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Os recém-chegados: conto


Ísis estava mais do que alheia à conversa que preenchia o carro do seu pai. O homem de meia idade e a mulher não muito mais velha discutiam a respeito de um convite muito bonito que receberam fazia uma semana.

O convite era de uma família aparentemente abastada que chegara fazia um mês na cidade. Toda a elite do local, que não era formada por muitas famílias, foi convidada para essa festa e o pai de Ísis, por ser gerente do único banco da cidade também o foi.

Enquanto os pais discutiam sobre essa família nova e endinheirada, Ísis passava a língua rubra pelos dentes, sentindo com certo asco os caninos afiados. Optando há alguns meses pelo vegetarianismo, Ísis não gostava muito de observar que seu corpo tinha resquícios de instintos primitivos.

Os três logo chegaram à casa enorme da nova família. Alguns carros estavam sendo manobrados na rua de cascalho que levava ao local da festa. Ísis conseguiu distinguir os carros dos pais de Gastald e o dos de Vitória. Ela saiu do carro e encarou a mansão iluminada por dois holofotes de luzes amarelas. A enormidade do lugar, fez com que ela se sentisse muito pequena. Torcendo o nariz, Ísis afastou o pensamento, ela sempre desejava ter cinco centímetros a mais de altura e não apenas meros 1,60, especialmente quando ela procurava pelos biscoitos de gengibre na última prateleira da cozinha.

Sua mãe foi em direção à porta de entrada que estava aberta e Ísis a seguiu, questionando-se internamente quanto tempo eles teriam que gastar naquela festa antes de ir embora elegantemente, todavia essa dúvida teve resposta ao observar a animação de sua mãe logo antes de entrar pela porta.

– Filha, dê apenas um sorriso, sim? ­– pediu a mãe, arrumando o já impecável cabelo da filha.

– Mãe, se você espera que eu vá encontrar meu futuro marido nesta festa apenas mantendo um sorriso no rosto, eu devo alertá-la de que o divórcio vai sair mais cedo do que você gostaria.

A mulher apertou os lábios e resistiu à tentação de rolar os olhos como a filha também fazia. Ela e o marido, anos antes, ficaram muito mais tranquilos quando perceberam que a filha não gostava muito de festas ou saídas em grupo, mas agora a tranquilidade se coloria de vermelho e eles se perguntavam quando é que a filha deles ao menos arranjaria um namorado, que fosse decente, é claro. Aos quase vinte anos, Ísis se mostrava desinteressada no assunto namorado ou marido. Seus pais até cogitaram a ideia, um tanto espantosa dada a vida que levavam numa cidade pequena como aquela, que a filha gostasse de pessoas do mesmo sexo. Mas aparentemente nem isso lhe chamava a atenção. E os anos estavam se passando e seus pais estavam se preocupando mais a cada semana que passava e viam a filha enfurnada em casa, desligada do mundo exterior, lendo livros estranhos em línguas estranhas, ouvindo músicas estrangeiras ou acústicas apenas, e a alimentação... Oh! Nem se fale da alimentação...

O pai se aproximou de ambas, dando uma espiada pela porta aberta, observando os convidados que se cumprimentavam e conversavam.

– Ísis, minha filha, apenas tente manter uma conversa com alguém, por mim, pode ser?

Ela cruzou os braços e afastou o cabelo da testa.

– Papai, você até fala como se eu não quisesse encontrar alguém para conversar.

– E não desconverse quando alguém estiver falando com você. Nem comece a falar em uma dessas línguas estranhas que você gosta de aprender. – continuou o pai como se a filha não tivesse falado.

– Russo e islandês, pai. Não são línguas estranhas – ela respondeu um pouco irritada, enquanto se desviava do pai e da mãe e ingressava na ampla sala onde a festa se dava.

A mãe seguiu-a de perto, falando-lhe no ouvido.

– Filha, se não quer fazer nenhum esforço em ser sociável, também não vá se aventurar pela casa. Somos convidados aqui, então mantenha a discrição, certo, mocinha?

A filha rolou os olhos e apertou o passo.

Os pais se entreolharam e seguiram para o grupo mais próximo de pessoas. O melhor a fazer era se enturmar logo, antes que fossem completos estranhos naquele lugar e ficasse tarde demais para os cumprimentos e os demais convidados achassem que fossem penetras numa festa.

Ísis estudou os grupos de pessoas sem muito interesse. Seus ex-colegas de escola estavam ali, ao menos os que pertenciam às famílias de elite local. A maior parte deles havia partido para as cidades grandes fazer faculdade, mas Ísis optou pela faculdade local, pois os pais, ainda que fizessem parte da elite dali, não tinham muitas condições de pagar com suas almas os estudos das universidades particulares.

O grupo parecia conversar sobre a casa dos anfitriões, os vários cômodos e móveis caros, além das obras de arte, é claro. Segundo um deles existia até uma biblioteca secreta com obras raras e uma garagem subterrânea onde eles guardavam carros de luxo que tinham recebido como garantia da máfia italiana.

Homens e mulheres agora, os ex-colegas, ao verem Ísis passar por eles, observaram-na com olhos interesseiros. Bonita como era e misteriosa ainda por cima, ela chamava a atenção, mesmo não querendo, naquela cidade pequena.

Ela ignorou displicentemente os olhares do grupo e parou em frente a um quadro grande com pintura abstrata. Tela branca com tinta vermelha e uns toques aqui e ali em preto. Os minutos passaram enquanto ela exigia para si o trabalho duro de ignorar o que se passava ao redor e se concentrar naquela obra de arte, até que uma conversa que vinha de um grupo menor de quatro pessoas chamou-lhe a atenção. Todas elas estavam muito bem vestidas e eram muito bonitas. Como nunca as tinha visto, Ísis entendeu que eram a família nova, os recém-chegados à cidade pequena.

A conversa foi rápida e Ísis não conseguiu distinguir muitas das palavras sussurradas, apenas uma ou duas, antes do grupo se dissipar para outros grupos e o homem mais velho deles ir para o centro do salão, erguer a taça de champanhe e agradecer a presença de todos ali.

Os agradecimentos continuaram e Ísis suspirou pesadamente diante daquele formalismo. A mãe lhe disse para não se aventurar pela casa, mas aquilo parecia impossível para a mente inquieta da moça. O salão borbulhava de conversa e risadas e música clássica que era difícil de discernir por causa das vozes. Era muito evidente que a casa não estava aberta ao público e que a festa era apenas no andar de baixo, mas talvez ninguém notasse a sua ausência ali.

Esquivando-se das pessoas, Ísis encaminhou-se por um corredor como se fosse ao banheiro e seus pés surrupiaram-lhe o movimento ágil e levaram-na para as escadas, até o segundo andar.

O burburinho das conversas e da música foi se afastando, enquanto ela subia os degraus. O corredor estava escuro, mas algumas janelas deixavam a luz dos holofotes entrar por ali e iluminar seu caminho. Se houvesse mesmo alguma biblioteca ali ou um escritório com livros, ela com certeza ficaria lá por algumas horas antes de ir embora.

Mas uma sensação de que estava sendo observada a fez virar a cabeça e olhar por sobre o ombro. Uma sombra alta estava a poucos passos dela. E ela não gostou daquilo. Ísis pensou em tirar satisfação daquela pessoa que a seguia tão sorrateiramente, mas logo lembrou, que ela era a sorrateira ali.

–Achei que fosse um pouco óbvio que a festa era lá embaixo. O que está fazendo aqui? – perguntou a sombra educadamente.

– Eu sei que o andar de cima estava restrito, mas ouvi dizer que aqui tinha uma biblioteca. – ela deu ombros inocentemente – Achei que o risco valia a pena.

A sombra se aproximou, sendo iluminada um pouco mais agora.

– Se procura uma biblioteca, o caminho é esse aqui.

A sombra deu lugar a um homem de constituição muito bonita, cabelos castanhos e olhos cor de caramelo, a pele pálida como a Lua. Ele passou por Ísis e abriu uma porta que estava coberta pela penumbra.

Assim que acendeu dois abajures que ficavam em duas cômodas pequenas e circulares ao lado de dois sofás centralizados na sala, Ísis ergueu as sobrancelhas levemente cativada. Duas estantes altas em cada parede velavam pela biblioteca. O homem observou com olhos atentos enquanto Ísis se dirigia para uma das estantes e passava os olhos pelos livros. Ela ergueu uma mão de dedos delicados até um exemplar pequeno que na lombada dizia ser uma compilação dos poemas de William Wordsworth, mas logo puxou a mão de volta e olhou para o homem.

Ele se aproximou dela e pegou outro livro na estante, escrito numa língua de raízes latinas, provavelmente italiano, e sem olhar para ela, disse simplesmente:

– Não se acanhe, pode pegar qualquer um e ler.

Não dizendo mais nada e ele se afastou e sentou-se num dos sofás ao lado do abajur, com o livro aberto em mãos, iniciou sua leitura. Ísis ficou muito intrigada quando entendeu que o sujeito não diria mais nenhuma palavra. Ele estava estritamente absorvido pelo seu livro. Sentindo-se então mais à vontade com a situação, Ísis pegou o livro de poemas de William Wordsworth, foi até o outro sofá, sentou-se ao lado do outro abajur e começou a ler o exemplar.

Enquanto os minutos se passavam, a mente de Ísis saía das palavras do poeta e se atentavam para o companheiro de leitura, para depois voltar aos poemas. Ela observava com o canto do olho os movimentos calmos e silenciosos do outro. A forma como os dedos dele roçavam as páginas alvas do livro, o modo como ele inconscientemente tocava o lado do nariz quando se deparava com uma passagem intrigante que o levava a pensar.

Enquanto os minutos se passavam, a mente do homem saía das palavras do filólogo italiano e se atentavam para sua companheira de leitura, para depois voltar aos ensinamentos linguísticos. Ele observava com o canto do olho os movimentos tranquilos e elegantes da outra. A maneira como os dedos dela brincavam com a lombada do livro, a atitude que escondia um sorriso ao ler um verso lindamente adornado por palavras singelas.

Quando ela sorria, ele conseguia ver os dentes dela que eram alvos e afiados como os dentes de criança que ainda não foram usufruídos em demasia no corte da carne. Aquilo o instigou ainda mais. Os dois ficaram assim, se estudando como numa partida de xadrez silenciosa, por um tempo mais longo do que os dois se deram conta.

Ambos ouviram passos abafados pelo tapete do corredor e na porta da biblioteca surgiram quatro pessoas. Os pais de Ísis e os pais do homem.

– Ísis, minha filha! Eu lhe disse que não deveria subir aqui – disse sua mãe, alterada, mas tentando manter a compostura. O pai olhava envergonhado para os anfitriões, desculpando-se do comportamento da filha.

– Não brigue com ela – intercedeu o companheiro de leitura de Ísis. – Uh, fui eu quem a convidou para vir até aqui.

Os anfitriões detiveram o olhar em Ísis. Eles eram ainda mais sérios do que ela própria e aquilo a fez ficar apenas um pouco deslocada.

– Eu peço desculpas por isso, senhor, senhora – ela levantou-se do sofá e abaixou a cabeça, com um sorriso inocente nos lábios. – Mas eu tenho que dizer que aqui na cidade não existe uma biblioteca como essa aqui. Nem a biblioteca municipal possui tantos livros.

– Ficamos agradecidos pelo elogio. Mas talvez vocês dois desejem voltar conosco lá para baixo, logo a sobremesa será servida – disse a anfitriã, os lábios cheios e rosados delineando dentes perfeitamente simétricos.

Ísis entregou o exemplar de Wordsworth para seu companheiro de leitura e ouvia sua mãe se desculpando e rejeitando o convite da sobremesa. Segundo ela, eles tinham outros compromissos, infelizmente, e necessitavam voltar para casa antes da sobremesa. Ísis e o companheiro de leitura olharam-se de forma cautelosa e seguiram seus pais até o primeiro andar.

– Qual é o seu nome? – perguntou Ísis para o companheiro de leitura depois que as despedidas foram dadas e os anfitriões voltaram para dentro da casa.

– Klaus. E o seu?

– Ísis.

Os pais de Ísis a chamaram já perto do carro. Ela voltou os olhos para Klaus e sorriu ante a expressão educada dele.

– É um prazer – ela se virou para voltar para os pais, mas depois de dois passos, voltou-se. – É realmente um prazer conhecer alguém que fale russo. Ninguém daqui da cidade conhece essa língua. É... – Ísis colocou um dedo no queixo como se achasse aquela situação muito interessante. – É curioso mesmo na verdade vocês dizerem às pessoas que são italianos e não russos... As pessoas daqui são realmente muito ignorantes com relação aos estrangeiros e à cultura em geral, eles não se preocupam com isso, apenas com a aparência das coisas.

Ísis sorriu e os dentes dela brilharam de forma insana com as luzes amarelas dos holofotes.

Klaus aprumou os ombros e estreitou os olhos.

– Isso é aparentemente uma mentira, não? Pois pelo visto você sabe russo.

Os olhos dela não se desgrudavam dos dele.

– Uma ou outra palavra eu diria.

– Klaus! – chamou a anfitriã da porta da casa, fazendo-lhe sinal.

O filho fez sinal para a mãe de que já estaria lá e quando voltou-se para Ísis, viu-a já a meio caminho do carro dos pais. Ele encarou o veículo sair da sua propriedade com o semblante sério.

Ao voltar para a casa, os pais de Klaus o esperavam na porta, longe dos demais convidados.

– Você parece alterado, meu filho – disse a mãe preocupada, pousando a mão no antebraço de Klaus.

Ele tentava manter a respiração calma, mas era relativamente difícil naquela situação. Seus olhos pareciam injetados de um jeito que apenas seus pais conheciam e eles empalideceram mais do que o natural.

As palavras seguintes foram o suficiente para tirar o terror interior que assombrava sua família fugidia de um passado macabro.

– Acho que fomos descobertos – sussurrou Klaus, preocupado, mostrando-lhes os dentes afiados e alvos, sedentos de instintos primitivos.



12. Mai 2018 14:19 3 Bericht Einbetten Follow einer Story
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Amanda Luna De Carvalho Amanda Luna De Carvalho
Olá, tudo bem? Faço parte do Sistema de Verificação e venho lhe parabenizar pela Verificação da sua história. Primeiramente, devo dizer que adoro histórias de vampiros e seu livro, apesar de curto, é muito envolvente na questão de motivar o interesse e a leitura. Parabéns. Gostei muito da parte em que os personagens ficam se analisando, meio de esguelha, se olhando com uma certa curiosidade. Isso nos motiva a querer saber o que estariam pensando de verdade. O texto está bem realista e não me parece haver muitos erros, não me parece ter algo confuso entre os personagens, tornando tudo bem coerente apesar de ser uma história de vampiros. A estrutura narrativa está bem condizente com os personagens, cenários e detalhamentos. Me parece muito bom o modo como tudo está construído. Os personagens lembram um pouco Crepúsculo pela menção de alguns detalhes, mas o modo como tudo é construído, difere um pouco, já que a emoção de cada personalidade está bem específica. Uma coisa ótima é usar travessão em vez de traço, já que é mais indicado se usar assim nos textos. A narrativa está boa e gostei de algumas descrições, mesmo não sendo todas detalhadas, mas estavam mencionadas nos cantos certos. Os personagens parecem atraentes e sendo vampiros, chamam ainda mais a atenção para quem ama obras assim e é um prato cheio. O fato de já demonstrarem um certo interesse mútuo mostra como podem se envolver mais para frente. Gostei bastante do desenvolvimento da história porque existem poucos erros. Uma ótima temática escolhida. Continue escrevendo nesse tema e tenha certeza que muitas pessoas vão adorar esse gênero que chama tanto a atenção do público. Até mais!
April 27, 2020, 17:34
Marurishi Paz Marurishi Paz
Muito bom! Bem desenvolvido, com personagens interessantes e um enredo que envolve. Gostei muito e com certeza vou ler mais. Gosto muito de vampiros, quando são retratados de uma maneira elegante. Veremos como as coisas se desenvolverão. O bom de pegar uma história já concluída é que não tem a ansiedade de esperar por um próximo capítulo! Tua escrita é impecavel! Parabéns!
November 24, 2018, 02:54

  • C C C Clark Carbonera
    Olá, @Marurishi Paz, agradecido por ter começado (e terminado) a leitura! Concordo que também prefiro começar a ler uma história já concluída e não sofrer com a ansiedade hehe Obrigado pelos elogios e pelos likes ^^ November 25, 2018, 20:37
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Bordas da Escuridão
Bordas da Escuridão

Como um eco das sombras do passado, a Escuridão tece uma teia através do tempo, criando laços entre lugares e personagens que nem sequer sabem das existências uns dos outros até que sua presença tenebrosa se manifeste. *Todas as artes utilizadas nesse universo foram criadas com Artbreeder* ---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- Como un eco de las sombras del pasado, la Oscuridad teje una red a través del tiempo, creando vínculos entre lugares y personajes que ni siquiera saben de las existencias de los demás hasta que se manifiesta su oscura presencia. *Todo el arte utilizado en este universo fue creado con Artbreeder* Erfahre mehr darüber Bordas da Escuridão.