Vargas tinha finalmente entendido, mas fazia tempo que isso tinha acontecido.
Esse era mais um dia do calendário, mais um dia de trabalho, mais um dia de vida. Vargas por vezes tentava afastar esse tipo de pensamento, pensamento sobre o Tempo, mas era inútil. Ele sempre voltava.
Abrindo o armário, ele tirou de um cabide suas roupas casuais que preferia vestir para realizar o trabalho frio. Tomou uma xícara de café ralo e comeu uma panqueca sem gosto de 2 dias. Desceu as escadas para a sala gelada e de cheiro característico, afastou o pano branco que cobria seu primeiro corpo do mês de setembro.
O rosto sem expressão e branco do cadáver o esperava para o trabalho. Vargas fez uma última limpeza (ele preferia limpar os corpos ao menos duas vezes, caso contrário não conseguia dormir). Seu pai adentrou a sala e analisou com olhos cirúrgicos seu filho laborar.
- A família disse que preferia o esmalte de cor rosa claro ao vermelho, Varguitas.
O filho deu um meio sorriso, sem olhar o pai, pegou o esmalte que a família da morta deixara no dia anterior e chacoalhou o vidrinho.
- Podíamos colocar uma maquiagem leve também, bem respeitosa. Mas tomando cuidado extra com a marca no pescoço - o pai contraiu os lábios num tom repreensivo para o cadáver.
Vargas olhou a marca arroxeada, com tons de marrom, que rodeava o pescoço da falecida senhorita Felícia de 28 anos. Desviou-os rapidamente, sentindo um bolo no estômago e voltou-se a se concentrar em passar o esmalte nas unhas da ex-senhorita.
Depois que os preparos com o corpo de Felícia haviam terminado, Vargas o levou para o caixão de mogno lustroso que esperava pacientemente sua companhia eterna se aconchegar.
Ele subiu novamente uma parte da gola do vestido preto que pendia no pescoço e afastou alguns fios do cabelo negro para trás da orelha dela. O pai postou-se ao seu lado, olhando orgulhoso o trabalho que o filho fizera no pescoço da senhorita Felícia de 28 anos.
- Não se enxerga nada que não deveria ser enxergado. Fico satisfeito de ter lhe ensinado bem, meu filho.
Vargas pendeu o rosto, tocando a madeira brilhante do caixão, falando num fio de voz para a senhorita.
- Não entendo porque você faria isso...
- Varguitas, meu filho, você sabe que não se deve falar com os mortos.
Vargas baixou a mão do caixão, tocando com os dedos gentis o tecido aveludado da mesa. O semblante triste, deveras cansado, olhos secos e distantes, exausto de perguntar o mesmo todos os dias em que trabalhava na funerária.
Ele virou-se para onde o pai estava.
- Então, por que continuo falando com você, pai?
Vielen Dank für das Lesen!
Wir können Inkspired kostenlos behalten, indem wir unseren Besuchern Werbung anzeigen. Bitte unterstützen Sie uns, indem Sie den AdBlocker auf die Whitelist setzen oder deaktivieren.
Laden Sie danach die Website neu, um Inkspired weiterhin normal zu verwenden.