A luz do poste piscava sem parar enquanto ele tentava se equilibrar em cima daquele pau velho, mal pregado, com rodinhas enferrujadas embaixo. Estavam no topo de um morro e cada vez que Rafael tremia, aquela coisa bamboleava de um lado para o outro. A garota, atrás dele, era só sorrisos e gritinhos, e ele suava. Merda de dia para usar calça jeans, ele pensou... até não poder pensar mais.
Lá estavam eles, descendo morro abaixo, com ele gritando como uma garotinha desesperada enquanto ia se agarrando cada vez mais nas bordas do carrinho de rolimã.
Rafael nunca gostou de praticar esportes e até ter que fazer o trabalho de educação física foi uma chatice total. Suspirou ao chegar na rua de casa... aquela casa velha, que ficava bem no alto do morro, com muros verde-musgo — cor que tanto odiava —, o portão enferrujado e meio torto; graças ao vizinho que o amassou com o carro há pouco mais de um mês.
Ali surgiu aquela garota com cabelo de pano trançado marrom, que descia até a cintura. O garoto ficou paralisado enquanto a via correndo em sua direção, acariciada pelos dedos alaranjados do pôr do sol. Parou de caminhar só para tentar entender o motivo de ela estar se aproximando tanto... quando percebeu que ela estava correndo atrás de um carrinho de rolimã, que, tristemente, deu de encontro com a canela ossuda dele.
— Droga! Merda! — reclamou, enquanto a garota soltava guinchadas.
— Zói-de-Boleba — ela disse, e Rafael, sem entender nada, se endireitou para procurar com quem ela falava... mas só tinha ele, além dela, na rua. — É você mesmo, cara! Joga o carrinho aí pra mim?!
Com ela mais perto, reparou que o short que ela usava estava todo rasgado, a blusa havia um furo, o tênis era todo sujeira, e ela tinha um machucado em um dos braços finos. Mas o que mais chamou a atenção dele foi como ela o chamou: Zói-de-Boleba. Ninguém reparava nos olhos azuis dele, antes preferiam fazer chacota de sua orelha. Eram tantos apelidos que nem sabia qual era mais idiota: Dumbo, Orelhão, Orelha de Abano, Taioba... mas, pior mesmo, era a flexão em grau deste; Taiobinha e Taiobão. Ele nem gostava de taioba!
Então ele reparou nos olhos dela também: verdadeiras pedras de âmbar enfincadas em uma lisa estátua de hematita negra e um lindo sorriso a cintilar.
— Tem uma babinha escorrendo! — ela brincou, pegando ela mesma o pau velho do chão. — Quer se divertir um pouco?
— Não! Eu, não! — Deus me livre, pensou.
— Ah, qual é?! Só uma vezinha! Sou nova aqui e, não, não precisa se apresentar! Sua mãe me mostrou todas as fotos de quando você era bebê! Era tão gordinho, com as bochechas vermelhinhas e cabelinho de fogo. Nem acreditei quando ela me mostrou uma foto de você já assim, grande!
— O quê? Não estou entendendo nada!
— Meu nome é Amanda, sou sobrinha de Vanderlei. — O vizinho que quebrou o portão, pensou com olhos estreitos, por isso é tão doidinha! — Então, vamos?
Ele disse que não, mais de uma vez, mas não adiantou. Quando deu por si, sua mochila jazia largada no morro, e ele já estava montado em cima daquela coisa. Amanda segurou sua cintura enquanto gritavam, desciam, e o mundo corria de encontro a eles, e o coração de Rafael era como um tambor: batidas fortes que faziam o corpo tremular. Já estava com a cara sardenta vermelha e ficando sem voz quando uma pedra entrou no caminho, o carrinho balançou, descontrolado, e os dois caíram. Rafael rolou, deu de cara no asfalto raso, ralou a mão e a testa. A garota era só gargalhadas, estirada no chão, de braços abertos e coberta de poeira.
— Vamos de novo! — ela gritou. Ele ia dizer que não... quando percebeu que aquela adrenalina era a melhor coisa que tinha conhecido até então.
Vielen Dank für das Lesen!
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