u15514544731551454473 Luiz Fabrício Mendes

Jorge mal pode se conter. Ele acabou de passar no vestibular! O curso que tanto queria, inclusive: História. A perspectiva de deixar a casa dos pais para estudar fora, ainda por cima na distante cidade de Franca, interior de São Paulo, o assusta, no entanto. E o rapaz verá que seus problemas estão apenas começando quando, ao retornar da faculdade numa certa noite, é atacado por um espadachim misterioso do qual só ouvira falar em seus livros de História. Mal sabe que está caindo de pára-quedas na chamada "Guerra do Cálice Sagrado". Mais que isso, uma disputa de supremacia entre famílias de magos que remonta a muitos séculos no passado... História baseada na franquia Fate. (Capa por Akemi)


Fan-Fiction Anime/Manga Nicht für Kinder unter 13 Jahren.

#assassin #magia #magos #mitos #mitologia #épico #lendas #heróis #história #lutas #mágica #saber #Fate-Stay-Night #Nasuverse #batalhas #Guerra-do-Santo-Graal #Caster #Lancer #Archer #Berserker #Rider #Franca #Unesp
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Prólogo

Notas do autor:


1 - Esta fanfic possui como cenário uma versão romanceada da cidade de Franca - SP, Brasil. Embora muitos dos acontecimentos e locais descritos no enredo sejam pautados em suas contrapartes reais, as famílias de magos, nomes e eventos relacionados a elas descritos nesta história são fictícios, e qualquer semelhança com a realidade não passa de mera coincidência.
2 - Assim como a visual novel original de Fate/Stay Night, esta história possuirá três rotas, ou seja, três versões diferentes entre si de uma mesma base de enredo. Esta primeira versão da fanfiction cobrirá a primeira rota, chamada Desejo. As demais serão escritas após o término da presente.


Fate/Supremacy


“Como eu poderia ter idéia deste meu destino ao me mudar para essa desconhecida e misteriosa cidade? Três colinas... Três famílias de magos. E uma guerra sangrenta pela invocação do artefato capaz de realizar qualquer desejo...”


Prólogo


Este é um relato de cinqüenta anos atrás... Mas ele ainda corre vivo em minha mente como se houvesse ocorrido ontem...

O grande paquiderme agonizava junto ao chão, ofegante. Um sangue grosso, fruto da hemorragia interna que sofria, escorria de sua boca aberta e estática, manchando suas compridas presas de marfim e escorrendo pelo asfalto. A massa do animal, em meio à rua, se assemelhava à de um gigante mitológico tombado. A escuridão da noite, sob o esparso brilho do luar minguante, permitia a um observador distante identificar apenas o volume derrubado do mamífero, mas caso alguém ousasse chegar mais perto... veria diversos projéteis fincados por todo seu corpo, chegando às dezenas... Flechas enterradas em sua pele enrugada e cinzenta, perfurando sua carne e lhe trazendo a morte. E o mais espantoso era que, ao olhar atento, nenhum dos disparos aparentava ter errado o alvo.

Havia alguém de pé junto ao elefante. A armadura e o elmo que usava, o metal destes refletindo lampejos pálidos em meio à penumbra, levemente prateados, revelavam se tratar de alguém totalmente fora de seu tempo original. A tez morena de homem da costa sul do Mediterrâneo combinava com seus traços faciais fortes e sérios, além dos músculos bem-cultivados. Por baixo de seu peitoral forjado podia-se ver partes de uma túnica bege, as sólidas pernas estando nuas e os pés metidos em sandálias da época dos Césares. Apesar de manter-se firme sobre estes, mais de perto se podia notar no indivíduo um leve tremor corporal, além da face paralisada, com olhos sem piscar e lábios retraídos... dos quais pingavam alguns filetes de sangue. Via-se, assim como no paquiderme, flechas fincadas em si. Três ou quatro, na região do peito, tendo perfurado sua armadura como se seu material não passasse de papel. Possuía incrível resistência para ainda não ter caído ao menos de joelhos, sem contar sua força de vontade. Bem, desta nunca fora possível duvidar. Afinal, em vida, aquele homem percorrera os Alpes nas mais contrárias condições para atacar os inimigos que ameaçavam sua pátria...

- Não deveria subestimar o poder de meu servo, Rider... – afirmou, numa voz em tom triunfante, uma figura feminina diante do animal e homem expirantes.

O vulto em questão era o de uma mulher jovem, cerca de vinte anos, corpo dotado de belos contornos. Os cabelos castanhos compridos e encaracolados lhe caíam até os ombros, seu busto e quadril avantajados. Olhos verdes. A pele era muito clara, coberta por uma blusa de lã azul, calças marrons de algodão e pés calçando sapatos de salto alto finos e caros. Estes haviam sido manufaturados por sua própria família. Era sabido que, além de exímios magos, os Petruglia constituíam os mais tradicionais fabricantes de calçados de Franca. Daniela, como se chamava, nunca tomara parte direta no processo de confecção, mas seus pais lhe revelaram logo cedo que alguns truques mágicos eram utilizados para favorecer o produto final. Não era à toa que há alguns anos eles haviam começado a exportar. E pensar que tudo era feito numa oficina nos fundos de sua casa...

Talvez as outras duas famílias de conjuradores na cidade nunca houvessem ousado entrar no ramo devido justamente à excelência dos Petruglia. Caso um dia entrassem, sabiam que seriam facilmente superados...

- Daniela, você está divagando de novo?

A voz masculina partiu do lado direito da jovem, onde uma outra silhueta logo surgiu. Esta no entanto era alta, forte e bem mais imponente do que a da maga iniciante. O corpo encontrava-se coberto, da cabeça aos joelhos, por uma capa verde dotada de capuz. Apenas os pés encontravam-se totalmente à mostra, metidos em velhas botas marrons. O pouco do rosto do personagem que podia ser visualizado mostrava uma pele clara, alguns fios de cabelo loiro sobre a testa e um cavanhaque envolvendo a boca na mesma cor. Às suas costas, o homem trazia um grande e bem-cuidado arco, sua estrutura eximiamente esculpida na mais nobre madeira. Junto a ele, uma aljava de pano continha vasto número de flechas, preenchendo todo o espaço disponível. Como se seu portador não houvesse utilizado nenhuma até o momento.

- Apenas por um instante... – respondeu a mestre, abandonando os pensamentos distantes que freqüentemente invadiam sua mente nos momentos mais impróprios. – Vamos terminar logo com isto!

- Já está terminado... – o loiro murmurou, apontando sutilmente para frente com o queixo.

Olhando na mesma direção, Daniela notou que uma nova fonte de luz clareava a noite. Ela provinha do elefante e do homem de pé junto a ele, que, fragmentando-se em pequenos pontos brilhantes, desvaneciam como se sua existência naquele plano fosse subitamente revogada. O indivíduo moreno, no entanto, ainda teve tempo de pronunciar algumas firmes e lúcidas palavras:

- És mesmo valoroso guerreiro, senhor de Sherwood! Não há quem possa escapar de sua emboscada em meio às árvores da floresta que tão bem conhece!

- Foi uma bela luta, "Graça de Baal" – respondeu o servo da maga Daniela Petruglia. – Também provou sua coragem e sua exímia habilidade com uma montaria. Que seu espírito possa repousar em paz até ser invocado novamente.

- Eu ao menos tombo numa terra onde no passado pisaram meus antepassados... Vencido por um arqueiro de uma ilha em que seus nativos também lutaram contra o domínio da águia romana. E assim me despeço...

Assim falando, Hanibal Barca terminou de desaparecer, junto ao paquiderme que tão bem lhe servira em combate – apesar de não ter sido páreo para o "Fantasma Nobre" de Archer. Daniela agradeceu aos deuses pelo confronto ter ocorrido de forma rápida e sem testemunhas. O lugar escolhido fora os arredores da Estação, não muito longe de sua casa, justamente no topo da colina em que predominava sua família. Após o trem da meia-noite, os arredores, pouco povoados, costumavam ficar ausentes de transeuntes indesejados, e a pouca iluminação pública contribuía para que nenhum curioso conseguisse ver algo com clareza sem ter de chegar muito perto. Mais uma luta vencida, sem testemunhas a serem silenciadas por feitiços de eliminação de memória ou enviadas aos cuidados do árbitro da guerra. Nem mesmo o mestre de Hanibal se encontrara presente, demonstrando mais uma vez que na família Piemonte só existiam covardes... Ao menos isso facilitara sua vida.

A maga suspirou. Rider fora o quinto servo a ser eliminado, só restando agora dois, contando Archer. Ou seja, existia somente mais um mestre a ser enfrentado, justamente o que mais preocupava Daniela. O representante da família Percival. O clã que dominava magias de materialização tão bem e que trouxera a Guerra do Cálice Sagrado para aquelas terras...

- Sabe, Robin, algo que Hanibal disse antes de desvanecer me esclareceu algo... – falou a mestre colocando-se a andar, procurando não pensar, ao menos no momento, no grande desafio que tinha pela frente.

- O que exatamente? – indagou o servo, assumindo sua forma espiritual, invisível a terceiros, enquanto acompanhava a moça.

- Ele afirmou estar satisfeito por morrer numa terra em que pisaram seus antepassados... Isso revela que os fenícios realmente chegaram ao litoral do Brasil na Antigüidade, e que o mestre da família Piemonte, seja quem for, utilizou algum artefato antigo oriundo de Cartago como catalisador na hora de invocar Hanibal...

- Um artifício sábio. Porém esse mestre terá agora de recorrer ao clérigo naquela igreja para não ser ceifado pelo mago dos Percival... Isso se a fama de carniceiros que eles possuem realmente tiver fundamento...

- Acredite, tem sim... – suspirou a maga, dobrando com Archer uma esquina no caminho para sua casa. – Não queria dizer isso, mas... estou com medo, Robin. Alguns de meus antepassados morreram lutando contra essa família. Eles são cruéis e não medem esforços, quaisquer sejam, para conseguirem o que querem. No início minha linhagem, quando se transferiu para Franca, era pacífica e amigável, tendo de se isolar e rudimentar seus métodos justamente para conseguir resistir aos Percival...

- A barreira anticomércio faz parte dessa estratégia?

- Sim, faz. Admiro suas deduções.

Enquanto os Petruglia sempre se ocuparam com a manufatura de calçados, os Percival, instalados na colina central da cidade, desde cedo se dedicaram às atividades comerciais e prestação de serviços. Possuíam lojas, armazéns, pensões... Tudo lhes sendo fonte de incrível lucro, o qual empregavam numa vida extremamente luxuosa e nos mais sofisticados métodos e materiais necessários para a prática de magia. Não era à toa que haviam sido eles, através do contato com os estrangeiros Einzbern, os responsáveis pelo aperfeiçoamento da técnica de invocação do Graal. Os componentes materiais requeridos eram raros e assim caríssimos, totalmente inacessíveis a um mago sem vastos recursos financeiros. Os Percival, porém, os tinham. E se aproveitavam dessa vantagem para humilhar e subjugar pela violência as outras duas famílias sempre que tinham oportunidade.

Estas, por sua vez, foram obrigadas a "descer o nível" para lidar com tal opressão. Foi assim que, durante uma aliança momentânea cerca de quinze anos antes, conjuraram, em segredo, em torno de Franca, uma barreira mágica cujos efeitos prejudicavam o funcionamento do comércio e serviços na cidade, visando assim atingir diretamente os Percival. Os efeitos, no entanto, não prejudicaram muito a família, que logo descobriu o esquema e passou a remover o feitiço. Os Petruglia e Piemonte, porém, sempre voltavam depois e re-conjuravam a barreira, num ciclo que vinha durando até aquele momento. Ainda que não conseguissem dar grande prejuízo aos Percival, ao menos era um trunfo que possuíam contra eles.

- Ai, ai...

Diante do suspiro de sua mestre, o servo Archer inquiriu, olhar sereno:

- Ainda atordoada pelo fato de ter de enfrentar o mestre restante, Daniela?

- Sim... – replicou a maga desanimada, lançando um olhar para trás, onde, sobre a colina central da urbe, a imponente torre da catedral marcava o território da família inimiga. – É o único participante da guerra do qual não temos informação alguma, seja do mestre ou do servo. Espero que Morgana retorne com alguma informação...

- Ela retornará – sorriu o loiro de capuz. – Seu plano para sondar o centro da cidade mostra-se bastante cuidadoso e eficiente. Pela manhã, talvez, nós já tenhamos algo concreto.

- E também estou preocupada com você... Seu Fantasma Nobre consome prana demais, ainda mais por fundir duas realidades. Pensei até que o perderia quando resolveu usá-lo...

- Não sou imprudente, minha dama. Se o utilizei, é porque sabia ter energia mágica suficiente para isso. Hanibal foi derrotado rapidamente graças a ele, não foi? Mas sim, reconheço que as forças que me restam neste instante são poucas. Necessito que meu prana seja restaurado...

- Eu o farei assim que chegarmos em casa, Archer... Será o merecido descanso que coroará esta noite marcada pela vitória... Nossa vitória.

Súbito, Daniela parou. O servo levou alguns passos antes de também se deter e perceber que a maga não mais o acompanhava. A rua, com exceção da presença de ambos, encontrava-se deserta, o calçamento de pedras revestido por pálido manto luminoso em meio à madrugada que avançava. Postes incertos lançavam focos dispersos de claridade aqui e ali, e não havia qualquer sinal de pessoa ou veículo. Imóvel, olhos fixos em Archer, a jovem venceu então a curta distância que a separava do servo, este também fixando suas pupilas azuis nas verdes da mestre... E, com seus corpos se enlaçando e trocando calor, as bocas uniram-se num desejado e prolongado beijo.


X - X - X


Varre, varre, varre, varre, varre, varre vassourinha!

Varre, varre, a bandalheira!

Que o povo, já está cansado

De sofrer dessa maneira

Jânio Quadros é a esperança desse povo abandonado!


Daniela virou pela cama para um lado, para o outro... Escondeu a cabeça embaixo do travesseiro, comprimiu os ouvidos... mas não conseguiu dormir mais. Como odiava época eleitoral! Aquelas malditas Kombis rodavam Franca inteira, até os bairros mais afastados como a Estação, com alto-falantes ligados enfiando nos ouvidos de todos os terríveis jingles dos candidatos. Esperava que aquilo terminasse logo, com vassourinha ou não...

A maga, seminua embaixo dos lençóis, virou-se de novo para o outro lado da cama... Deparando-se com a figura de Archer, peito descoberto e músculos definidos à mostra, sentado sobre a cama com o resto do corpo despido imerso nas cobertas. Ajeitando os curtos cabelos loiros com uma mão, com a outra acariciou o rosto da mestre, perguntando:

- Dormiu bem?

- O suficiente para recuperar minhas energias... – ela respondeu em meio a um bocejo. – Espero que ontem eu tenha recuperado as suas também...

- Recuperou sim. Estou pronto para mais uma luta, minha dama.

A moça levantou-se e, diante do espelho sobre a bonita cômoda do quarto, arrumou brevemente o cabelo, para então abrir algumas gavetas e apanhar as roupas que usaria aquele dia, tirando assim a camisola com a qual dormira. O servo, enquanto isso, também se pôs a andar assoviando pelo quarto, pegando seus trajes e a capa, que deixara pendurados perto da porta, e igualmente se vestindo. Nisso, pelo reflexo do espelho, Daniela pôde visualizar, inserida no céu nublado do lado de fora, uma figura alada singrar o ar e, abrindo suas imponentes asas marrons e brancas, empoleirar-se junto ao parapeito da janela do cômodo. Era uma coruja, que ali permaneceu girando seus olhos pelo interior do recinto. Já os da maga, por sua vez, brilharam ao vê-la, exclamando:

- Morgana! Ela voltou!

Ela em seguida avançou correndo até o animal, Archer, após terminar de se vestir, também se aproximando num sorriso. A ave nem sequer se incomodou com a presença dos dois, afinal não era uma criatura comum, e sim a familiar de Daniela. Um animal mágico por ela enviado à colina central da cidade para espionar as atividades da família Percival. E agora constataria se o estratagema gerara ou não resultados.

Estendendo uma das mãos, a jovem pousou sua palma sobre a cabeça de Morgana, fechando os olhos e concentrando-se... Segundos depois, com seu outro punho fechado, pronunciou as seguintes palavras, em língua germânica:

- Meine vertraut, ein Teil von mir, zeig mir, was Sie gesehen haben!

Uma breve luz emanou da mão da maga e da região da cabeça da coruja por ela tocada, ofuscando inclusive os olhos de Archer... E, quando sumiu, Daniela imediatamente retraiu o membro, olhos fixos no vazio como se estivesse numa espécie de transe... Até que tornou a piscar e relaxou o corpo, concluindo a tarefa. Permaneceu com a cabeça baixa durante algum tempo, respirando pesadamente, o servo apenas a observando em silêncio. Ela então subitamente levantou a face, que ostentava agora um aliviado sorriso. O plano, pelo jeito, tivera êxito.

- Ela descobriu, Robin – revelou a moça. – Morgana descobriu o último mestre. Ou melhor, "a última".

- Como assim?

- A maga deve ser um tanto inexperiente, pois não conseguiu ocultar seu prana durante todo tempo. Minha familiar, graças à sua ligação comigo, pôde detectar a presença forte de um mestre no coração da colina. Espreitando os arredores, logrou determinar quem é. Trata-se de uma jovem noviça no Colégio Nossa Senhora de Lourdes, logo atrás da catedral. Talvez os Percival devam ter julgado ser um esquema inteligente ocultar sua mestre num internato, ela só saindo para lutar com seus oponentes. Bem... acho que agora ela receberá uma adversária em seu próprio terreno!

- Algo perigoso, devo salientar – observou Archer. – Confrontar um inimigo em seu território costuma ser algo arriscado e desvantajoso. Ela pode ter revelado seu prana justamente para atraí-la até uma armadilha. Todavia, nas atuais circunstâncias, julgo ser a estratégia mais viável, ainda mais se conseguirmos pegá-la de surpresa. Não subestime a aparência dessa mestre, no entanto. Apesar de muito nova, pode acabar se tornando difícil oponente.

- Eu jamais subestimo os Percival, Robin... – murmurou Daniela, ao mesmo tempo em que Morgana erguia curto vôo e pousava num de seus ombros. – Jamais.


X - X - X


A noite de sábado caiu na cidade de Franca.

A missa na catedral durou, para Daniela, mais do que deveria. Não era uma pessoa muito simpatizante da religião cristã, ainda mais da católica. As origens italianas de sua família carregavam alguma devoção a esse culto, mas, desde que seus antepassados passaram a praticar magia e foram perseguidos pela Santa Inquisição, seus descendentes não podiam dizer que caíam de amores pela Santa Madre Igreja e suas práticas, ainda que o árbitro da Guerra do Graal fosse sempre um representante do clero. Sentada num dos últimos bancos do imponente templo, perdida em seus pensamentos, Archer acomodado ao seu lado e invisível às outras pessoas, a maga ignorou quase totalmente o sermão do padre falando do "perigo comunista" que rondava o Brasil nos últimos tempos – única parte da celebração que não era em latim – e imitou quase mecanicamente todos os movimentos realizados pelos demais fiéis ao seu redor, como se sentar ou levantar-se e os gestos durante as orações.

Às nove da noite, para seu alívio, a missa terminou, os fiéis dirigindo-se tranqüilos até suas casas, botando o papo em dia pelo caminho. Ela, no entanto, permaneceu no banco, atenta a tudo e todos ao redor. Focava-se mais precisamente no grupo de freiras trajando hábito branco e preto, crucifixos pendurados junto ao peito, que haviam assistido ao rito nos bancos mais próximos do altar e agora, em fila, organizavam-se para deixar a catedral. O fato de rumarem para os fundos do templo, ao invés das portas frontal ou laterais, era um indicativo de que o rumor que Daniela ouvira era verdadeiro. Sentiu-se aliviada por isso: caso não fosse, o plano que passara elaborando com seu servo ao longo de dois dias teria de ser totalmente revisto. Esse, felizmente, não era o caso. Teriam agora apenas de seguir com o combinado.

A maga aguardou até que o templo se esvaziasse por completo e um dos coroinhas se deslocasse para fechar as portas, quando finalmente se levantou do assento e pôs-se a andar, com Archer, pela nave central da igreja, indo em direção ao altar, onde se via uma imagem de Nossa Senhora da Conceição que parecia sondar o interior do local com seus olhos fixos e manto azul e branco. O garoto estava prestes a selar a entrada da frente... quando um pássaro, que julgou ser um morcego, voou através dela, assustando-o, e ganhou o vasto interior da construção, indo pousar justamente num dos ombros da garota que ficara para trás. A coruja Morgana. Agora o trio estava completo.

Disfarçadamente, Daniela gastou algum tempo caminhando pelas imediações do altar, o coroinha logo passando a ignorá-la e se recolhendo para os fundos da catedral com o intuito de trocar de roupa e ir embora. A maga aguardou mais um pouco; seu servo, junto ao primeiro banco de uma fileira, demonstrando certa impaciência... Até que, decidida, a jovem tomou o caminho da sacristia, andando de forma a causar o mínimo possível de barulho. Atravessou um pequeno corredor, somente uma porta aberta... E por ela entrou.

O que ali viu contribuiu para tranqüilizar ainda mais seu coração disparado. Existia, no chão da sala repleta de armários contendo peças ritualísticas usadas durante as missas e uma mesinha em cujo topo havia uma Bíblia, um alçapão de madeira fechado com um pequeno cadeado. Era, sem sombra de dúvida, a entrada do túnel subterrâneo que ligava o interior da catedral ao coração do Colégio Nossa Senhora de Lourdes, situado a poucos metros de distância, externamente. Aquela passagem, de cuja existência Daniela até então só ouvira boatos, era usada há décadas pelas irmãs para se deslocarem entre sua instituição e a igreja sem terem de se expor aos olhares das pessoas na rua. As freiras que participaram da missa há pouco haviam adentrado aquele trajeto. A maga, agora, o usaria para penetrar no território inimigo na tentativa de não ser detectada por algum campo mágico de proteção ou encanto similar.

- Será que é seguro? – indagou Archer, inquieto.

- Tem de ser! – foi a resposta de Daniela, enquanto liberava o cadeado com um truque simples, suas mãos brilhando.

Os dedos da maga, em seguida, ergueram a tampa do alçapão, que se abriu num rangido cujo som tanto mestre quanto servo torceram para que não despertasse quaisquer atenções próximas. Ninguém veio, porém. A moça, logo depois, olhou para o escuro interior do túnel. Existia uma pequena escada de pedra, com início numa das bordas da abertura, que descia até lá embaixo. Pôs-se, com Morgana ainda em seu ombro, a vencer os degraus, acompanhada bem de perto por Archer. Ao término da descida, pisando com seus sapatos de salto o chão rochoso, Daniela constatou que mal podia visualizar qualquer coisa diante de si, o caminho mergulhado na mais completa escuridão – sem tochas, lâmpadas ou qualquer outro tipo de fonte de claridade. Resolveu isso rapidamente, entretanto: erguendo um dos braços, palma da mão aberta, murmurou, em alemão:

- Licht projiziert.

Um globo de luz, de tamanho similar ao de uma bola de futebol, foi projetado logo acima de seus dedos, a maga guiando-o adiante, iluminando o percurso, conforme andavam. O servo e a familiar não necessitavam de tal auxílio, mas julgaram-no bastante prudente para a mestre. Assim prosseguiram pelo túnel, passos ecoando através dele, enquanto esperavam estarem se dirigindo realmente até o colégio de freiras. O odor do lugar, remetendo a mofo e extrema umidade, mostrava-se bastante incômodo. Daniela perguntava-se a respeito de como as irmãs suportavam aquele ambiente sórdido somente para não precisarem ser vistas por pessoas de fora do internato, sendo que as mesmas freqüentavam as missas na catedral... Ou então realmente havia algo de muito errado ali.

Isso se tornou ainda mais certo quando o grupo atingiu uma bifurcação, o túnel ganhando uma passagem secundária que seguia para a direita. Ela possuía algo diferente, no entanto. Um outro tipo de odor, tão incômodo quanto o primeiro – senão pior – provinha do desvio. Daniela fungou, logo percebendo do que parecia se tratar... O cheiro era de decomposição, de putrefação. O mesmo exalado por cadáveres consumidos pelos vermes. Deveria haver algo – ou alguém – morto ali embaixo. E nunca a maga desejara tanto que não passasse de alguma ratazana ou gato...

- Robin... – ela chamou seu servo, temerosa.

- Diga, minha dama.

- Pode usar sua visão aguçada para enxergar o que há no final desse outro caminho, sem que precisemos percorrê-lo?

- Sua intenção é descobrir a passagem correta para chegarmos a nosso destino, ou simplesmente está intrigada?

- Um pouco dos dois...

- Espere, irei averiguar. Só espero que o caminho siga em linha reta...

Dizendo isso, Archer colocou-se parado de pé diante do desvio e, abaixando o capuz, passou a fitá-lo fixamente, estreitando os olhos. Permaneceu assim por alguns instantes... a expressão em seu rosto sendo alterada drasticamente, passando de uma sutil preocupação para traços sinceramente perturbados. Então voltou a se mexer e, voltando-se para a mestre, explicou:

- O que há no fim desse túnel é certamente horripilante... Mas acho que você deve ver também, Daniela. Suspeito estar associado à pessoa que procuramos...

A maga assentiu com certa relutância e, tremendo de leve, adentrou o trajeto alternativo, seu medo crescendo conforme o mau cheiro também se intensificava. Sentiu-se por um momento penetrando numa tumba maldita, estando ela a perturbar o descanso de corpos mortos em algum tipo de circunstância trágica. Mal sabia que sua suspeita possuía fundamento... Terrível fundamento.

O trajeto terminava numa espécie de cripta subterrânea, dimensões um tanto pequenas, não maior talvez que o quarto de Daniela em sua casa. Paredes de blocos de pedra, chão de lajotas desgastadas e úmidas. De algumas frestas saíam baratas e outros insetos que, notando a presença de estranhos, desapareciam rapidamente de vista. O odor de putrefação chegava ao ápice, e agora era possível observar o que o originava... Corpos. Corpos humanos, cadáveres podres e mortos de maneira cruel, como denunciavam as expressões de pavor em cada uma das faces deformadas, órbitas oculares congeladas eternamente numa expressão de profunda incredulidade. Todas mulheres, jovens. O pior era que nem ao menos se encontravam inteiras: mutilados, os organismos possuíam braços, pernas, cabeças e outros membros decepados e jogados à revelia pelo recinto, como se não passassem de restos de comida. E, com o propósito com que haviam sido eliminados, realmente não passavam disso. Comida. Comida para servos.

- Parece que a mestre daqui do colégio andou restaurando as energias de seu servo da pior maneira possível... – murmurou Archer que, como um representante de uma das chamadas "Classes Cavaleirescas", também se encontrava enojado diante de tamanha barbárie.

- Malditos Percival... – falou a maga em voz baixa, olhos chorosos. – Quem são estas garotas? Elas não parecem mais velhas que eu... E há quanto tempo será que esta matança vem sendo perpetuada?

Foi quando eles ouviram uma risada. Jovial, quase infantil, como se a autora não passasse de uma criança. Um riso cheio de zombaria, de traquinagem, mas que parecia ocultar em si imenso mal. Estremecendo, Daniela perguntou-se se o diabo não teria subido à superfície da Terra e assumido a forma de uma menina para praticar seus atos. Estendendo-se por alguns segundos, o som ecoou pelos túneis e subitamente desapareceu. Foi o suficiente, porém, para despertar na mestre de Archer seu profundo ódio pela família rival. Sabia que quem rira fora a última oponente a ser enfrentada, a conjuradora oculta nas paredes daquele internato e autora de tão mórbido massacre. Ela os estava provocando. E a moça não deixaria barato!

Num só impulso, Daniela pôs-se a correr de volta pelo túnel, rumando até o interior do colégio.

- Espere! – o servo tentou impedi-la, mas a mestre não lhe deu ouvidos. A única coisa que pôde então fazer foi acompanhá-la o mais rápido possível.

Os passos dos sapatos da maga pela passagem soavam duros, intensos. Os calçados machucavam seus pés, porém ignorava a dor diante da tamanha raiva que sentia. Logo encontrou uma outra escada de pedra ascendente, com novo alçapão. Dissipando o globo de luz, apontou um dos dedos indicadores para a tampa de madeira como se fosse o cano de uma arma e bradou:

- Impulsschuss!

Uma descarga de pura energia, de forma similar a um disparo de arma de fogo, partiu da ponta do dedo de Daniela, chocando-se com o alçapão e gerando pequena – e sonora – explosão. A invasora não se preocupava mais com discrição: tudo que importava agora era vencer a última mestre e encerrar aquela guerra de uma vez por todas. Lascas de madeira voaram por toda parte, uma pequena nuvem de fumaça, junto a um fumegante cheiro de queimado, alastrando-se pelos arredores. Ofegante, a jovem concluiu a subida pelos degraus. Estava dentro do colégio, mais precisamente numa esquina entre dois corredores, chão de azulejos e várias portas e janelas próximas. Através de uma das passagens, podia-se observar o pátio interno do prédio, com suas árvores frondosas ondulando ao sabor da brisa noturna. Foi nessa direção que a maga avançou, com Archer já em seus calcanhares.

Aturdida, quase não prestando atenção no percurso que tomava e prosseguindo, assim, de forma descuidada, Daniela teve de percorrer mais alguns metros – descendo por uma pequena escada de poucos degraus – e parar para recobrar o fôlego, antes de conseguir olhar em volta e examinar o ambiente que adentrava. O pátio interno do colégio de dois andares realmente se encontrava ali, rico em verde e garantindo um ar relativamente mais fresco aos arredores, sendo cercado por um corredor em forma de "U", repleto de pilastras. Este, dotado de inúmeras portas, tinha início numa parede possuindo um pequeno nicho luminoso azul onde havia uma imagem de Nossa Senhora de Lourdes, terminando, depois de dar uma volta quase completa em torno do espaço, num conjunto mais abundante de entradas que levavam a mais uma infinidade de caminhos obscuros. A mestre constatou se encontrar numa das dobras do trajeto, mais precisamente a primeira depois do início deste junto à estátua da santa. Tinha, assim, a opção de seguir à esquerda ou adiante. Olhou em volta um tanto confusa e já ia requerer novamente os préstimos do servo e sua visão avantajada, quando avistou uma figura preta e branca, vestindo aparente hábito e tendo nos pés sapatos, correndo pela extensão do corredor logo à frente de si. Um segundo de dúvida envolveu a mente da maga, durante o qual perguntou-se se seria quem procurava ou apenas uma outra assustada freira do local, quando a risada infantil e demoníaca, exatamente a mesma há pouco ouvida no subsolo, voltou a ressoar pelo recinto e em sua alma... fazendo com que tivesse certeza. Aquela era seu alvo. A mestre dos Percival.

Com os dentes cerrados, Daniela pôs-se novamente a correr, Archer sempre se mantendo próximo a ela... Até que a coruja Morgana, como se prevendo algo avassalador e hediondo, abriu suas asas e ergueu vôo, deixando o ombro da jovem ao qual até então permanecera fielmente agarrada. A mestre levantou um dos braços na tentativa de fazer a familiar retornar, porém foi em vão: sem qualquer menção de regresso, a ave desapareceu numa rota ascendente acima das árvores do pátio e em meio ao nublado céu noturno. Daniela sentiu-se abalada e temerosa em relação à deserção da aliada, mas não podia parar. Não àquela altura. Continuando a avançar no mesmo sentido do corredor externo tomado pela inimiga, a maga a acompanhou até a porta, única aberta, que havia acabado de atravessar. Junto à dobra seguinte do trajeto, a entrada levava, aparentemente, à capela do internato. Antes de também cruzá-la, no entanto, a mestre da família Petruglia deteve-se mais uma vez para tomar ar e sondar os arredores. Com todas as suas luzes apagadas – algo pitoresco se considerada a hora não muito avançada, já que algumas irmãs estariam no mínimo ainda se preparando para dormir – o colégio mais parecia um antro de perdição e maldade, como um santuário corrompido por algum tipo de energia negativa extremamente poderosa. Por certo obra de sua oponente... Hesitando, Daniela apoiou uma das mãos no batente da porta e olhou para Archer, ao seu lado. Captando o estado de espírito da conjuradora, o servo apenas lhe disse:

- Vamos, minha dama. Lembre-se de que sou seu arco e suas flechas, e lutarei junto de si até o fim!

As palavras de Robin reacenderam a chama de sua determinação. Era incrível como desde o início daquela guerra havia criado um intenso elo com aquele espírito heróico, que ultrapassava o esperado de uma relação "comum" entre um mestre e um servo. Certo estava que, não importando o que acontecesse, ela jamais o esqueceria...

Fechando os punhos e pisando firme com seus saltos, a maga adentrou a capela...

O lugar encontrava-se quase tão escuro quanto o exterior, a única fonte de claridade provindo dos fachos pálidos de luar que penetravam através das janelas com desenhos de cruzes, projetando-se sobre o chão e paredes como fracos holofotes e gerando onírico efeito. O singelo templo pareceu à recém-chegada estranho, pois parecia ao mesmo tempo grande e pequeno. Enquanto a nave central, de piso xadrez e duas fileiras de bancos, estendia-se menos do que o lado de fora deixava parecer, o teto era alto, com o ambiente sendo constituído por dois níveis. O primeiro, à altura do solo, era composto por três portas – a que acabara de ser transposta pela invasora, uma outra oposta ao altar, e uma terceira junto a este que por certo levava à sacristia. O dito altar, à sua esquerda, era simples, mas ornamentado. Esculpido no que parecia ser pedra, possuía algumas imagens de santos dispostas de maneira organizada, Daniela não conseguindo identificar quais eram devido à pouca luz – suas figuras assim compondo somente sombrios vultos que a espreitavam. Outras estátuas eram vistas pela capela, distribuídas junto a pilares e, com seus rostos resignados, aparentando lamentar o que ali ocorria. Uma grande sombra num canto, delineando os contornos de um objeto volumoso e até um tanto assustador, pertencia na verdade a um velho órgão, suas teclas nas cores preta e branca parecendo reproduzir o hábito das irmãs e seus tubos enfileirados ameaçando propagar, a qualquer instante, uma melodia fantasmagórica. O nível superior, por sua vez, era composto por uma espécie de sacada que percorria boa parte do espaço junto às paredes, possuindo parapeito de madeira e metal e um espaço dedicado, presumivelmente, ao coral. Outras portas existiam em sua extensão, levando a mais uma gama dos infindáveis mistérios que pareciam constituir aquele sinistro prédio...

- Então você veio mesmo, querida.

A voz era infantil, porém não muito. Não apenas devido ao tom maligno e sádico, mas devido ao próprio timbre. Pertencia a uma jovem, provavelmente, um pouco mais nova que Daniela. E era possível identificar na fala, de forma nítida, um carregado sotaque português. Era sabido que a família Percival possuía origem lusitana – na verdade bem mais antiga, remetendo aos suevos – e que migrara para o Brasil na época do Marquês de Pombal. Isso fazia Petruglia ter certeza de estar na presença de sua adversária. Precisava agora, apenas, localizá-la visualmente, pois já sentia sua forte presença desde que adentrara a capela.

- Você é a outra mestre restante, então? – indagou Daniela tentando ganhar tempo enquanto, junto com Archer, olhava ao redor, costas de um coladas às do outro.

- Sim, sou eu. Maria Isabel da Fonseca Gama e Percival. Mas pode me chamar apenas de Isabel. É assim que desejo que memorize o nome daquela que irá matá-la.

As palavras pareciam se originar de algum canto perto do altar. Daniela, discreta, deu alguns passos em tal direção, valendo-se da penumbra para ocultar sua silhueta. Logo depois, todavia, uma nova fala da oponente pareceu vir de uma posição totalmente contrária, o que fez seu coração tornar a acelerar:

- Espero que esteja pronta para perecer junto com esse seu servo patético. Eles são de épocas semelhantes, mas posso lhe garantir... Meu Saber é o cavaleiro mais poderoso e hábil de toda Idade Média!

Saber? Então era mesmo verdade... A maldita Percival conseguira invocar a classe mais forte! Exímia em combate, resistente a magia... Procurando não ceder ao desespero, a maga dos Petruglia tentou usar mão da raiva como meio de conservar sua firmeza:

- Você então se vale de um sabre? Como ele aceitou tomar parte em seu esquema de se alimentar da essência de pobres moças, como aquelas cujos corpos encontramos no asqueroso túnel que liga este colégio à catedral?

Nesse instante Archer se voltou para a mestre, olhar intrigado. Ele pensava a mesma coisa que ela. Os espíritos da classe Saber também pertenciam às Classes Cavaleirescas e geralmente eram os mais apegados a seus códigos de conduta, ainda mais se tratando de um cavaleiro medieval. Como um servo assim poderia tomar parte em tamanha crueldade? Existia, claro, a possibilidade da inimiga ter se utilizado de seus feitiços de comando para obrigar seu sabre a se alimentar de humanos vivos, porém a explicação não soava muito convincente, ainda mais se considerando a limitada quantidade desses recursos e o grande número de cadáveres vistos... Havia algo de muito estranho ali. Estranho e perverso.

- Oh... Meu servo, em nome do Cálice, aprendeu a abrir mão de regras ultrapassadas e éticas limitantes... – a Percival respondeu após um breve riso, sua voz agora parecendo provir de todas as partes da capela. – Além do mais, aquelas tolas das minhas companheiras de internato de nada serviriam nesta existência... A maioria delas seguiria esta odiosa vida pautada em religião e encerraria sua passagem pelo mundo sem nada ter conquistado para si. Nada mais justo, desse modo, que eu empregue seus espíritos inúteis para a concretização da minha grande meta. O Graal será meu, Daniela Petruglia. E ele realizará meu desejo!

- O Cálice Sagrado jamais servirá a alguém imersa em tanta sujeira! – a mestre de Archer bradou, corpo se firmando numa postura de combate.

- Pois então veremos. Que eu vença!

Seguiu-se o rápido deslocamento de um vulto, como se não passasse de uma lufada de vento... Com seus olhos atentos, Daniela pôde visualizar um borrão preto e branco, complementado agora por um aspecto dourado em sua parte superior, rasgar o ar diante de si... e antes que pudesse reagir, sentiu violenta dor em seu abdômen, cuspindo sangue enquanto voava com força contra uma das pilastras do templo. Assim que suas costas se chocaram com o cimento, ouviu um estalido e estremeceu com as pontadas de duas ou três de suas costelas se partindo. Gemeu. Não poderia ter sido pega de surpresa por aquele maldito ataque. De maneira alguma.

- Charlemagne, ataque! – o grito de Isabel, destinado a seu servo, ecoou pela capela.

- Como? – Archer indagou, incrédulo. – O servo dessa menina é o campeão dos francos?

Não teve tempo para ponderar a situação, no entanto: uma veloz e letal silhueta brilhante jogou-se sobre si, o servo de Daniela por pouco escapando, graças aos seus reflexos, de uma investida de espada que passou a meros centímetros de seu pescoço. Durante o breve instante em que a lâmina singrou a atmosfera logo à frente de si, Robin, graças à sua apurada visão, pôde contemplar o cabo dourado ricamente decorado e as dimensões perfeitamente calculadas da estrutura da arma. Ouvira falar e muito, em vida, daquele sabre, muitos forasteiros que chegavam a Sherwood freqüentemente contando sobre ele histórias e entoando canções em torno de fogueiras tendo-o como tema. Joyeuse, ou "Rejubilante". A lendária espada de Carlos Magno, imperador dos francos.

Tentando alternar seu foco entre o adversário que o atacava tão repentinamente e sua mestre em apuros, Archer recuou mais alguns passos e, saltando sobre o encosto de madeira de um dos bancos, conseguiu vantagem suficiente para apanhar seu arco e muni-lo de uma flecha. Saber, todavia, já partia novamente em sua direção com a lâmina erguida e uma postura de luta que demonstrava incrível aptidão. Não seria um confronto fácil. Robin, aliás, começava a considerar seriamente a possibilidade de perdê-lo...

Daniela, com certa dificuldade, erguia-se do chão frio. Sangue ainda vertia de seus lábios e, quando tentou correr, uma dolorosa fisgada atrás de seu abdômen a deteve da forma mais cruel. A outra maga, por sua vez, não esperaria que a oponente se recobrasse: ainda se movimentando em grande velocidade, parou subitamente diante de Petruglia, revelando seu corpo coberto pelo hábito somente até o pescoço, com a parte superior do traje tendo sido removida e exibindo assim um rosto muito branco de contornos delicados, um par de olhos de coloração roxa e uma cabeleira loira e lisa que se estendia até seus ombros. Sorrindo de forma diabolicamente travessa, Isabel disse, divertindo-se muito com o infortúnio da rival:

- Mais algumas feridas como essa e estará mortinha!

- Ora, sua...

Não conseguiu mais uma vez reagir, entretanto. Estendendo uma das mãos para seu corpo e abrindo os dedos, a mestre de Saber fez com que o organismo de Daniela, em sua totalidade, fosse acometido de insuportável dor. Não conseguindo manter-se de pé, a Petruglia despencou de joelhos, retorcendo-se sobre o piso xadrez, aos gemidos, como se fosse violentada por dezenas de membros invisíveis. E, embaixo de sua roupa, veios de sangue começaram a surgir, formando longo pequenas poças... Feridas que se abriam por dentro, provocadas por magia. Ela nunca tivera conhecimento de encantamento tão sórdido. Os Percival realmente vinham lidando com forças ocultas inimagináveis desde a guerra anterior, e agora a infeliz Daniela pagaria o preço...

- Acha isso muito doloroso? – inquiriu a fria e ao mesmo tempo pueril Isabel, mantendo sua mão estendida. – Eu posso causar mais sofrimento, não duvide!

- S-sua... maldita!

- Sabia que acabaria mordendo minha isca e vindo até aqui. Tão tola, tão previsível... Agora seu sangue também servirá de sacrifício para que o Cálice se manifeste!

- Sinta a manifestação do meu desprezo, maguinha sem coragem!

Dizendo isso, Daniela conseguiu, num esforço espantoso, levantar um dos braços em que surgiam mais e mais sangramentos. Fechou então o punho e, mordendo os lábios... esticou o indicador na direção da adversária, erguendo simultaneamente o polegar como se transformasse os dedos numa arma de fogo...

- Impulsschuss!

O disparo de energia luminosa clareou a porção da capela ao redor e se dirigiu diretamente até o peito de Isabel... conseguindo atingi-lo em cheio. Soltando uma exclamação de surpresa, a noviça foi impelida alguns metros para trás, seus pés conseguindo frear o resto do corpo e endireitá-lo quando se encontrava prestes a colidir com o altar. Apesar de ter sofrido dano mínimo, a loira sabia que com o ataque sua oponente tivera a oportunidade de recompor-se. Ela assim realmente o fez e, novamente de pé, mesmo acometida de insana dor e com as vestes ensopadas de fluído vermelho, Daniela via-se pronta para mais.

Enquanto isso, o embate entre Archer e Saber seguia encarniçado. Com ambos desviando das investidas desferidas contra si, a Joyeuse deixava um rastro brilhante atrás de si conforme percorria o ar e as flechas de Robin, disparadas em grande quantidade e quase sem interrupção, eram todas ceifadas pela lâmina ou erravam o alvo graças aos ágeis movimentos deste, fragmentando-se em partículas luminosas. Bancos eram quebrados, paredes sofriam cortes e outras avarias... Mas, mesmo em meio à luta frenética, o servo de Daniela conseguia aos poucos examinar seu adversário com maior clareza. Dotado de barba espessa que lhe cobria toda a porção inferior do rosto, possuindo coloração castanha que apresentava os primeiros indícios de grisalho, e cabelos curtos, porém densos, com as mesmas características, a face de Charlemagne tinha aspecto fechado, severo, a pele levemente enrugada envolvendo um par de olhos negros donos da rigidez necessária para se comandar vastos exércitos e uma boca fina que permanecia até o momento calada. Era alto, seu corpo musculoso tendo quase dois metros, vestindo espessa armadura coberta por riquíssimo manto dourado com diversos símbolos e detalhes em tons de vermelho. Sem contar, é claro, a gloriosa coroa que ostentava ao topo da cabeça, feita de ouro cravejado de jóias e trazendo em sua extremidade superior uma cruz, emblema da cristandade de cujo império aquele soberano fora, em vida, supremo guardião.

- Por que se rebaixou às táticas desumanas dessa mestre desprovida de escrúpulos, nobre imperador? – questionou Robin de forma polida ao inimigo.

Ele, entretanto, nada respondeu, somente continuando a atacar com ininterruptos golpes da espada. Apesar de mortais e muito bem efetuados, Archer seguia desviando de todos, e em seu íntimo perguntava-se acerca da razão do silêncio de Saber. Teria Isabel utilizado um de seus feitiços de comando para dar-lhe a ordem de não travar qualquer tipo de diálogo com oponentes? Mesmo em caso negativo, aquele servo não se encontrava em seu estado normal. Seu modo de agir, na totalidade, não condizia em nada com a conduta de um cavaleiro. Contribuíra com sua mestre no massacre de jovens inocentes, concordando em obter poder a partir de seu sacrifício... Atacara Robin de maneira traiçoeira, sem nem ao menos se anunciar... e ainda por cima recusava-se a dar qualquer declaração ou ao menos demonstração de respeito ao adversário com quem se digladiava. Além disso, como aquela maguinha tão nova e caótica pudera invocar um espírito heróico de tamanha importância? Isso só poderia ser feito por meio de um extremamente poderoso catalisador, tendo os Percival possivelmente gastado boa parte de sua fortuna para obtê-lo...

Nisso, conseguindo repelir Charlemagne por um momento, Archer voltou sua atenção novamente para Daniela. Ela, apesar de muito ferida, esboçava um princípio de reação contra Isabel, e o servo, procurando ajudar sua maga, viu que seria um bom movimento atacar a noviça. Puxando a corda do arco, inseriu nele três flechas e, com suas mãos tão rápidas quanto o vento, disparou-as na direção de Percival. Os projéteis luminosos atravessaram a capela rumo à menina, mas esta, mesmo tendo acabado de ser repelida por Petruglia, conseguiu erguer uma das mãos... e, lançando uma esfera luminosa, desintegrou os artefatos no ar. Robin bufou. Além de a investida ter se mostrado inútil, o instante de distração lhe foi prejudicial: saltando sobre si, Saber atingiu-o no rosto com o cabo da espada, ferindo com gravidade uma de suas bochechas e atirando seu corpo em cima de um banco, que foi partido em dois com o choque. Poeira voou ao redor; Archer, cuspindo sangue e alguns dentes, concluindo que levaria ao menos alguns segundos para colocar-se novamente de pé... Segundos que poderiam mostrar-se fatais.

Já perto do altar, Isabel preparava-se para contra-atacar Daniela. Levantando os dois braços e mantendo-os esticados acima de sua cabeça, como se ousasse tocar com os dedos o céu, a garota loira riu. Riu demoniacamente, logo passando a gargalhar. E, percebendo que a inimiga preparava algum feitiço para detê-la, pronunciando palavras mágicas em sussurros, exclamou, olhos bem abertos e expressão facial doentia:

- Não espere me derrubar, Petruglia. Não espere nem ao menos me ferir. Este colégio é meu castelo. E eu o preparei inteiramente a meu favor!

Ao fim da sentença, um brilho alvo e intenso começou a ser irradiado pelas mãos erguidas de Isabel. Com a visão ofuscada, Daniela acabou obrigada a interromper a conjuração e cobrir a face com as costas de um dos braços ensangüentados. A luz aumentou, propagou-se, invadiu todo canto da pequena igreja. Em seguida, complemente de súbito... o local começou a tremer, como se atingido por potente e isolado terremoto. Fios de poeira principiaram a despencar do teto, das paredes... o dano aumentando e alastrando-se a cada segundo. Tábuas se desprendiam da sacada no nível superior e caíam sonoramente, velas apagadas e outros ornamentos rolavam de cima do altar, as imagens de santos perdiam suas bases e precipitavam-se sobre o piso, partindo-se em pedaços como na pior das heresias... enquanto as estátuas de pé pareciam ser lentamente desprovidas de suas cores, texturas... aparentemente derretendo e desfigurando-se num espetáculo sacrílego.

- Espíritos do passado, almas condenadas que sofreram e fizeram sofrer nesta cidade! – bradou Isabel num gesto de concentrada invocação. – Eu os conclamo a eliminarem meus inimigos!

O abalo piorou. O teto aparentava estar prestes a ceder a qualquer momento, vigas também dele ameaçando se soltar. Os tubos do órgão começaram a ruir em cadeia, empurrando uns aos outros como peças de dominó e batendo contra o solo em perturbadores ruídos metálicos. O resto da estrutura do instrumento, por sua vez, desmontou como se de repente passasse a estar sendo devorada por cupins há anos. Os pilares da capela oscilavam, balançavam. Daniela caiu sentada, agora sem forças para tornar a se erguer. Usou o outro braço para proteger ainda mais o rosto, aturdida enquanto temia ser esmagada por algo que caísse sobre si. Aos fundos, todavia, a luta entre Archer e Saber continuava a transcorrer como se nada acontecesse ao redor. Robin seguia disparando suas flechas e Carlos Magno brandindo sua espada, ambos logrando evitar serem atingidos pelos ataques. Procurando ampliar seu campo de visão, o servo de Daniela, tomando impulso num banco, saltou para trás, dando uma pirueta no ar e pousando de forma perfeita sobre o tablado ainda restante da sacada nível acima. O oponente no entanto o acompanhou, pulando com agilidade e aterrissando sobre a estrutura com Joyeuse já pronta... afundando-a no abdômen do arqueiro.

Robin estremeceu. Daniela, no andar de baixo, também sentiu o golpe, que lhe causou ânsia. Líquido rubro passou a jorrar em profusão da barriga do servo, manchando a imaculada lâmina sagrada do sabre de Charlemagne. Sem demonstrar qualquer emoção, este retraiu a arma e permaneceu encarando o adversário ferido, como se saboreasse seu sofrimento. Também percebendo o que ocorrera, Isabel, braços ainda levantados e brilhando em meio à destruição que consumia a capela, passou a cantar um fado da terra natal de sua família, perversamente adaptado à situação:

O mestre do senhor ladrão era sapateiro

Fazia sapatos para ganhar dinheiro

Senhor ladrão entrai na roda

Roubai um par para esta moda!

Incapaz de apanhar e armar seu arco devido à proximidade do inimigo, Robin, num último recurso, retirou uma flecha da aljava às suas costas e, inserindo-a em um de seus punhos, tentou usá-la para perfurar o peito de Saber... Errando. Foi a ação decisiva do confronto. Atacando mais uma vez com a espada, o servo de Percival manuseou-a com leveza e precisão incomparáveis... rompendo o pescoço de Archer. Mais sangue foi liberado, a pressão sendo tão forte que inclusive respingou no nível inferior. Daniela gritou de desespero enquanto via, com seus olhos moribundos, o servo lhe dar uma piscada... antes de desvanecer em pequenos pontos brilhantes. A maga olhou então para sua mão direita, onde até então estavam gravadas estranhas marcas mágicas, representando seus feitiços de comando. Sumiram todas de uma vez, sem deixar rastros, como se nunca sequer houvessem existido. Tornando a fitar a sacada, não existia tampouco mais nenhum indício da prévia presença de Archer, apenas Charlemagne, de pé, ali permanecendo com o sabre ainda levantado. Uma lágrima rolou pelo pálido semblante de Petruglia...

- Eu te amei, Robin Hood...

A infeliz mestre, entretanto, sequer teve tempo para cultivar seu pranto: molestada mais uma vez por Isabel, esta estendeu um dos braços em sua direção, abrindo os dedos... E, usando meramente a mão, passou a exercer algum tipo de força misteriosa sobre o corpo da inimiga. De início Daniela acreditou que o movimento de Percival tinha o objetivo de suprimir as últimas forças que lhe restavam, pois sentiu, apesar dos machucados e dos sangramentos, seu organismo ficar estranhamente leve e entorpecido... Então percebeu: seus pés e pernas não mais tocavam o chão, estando agora, na verdade, a quase um metro acima dele. A conjuração da oponente estava fazendo Petruglia levitar. E, ao sabor da palma branca e brilhante da loira, era deslocada para lá e para cá, de forma lenta; a adversária rindo sem parar, como se estivesse brincando com uma boneca nova.

- D-desgraçada... – balbuciou a morena, fazendo o máximo possível de esforço para descer ao solo; seus músculos, porém, não a obedecendo.

- O que foi que disse? – gritou a noviça, arregalando os olhos.

Em seguida, como reprimenda, Isabel moveu sua mão com enorme rapidez para a esquerda... Arrastando com ela a outra maga pelo ar, e fazendo-a assim colidir violentamente com um dos pilares da capela. Petruglia soltou um berro de dor, que voltava a assolá-la de forma lancinante. Sentiu seus ossos serem partidos, sua carne ser esmagada, sangue embebendo ainda mais sua pele e suas vestes em inúmeros coágulos. Gargalhando, Percival moveu a mesma mão para a direita, arremessando Daniela contra outra pilastra. Nova exclamação de sofrimento, unida agora a choro e mais feridas internas sérias. O corpo da morena começava a ficar retorcido, realmente desfigurado. No andar superior, Saber, tendo as mãos apoiadas no parapeito, apenas assistia.

- Algumas últimas palavras? – indagou a loira, entretida como nunca.

Com seu rosto repleto de hematomas, um dos olhos aparentemente cego em meio a enorme inchaço, a descendente de italianos apenas replicou:

- Vá para o inferno, rapariga!

- Não... Você é quem irá!

Movendo a mão agora para trás, Isabel fez Daniela flutuar até as proximidades do altar... Em seguida cerrando o punho e, impelindo-o para frente, simulando um soco. O efeito sobre a oponente foi ela ser lançada com incrível barbárie na direção da porta levando à sacristia, ela literalmente a atravessando, pois boa parte da madeira cedeu e incontáveis lascas perfuraram seu debilitado corpo. Rolando pelo piso da pequena sala anexa ao templo, Petruglia interrompeu seu movimento apenas ao se chocar de costas com uma das paredes, deixando de levitar e de imediato despencando com violência rumo ao chão. De uma maneira que não conseguia explicar, com sua cabeça extremamente zonza e tendo boca e nariz completamente preenchidos de sangue, não havia perdido a consciência. Sentia uma dor avassaladora por todo seu organismo... com exceção da área abaixo da cintura. Na verdade, não sentia mais nada nessa região, não conseguindo nem ao menos mover seus membros inferiores... Foi quando, ouvindo passos oriundos da capela, deu-se conta de que provavelmente jamais tornaria a andar.

Tendo a vista opaca, Daniela conseguiu erguer o tronco, apoiando-o na parede atrás de si. Viu a sacristia em desordem, uma lâmpada estando acesa no teto: de uma prateleira danificada caíam livros de liturgia e objetos ritualísticos, entre os quais um cálice dourado que, em meio à bagunça do recinto, parecia uma metáfora da imundície em que Isabel Percival transformara a batalha pelo Graal. Dois vultos, então, cruzaram a porta danificada e ganharam a saleta. Apesar de não poder observá-los com clareza, Petruglia pôde identificar o borrão preto e branco como a mestre inimiga e a silhueta amarela junto dela como seu servo. Este, apontando sua espada para a morena caída e ofegante, inquiriu, em suas primeiras palavras aquela noite, repletas de sotaque francês:

- Devo completar o que começou, minha senhora?

- Não, não é preciso! – respondeu Isabel, soando repentinamente mais centrada e séria. – Já há sangue suficiente para a invocação do Cálice. Além disso, essa infeliz deve viver para que seja obrigada a lidar com a derrota até o fim de sua existência...

Obedecendo, Charlemagne guardou seu sabre na bainha. Em seguida, ao que pareceu à grogue Daniela, cujos olhos se alternavam entre a quase total névoa e momentos de breve nitidez, a noviça se colocou de joelhos sobre o piso, palmas abertas em contato com o mesmo e cabeça erguida... enquanto, após respirar fundo e tendo Saber sempre fiel, de pé, ao seu lado, começava a invocar:

- Espíritos do caos e da morte... Conjunto de entidades que se unem nesta cidade e que aqui, há milênios, compõem perverso chakra... Lúcifer, Samael, Angra Mainyu, Seth, Hades, Mictlantecuhtzi, Hel! Aut vincere aut mori, radix malorum est cupiditas. Sendo assim, senhores do abismo, atendam ao meu desejo. Que aqui seja invocado o Cálice que, colhendo o sangue dos mestres e servos eliminados, cumprirá meus anseios. Mors tua vita mea, mors omnibus. O sacrifício gera agora recompensa!

Logo depois Percival retirou suas mãos do piso, passando a ostentá-las abertas e unidas diante de si como se com elas suplicasse algo... e um intenso brilho, mais claro que o dia, invadiu toda a sacristia. Envolveu os dedos da garota loira e, implacável, gerou uma onda de vento ao redor. Os ferimentos de Daniela arderam, seus cabelos esvoaçaram. A estrutura da sala estremeceu, mais artefatos foram arremessados, tinta passou a ser descascada das paredes. Mestre e servo inimigos, todavia, não aparentavam nem um pouco se abalar. Pouco depois a luz diminuiu, tomando forma, contornos, detalhes... convertendo-se num cálice dourado lindíssimo, cravejado de jóias, suspenso no ar pouco acima da figura de Isabel. Esta ergueu o rosto e fitou-o maravilhada, os olhos de pupilas roxas refletindo seu brilho... E a mestre do eliminado Archer simplesmente não conseguia compreender...

Como um artefato místico tão puro e poderoso pudera ser materializado a partir de súplicas a entidades malignas, ainda mais por uma maga tão cruel? Que tipo de sortilégio ela estava utilizando? O que, afinal de contas, significava tudo aquilo? Seria mesmo real, ou apenas ilusão?

Movendo-se de súbito, Carlos Magno deu um passo à frente. Estendendo o braço direito, envolveu a peça mágica com a mão. Estava correto: apenas servos podiam tocar o Santo Graal. Uma suave intensificação do brilho do cálice manifestou-se através do ambiente enquanto Saber trazia o artefato até si. E, sem cerimônia alguma, levou uma das bordas deste aos lábios, bebendo do líquido cristalino nele contido.

Ao término da ação, o servo simplesmente retornou o Cálice até a posição anterior em que se encontrava... o mesmo permanecendo a flutuar no ar quando o cavaleiro o soltou. Emitindo nova luz, agora num tom dourado como sua composição, a peça estava solícita aos anseios da mestre de Charlemagne. Possuindo disso plena ciência, ela exclamou, erguendo-se do chão:

- Agora, atenda ao meu desejo...

Um novo brilho, mais forte do que todos os anteriores, tomou a sacristia e, abalando os sentidos de Daniela, fez com que perdesse a consciência sem mais nada poder ver ou ouvir.


X - X - X


É em vão eu chorar

Por tempos longe de mim

Lágrimas não mudam o que já fiz

E não deve importar

O que ainda não veio

A meus desejos sempre me apegarei

Cinzas da guerra preenchem minhas mãos

Elas revelam o que sou

Sem jamais deixar de lutar

Apenas a noite a me guiar

Quando se vive por alguém

Não há mais nada que se queira, se deseje

Por isso não feche os seus olhos, não feche

Porque o meu "eu" está aqui!

Para o vento eu joguei

Coisas a me incomodar

Teimosia, orgulho e dor

E não importa o quanto

Queira mudar o passado

As respostas estão no que eu vivo aqui

Se eu cair ou deixar de lutar

E só a lenda restar

Terei persistido até tudo acabar

Eu, meu sabre e a luz do luar

Quando se vive por alguém

Não há mais nada que se queira, se deseje

Por isso não feche os seus olhos, não feche

Porque o meu "eu" está aqui!

Quando se dá a vida a outro

Qual é o valor desse momento, do sacrifício?

Joguemos fora os disfarces, as sombras

Sejamos quem devamos ser!


FATE/SUPREMACY

28. Juni 2020 01:26 0 Bericht Einbetten Follow einer Story
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