ninlil Ninlil Anunnaki

Em um tempo remoto e esquecido, os humanos eram integrantes da natureza, convivendo em harmonia com todos os seres. No entanto, ao longo das eras, acabaram por se distanciar da natureza e a machucá-la. O que aconteceria se os elementais se rebelassem contra os humanos?


Kurzgeschichten Nur für über 18-Jährige. © A história é de minha autoria, com todos os respectivos direitos

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Kurzgeschichte
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Em chamas

O tribunal se constituíra. Sua vida imortal e seu destino estavam sob a espada do julgamento. E ela se sentia imensamente irritada!


Suas asas de fogo se espanavam em ritmo nervoso entre o amarelo pálido e o laranja intenso, pequenas fagulhas sendo emanadas por todos os lados. Seu corpo cintilava como uma fornalha ardente. Se pudesse, explodiria em infinitas labaredas, tal sua indignação. Como ousavam acusá-la?!


Toda uma corte de ninfas, duendes, sílfides, elfos, sátiros e tantas outras criaturas mágicas lá se encontravam, sussurros desaprovadores, murmúrios estarrecidos, silêncios assustados. Até as ondinas se fizeram presentes com seu olhar enigmático, agora com um inédito tom piedoso. Seus corpos etéreos ondulavam com a tensão, o ar tão denso que poderia ser cortado com uma faca. A floresta mal respirava.


Suas irmãs salamandras não brilhavam, contidas em brasa esmaecida. Covardes! Como puderam abandoná-la? Seu fogo mais se assemelhava a um insípido entardecer. Sua altivez milenar não fora grandiosa o bastante para compreender a ela, Lume, sua companheira mais poderosa.


Apesar do fogo ser seu elemento natural, tanto ela quanto as demais salamandras, bem como a maior parte dos seres fantásticos, adquiriram um formato humanoide desde que os homens surgiram na Terra. Até isso se fizera por esses seres monstruosos, uma violenta mudança física, a fim de que eles não se assustassem com as expressões da vida. Tola ilusão. Estúpida decisão.


Lume prendeu a respiração, encarando todo o reino mágico com orgulho e destemor. Aguardavam todos a chegada deles, os Devas. Em milênios, sua presença visível e tangente não se fizera necessária, pois a harmonia fluía entre o mundo humano e o reino mágico, equilíbrio esse quebrado por ela.


Ao se recordar do que fez, a irritação deu lugar gradativamente à tranquilidade do dever cumprido. O que para todos se fazia blasfêmia e heresia, Lume enxergava coragem e ousadia. E nada, nem ninguém e tampouco os Devas a demoveriam de suas certezas profundas.


Há muitos séculos, alguns homens, abusando de sua própria percepção sensitiva com as outras realidades – que nomearam simplesmente de magia – e, principalmente usando da ingenuidade e de credulidade dos seres da natureza, escravizaram estes últimos, com o intuito de apropriarem-se de seu conhecimento e serviços extraordinários, para que realizassem seus objetivos egoístas e cruéis. Magos, xamãs, bruxos, feiticeiros, médiuns, sensitivos, paranormais, tantos nomes diferentes para seus algozes no decorrer das eras.


Seus irmãos de vida declinavam diante desses seres classificados como humanos, pois estes possuíam uma capacidade mental-magnética que não pertencia à linhagem evolutiva dos elementais. A maioria da humanidade desconhecia a extensão desse atributo, desenvolvendo parcamente apenas uma faceta racional. Se assim continuasse, o mundo humano se desenvolveria para outra direção e as realidades prosseguiriam em paralelo, talvez com alguns encontros fortuitos e de mútua ajuda. O equilíbrio seria mantido e a vida não teria seu viés estrangulado.


Mas, não. Muitos humanos extrapolaram seu potencial e invadiram a seara do mundo elemental, implacável como uma manada de elefantes em fúria.


Por anos incontáveis, Lume assistiu, impotente, à miséria infringida aos seus irmãos. Parecia impossível deter os seus agora inimigos, já que a essa linha evolutiva foram concedidos o livre arbítrio e o comando do mundo físico. Observou-os com atenção determinada, invisível e imune a seus devaneios e opressão, já que era a mais poderosa de toda sua espécie. Seguiu-os em suas paixões; penetrou em suas mentes; compartilhou de suas mais sublimes virtudes e de seus mais sombrios desejos. E todo seu corpo ígneo entrou em chamas.


Descobriu como derrotá-los.


Curvou-se a todos homens e a todas as mulheres que possuíam a capacidade mental-magnética ampliada, fingindo-se de serva submissa. Prestou-lhe os trabalhos vis solicitados com tal presteza e eficiência que seus supostos senhores quedaram-se a escutá-las em sugestões e ideias. Mostrou-lhes mais horizontes e profundezas em seus sonhos nefastos. E, à medida que lhe davam ouvidos, mais ela penetrava em suas emoções e anseios, incitando-os a pensamentos e atos degradantes e agressivos.


Uma espada de dois gumes, claro. Quanto mais poder esses humanos alcançavam, mais servos elementais escravizavam e Lume pôs-se a presenciar e até a participar dessas crueldades. O ardor doloroso que isso lhe causava era atroz, contudo necessário para que seu plano atingisse êxito. Era preciso compactuar completamente com os homens, a fim de que eles se destruíssem, mesmo ao custo do sofrimento de seu próprio povo mágico.


A avalanche de magia se propagou através das fronteiras. Entretanto, logo percebeu Lume uma falha em seu projeto, pois vislumbrava a ascendência da ciência e objetividade no mundo dos homens, um campo exclusivo da linha evolutiva da humanidade. E como a percepção dos indivíduos era dual e maniqueísta, impossível conceber o convívio harmônico entre ciência e magia. A ciência tendia a dominar o caminho dos seres humanos por séculos à frente, antes de convergir para um ponto em comum em algum lugar no futuro distante.


Essa era a grande oportunidade de abandonar seu plano de ação. Afinal, os homens, fascinados pela lógica e razão, esqueceriam a magia e, por conseguinte, deixariam as criaturas etéreas da natureza em paz. Tudo retornaria ao que deveria ter sido.


Recordou desse instante, onde até seu fervor se arrefeceu, o fogo congelado naquele momento delicado. Todo seu calor se encolheu gradualmente, da última centelha de suas asas até o âmago de brasa rubra no centro do seu corpo humanoide, deixando-a fria e triste. Era como a morte. Ou deveria ser, pensara ela vagamente. O mundo encantado desconhecia a morte. Nasciam e viviam. Viviam para sempre em uma única e imortal existência.


Uma chispa inflamou seu interior e um fogo de luz a envolveu por completo. Viviam para sempre. Lembravam para sempre. Para sempre, a dor imputada aos seus irmãos pulsaria. Jamais seriam felizes novamente.


As cinzas de suas dúvidas se perderam no vento.


Passou, então, a influenciar não só os acessíveis sensitivos, como também os cientistas, os políticos, o clero e qualquer um que o poder agraciasse. Como elemental do fogo, tinha conhecimento das emoções dos seres humanos; todavia, só em virtude do contato íntimo e constante durante centenas de anos, foi possível a habilidade de lhes envenenar os sentimentos das pessoas não-sensíveis à magia, aquecendo as mágoas já quase frias pelo tempo, fervendo a raiva e inveja no mesmo caldeirão, explodindo conflitos entre nações. E quanto mais complexas as relações entre os países, quanto mais tecnologia desenvolvida, maior poder de alcance de morte a milhões de indivíduos. E só chegaria ao fim quando o fim chegasse.


Mas não chegou. Não pôde chegar, pois fora arrebatada ao mundo encantado por forças dévicas para seu julgamento e condenação

.

E lá estava ela, orgulhosa, indignada e furiosa, aguardando sua sentença.


O ar se contorceu, como quando uma pedra é jogada no lago e surgiram três seres fantásticos com forma humana, de dois metros de altura, tão etéreos em sua composição que alcançavam a quase transparência. Suas roupas simples resplandeciam em cores extraordinárias e pulsantes, como se fótons dançassem entre si, majestosos em sua serenidade e potência. Seus semblantes sérios não se asseveraram. Havia muita compaixão emanada em seus olhares em meio à sua firmeza.


Um deles se adiantou e sua voz era uma melodia encantadora, apesar do tom entristecido.


- Lume, seus atos a trouxeram aqui. Tem real consciência da dor que provocou em seus irmãos elementais e nos seus irmãos humanos?


O tom da salamandra era como um crepitar de fogueira.


- Tenho consciência de que os homens jamais serão meus irmãos! – respirou fundo, procurando modular a voz - Tenho plena certeza de que o sofrimento que sentiram por meu intermédio é ínfimo quando comparado ao que meus irmãos levam consigo em virtude da monstruosidade dos ditos humanos. O único remorso que guardo é ter sido impedida de completar o que me dispus a fazer!


O que aconteceria com ela? Provavelmente o exílio na escuridão por milhares de anos, já que a morte não era uma opção para os elementais. Que fosse! Ainda retornaria um dia. E cada agonia que provocara nos humanos era muito mais satisfatória, a ponto de sobrepor a solidão na qual seria encarcerada. A bem da verdade, já convivia com ela desde que tomara a decisão de destruir a humanidade. E essa conclusão a surpreendeu por alguns segundos.


- Não se arrepende de ter imputado angústia aos seus?


- No começo, sim. Porém percebi que tomei a frente por todos nós. – olhou ao redor, com ressentimento - Todos aqui se omitiram diante dos desatinos dos homens. Se se omitiram na ação, não poderiam se esquivar do ônus de terem a paz que eu buscava para meu povo. – levantou o queixo numa bravata – Inclusive o silêncio do conselho dévico me permitiu planejar e executar o que arquitetei. Apenas quando quase alcancei minha meta, quando quase explodiu a mãe de todas as guerras entre os humanos, sua intervenção se fez presente. Também são responsáveis pelo o que fiz!


- Lume – voltou a falar Agni, o Deva do centro – As infinitas linhas evolutivas estão emaranhadas entre si. Matar toda a humanidade não destruiria a linha evolutiva humana; apenas ela seguiria caminhos diferentes do que foi traçado. Você jamais conseguiria destruir a estrada pela qual o Todo se expressa. Contudo, essa tentativa malsucedida aos planos divinos traria para a todo o mundo elemental e, principalmente a você, um peso e dor inimagináveis, muito maiores do que os seres humanos impuseram a todos aqui.


A salamandra sentiu seu ardor esmorecer.


- O livre arbítrio dos humanos – prosseguiu o Deva – não é um privilégio e sim um sintoma de sua ignorância. Quando se está inserido no Todo, não há escolhas, não por imposição e sim porque há a clarividência que apenas o caminho do amor existe. Por conseguinte, não há opções. As opções surgem quando o ser não imergiu em tal princípio. E o caminho humano passa pela ignorância e despertar. Os elementais, no entanto, perfazem outra trilha, o da inocência, com seus desafios próprios. – pausou, enquanto suas palavras vibracionais penetravam em cada ser como um aprendizado - E quanto à omissão de todos os elementais em relação aos seus atos, Lume, já são sentidos por eles. Poderiam tê-la detido, ou ao menos tentado, e não o fizeram. A cada um caberá a responsabilidade de sua ação ou omissão, inclusive aos humanos que cederam aos seus encantos.


Lume sentiu seu mundo cair. Caso tivesse êxito no seu empreendimento, provocaria maior sofrimento do que já fora infringido... e tudo por nada! A linha evolutiva humana não seria extinta, mas ao menos os seres humanos estariam mortos, todos mortos...por algum tempo.


– Que venha o castigo! – vociferou -Ainda penso que meus motivos são válidos, pois os humanos nesse estágio evolutivo são mais prejudiciais do que seu caminho traçado.


- E sublime ascendência, quando eles compreendem e tomam o rumo do Todo.


- Estou pronta para minha condenação. - disse, revoltada e desafiadora.


Agni se aproximou dela e a tocou. Lume estremeceu diante da carga energética daquele toque. Como um veneno, um ardor muito maior que seu calor invadiu todo o seu corpo, um fogo líquido, fogo destruindo fogo, uma dor alucinante. Tudo começou a rodar, a sensação inédita de desmaio, de cair no vazio, no desamparo, no desconhecido.


- Conviveu tanto com os humanos, – a voz musical dévica repercutia dentro de sua cabeça, na sua essência elemental - penetrou tão profundamente no ser que é humano, que a afinidade energética criada entre você e a humanidade a impulsiona a encarnar como no mundo dos mortais como um deles. Assim é e assim será.


Terror. Terror! No meio da inconsciência, Lume se desesperou. Não! Não! Enveredar por uma sucessão de reencarnações, esquecimento, personalidades diferentes, nascer – morrer – nascer, perdida entre dores corporais e redemoinhos emocionais, com a sensação íntima e certa de existir algo a mais do que o dia-a-dia prosaico, sem poder atingir o inefável, era pior do que a não-existência. Tornar-se o que tanto odiara seria o seu fim.


- Como pôde...? – sussurrou – Isso não é possível... fui condenada a uma noite sem fim.


- Não. – a voz do Deva era de uma suavidade nunca ouvida – É um novo amanhecer, por mais doloroso que possa parecer.


- Assim diz... porque nunca foi humano e monstro. - murmurou, sem forças.


A escuridão a envolveu por completo, sua consciência se desvanecendo. O Deva a abraçou, envolvendo-a por completo, enquanto as partículas ígneas de Lume se apagavam.


- Engano seu. Segui seu mesmo caminho há muito tempo. – o sussurro possuía um antigo crepitar - Um dia nos encontraremos e verá que, para um ser um deus, antes tem que trilhar o inferno. 

12. März 2018 23:52 0 Bericht Einbetten Follow einer Story
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Das Ende

Über den Autor

Ninlil Anunnaki Alguém que gosta de escrever, de buscar o que não é visto, de expressar o que é sentido.

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