No último dia de preparação, William Carvalho comeu devagar, saboreando cada garfada como se fosse a última. Algo que não deixava de ser verdade.
Tentando conter o frio na barriga, mesmo depois de tanto treinamento, William avançou pelos corredores do laboratório seguido por um pesquisador e por uma repórter um tanto afobada chamada Sara.
Ao atravessarem a passagem, foram esterilizados pelos borrifadores acoplados às paredes e então desceram pelo elevador da plataforma.
William a reconheceu assim que alcançaram a instalação do subsolo. Um ano de treinamento fora necessário para que finalmente atingissem àquele ponto. Ele engoliu em seco. Precisava de toda a coragem que pudesse reunir para seguir com a missão.
Além da dupla que acompanhava William, cinco cientistas de jaleco branco se distribuíam ao redor de uma câmara hiperbárica, todos com o logotipo da Nasa costurado ao peito. A extremidade superior do maquinário se elevava na direção do teto no formato de um imenso pilar cônico, que brilhava em meio a luzes e bipes eletrônicos.
— Tenente Carvalho — cumprimentou um dos cientistas. — Já está tudo pronto.
O homem encarou o vidro aberto da câmara e respirou profundamente.
— Vamos logo com isso.
Ele adentrou na cápsula e a máquina se fechou, hermética. Um gás preencheu o compartimento e William rapidamente mergulhou no sono.
— Começando o transporte de consciência — anunciou outra cientista. Digitou alguns códigos e apertou um pequeno botão vermelho no painel de controle.
Um pulso de energia se expandiu em formato de anel a partir da cápsula de William, que despertou por um segundo mórbido e retesou todos os músculos do corpo. Os olhos e a boca de William brilharam feito faróis, gritando um rugido mudo e ofuscante. Tudo voltou ao normal tão logo aconteceu.
— Meu Deus! — exclamou Sara. — O que foi isso?
— O sinal de que tudo correu bem — explicou um cientista, cujo aspecto brilhava de satisfação. — Toda a consciência do tenente Carvalho foi transportada para o espaço.
Sara apanhou o celular e colocou-o em modo de gravação.
— Poderia explicar, mais uma vez, sobre o que estão fazendo aqui?
— É claro. A Missão Alaraph tem o objetivo de ampliar tudo o que conhecemos acerca do universo até agora. Esta máquina — apontou para a cápsula em que o homem repousava, — transforma todas as ondas cerebrais do voluntário em sinais de rádio que viajarão na velocidade da luz pelo espaço. Em outras palavras, a projeção da consciência do tenente Carvalho viajará por onze anos até o planeta Ross 128b, confirmado como o melhor e mais próximo planeta habitável, com água líquida e terra seca. Dessa forma, ele nos trará respostas acerca da superfície de um planeta alienígena com toda a segurança possível.
— Impressionante — disse Sara. — Qual será o tempo total da missão?
— Onze anos de ida, dois meses de exploração e onze anos para o retorno à Terra.
— Mas… é bastante tempo, não acha? Que efeitos uma missão como essa pode causar à mente do tenente Carvalho?
— Ele foi treinado rigorosamente para lidar com qualquer problema. De qualquer modo, só acordará depois que chegar à Ross 128b.
Sara desligou o gravador, perguntando-se que tipo de atitude aquela equipe de cientistas tomaria caso precisassem salvar o cérebro do tenente Carvalho em demérito da missão.
Imaginou-se sozinha por vinte e dois longos anos, flutuando pela imensidão obscura do espaço; costurando por entre as estrelas e a frieza do vazio infinito. Ainda teria de vagar pelo interior de um planeta desconhecido… Cruzes, pensou Sara. Sentiu os pelos da nuca se retesarem, tomada de assalto pela aflição. Enlouqueceria. Tinha certeza que sim.
À época, a missão fora amplamente divulgada pela imprensa. Vinte e dois anos depois, chegado o momento de a cápsula ser reaberta, tenente Carvalho acordou num delírio catatônico. Tornara-se sensível a barulhos altos e só grunhia numa linguagem incompreensível.
Empolgada por uma nova matéria, Sara retornou ao laboratório do subsolo, enxergando-se outra vez diante da câmara hiperbárica que estivera quando ainda novata, mas arregalou as órbitas ao divisar a silhueta de uma figura que se aproximava à distância. Era pura deformidade ocultada pelas sombras, da qual brotava meia dúzia de extremidades ondulantes.
— O-o que é aquilo? — gaguejou Sara.
Um cientista estremecia ao lado da repórter.
— É… é o tenente Carvalho.
Um dos braços que escapava da silhueta, convulsionante como um tentáculo de polvo, esticou-se até o cientista e o repartiu numa chuva de sangue.
O corpo de William Carvalho se transformara num pesadelo feito de solidão e desconhecido. Um corpo feito de morte.
Sara fora encurralada pela criatura.
Vielen Dank für das Lesen!
Quantas vezes você já parou para admirar o desconhecido? Agora temos certeza de que não estamos sozinhos nesse universo tão vasto, e que há coisas para se temer na escura imensidão. Tomas desenvolve seu enredo e personagens com maestria, nos dando os vislumbres necessários para que fiquemos hipnotizados por seu conto. Mesclando terror e sci-fi, conquistou o terceiro lugar do #arrepiainks!
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