Esta história foi desenvolvida no âmbito do desafio "Gostosuras ou Travessuras", e foi baseada nesta imagem, criada por lassedesignen, e todos os créditos da mesma devem ser atribuídos ao mesmo. Espero que gostem
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A casa em que Paulo vivera durante anos e até ao mês passado parecia agora outra. Parecia nova, como quando este homem entrou nela ainda criança, com todo o tempo do mundo para explorar e brincar. Até ao falecimento da sua mãe (progenitora única de Paulo) a casa fora alegre. Após a mãe perecer tudo mudou de cara. Os móveis velhos e empoeirados gritavam assassino a plenos pulmões (se é que os tinham) aos ouvidos de Paulo. Rapidamente no local destes móveis havia apenas ar, numa tempestade concentrada de pós castanhos ou brancos. Ninguém mais tinha pulmões para gritar a Paulo fosse o que fosse. Paulo apreciava uma ironia doentia ao compreender que agora, vinte anos depois de entrar na casa se encontrava a dormir na rua em frente. Quem vivia nessa casa agora era a sua anterior esposa, Laura. A esposa que lhe roubou o pouco que tinha em prol de uma vida confortável com o seu amante novo.
A sua irmã, pura e bela, de pele cor de flocos, esperou até a maioridade para celeremente sair daquele ambiente que todos consideravam tóxico (do cheiro dos fumos às discussões na mesa de jantar… Jantar que só ela sabia preparar), mas no qual poucos queriam intervir. Talvez após esse momento trágico Paulo aprendesse e não quisesse voltar a ver a orquídea escarlate que simbolizava a calma da ressaca. Contrastando com o pensamento fantasioso da pequena, Paulo enterrava-se cada vez mais nesse buraco fundo.
Hoje vivia num beco escondido com vista espiã para o que outrora lhe pertencera (a sua casa e a sua esposa). Não sabia mais o que era feito da irmã, vivia longe dela, quem sabe a continentes de distância, e a mundos de distância da mãe. Vivia no meio da rua, no chão, camuflado entre cartões e a bondade das pessoas, que passavam rotineiramente, conjurada numa almofada fofa e suja, quando não era roubada por algum outro colega de falta de profissão. Alimentava-se de pimenta injetável e deceção da vontade de a ter… Por vezes até comia um pão, quando o dinheiro dava. Mas a dieta era maioritariamente vício e vinho.
Muitas noites, quando deitado sob o manto de estrelas, via um disco negro pairando. Quando o via, fugia! Corria do sítio onde estava deitado e só parava dentro de algum estacionamento (livre da imagem mental deste OVNI), no seu jardim de rosas brancas e orquídeas de sangue. Outras vezes olhava e esperava que algo acontecesse. E acontecia… Uma luz abria-se por entre o que parecia um alçapão negro como o céu. A luz era quente e bela e acalmava o vício que já era difícil acalmar com o pouco que o dinheiro comprava. Mas de manhã, Paulo não sentia mais o conforto quente do raio do céu, e no seu lugar encontrava apenas fome. Não percebia a razão de fugir tão aflito daquele disco alienígena e daquela luz que só o fazia sentir bem, calmo e feliz, mas fugia, tinha medo, não queria ser apanhado por ela.
Noites e noites foram passando e a vontade de ficar naquela luz era maior, o apelo de querer subir nela como um escadote de luz aumentava à medida que as noites passavam e eram trocadas pelos dias. Até que uma noite, procurando um bem-estar prolongado, Paulo deixou que a luz o elevasse. Ele não sabia o que poderia encontrar do outro lado, mas sabia que não seria pior que os homens com cabeça de víbora que lhe orientava as refeições. Assim se deixou flutuar, elevar-se e ver toda a cidade envolta na névoa negra da madrugada, enquanto esperava ir para um lugar melhor. Até que a luz o levou a trespassar aquele alçapão e o engolfou facilmente.
Vielen Dank für das Lesen!
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