Estou a postos aqui, na área aberta em frente à casa, gradeada, sentado à mesa de ferro fundido, sugerida por meu velho cunhado Ériko, já não mais entre nós. Virou estrela de primeira grandeza, pois iluminava tudo à sua volta.
O sol vai se pondo no oeste, levando com ele o pequenino e invisível Mercúrio. Logo, logo, Vênus virá nos iluminar, assim como o fez com os Reis Magos.
Depois de três dias de chuva abençoada, de modo a encher um pouco mais os combalidos reservatórios, a luminosidade amarela dá o ar de sua graça, ainda que fugaz, já submergindo ao crepúsculo implacável.
Hoje é dia de Nossa Senhora Aparecida, de quem sou devoto. Mas não apreciei o foguetório de mais cedo. Pobre dos animais por aí. Pelo menos, o motivo de hoje é válido.
Ao meu lado, minha companheira Duda, minha cadela australiana e companheira de escrita, se bem que seus latidos ora me trazem de volta ao mundo real. Um par de canarinhos da terra saltita no asfalto; um gavião carcará passa em voo rasante, levando nas garras o que parece ser um filhote de pássaro. Uma pitada de crueldade, em meio ao quadro bucólico que se pinta. Isso mesmo, por trás das cenas aparentemente calmas, a natureza, em permanente convulsão e luta pela sobrevivência.
Nesse exato momento, uma maritaca pousa sobre a fiação acima, à direita, estranhamente calada e solitária, como se desconfiasse do sol tímido. Nem bem esquentou o pouso, já se vai.
A música que me acompanha embaralha o som do piano e oboé, o desafio maior, para quem entende de música. Ah, a maritaquinha encontrou seu consorte; acabou de passar voando em algazarra. Tudo nelas é belo, exceto seus excrementos violáceos, que agarram como piche. Melhor não estar embaixo.
Algumas senhoras passam com seus pequenos canídeos, e agora uma andorinha preta e branca desceu ao chão, em pequenos saltos desconfiados. Combinou com a Forrest Gump Suite, a tocar lindamente, como que num ensaio bem sucedido. A vida é isso; detalhes que passam incólumes, se não se deparam com um par de olhos e ouvidos atentos.
Os vizinhos chegam de carro, disparando a descarregar malas. Com certeza viajaram, ainda que ressabiados pela pandemia, a dar sinais de arrefecimento. Dentro de um carro pouco se vê a vida em volta. Muitos não se dão conta disso.
Em verdade sentei aqui, disposto a criar um novo conto, um novo personagem. Mas, enquanto a inspiração não dá o ar de sua graça, me deixo levar pelo momento. Pensando bem, tudo já dito está acima de qualquer ficção que eu venha a escrever. Afinal, é a vida como ela é.
A fêmea Rottweiler do vizinho em frente dá as caras, na garagem também gradeada. Minha cachorra já eriçou os pelos das costas e se pôs em posição de ataque. Os latidos se anunciam, prontos para a batalha que nunca chega.
A Lua aparece exatamente sobre minha cabeça. Olho para ela, sempre como se fosse a primeira vez, sem entender direito como não mergulho no vazio do cosmos.
Pensando bem, quem sou eu para criar algo? Melhor contemplar o véu enegrecido a se descortinar, ao som de “El Oboe de Gabriel”, do filme "La Misión”.
Vênus apareceu, às 13 h do céu noturno, como diriam os aviadores.
Viva Nossa Senhora Aparecida!
Vielen Dank für das Lesen!
Wir können Inkspired kostenlos behalten, indem wir unseren Besuchern Werbung anzeigen. Bitte unterstützen Sie uns, indem Sie den AdBlocker auf die Whitelist setzen oder deaktivieren.
Laden Sie danach die Website neu, um Inkspired weiterhin normal zu verwenden.