Com a respiração ofegante, o pescoço curvado e as mãos apoiadas na parede, Julia tentava recuperar o fôlego, enquanto o som da porta sendo violentamente aberta, ecoava como um sino que anuncia a morte.
Correu centenas de metros antes de se esconder naquele armazém. Seu corpo esguio e a rotina de exercícios a deram alguma vantagem. Infelizmente, os companheiros que transportavam a maior parte dos alimentos foram traídos por suas próprias mochilas. Ela sabia que, naquela tarde, naquele exato momento, todos já estavam mortos.
Respirou fundo e se preparou, já estavam próximos.
Em uma explosão, disparou correndo por dentre as várias estantes largas de metal, jogando algumas caixas de papelão pelo chão, na tentativa de atrasar os perseguidores. Seus olhos atentos procuravam uma saída.
O coração pulava, querendo sair pela boca.
Viu a pequena janela no alto, nos fundos. Perguntou a Deus como chegaria lá. Olhou para trás e os viu se espalhando como um enxame de abelhas sedentas pelo mel que pulsava em suas veias.
Parou em frente a uma das estantes e fez todo o esforço que podia na tentativa de derrubá-la. Era alta, esta não sustentava muitas caixas e estava posicionada bem à frente daquele pequeno vão que separava sua liberdade de uma morte dolorosa.
Após algum esforço, conseguiu. Um estrondo anunciou o triunfo, mas a morte ainda sussurrava em seu ouvido. A enorme estrutura tombou sobre a parede, criando uma ponte até a janela.
Julia escalou o mais rápido que conseguia. Sua respiração era ouvida ao longe, e isto parecia deixá-los ainda mais excitados.
— Quase lá, quase lá... — repetia.
Sentiu algo tocar-lhe a perna. Estavam a centímetros do seu corpo.
Um grande estrondo novamente ecoou.
O peso exagerado de vários corpos fez a estante ceder, caindo bruscamente. As criaturas desformes, que exalavam um fedor pútrido de morte, se empurravam no chão, observando de forma selvagem e descontrolada o corpo de Julia balançando, pendurado por um dos braços na janela.
Com muito esforço, conseguiu estender a outra mão, e se agarrou. A energia começou a abandoná-la, enquanto escutava os grunhidos asquerosos daqueles que um dia foram seus semelhantes. Estes que agora se resumiam a sobras de carne podre, ossos expostos, trapos velhos e uma fome interminável.
Reunindo suas últimas forças, conseguiu quase que milagrosamente puxar seu corpo e apoiar o abdômen na base do vão. Com a cabeça para fora, se assustou ao se deparar com a altura que teria de enfrentar. Lá embaixo, dispersos pelo entorno, alguns outros mortos caminhavam.
Descansou naquela posição incômoda por alguns minutos. Estava exausta.
Buscava coragem para pular. Ela sabia que se machucaria, mas de qualquer forma estava condenada. Se voltasse, além da queda, eles a despedaçariam viva, e se ficasse morreria lentamente.
Sua melhor chance era quebrar alguns ossos.
Ensaiou mentalmente os movimentos. Não podia cair de cabeça, seria fatal. Precisava girar o corpo no ar durante a queda para cair por cima das pernas, tentando amortecer um pouco do impacto.
De repente, se deu conta da cruel realidade da situação, e, desesperada, pôs-se a chorar. Amaldiçoou tudo o que estava passando naquele dia, naquele ano. Após o mundo enlouquecer e virar um inferno na Terra. Amaldiçoou também os mortos, por terem levado seus pais, seu marido e sua filha. Lembrou-se, então, da promessa que fez a si mesma, de sobreviver a tudo aquilo, por ela, a pequena.
Engoliu o choro. Sabia que era uma mulher forte. Usou a sua melhor habilidade emocional: sempre que precisava fazer algo que sentisse muito medo, enchia seu coração de raiva. E, agora, raiva era algo que ela tinha de sobra.
Então, respirou fundo e se jogou.
Executou os movimentos com perfeição, como uma acrobata, envolta em uma aura de pura sorte. Mas o esperado de fato aconteceu.
Ploct! Alguns ossos da perna direita, no calcanhar, tornozelo e joelho, se quebraram, estilhaçando-se.
Urrou de dor.
Como um milagre, no momento do impacto instintivamente amorteceu o corpo usando apenas uma das pernas, preservando assim a outra, o que a fez cair sentada, resultando também em uma pancada na bacia, que agora doía bastante.
Chorando em soluços, enquanto processava a dor arrebatadora, se lembrou das criaturas que caminhavam no entorno. Sabia que o berro as atrairia diretamente em sua direção.
Levantou-se com muita dificuldade e então observou três mortos cercando-a.
As mãos tremiam.
A perna direita estava contraída acima do chão, apoiando-se delicadamente na ponta do pé. O peso dos seus cinquenta e oito quilos agora estava todo depositado em apenas um membro.
A dor era insuportável, e Julia sabia que as suas chances eram mínimas.
*** Gostou da história? Se a série receber votos, postarei um capítulo toda semana. Abraço, amigos! ***
Vielen Dank für das Lesen!
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