abnobrega Abraão Nóbrega

Victor, um estudante de gastronomia, descobriu e sentiu na pele as pressões físicas e sexuais da comunidade gay. Ele também vem aprendendo que conseguir lidar com seus sentimentos e emoções não é tão fácil. No fim, se cansa de viver em relacionamentos líquidos e também dos encontros casuais. Nesse meio tempo encontra Gabriel, um aspirante a psicólogo, que ainda se recupera de feridas afetivas deixadas por seu ex-noivo, Hugo. Juntos eles acabam por embarcar em uma jornada de encontros e desencontros regados a profundos sentimentos e descobertas. Um romance que aborda relações familiares, amizades, gênero, raça e muitas questões da sociedade contemporânea não poderia ser água com açúcar. No fim, permanece o questionamento: em meio a pós modernidade e relacionamentos líquidos permitir-se apaixonar é um ato revolucionário?


LGBT+ Nur für über 18-Jährige.

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Momentos Emprestados

Eaí, blz? Ta afim? Tenho local.

*fotos do pênis*

一 Arhg... Até quando vou me prestar a ficar nesse cardápio humano? 一 Victor pensou alto enquanto bloqueava o perfil que acabara de lhe enviar mensagens e cinco fotos do pênis. 一 Ninguém vem com oi. É só tenho local, bora foder...

Ele parou diante do aplicativo de mensagens destinado a encontros do público gay que, por senso comum de seus usuários, era majoritariamente utilizado para marcar encontros sexuais e, até mesmo, como catálogo para garotos de programa.

Na tela inicial apareciam perfis de pessoas próximas que, na maioria, mostravam apenas fragmentos de seus corpos, como abdomens, bundas, peitos e coxas. Realmente era um cardápio, afinal ele escolhia o que queria comer e mandava mensagem. Praticamente um açougue, afinal, era através do corte da carne que a atenção seria chamada. Eram raros os perfis que mostravam os rostos, assim como Victor o fazia.

Tudo na atualidade é baseado na velocidade, inclusive os relacionamentos. São movidos à pressa, ao desejo. Não há tempo para descobrir as nuances do outro. Sempre segue aquele mesmo joguinho de falta de interesse, disputando para ver quem consegue passar mais tempo ignorando o outro para se mostrar mais independente. Nunca era uma disputa de quem se empenhava para dar certo e isso Victor não conseguia entender. Estava cansado de não viver mais que apenas um momento íntimo com desconhecidos.

Ele passeou pelo aplicativo, correndo com o dedo na tela e o empurrando para cima, de modo que os perfis mais distantes começaram a aparecer, contudo o mesmo padrão se mantinha. Uma bunda aqui, uma coxa acolá. Um título foder agora ou dotado dominador.

Vez ou outra aparecia alguém que se diferenciava. Fosse por usar uma figura engraçada, como foto de perfil, ou por simplesmente dar a cara a tapa. Mas, no fim, as conversas ali sempre fluíam para o mesmo assunto. Talvez ele estivesse tentando fazer uma flor nascer em meio ao concreto seco.

Outras mensagens chegaram, novos convites, mais fotos de pênis e nádegas arregaçadas para a tela. Quase sempre o primeiro contato visual que se tinha era dos órgãos sexuais. Foram raríssimas as vezes que, inicialmente, lhe mandaram uma foto de rosto. Ele se sentiu acometido pela preguiça e revirou os olhos, não tinha mais paciência para aquilo.

Estava cansado de simplesmente chegar, se emprestar por alguns momentos a outra pessoa e depois a ver indo embora para nunca mais. Vez ou outra a encontraria em alguma festa, na universidade ou, até mesmo, no mercado do bairro e teria que fingir que nunca a tinha beijado, que nunca havia transado com ela. Tinha que fingir que aquele corpo nunca havia se despido para ele. Chegava a ser engraçado quando encontrava com algum sigiloso acompanhando pela namorada.

Ter de fingir costume em meio a falsa moralidade e seguir adiante sem falar era muito cansativo. E mais uma vez o ciclo iria se cumprir e ele acabaria indo para um outro encontro. Um novo desconhecido que seria seu mundo momentaneamente. Um sexo rápido e sem gosto num banheiro público, ou talvez numa praça. Quem sabe um sarro no carro de um desconhecido interessante. Esses encontros eram tão vazios quanto o desejo.

Era uma simples resposta de seu corpo, de suas vontades. Era a libido que prendia uma coleira no pescoço e o botava para andar de quatro, tornando-se submisso aos impulsos e ao tesão. Às vezes era bom, afinal é gostoso sentir prazer, mas tinha situações que era tudo tão medíocre e vazio que uma noite chorando seria mais agradável. Fora que, ao acabar, ninguém se reconhecia mais no outro.

Quando possível ainda tomavam, juntos, um banho para limpar o gozo derretido e de odor inconfundível, quando não, apenas uma passada de papel ou lenço para tirar o excesso e uma despedida tão fria quanto poderia. Não passava de uma fagulha de afeto. No começo, um ajudava o outro, tirava as roupas, beijava, mas no fim, parecia uma transação comercial. Apertos de mão ou abraços rápidos acabavam por serem tão ou mais recorrentes que um beijo na boca.

Ele não seria hipócrita e julgar tal comportamento. Já tivera experiências do gênero, na verdade, até mais que talvez gostaria de citar. Já fora usado como um orifício de prazer para alguém, como também, estivera do outro lado e, também, agira como um idiota. São coisas que fizeram parte de sua construção de vida, de sua sexualidade e de seu entendimento sobre o que lhe faz bem ou não.

É complicado ter que lidar com a questão física como se fosse um assunto banal enquanto o emocional sempre precise ser suprimido. Ninguém quer saber de um homem chorão e emotivo. Desde quando era um garoto sempre foi condicionado a lidar com seu corpo, com seus desejos. Ele seria um pegador, era bonito, afinal. Era sempre muito natural que tivesse desejo. Mas e seus sentimentos, o que ele deveria fazer além de escondê-los numa caixinha e fingir que não existiam?

Esse cenário consegue ser ainda mais destrutivo quando se é preto. Como se já não fossem suficientes os preconceitos vomitados pela sociedade em vários contextos, há fortemente na comunidade gay, uma dualidade entre exclusão e hipersexualização dos corpos pretos. É sempre aquela velha história da expectativa de um pau gigantesco ou dele ser uma máquina de sexo que não se cansa e que está sempre disponível para transar. Isso é, quando não se chocavam ao saber que ele não era apenas ativo ou quando ele dizia não curtir fetiches mais violentos ou extremos. Ele já não tinha mais cabeça para lidar com essa bagunça no momento em que vivia atualmente.

Ah, foda-se, cansei dessa bosta! Vou instalar o Tinder, vai que aparece alguém legal para conversar.

Ele levantou e encarou a desordem do quarto. A cama de casal detinha um lençol tão amarrotado que talvez os vincos nunca mais sumissem, nem mesmo sob o ferro de passar mais potente. A estante com os materiais da universidade tinha tanta poeira e papéis amassados quanto livros, xérox e apostilas. O lixeiro, de tão cheio, vomitava embalagens no chão. Por fim, Victor decidiu que se daria uma folga até mesmo do ambiente.

Passara o dia inteiro estudando para a prova teórica de alimentos e bebidas 4, no entanto, naquele momento, ele já não tinha mais cabeça para ler sobre os componentes químicos do ovo. Havia dado uma pausa para mexer no celular, mas, depois de mais uma chuva de paus e bundas, acabou por desistir até mesmo disso e foi atrás de fazer um lanche.

Passou pelo corredor, rumando a cozinha, mas sua chinchila de estimação fez barulho para chamar a atenção. Aparentemente queria sair do castigo. Ele riu e foi até à gaiola de grades brancas.

一 Pronto Chicória, vou deixar você sair do castigo, mas não faça eu me arrepender de novo. Não vá roer o cabo do meu carregador pela milésima vez, por favor. 一 Riu outra vez, pegando o animal e lhe fazendo carinho abaixo da mandíbula. A chinchila empertigou-se, ficando quietinha enquanto o rapaz lhe acariciava, aninhando-se na mão gentil dele.

Ele a encarou com todo o afeto que cabia no peito, não conseguindo segurar o riso bobo. Victor era maravilhado com o quanto ela era diferente. A pelagem dela era preta e uniforme, exceto por uma região no lombo próximo à sua bunda em que tinha uma mancha cinzenta em formato de coração. Ela era tão especial quanto poderia, fora marcada pela vida com esse sinal no corpo, mas, além disso, não tinha sua visão. Os olhos eram leitosos e quase lhe renderam a eutanásia por ela não ser vendível, mas Victor não permitiu que seu destino fosse esse.

Ele a soltou, deixando que corresse livremente pela sala do apartamento em que, atualmente, morava apenas com ela. A roedora parecia um borrão escuro de tão rápido que corria. Ele nunca conseguiu entender como Chicória não se batia em nada, mas achava isso engraçado. Ele foi para a cozinha em busca de um café e de uma tapioca com brócolis e queijo de inhame.

Há pouco mais de três meses decidiu seguir uma dieta vegetariana e, por isso, vinha testando novas soluções na cozinha para lhe ajudar em seus processos de redução e substituição dos produtos animais, por almejar o veganismo. O queijo tinha sido a última experiência maluca que deu certo.

Colocou no YouTube a playlist destinada à cozinha que variava entre diversos estilos musicais ao ponto que, de uma faixa para outra, poderia sair de Tim Maia para Lana Del Rey. Primeiro lavou as louças acumuladas, passando a preparar a refeição enquanto cantarolava junto a Djavan. Estava sendo um sábado leve, embora o fim de período sempre fosse um momento estressante. Ele não queria estragar a tranquilidade que estava sentindo, então, por hora, se concentraria apenas na comida e não daria voz às preocupações.

Ali ele havia desistido de estudar pelo restante do dia. Iria se dar uma folga, ver um bom filme de comédia ou tirar o atraso daquela série que havia deixado de lado semanas atrás. Pediria uma pizza com bastante queijo e ficaria de boas, curtindo sua própria companhia, estava cansado de ceder ao tesão e chamar alguém para um sexo delivery e ficar se sentindo desconfortável depois.

4. Juni 2021 00:16 0 Bericht Einbetten Follow einer Story
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