Tentando encontrar um parâmetro mais definido sobre os sentimentos da jovem Linda, relacionados ao seu casamento com Sílvio Agnaldo, pode se narrar os fatos baseados nas frustrações corriqueiras e comuns a toda hora, de todos os tamanhos e formas, objetivas no viver doméstico, ou subjetivo no sentir os sentimentos sempre a inundando por dentro em torrentes de arrependimentos carregados de culpas por causa do pecado; de acordo com o que diariamente ela ouvia do pregador no púlpito; o suor dele escorrendo o rosto aos berros, a bíblia entrincheirada na sua mão esquerda, enquanto na outra, os dedos em riste apontados para uma congregação assustada, com os olhos vidrados no seu gesticular agitado, a voz do pastor ficando cada vez mais falhada, intercalada nos goles d’água, e rouca diante das mensagens, das normas e da doutrina sabiamente ensinada a favor do testemunho que dizia que um membro de igreja só poderia se relacionar com outro da mesma congregação.
E assim foi com a jovem Linda; pré-adolescente, visitando pela primeira vez a Igreja Genuína dos Filhos do Altíssimo, conduzida até ali por uma amiga da escola que havia narrado o próprio testemunho no intercalar das aulas, e que por bastante tempo ficou incrustado na sua alma de boa menina.
Aos treze anos de idade a jovem Linda já se sentia extremamente impotente diante do alcoolismo do pai truculento e sempre embriagado, que quando não estava em roda dos amigos bebendo ao varar da noite, ficava caído no chão molambento à porta do mesmo bar. Quando o salário recebido recheava o bolso do senhor Nivaldo, curiosamente uma amnésia temporária o acometia, fazendo-o se esquecer dos compromissos que tinha em forma de faturas, cobranças ao pé da porta, e até o pagamento do leiteiro era postergado diante da sua fidelidade aos prostíbulos da região.
Nesses respeitosos ambientes, o pai da jovem Linda desaparecia por vários dias seguidos, às vezes ele faltava alguns compromissos, pois enquanto o fruto da sua labuta mensal de cobrador de ônibus não evaporava em forma de singelos sorrisos nos rostos das incansáveis operárias, o pai não retornava pra casa.
Dessa forma eram rotineiras as contendas com a esposa frequentemente abandonada diante das responsabilidades de casa, testemunhando a filha comprometer seu futuro na diluição emocional que absorvia grande parte de sua energia mental frente aos estudos, sem contar as cobranças conjugais aos gritos, as ameaças de separação repetitiva, e os julgamentos simultâneos de atos certos e errados adentrando madrugada a fora.
Assim todo esse emaranhado sufocante, palpitante no peito já amargurado de anos, pouco a pouco convenceu a jovem Linda que, dedicar mais tempo esfolando os joelhos em oração seria bem mais proveitoso do que ficar ao pé da porta, fibrilando tentativas e pulsões de interferir nas brigas.
Em primeiro lugar a jovem Linda se firmou na igreja, depois sua mãe começou a acompanhá-la aos finais de semana, e em seguida, um bom tempo depois, o pai começou a frequentar as reuniões.
E com a frequência nos cultos e conforme o peso das nádegas sobre o assento ia delineando um ouvir cada vez mais sensível às sutilezas apreendidas nas mensagens do evangelho, o coração familiar foi se pacificando aos poucos, acalmando-se da torrente nervosa no sentir com desprezo o outro, principalmente diante dos ódios gratuitos estimulados pelo alto teor alcoólico circulando nas veias o poder destruidor dos consentimentos que outrora foram construídos em meio a raríssimos diálogos conscientes.
Agora todo esse emaranhado febril tratado ruía dia após dia num desmoronamento prazeroso, e não sutilmente apresentado como o testemunho vivo no meio de uma congregação cada vez mais ávida por experiências genuínas do poder de Deus evocadas pela voz do pastor: estimulando todos para o bem comum, convergindo desta forma todo e qualquer jugo desigual, seja na esfera da mente ou na emocional; em atitudes convidativas, benignas de se sentir até nas entranhas, ou apelativas o suficiente para atrair sempre mais gente disposta a propagandear a sua religião.
Desta forma, com o passar dos meses, de fato a jovem Linda procurou se ocupar cada vez mais nas atividades demandadas pela congregação.
Por exemplo: na organização do voluntariado responsável pela evangelização que percorria os bairros, realizando telefonemas para os irmãos desviados, e até na procura insistente, indo atrás de alguma estrela eminente: seja um cantor famoso, um pregador em ascendência, ou mesmo alguém — ainda que desconhecido — que possuía um testemunho forte o suficientemente para apertar um pouquinho mais a coleira invisível enlaçando o pescoço de cada um dos fiéis.
Sem contar o que já foi dito, a jovem Linda ainda era a responsável pelo abastecimento do púlpito com a água, com as canetas e os papéis para a realização dos pedidos, no recolhimento das ofertas, dos dízimos, pela organização das mesas e cadeiras após o culto e, — na ausência de outros voluntários na noite — a limpeza geral do salão até o horário que antecedia o apagar das luzes.
Para trás ficaram as brincadeiras de rua tumultuadas pela garotada correndo soltas às gargalhadas, findaram as festinhas com os amigos e as confidências apaixonadas, e a partir de então a jovem Linda redirecionava ao presbitério todas as perguntas existenciais que antes direcionava apenas aos pais.
Mas com o passar do tempo ela começou a sentir incômodos rotineiros que aos poucos começaram a somatizar alergias diversas pelo seu corpo inteiro, por fim gerando uma angústia de ser que nenhum remédio receitado ou tampouco a mais potente oração em forma de jejum davam algum jeito.
O pastor a orientava:
“Pra Deus te ouvir, minha filha, você precisa se consagrar mais”.
Mas esse quadro só começou a mudar quando certa noite a jovem Linda viu Sílvio Agnaldo — um rapaz novo, aparentando não ter mais do que dezessete anos de idade — adentrando a igreja com todas as recomendações dos irmãos da igreja da cidade de São Paulo.
Assim que o pregador da noite apontou no púlpito, Sílvio Agnaldo se ajeitou no assento, a bíblia a tiracolo, e logo em seguida se sequestrou nas orações, na eloquência da voz do pregador, guardando no coração tudo que o pastor fazia e que consequentemente mais arrancava gritos de glórias e aleluias lá do meio da sua congregação.
Depois, dentro da bíblia, — por assim dizer — contendo folhas soltas e as bordas arregaçadas; o rosto do garoto perdeu-se em meio às páginas à procura de pequenos espaços em branco, ou livres o suficiente para acomodar as brilhantes anotações de saber outrora ouvidas do púlpito, passando a rabiscá-las freneticamente com alguma de suas canetinhas coloridas a encher-lhe o bolso.
Na época, bem que os irmãos da igreja profetizaram...
“Esse jovenzinho será um grande homem de Deus!”.
...e também acertaram.
Continua...
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