.

- Tijolo de burro. Sinto humidade, vejo gotas nas paredes.

- Avança até ao final do túnel e vai para o exterior. Aproxima-te da luz. Que vês?

- Verde. Muito verde. Ervas altas. Estou no topo de uma colina.

- E árvores, não?

- Não. Só ervas. Deve ser trigo, ainda verde.

- Olha para a linha do horizonte. Que vês?

- O mar. E o areal de uma praia.

- Se olhares para o chão, há um caminho que te leva até lá. Vês o caminho? Segue-o até à praia. – João olhou para o chão. As ervas afastavam-se, abrindo espaço para um pequeno trilho de terra batida. Por esta altura, começou a reparar no que se iria suceder nesta espécie de regressão ao contrário, como Diogo a descrevera: a cada descrição sua, Diogo iria introduzir novos elementos para fazer a história avançar.

- Vejo um caminho. Estou a segui-lo.

- Estás a chegar à praia. Quantas pessoas vês?

- Nenhuma. Estou sozinho.

- É uma praia deserta?

- Não. Vejo toldos e sombrinhas, mas não está cá ninguém. Parece que o sol vai nascer agora.

- E barcos? Há barcos na água?

- Nada.

- Olha para os lados. Haverá por aí perto uma casa. Encontras?

- Encontro. À minha direita, parece um palacete, ao fundo de um grande jardim, com vista para o mar.

- Vai até lá. O portão vai estar aberto. Entra no jardim. Que vês?

- Muita sombra. Até demais. Há muitas trepadeiras. Estou numa espécie de labirinto, mas feito com muros, não com sebes. Mas os muros não têm mais que um metro de altura, posso saltar facilmente. Estão decorados com azulejos pintados à mão, com motivos mitológicos, gregos ou romanos. Há pequenas esculturas de pedra um pouco por todo o lado, do mesmo estilo clássico.

- A casa está muito longe? O jardim é muito grande?

- É, deve estar a algumas centenas de metros.

- Vai até à casa. À medida que te aproximas, tenta encontrar a porta de entrada. Está aberta?

- Não. Mas há um portão ao lado, aberto. Deve ser a garagem.

- Está lá algum carro?

- Nada. Está vazia.

- Vai até à garagem. Lá dentro, encontras uma porta, aberta, que te leva ao interior da casa. Entra. – João, quase de imediato, vê-se dentro da garagem, a empurrar uma porta de madeira. Dentro da casa, vê um corredor com uma decoração riquíssima: um longo tapete vermelho cobre o solo, e duas pequenas estatuetas de divindades pagãs ladeiam um grande móvel, onde sobressai um enorme espelho, no qual vê, refletida, uma figura feminina, presente na sala ao lado.

- Encontrei uma rapariga…

- Vai ao pé dela. É a dona da casa? – João aproximou-se. Era uma rapariga mais ou menos da sua idade, teria uns vinte anos. A dona da casa não era, pois estava vestida de criada, com o clássico avental branco, folheado, retirado de um qualquer filme ou telenovela onde todas as empregadas domésticas parecem saídas de uma qualquer corte europeia.

- Não, é a criada. – E era bonita. Muito bonita. Demasiado bonita para ser real, mas também demasiado bonita para que a tivesse imaginado. De estatura média, tinha os cabelos castanhos-escuros e lisos, chegando apenas um pouco acima dos ombros. Os olhos, também castanhos, quase negros, cintilavam na meia-luz que preenchia a sala. Mesmo com toda aquela roupa em cima, notava também que a rapariga tinha umas formas bastante generosas no corpo. Sem dizer palavra, sem se mexer, ela sorria para ele e olhava-o nos olhos. Sorria mostrando apenas os dentes de cima, descobertos por entre os lábios avermelhados e carnudos, dentes muito brancos, muito regulares, num dos mais belos sorrisos que alguma vez contemplara.

- Ela tem o nome escrito na lapela. Como se chama? – João olhou para o peito da rapariga, procurando a placa com o nome. Uma pequena placa de metal, com um nome gravado num estilo de letra que imitava uma assinatura manuscrita.

- Eduarda…? Não conheço nenhuma Eduarda… - Diz João, hesitante. Nunca tinha conhecido ninguém com aquele nome. Não seria um nome muito comum, é certo, mas também não era propriamente exótico. Quis falar com ela. Quis dizer qualquer coisa. Quem era? Onde vivia? Onde é que a poderia encontrar? O que é que lhe poderia dizer? Estático, observou-a a aproximar-se dele, sempre sorrindo, e a apanhar-lhe as mãos.

- Sai da casa. Não por onde vieste, mas pelo outro lado, oposto à praia. – Ordenou Diogo. Irresistivelmente, teria que se dirigir para a saída. Antes que conseguisse andar, ela apertou-lhe as mãos, só por um segundo, só para não o deixar ir até que ele ouvisse uma curtíssima mensagem.

- Procura-me! – E com este sussurro, com uma voz sumida e melosa, João viu-se a sair da casa e a encontrar-se numa rua. Estaria na ponta de uma pequena povoação.

- Aí perto, tens uma placa de trânsito com o nome da terra onde estás. Depois de a leres, acorda. – A escassos metros, João localiza uma placa, voltada para o lado oposto, que indicava o nome da localidade. Caminhou até lá, para a conseguir ler. Deveria ser uma aldeola de tal forma pequena que nunca tinha ouvido falar dela.

- Silveira da Serra! – Diz João, abrindo os olhos, voltando a mexer-se. Estava tonto. Via os seus amigos um pouco desfocados, de cores esbatidas, como se tivesse estado a beber, como se fosse agora que estava a imaginar algo. – Bolas… Que viagem! – Disse, sorrindo, sentindo-se estranhamente bem. Diogo sorria, triunfante.

- Não te disse? Não te disse? Isto funciona mesmo!

- Funciona agora… O que fizeste foi uma sessão de hipnotismo foleira! Ele imaginou tudo, e o que não imaginou tu ias sugerindo… - Antunes, incrédulo como sempre, ria-se. João não gostou desta ideia. De repente, ele queria acreditar no que tinha acabado de ver, queria acreditar, como Diogo acreditava, que aquilo era real, queria acreditar que iria encontrar aquela rapariga. Se existe amor à primeira vista, ele tinha acabado de o viver. Ela não podia ser apenas um sonho, uma ilusão.

- Claro que funciona! Claro que funciona! – Voltou a insistir Diogo, gritando. – Isto que ele viu foi o futuro, mais nada! A casa pode não ser igual, a praia pode não ser igual, porque se vemos o futuro as coisas ficam confusas, mas o que ele viu é real, ou vai ser um dia.

- A sério, que treta tão grande, meu! Isso foi tão real como os teus ovnis aqui no meio do campo! Vamos mas é dormir! – Rodando a chave, Antunes liga o carro e seguem caminho. Ninguém fala. Antunes está farto das tretas de Diogo; Diogo está farto que ninguém acredite nas suas tretas; e João quer acreditar nesta treta de Diogo, quer que não seja uma treta. Revê uma, duas, três, cem, mil vezes, a cara da rapariga, o seu sorriso, os seus olhos, a sua boca, as formas do seu corpo, onde procura a placa com o seu nome: Eduarda. Fechando os olhos, quase que a sente de novo a apertar-lhe as mãos, quase que a ouve de novo a dizer-lhe o mesmo.

- Procura-me… - Diz João, em voz alta. – Ela disse-me que a procurasse.

- Tu não me digas que acreditaste nisto? – Pergunta Antunes, admirado.

- Não sei, meu… Pareceu tão real.

- Achas mesmo? Por favor…

- Onde será essa terra… Silveira da Serra? Conhecem?

- Nunca ouvi falar. – Responde Diogo. – Procura no GPS e vês logo onde é, não?

- Olha, boa ideia! – João tira o telemóvel do bolso e inicia a aplicação do GPS. Digita, na caixa de pesquisa, o nome da localidade que vira: Silveira da Serra.

- Sem resultados… - Desiludido, olha para o ecrã, que apenas lhe dizia que não existe nenhuma localidade com aquele nome.

- Toma! Não te disse que era tudo treta? – Antunes, quase como se estivesse a festejar um golo do seu clube de futebol, congratula-se de ver que aquela localidade nem existia. João, calado, tentava disfarçar a desilusão.

- Já te disse, há coisas que aparecem desfocadas, fora do sítio, não são bem iguais ao que vemos na projeção que fazemos do futuro, mas vais ver que isso ainda vai bater certo! – Diogo tentava desculpar-se, mas sem grande veemência. Ele próprio parecia desconfiar da veracidade das suas palavras.

Não falaram mais durante todo o caminho. Estavam cansados, ensonados, cheios de calor. Antunes deixou Diogo em casa, que apenas se despediu com um telegráfico “Até amanhã!”, depois João, que repetiu as mesmas palavras, e seguiu para a sua casa, perante o olhar vazio de João, que via o SUV afastar-se, sem ter coragem de entrar em casa, sem ter coragem de ir dormir sem antes sussurrar:

- Eduarda… Onde estás? Quem és tu? Existes, sequer?

9. Februar 2020 12:58 0 Bericht Einbetten Follow einer Story
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