“Eu sempre temo – deve ser lembrado, algum ato atroz seu.” (Paul Verlaine – Romances Sans Paroles)
“Tédio não é mais meu amor. Raiva, deboche, loucura, todas as alegrias e desastres que conheço – todo o meu fardo está estabelecido. Deixe-nos apreciar sem tontura a extensão da minha inocência.” (Arthur Rimbaud – Une Saison em Enfer)
***
O homem estava seguindo-o novamente.
“Os espiões do governo”,pensou Paul, ao virar o colarinho por conta da umidade e o frio de um nevoeiro londrino, certamente deveriam ser treinados para se misturarem um pouco melhor. Especialmente se um poeta meio bêbado pudesse identificá-los.
Deixou a porta do Hibernian Arms e dirigiu-se para o alojamento.
Era tudo culpa de Rimbaud, claro. Os amigos que tinham feito desde que fugiram juntos para Londres, eram refugiados da comuna de Paris – militantes, revolucionários, republicanos – pessoas que realmente não podiam ser associadas com segurança. Mas ele foi cuidadoso. Até que Rimbaud insistiu em ir àquela reunião e causar uma cena, e chamar todo tipo de atenção para si. E agora os nomes deles estavam em alguma lista. Alguma maldita lista da Polícia Metropolitana tinha, e eles estavam sendo vigiados.
E quem sabe qual das pequenas comunidades francesas aqui no Soho poderia ser confiável. Paul, por exemplo, não sabia ao certo sobre Monsieur Barjut, o vendedor de jornais que havia encontrado ele eRimbeem seus alojamentos. Merda, estava com os nomes e endereços de todos naquele caderno gorduroso dele. Sem dúvida ele deu uma olhada em Rimbaud e passou ambos os nomes para as autoridades.
E tudo era falso; Paul alegou ser umCommunardpara a glória dele. Mas na realidade, quando o exército chegou a esmagar a barricada e dispensar os rebeldes, Paul não estava nas ruas lutando com seus companheiros. Ele havia se escondido apavorado em um dos armários e tentou foder a empregada.
Ainda sim, Paul pensou um pouco bêbado, era bastante intrigante ser seguido por um belo policial. Os uniformes eram tão agradáveis; todos aqueles botões brilhantes e calças apertadas, e os cassetões fálicos na cintura. E a disciplina e assobios e o “sim senhor, não senhor” Mon dieu, o pensamento disso em sua cama...delicioso demais.
Ele entrou na banca de jornal e pegou uma cópia do Le Monde. M. Barjut cumprimentou-o calorosamente, sem dúvida anotando todas as suas compras para repassar às partes interessadas. Ele deve se lembrar de dizer a Rimbe para se comportar na frente dele, por mais difícil que possa ser. Às vezes quando eles estavam bêbados, eles se esqueciam de si mesmos e Rimbaud olhava para ele daquele jeito e Paul queria...bem ali mesmo na rua. Ah, aquilo não era vida. Não era vida para ambos. Mas ele odiava ficar sozinho. “O que seria pior?” Ele se perguntou; “deportação como communard ou trabalhos forçados como sodomita?”
Ele deveria voltar para Mathilde, implorá-la para perdoá-lo. Ela era sua esposa. Ele imaginou seus grandes olhos escuros se enchendo de lágrimas lhe agarrando de volta em seus braços.
Porém, um flash da boca cruel de Rimbaud contra a sua superou a visão, e ele corou. O menino irresistível. Sua boca, seus olhos, sua mente. O que ele poderia ver em Paul? Um homem dez anos mais velho, pobre e careca, ele não conseguia entender. Mas ele o queria e precisava dele. Eles foram consumidos um pelo outro.
Não, ele não poderia deixá-lo. Paul nunca mais escreveria novamente se voltasse.
Ele esqueceria tudo isso. Fariam uma vida aqui. Rimbaud nem sempre seria tão selvagem. E até então, ele poderia entorpecer os sentidos e relaxar a mente com um pouco de bebida inglesa.
Virou-se abruptamente e voltou para M. Barjut para comprar uma garrafa de gim. “Deixe-o colocar isso em seu maldito livro”, pensou ele, enquanto derrubava meiacoroa.
Durante a volta para os alojamentos pensou, “Eles deveriam se mudar para Hampstead ou Highgate. Onde todos os escritores viviam. Seria muito melhor, não como essa favela manchada de fumaça.”
***
A rua lá fora era como algo pintado porHogarth. Pessoas em todos os lugares. Bêbados, prostitutas, bandos de crianças; um valente membro daTemperance Society, panfletando. “Deus, como eles suportam isso?”
Pegou um panfleto, porque queria divertir Rimbe e entrou.
Uma criança imunda que Paul reconheceu como pertencente à proprietária, estava pendurada na escada, repleta de piolhos e travessuras.
— Você vai pegá-lo, Senhor. – disse a criança, sorrindo para ele e jogando uma bola contra a parede na frente dele.
Paul ignorou-a e passou. A bola bateu na parte de trás do seu pescoço.
— Eu disse que você vai pegá-lo. – disse a menina novamente.
— O que você quer dizer? – perguntou Paul, esfregando o pescoço.
— Minha mãe não viu a bagunça que o garoto fez ainda, mas eu sim. Você estará acabado quando eu contar. – ela imitou um grande chute, presumivelmente destinado a um Rimbaud imaginário. — Bang! Ela vai chutar os dois direto para a sarjeta.
— Ele jogou minhas roupas pela janela novamente? – ela assentiu com a cabeça, apontando para uma pilha de roupas imundas no canto. Paul pegou-as e enfiou-as debaixo do braço.
“O que em nome de Cristo ele havia feito agora?”
GLOSSÁRIO:
1. Rimbe - apelido carinhoso dado por Paul a Rimbaud.
2. Communard - era a denominação dos membros da Comuna de Paris d 1871
3. Coroa - moeda
4. Hogarth - William Hogarth foi um pintor, gravador e ilustrador inglês
5. Temperance Society - foi um movimento social contra o consumo de bebidas alcóolicas
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Vielen Dank für das Lesen!
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