“Você foi a destruição do meu filho!!”, ouvi a acusação cheia de ódio e ressentimento dirigida a mim.
Sabe aquele momento em que você sai momentaneamente do seu corpo e por um instante o que vê ao seu redor em nada se parece com a sua realidade? Ou se o que visse fosse a vida de outra pessoa? Que você se recusa a acreditar que de fato era a sua história que está vivenciando naquele momento?
Olhando ao meu redor, para as pessoas vestidas de preto, me recusava a aceitar que EU estava vivendo aquilo... Talvez por isso eu não chorasse – essa era uma boa explicação para a minha reação. Sinto que deveria, mas simplesmente estava seca por dentro.
As pessoas evitavam me olhar. Sei o que estavam pensando: “prostituta”, “drogada”, “assassina”, “interesseira”. Elas passavam direto – o que para mim era perfeito, eu não queria palavras falsas de consolo – seguindo em frente como se eu fosse invisível. Rumavam em direção ao casal à minha frente, os tocavam e abraçavam com um misto de carinho e tristeza. O senhor e a senhora Cortês estavam bem vestidos como sempre, ambos usavam roupas pretas, como a ocasião pedia. Ela não soltava o lenço branco que seu esposo havia lhe oferecido, porque, por mais que ela se esforçasse, não parava de chorar baixinho. Vez ou outra, ela, inconformada, me dirigia um olhar repleto de acusação e raiva. Não a culparia pelo gesto, se eu não era a responsável direta pelo o ocorrido, no mínimo, poderia ter evitado tudo isso! Me recusei a acreditar que, para pessoas como eu, não existia um final feliz. E descobri, da pior forma, que de fato não existia mesmo!
Senti tocar no meu ombro a mão fria da única pessoa que me conhecia de fato. Se aproximou do meu ouvido e falou quase inaudível “Melhor sairmos daqui, acho que você já fez a sua despedida.” Olhei para o caixão à minha frente, por mais que a morte modificasse a fisionomia daqueles que partem, eu ainda conseguia vê-lo ali. “É melhor irmos”, ela repetiu. Eu sabia que ela estava certa, que aquelas pessoas nos olhavam com desprezo e esperavam que saíssemos, mas eu não podia, não conseguia deixá-lo ali sozinho, ele não iria querer isso. “Não posso Beth, quero ficar até o final”. Ela sabia que nada que me falasse me tiraria dali, então abriu sua bolsa e retirou uma goma de mascar, sinal de que estava nervosa com tantos olhares.
Beth se esforçou para achar algo “decente” no seu guarda-roupa. Eu disse que precisaria dela nesse momento surreal que eu estava vivenciando e que não se importasse com as outras pessoas. Ela puxava para baixo o vestido curto e preto colado ao corpo. Eu não estava em melhor situação, vestindo uma calça jeans e blusa preta de alcinha. Talvez por isso nos dirigissem tantos olhares incomodados.
“Por que quer ficar?”, perguntou esperando um motivo que justificasse estarmos no meio de tantas pessoas de uma classe totalmente diferente da nossa. Respondi, ainda olhando para o rosto sem vida do único homem que me amou e que de fato me tratou como uma pessoa e não como o objeto que eu fui por longos anos: “Eu só quero saber onde o colocarão... preciso saber.”
Nos minutos que se passaram lentamente, Beth não me fez mais perguntas, apenas me acompanhou como uma sombra por todo o caminho, desde da hora da saída da capela até o local onde o Nickolas descansaria.
O céu cinza escuro também parecia estar de luto, as árvores balançavam junto ao vento que aumentou durante a caminhada. As pessoas à frente, vestiram seus casacos, sinal de que a temperatura estava caindo sem a presença do sol. Eu mesma não saberia dizer, não sentia nem a minha própria pele.
A senhora Cortês não segurou o pranto quando, depois de colocá-lo abaixo do chão, jogaram as pás de terra em cima do luxuoso caixão. Acredito que agora ela de fato tenha percebido que foi a última vez que viu o seu único filho. Olhei para a rosa branca em minha mão, que a Beth lembrou de levar, a beijei e me aproximei somente o necessário para jogá-la como uma forma de despedida. Então, a rosa alva se juntou às demais flores jogadas no caixão.
Olhei para a lápide e li os dizeres: “Aqui jaz um filho maravilhoso, que tinha o coração grande demais para saber se proteger de um mundo do qual ele acreditava ser tão bom quanto ele. Descanse em paz, filho amado.” Resumiram bem o que ele era: bom demais para esse mundo cruel! Olhei para a placa que informava o endereço: Rua 4 F332. Fiquei memorizando, repetindo diversas vezes para registrar. Fechei os olhos e me despedi mentalmente: “Adeus, Nick. Sua mãe tinha razão, eu não o merecia... Me perdoe por não ter me afastado de você, eu te amava demais!”
Beth segurou na minha mão e disse triste, como se me pedisse desculpas, “Vem, Kler, o carro já chegou, temos que ir.” Olhei uma última vez, para o local, acenei positivamente com a cabeça e fomos para o carro.
Nem percebi o caminho percorrido, apenas que já havíamos chegado ao destino. Ela pagou o motorista e desembarcamos. Fiquei parada, olhando a fachada da casa que dividi por pouco tempo – pouco demais – com ele. “Eu não deveria voltar aqui...”, eu disse. Beth me puxou pela mão, “Não seja ridícula! Essa casa é sua, esqueceu?”. Jamais esqueceria o dia em que ganhei de presente de namoro uma casa! Por mais que tivesse tentado devolver, ele havia me entregado a escritura. De fato era minha, mas não fazia sentindo ficar ali sem ele.
Entrei no imóvel, que ficou completamente estranho para mim. “Quero que fique aqui” disse sem olhar para ela. “É claro, não vou te deixar sozinha em um momento desses!”. Olhei para a minha amiga, que tirava a goma sem sabor da boca e procurava um local para descarta-la. “Quero que more aqui, Beth.” Com a goma na mão ela me olhou surpresa “Está falando sério?”.
Peguei a goma da mão dela e fui para a cozinha e ela me acompanhou. “Falo sério, essa casa dá para morar umas quinze pessoas! E além do mais, você não merece morar naquela quitinete cheia de baratas!”. Ela ficou pensativa. Se eu pudesse teria dado uma casa para ela, mas nunca aceitei dinheiro do Nickolas, mas sem ele, agora fazia todo o sentido retribuir pelos anos de amizade dela.
“Olha, você sabe que é a minha única família! Se quiser que eu venda a casa e compre outra, sem problemas!” eu disse tentando ajudá-la na decisão. “Não precisa vender a casa, foi o Nick quem te deu! Ficarei feliz em te fazer companhia!”. sorri. “Que bom! Agora, eu preciso me banhar! Fique à vontade!”.
Ela se aproximou e me olhou. “Precisa colocar esse choro para fora!”. “Não, não preciso, estou ótima!”, respondi. Ela me olhou com descrédito. “Bom, vou descansar, qualquer coisa me chame!”. Eu a abracei, não teria outra oportunidade de fazê-lo! "Obrigada por todos esses anos de amizade, Beth! Eu não teria chegado tão longe sem você!” Ainda abraçadas, ela perguntou: “Está se despedindo de mim?”. Respirei fundo: “Não”, menti, “Estou apenas me lembrando de agradecer por tudo o que fez por mim!”. Ela me abraçou forte "De nada, amiga".
Subi para o meu quarto, tomei um banho demorado, vesti uma roupa antiga que eu guardava. Eu não precisava de muito, levaria dos inúmeros presentes apenas um, o principal. Escrevi uma carta para Beth, uma bem detalhada, não queria que ela se sentisse culpada por alguma coisa. Deixei os dados das contas, senha do cofre e tudo o que eu julguei ser necessário para ela se virar sem mim. Peguei minha jaqueta jeans, me olhei no espelho, e o que vi? Um fantasma! Um mero amontoado de ossos e carne podre por dentro! O velho "eu" se permitiu acreditar em mudanças, se iludiu com contos de fadas, mas foi exatamente o que vivi ao lado dele, um sonho, que do nada me despertou e voltei para a realidade cruel sem o Nick. Me lembrei de uma frase do Balt “Uma vez vadia, sempre vadia, Kler!” Na visão dele, talvez fosse o destino me realocando no meu lugar de origem, de onde eu nunca deveria ter saído... e isso teria salvado o homem que eu amei.
Desci as escadas e fui direto para a cozinha, onde deixei o bilhete para a minha amiga, peguei a chave do carro do Nick e segui para a garagem. Entrando no carro, que ainda tinha o perfume dele, respirei fundo para gravar esse cheiro. Como eu não queria acordá-la, abaixei o freio de mão e saí de ré, ligando o carro apenas na rua e parti em uma viagem sem volta.
Chegando perto do bairro, que por anos trabalhei, preferi deixar o carro uma rua abaixo do meu destino. Segui a pé, a região não era nem um pouco segura e também não queria chamar a atenção.
Chegando na casa que permanecia sem pintura e reforma há anos, bati na porta e aguardei. Poucas pessoas sabiam quem de fato morava ali. Nesse horário ele costumava estar em casa, provando as novas “mercadorias”. Como esperado, atrás da porta ouvi a voz rouca, devido ao excesso de fumo, “Quem é?”. “Baltazar, sou eu, Kler, preciso da sua ajuda!”. Ouvi o destrancar da fechadura.
A figura asquerosa não mudou em nada, os cabelos ralos amarrados em um pequeno rabo de cavalo, barba rala, olhos vermelhos, olheiras profundas e magro, por trocar comida por cocaína. “Em que posso ajudar, madame?”. Ignorei a provocação, “Nick está morto, perdi tudo, preciso de dinheiro, quero voltar aos negócios.”.
Ele me olhou da cabeça aos pés. “Eu disse que você voltaria! É o destino, gata! Vamos negociar”. Ele fechou a porta, falou algo para alguém e ao abrir a porta novamente uma das “mercadorias” ajeitava o vestido curto e saiu. Ele me deixou entrar no lugar que permanecia sujo, com cheiro de bebidas baratas, cigarro e de sexo! Trancou a porta, foi em direção ao sofá, tirou a sua arma das costas, a colocando na mesinha de centro cheia de tocos de cigarros e garrafas vazias, se sentou no sofá, deu um gole em uma das garrafas de bebida aberta e abriu a calça jeans. “Vai ter que provar que não perdeu o jeito nos negócios”, falou enquanto acendia um cigarro, dando um trago em seguida e soltando a fumaça lentamente.
“Uma vez vadia, sempre vadia, Balt.”, repeti sua frase.
Ele sorriu, mostrando os dentes amarelados. “É isso ai, gata, está no sangue! Me mostra o que você ainda lembra!”.
Fui em direção a ele, tirando a minha jaqueta jeans e a joguei no sofá imundo! Coloquei a mão nas costas, pegando a minha arma, apontei para ele e, antes que ele conseguisse alcançar a arma, atirei na sua mão direita, fazendo ele gritar de dor. “Su-a va-dia! Vo-u te ma-tar”.
“Eu sei que você mandou matar o Nick, reconheci os dois assassinos daqui das redondezas.”
“Vo-cê es-tá lou-ca sua vaga-bunda!”
Atirei nos seus testículos, ele uivou de dor. “Ok, ok, fu-i e-u, a-pe-nas ace-le-rei o pro-cesso do des-ti-no!”.
“Quanto?”. Eu queria saber o valor da vida do Nick.
“Três mil, pa-ra ca-da um”.
O sofá encardido ganhava tons de vermelho escuro, mas a cor do seu sangue foi a última das minhas preocupações.
Coloquei o gravador em cima da mesa grudenta de centro. Caminhei até a mesa ao lado para pegar o telefone. “Tem razão Balt, tem coisas que podemos acelerar no destino! Cedo ou tarde sua vida de cafetão e de traficante não teriam mesmo um futuro promissor”. Peguei o telefone e fiz a ligação olhando-o nos olhos. “Alô, é da polícia?”. Ele respirou de alívio. “Quero informar um assassinato”. Olhei para ele no sofá ensanguentado. “Se eu sei a hora do ocorrido? Sim, eu sei. Agora mesmo!” Seus olhos se encheram de pânico. Atirei no peito dele e joguei a arma no chão, me tremendo, cai de joelhos.
“Eu o vinguei, enfim poderá descansar em paz, Nick.”
Senti minhas lágrimas descerem, agora eu estava de luto...
Vielen Dank für das Lesen!
Apesar da história ser curta eu me identifico muito com essa linha suspense, a todo instante eu estava tentando compreender o que estava acontecendo, e errei em todos os meus palpites, muito imprevisível e surpreendente o final, gostaria se possível que escrevesse mais suspense,eu realmente amei!!!!
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