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Naquele dia, nós absolutamente precisávamos ganhar dos nossos maiores rivais.


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O Dia Em Que Ganhamos do Pré A

Eles tinham o Vitinho, grande craque que infelizmente não seguiu carreira. Isso dificultava muito nossa situação, porque ele era o único que entendia como fazia pra tirar o melhor proveito do nosso campinho ali da escola, isto é, chutar a bola na parede pra fazer ela dar a volta em quem estivesse marcando ele. Não tinha fora, então esse foi o drible que levou o pessoal do Pré A em geral e o Vitinho em particular a marcar muitos gols na gente.

Não é que a gente não tivesse copiado a técnica depois de, dia após dia no recreio, apanharmos do Pré A no futebol. Mas é que enquanto íamos com a caixa de chocolate do padre, eles já estavam voltando com o bolo de três andares coberto com glacê. Quando nós aprendemos, eles já tinham aprendido a prever e interceptar.

E tudo bem, a gente tinha (eu lembro que) o Luís Guilherme, a Bárbara e o Thomás. Não éramos um time ruim, nós do Pré B. O Thomás roubava bolas, a Bárbara passava, eu driblava, perdia a bola e aí sobrava pro Luís Guilherme chutar. Era mais ou menos assim nossa estratégia involuntária e ela dava certo muitas vezes. Treinamos tanto involuntariamente que hoje eu posso dizer que sou a pessoa que perde bolas com mais classe em todo o interior de São Paulo.

Mas eles tinham o Vitinho.

E eu tinha uma raiva, porque dava um ciúme danado perder. Quer dizer, a Bárbara foi meu primeiro crush na vida e eu imaginava, a cada derrota, que ela ia pedir pra mãe dela pra se mudar pro Pré A. Eu tinha horror à ideia de ter que ver ela jogar junto com o grande craque da escola. Até porque ela era a única ali que sabia tocar em profundidade com plenos 5, 6 anos. Aí é que a gente nunca mais ia ganhar mesmo.

Então naquele dia, como em todos os dias, a gente absolutamente tinha que derrotar o Pré A. Nossa tia, a Sheila, já não aguentava mais a gente pedindo desculpas pra ela por perder, o que fazia a gente achar que ela estava de saco cheio justamente de ver a gente perder. Fomos a campo com sangue nos olhos. Mas eles, com dois gols logo de cara.

O primeiro envolveu a gente no ataque, tocarem a bola pra mim e eu chutar na trave. Sem goleiro. Aí a bola saiu  pela linha de fundo (que existia, ao contrário da lateral). Então o goleiro deles pegou a bola e jogou pra um menino do Pré A, cujo nome e rosto eu não lembro e que estava na banheira, sozinho, e ele fez o gol.

O segundo foi do próprio Vitinho, tipo cinco segundos depois. Isso porque depois de um gol a gente saía à Bangu, quer dizer, com o goleiro vazado tocando pra quem estivesse por ali perto. Quem estava mais perto era eu. Ou era isso que eu achava.

Nem sei quanto durava nosso recreio, mas pra nós parecia tempo muito menos que suficiente pra tirar dois gols de vantagem. Então nós metemos o louco, começamos a arriscar muito mais. Fizemos coisa que ninguém ousava fazer: chutar de longe. Com isso, nosso primeiro gol foi, na verdade, uma expansão da técnica do Pré A: Bárbara chutou a bola muito forte na parede. Ela rebateu e enganou o goleiro, coisa que nem sabíamos se valia. Mas, naquele dia, valeu.

Aí ficou meio que uma pergunta  —  Bárbara, por que você nunca chuta se você chuta tão forte? O Luis Guilherme não sabe sair da marcação e o Pedrinho tem o pé murcho. Eu lembro muito bem desse negócio do pé murcho. Anos depois eu fui desenvolver um complexo com isso, mas naquele dia eu só fiquei com muito ódio no coração e comecei a chutar toda bola que recebia, acertando até outra bola na trave e tal, mas em geral errando tudo. Sei que, numa dessas, o rebote ficou com a Bárbara e ela marcou mais um, empatando o jogo e deixando todo mundo ainda mais nervoso.

Mas esse negócio de chutar toda hora deixou meu time meio bravo, eu acho, porque aí pararam de tocar a bola pra mim. Quer dizer, o Thomás e o Luis Guilherme pararam. Bárbara devia estar se divertindo muito vendo eu errar tudo, então continuou a tocar. Cheguei a perguntar “por que tocou em vez de chutar?”. O que ela fez foi falar pra eu parar de frescura. Acho. Algo assim. Caso é que teve alguma conversa que me fez ter muita vergonha do que estava fazendo.

Por isso que, na próxima bola que eu recebi, em vez de chutar, eu saí driblando como sempre fazia. Eu fazia isso bem, até. Ou isso ou me deixavam passar por dó, porque eu era pequenininho e o mais novo da turma. E estava até esperando perder a bola no fim e ela sobrar pro Luis Guilherme, mas nesse dia eu perdi foi por falta. Dentro da área.

Pênalti era uma coisa muito rara de acontecer, mesmo porque eu disse que caí dentro da área, mas não tinha área. Tinha o bom senso das pessoas, de concederem pênalti toda vez que alguém era derrubado mais ou menos perto do gol. Então era um furor toda vez e, nessa vez, eu até queria bater, mas estava morrendo de vergonha por ter sido babaca momentos antes e ter tentado me provar pro resto do time. O resto do time, inclusive, falou que, pelo amor de deus, era pra Bárbara bater.

Mas, e isso me deixou felicíssimo, ela falou que era pra eu bater. Afinal, eu que tinha sofrido o pênalti, então eu que batia. Uma lógica que nós já tínhamos superado muito tempo antes, então não convenceu ninguém, mas ela falou que não ia bater e pronto. Que já tinha marcado dois gols e, pra ela, tava bom. Eu fiquei “ôxe, então tá” e peguei a bola pra colocar na marca (não tinha marca. Tinha o bom senso de colocar a bola mais ou menos perto do gol).

E foi gol. E esse foi o dia em que a gente miraculosamente ganhou do Pré A, um dos provavelmente poucos e o único de que eu me lembro. Mas mais importante: nesse dia eu me toquei que, tudo bem, podia gostar da Bárbara e tudo que ela fez foi muito legal. Mas o que eu gostava mesmo — e puta merda, como era bom — era fazer gol.

1. Januar 2022 19:47 2 Bericht Einbetten Follow einer Story
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Das Ende

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Palas (Nature) will cleanse me in great waters, and with bitter herbs make me whole.

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Anna Neves Anna Neves
Olá, Palas ! Tudo bem com você? Faço parte do time de Leitores beta e vim aqui deixar meu feedback em sua história. Eu li a sua história " O Dia Que Ganhamos Do Pre A " e gostei do que encontrei nela , é uma história simples mais muito legal. A sua narrativa gira em torno de uma tradição escolar onde aparentemente existe um time a ser batido , deixando claro que é uma tarefa um tanto difícil. Tudo sem nenhum erro ortográfico mostrando toda a sua qualidade de escrita , é também o casamento perfeito junto com a capa. O contexto é muito divertido por aparentar ser uma competição muito amistosa e que leva também a questão de que sem esforço nada se conquista. São vários ensinamentos para os leitores dentro do enredo construído , toda a estratégia nós transporta de uma forma leve para dentro da história contada. Causando a sensação de reconhecimento por que muita gente já viveu algo parecido dentro dos seus momentos de escola. A vitória de certa forma muito esperada e de maneira inédita e no final é p grande trunfo para os jogadores desse time que de forma persistente não desistiram e como recompensa atingiram seu objetivo. Uma obra muito completa e divertida , pequena mas de fácil entendimento e que tem muito potencial de ser grande. É visível toda a dedicação por trás desse ótimo trabalho aqui exposto , o sucesso que vier é mais que merecido , parabéns.
February 03, 2022, 22:15

  • Palas Palas
    Nossa!! Fico muito, muito feliz por você ter gostado~ nem sei até onde eu mesme tiro a lição de que precisa de esforço pra vencer tanto quanto a lição de que ódio é uma força muito potente :P Mas oloco, bondade sua o que tá dizendo... só de você gostar já vale a pena ter escrito (◡‿◡✿) February 04, 2022, 12:26
~