Acordou mais uma vez com a já conhecida impressão de noite mal dormida: a fronte pesada... os olhos vermelhos... relutando em aceitar a luminosidade solar. A região lombar teimava em reclamar e a garganta seca tornava ainda mais difícil deglutir o café amargo que restara da noite anterior. Lembrou-se de outros despertares semelhantes, mas este lhe pareceu ainda mais penoso.
O ritual diário para encarar o tedioso escritório... desta vez, quase intolerável; o embate com os cabelos rebeldes, enquanto flashes ensanguentados, sons guturais e gritos de horror irrompiam em seus sentidos; o maldito nó da gravata... a perplexidade... açoitando sua mente; a água de colônia barata... incapaz de dissimular o odor rançoso; e as dores? Suas articulações gritavam como se fustigadas por instrumentos rudimentares de tortura; sentia-se confuso: uma aura de medo, remorso e culpa o envolvia, mas não conseguia entender sua origem.
A verdade é que desde jovem via-se envolto em pesadelos que o atormentavam, entremeados a períodos de quietude, mas sempre acabando por retornar. As crises se repetiam 1 ou 2 vezes a cada mês. Havia procurado inúmeros tratamentos infrutíferos: medicamentos, hipnose, medicina alternativa, ajuda espiritual... mas terminou dominado pelos delírios, vivendo em reclusão, receoso de expor seu terrível fardo; uma espécie de demência, talvez uma psicose latente... poderia melhorar com a idade, vaticinou um qualquer!
Evitava sempre que podia o acesso à mídia, sedenta de sangue e tragédias; seus pensamentos já o martirizavam de forma suficiente, apesar dos frequentes lapsos de memória: aquela estranha incapacidade cognitiva em reter os registros de sua mísera vida. Volta e meia uma lembrança... um misto de consciência e devaneio, em que rompantes de um distante acontecimento invadiam sua mente: uma trilha ao anoitecer... chuva... uivos... desespero... instantes de dor excruciante. A cicatriz em seu costado direito denunciava.
O choro incontido, sempre a suceder aquelas manhãs, era sua única alternativa. Em seu âmago, desconfiava de si próprio, mantendo à distância toda tentativa de aproximação. Como um pária, tentava inutilmente ludibriar sua sina macabra.
Sobreveio a fatídica noite: lua de caçador sob a miríade estelar; sombrios becos do subúrbio... caminhos lúgubres. A iminência de algo terrível emergia, irrefutável...
Muito poucos testemunharam a diabólica cena: olhos sinistros devoravam o ar viciado; garras inumanas arranhavam o piso fétido, em lugares abandonados pela dignidade. A criatura ensaiava seu instinto predatório, quando foi surpreendida: algo em tom prateado silvou no ar noturno, cravando-se definitivamente em seu tórax... um gemido rouco... um arfar desesperado... a voz do vento... a lua cheia, ofuscada por uma bruma negra, descortinou o ato final de misericórdia.
O edifício comercial amanheceu movimentado como de regra, todos atarefados com suas pequenas rotinas, em suas salas cinzentas e mal iluminadas pelas luzes de neon; sua ausência não chegou a ser notada e também não gerou qualquer mudança, exceto pelo silêncio incomum dos cães vadios àquela hora, habitualmente agressivos à sua chegada.
Vielen Dank für das Lesen!
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